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Novo presidente do TSE destaca importância dos partidos políticos na consolidação da democracia

07.05.2008 às 18:08

A importância dos partidos políticos na consolidação da democracia foi ressaltada hoje pelo presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, durante entrevista coletiva à imprensa. Para o ministro, “os partidos são uma ponte entre os candidatos e os eleitores. Não há candidatura Zumbi. Ninguém é candidato de si mesmo. Os partidos são instituições fundamentais à democracia, são veículos da democracia”.

Carlos Ayres Britto, ao comentar a questão da candidatura de políticos com ficha criminal, lançou uma pergunta aos jornalistas: “Essa idéia central de que o povo merece o melhor no plano da representatividade política não começa por um juízo mais rigoroso do registro de candidatura, de modo que, diante de um pedido de registro por parte de um partido, mas referente a candidato cuja vida é reconhecidamente um namoro com a deletividade”, a Justiça Eleitoral não pode fazer nada?”

Sobre sua participação no Partido dos Trabalhadores (PT) e que avaliação ele faria do partido hoje, o ministro esclareceu:”Quando fui indicado para ministro do Supremo Tribunal Federal eu fiz o que, modéstia à parte sei fazer na minha vida: eu viro a página. Se refugar nada, sem me arrepender de nada. Virei a página. A minha página partidária está definitivamente virada. Eu virei magistrado e um magistrado não pode ter preferência partidária”.

Segue abaixo, trecho da entrevista do presidente do TSE:

Juliano Basile  (Jornal Valor): No seu discurso de posse o senhor citou a questão da fidelidade partidária, sinalizando uma possível ampliação dessa fidelidade, o senhor falou da necessidade de existir uma fidelidade do partido às suas próprias diretrizes. Eu queria saber  como essa questão pode ser levada a cabo na prática pelo tribunal, se existe alguma representação em curso, existe alguma ação nesse sentido.

Ministro Ayres Britto: Os partidos são uma ponte necessária entre os candidatos a cargo eletivo, a cargo de representação popular, e os eleitores. Não há candidatura Zumbi. Ninguém é candidato de si mesmo. Sem a ponte do partido ninguém chega ao eleitor. Isso significa que a nossa democracia é partidária, a nossa democracia indireta ou representativa é partidária. Os partidos são instituições fundamentais à democracia. São veículos da democracia.

Os partidos correspondem a parcelas de opinião pública, no campo político-ideológico ou filosófico político. Os partidos arregimentam na sociedade simpatizantes para os seus programas, para sua ideologia, para a sua filosofia política.

Os partidos organizam, portanto, essa vocação que as pessoas têm para praticar a política. Eles são fundamentais, são essenciais, são de toda a relevância. E como, a cada eleição,  eles em suas convenções escolhem os candidatos, registram os candidatos na Justiça Eleitoral, avalizam a candidatura dessas pessoas que pretendem se eleger, os partidos abrem os seus espaços no rádio e na televisão para os seus candidatos registrados, gastam dinheiro, investem dinheiro do fundo partidário com campanhas eleitorais, então os partidos não podem ser abandonados pura e simplesmente depois que o seu candidato é eleito.

O candidato não pode bater em retirada, dar costas ao partido sem nenhuma satisfação, colocando o diploma e o mandato debaixo do braço. Foi isso que nós dissemos com toda coerência, porém, não faz sentido exigir fidelidade do eleito ao seu partido, se o partido não for fiel a si mesmo, não for fiel ao seu programa e sobretudo se o partido não praticar aquilo que é próprio de todo o processo eleitoral: o regime democrático. É preciso que haja uma democracia interna, fuga de oligarquização, fuga do cezarismo interno ou endógino. Nessa medida, se um eleito pelo partido chega à Justiça Eleitoral dizendo que não tem condições de permanecer naquele partido, porque o partido desertou de seu programa e internamente é autocrático, é evidente que a Justiça estará sensível para este tipo de postulação de afastamento partidário, de desligamento.

