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Professor da UFSC fala da democracia direta na era digital

14.09.2007 às 13:03

Doutor em Ciências Políticas, o professor Julian Borba, que atua no Departamento de Sociologia e Ciências Políticas da UFSC, apresentou o tema "democracia direta na era digital". A proposta discutiu os instrumentos, possibilidades e limites da democracia direta na era da internet. Borba definiu a era digital como o novo contexto mundial em que a tecnologia da informação está disseminada e acessível à coletividade, configurando novas formas de organização da vida social e privada. Ele lembrou que a democracia direta pressupõe uma organização política na qual a soberania é exercida diretamente pelo povo, sem intermediários. A chamada Constituição Cidadã (1988) consagrou, ao lado da representação parlamentar, princípios de democracia