A Justiça Eleitoral pode colaborar nesse processo de depuração da vida democrática brasileira, a partir da vida interna dos partidos. A Justiça Eleitoral pode colaborar, acatando o desligamento do parlamentar, do executivo eleito, sob essa justificativa de que não pode conviver com o partido desertor de seus próprios ideais e oligarca. Então, é nesse sentido que fala meu discurso. Porque só neste contexto é que se pode falar do partido como “sepulcro caiado”, é uma expressão antiga que  significa que o túmulo, o sepulcro, o mausoléu é bonito por fora, mas não existe mausoléu bonito por dentro, vamos convir. O que tem ali é uma putrefação só.

Agora, não descontextualizem essa minha colocação, senão eu estarei ofendendo os partidos políticos do modo mais grosseiro e injusto possível. Os partidos são peças fundamentais à democracia, a ponto de se poder dizer que nós vivemos numa partidocracia, mas uma partidocracia no Brasil no melhor sentido. Quando eu falei de sepulcro caiado foi nesse sentido. Se o partido exige fidelidade de seu candidato eleito, o seu representante, e ele mesmo não é fiel ao seu programa, não é fiel à sua própria democracia, esse partido é sepulcro caiado.

Entenda bem, neste contexto, porque fora do contexto, volto a dizer, até parece que eu estou explodindo a estrutura partidária e manifestando a minha absoluta descrença nos partidos, como peças essenciais à democracia. Muito ao contrário, ontem em meu discurso eu fiz questão de dizer que se de um lado nós temos políticos que fazem de sua caneta um pé de cabra, de outro lado, nós temos políticos que fazem da política aquilo que ela efetivamente é: a política é a mais importante das atividades humanas, porque a política serve para viabilizar a prestação de serviço estatal a toda coletividade, a polis por inteiro. Política vem de polis, que é mais de sociedade civil, é esse espaço de originárias relações entre todos os governantes e todos os governados.

Nós sabemos que não há gênero maior no plano das relações do que esta entre governantes e governados constituindo as primárias das relações, após essa polis dos gregos e cívita dos romanos e a política é isso, essa atividade voltada o tempo inteiro para servir a coletividade como um todo. Se no plano espiritual não há nada mais importante do que a religião, porque enquanto na religião a ligação entre criador e criatura se serve a Deus, a mais sublime das instância, no plano temporal, secular não há atividade mais importante do que a política, porque pela política se serve ao povo inteiro e o povo é, sem nenhuma dúvida, a mais relevante de todas as instâncias.

Felipe  Recondo (O Estado de S. Paulo) : Ontem o sr. falou em seu discurso sobre um assunto recorrente, que é a candidatura de políticos com a ficha criminal suja. Eu devolvo a pergunta, já que o senhor fez em forma de questionamento. É possível a Justiça Eleitoral fazer algo a respeito disso ou depende de alguma mudança legislativa?

Ministro Ayres Britto: Eu fiz questionamentos, naquela linha do pensador contemporâneo Umberto Eco: ele diz que o papel de todo intelectual, de todo jornalista, de todo aquele que tem uma inserção comunitária mais forte é  agitar idéias, é questionar aquilo que parece definitivamente assentado. É essa inquietação mental que faz a sociedade avançar, evoluir, fugir da estagnação, do marasmo, da mesmice. O questionamento é uma fuga da mesmice. Eu questionei para suscitar uma reflexão eminentemente jurídica, porque este  é um tema recorrente, de marcante atualidade. Já houve a decisão , já houve, mas a toda hora a imprensa noticia que alguns Tribunais Regionais já estão voltando à carga  com essa preocupação. Essa idéia central de que o povo merece o melhor no plano da representatividade política não começa por um juízo mais rigoroso do registro de candidatura, de modo que, diante de um pedido de registro por parte de um partido, mas referente a um candidato cuja vida é reconhecida um franco, um namoro permanente com a deletividade, a Justiça Eleitoral não pode fazer nada? Aí vem outro questionamento.

Será que a regra constitucional, que  é um verdadeiro direito à presunção de não-culpabilidade enquanto não transitar em julgado sentença penal condenatória, será que este dispositivo constitucional pode ser estendido à Justiça Eleitoral ou ele diz respeito apenas à justiça penal? É uma matéria exclusiva de direito penal ou se estende
ao direito eleitoral? Com este tipo de questionamento, os juristas, os advogados, os operadores do direito vão se desbruçar sobre a Constituição e a legislação infraconstitucional com mais cuidado, com mais demora para equacionar a pergunta.

Não estou antecipando voto, nem preferência, mas é um tema recorrente, as pessoas se perguntam isso. Nós falamos tanto de qualificação da vida ecológica, ética, econômica do país e falamos muito pouco, inclusive na imprensa, de qualificação da vida política. Quantas vezes vocês ouviram ou leram essa expressão? Qualificação da vida política brasileira? A qualificação da vida política brasileira não é uma espécie de condição para as outra qualificações? Sem a qualificação da vida política você não consegue uma qualificação da vida social, da vida ética, então, o processo democrático é esse questionamento incessante.

Eu apenas fiz uma provocação para que todos nós estudemos ainda mais. É possível extrair do ordenamento brasileiro o juízo que a Justiça Eleitoral está habilitada sim, se não por um dispositivo isolado, mas por  um sistema de comandos. É possível extrair  desse sistema de comandos uma regra habilitadora da Justiça Eleitoral para se indicar, examinar o mérito do registro na perspectiva da vida pregressa do candidato? Eu não tenho resposta.

Carolina Brígido (O Globo): Eu queria perguntar o seguinte: levando-se em consideração os partidos, e o grau de putrefação deles por dentro, que o senhor mencionou, eu queria fazer uma pergunta mais específica. Antes de ser magistrado, o senhor foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Eu queria saber se o senhor considera que o partido manteve fidelidade aos seus propósitos iniciais ou se hoje em dia é um outro partido diferente com relação ao que o  senhor fundou ?

Ministro Carlos Ayres Britto: Eu volto a dizer a metáfora do sepulcro caiado, que é muito forte, também como é muito forte a metáfora da transformação da caneta em pé de cabra, mas às vezes é preciso usar dessas metáforas mais fortes didaticamente, com o melhor dos propósitos na perspectiva do saneamento dos nossos conceitos. Então quando eu falava da putrefação foi naquele conceito: como é que um partido exige fidelidade dos seus eleitos a eles (partidos) e não são fiéis a si mesmos no plano da democracia interna, da fidelidade programática ? isso parece farisaísmo ou sepulcro caiado. Foi nesse contexto que eu concedi a entrevista.

Eu não fui fundador do Partido dos Trabalhadores, eu sempre fui simpatizante, mas entrei alguns anos depois.  E entrei no Partido dos Trabalhadores a partir de duas bandeiras por ele hasteada, o partido hasteada e acredito que ainda hoje hasteie, duas bandeiras bem nítidas, a primeira da democracia, a segunda da ética na política. E, vamos convir, ali onde a ética na política não é tudo, a política não é nada. Vamos radicalizar, vamos fazer como Tobias Barreto que dizia assim: onde o povo não é tudo, o povo não é nada. Essa radicalidade democrática de Tobias Barreto é de uma marcante atualidade. Não há meio termo. Onde a ética na política não é tudo, a política não é nada. Não tenho receio de incorrer nessa radicalidade, no sentido de ir às raízes. Há muito mérito nisso, muita autenticidade nisso. Então o Partido dos Trabalhadores hasteava essas duas bandeiras e contribuiu muito para a restauração do processo democrático brasileiro e implantação da ética na política. Militei quase 18 anos com todo empenho, com todo o gosto. Eu era no partido uma espécie de intelectual orgânico. Agitava algumas idéias, fazia alguns questionamentos, participava de debates.

Eu era um professor da Universidade Federal de Sergipe, escritor, conferencista e com essa embocadura para os temas políticos. Ensinei muito direito do Estado, teoria geral do Estado, ensinei muito direito constitucional, que tem tudo com política. Quando fui indicado para ministro do Supremo, eu fiz o que, modéstia à parte, eu sei fazer na minha vida. Eu viro a página sem refugar nada, sem me arrepender de nada. Virei a página. A minha página partidária está definitivamente virada. Eu virei um magistrado e um magistrado não pode ter preferência partidária. Ele tem que ser imparcial. Então com o Partido dos Trabalhadores a minha relação é essa: antes e depois. Antes eu fui um fervoroso participante do partido, da sua militância democrática e ética. Hoje eu sou um fervoroso militante da judicatura, um entusiasmado magistrado. Cônscio de que a magistratura e que o Poder Judiciário organiza a práxis nacional. O poder judiciário como dá a última palavra jurídica. O judiciário plasma o perfil de todo a coletividade como se fosse um maestro. O maestro regente faz um movimento com a mão e a orquestra toda segue. Pensemos no Supremo. O Supremo toma uma decisão, uma nova cultura se implanta e um velho paradigma é derrubado. Isso nos dá uma responsabilidade muito grande. Eu tenho dito também metaforicamente, que o Supremo é uma casa de fazer destino nacional sem usurpar a função legislativa. Ele não pode usurpar a função legislativa nem tem usurpado a função legislativa.

Izabelle (Correio Braziliense): Eu queria uma opinião do senhor bem específica: ontem o senhor tocou no ponto sobre as obras no período eleitoral. E isso tinha sido tema de diversas trocas de farpas entre o presidente Lula e o ministro Marco Aurélio. Eu queria saber se o senhor acha que é possível tocar obras, inaugurar obras, executar obras em período eleitoral e se esse tipo de coisa que está acontecendo, e se essas coisas que estão acontecendo, esses eventos do PAC, são comícios antecipados.

Ministro Carlos Ayres Britto: Izabelle, quando eu estava discursando ontem tirei a vista do papel, olhei para a platéia para oralizar, não para ler. Eu não estava ali antecipando voto, nem mesmo preferência pessoal. O que eu estava era fazendo uma provocação. Antecipando, lógico, um tema que aflorará. Porque nós não somos ingênuos. Isso virá sob a forma de consulta, de representação contra determinado governante, estadual, municipal, federal. Mas, na medida que eu faço provocação, eu já antecipo estudos de todos nós que somos especificamente da comunidade jurídica.

Esse tema é um fio de navalha porque a linha que separa o legal do ilegal é muito tênue. Porque de um lado é natural que todos nós nos perguntemos. Como o Brasil em anos pares passa por eleição geral, em anos pares os governantes deixam de governar, eles governam ano sim, ano não. É um questionamento. Segundo: natural que isso aflore ao nosso pensamento. Não, o governante pode governar, contando que beneficie toda uma coletividade. E todos, digamos, no plano federal, todos os estados e municípios, sem discriminação.

Não esse ou aquele município alinhado, partidariamente ou governamentalmente. Não esse ou aquele estado que também faça parte, cujo governador faça parte da situação. E como fica esse governo para toda a coletividade indistintamente, diante da regra também constitucional, também legal, da paridade de armas, da paridade de meios nessa temporada de caça ao voto, viciada. Como fica esse equilíbrio de forças entre os pretendentes, os disputantes da preferência popular ? É possível harmonizar, não é possível, um tem que sacrificar o outro ? É evidente que eu não vou responder. Até porque eu não sei. Agora eu já estou meditando, já estou estudando, fazendo anotações. Já estou aqui procurando na Constituição. Meu Deus, será que eu não tenho aqui um artigo que não seja pelo menos seja o início de equacionamento jurídico. Por exemplo: artigo 19 é vedado aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar distinções entre brasileiros por preferências entre si. Será que esse não é o ponto de partida para um equacionamento jurídico na perspectiva quem sabe da conciliação entre esses dois valores.

Eu sou um agitador de idéias, não posso deixar de ser. Eu quero antecipar estudos para que quando as questões chegarem, nós já tenhamos todos os ministros, advogados, juristas, jornalistas, tenhamos todos pelo menos um início de reflexão sobre o tema. Sou um homem do meu tempo. Vocês estão perguntando exatamente o que está no meu discurso. Todas as perguntas estão no meu discurso, por que ? (Risos)  Aquele discurso foi inspirado em vocês, claro que vocês perceberam isso. Nas perguntas que vocês fazem todos os dias.

Fonte: TSE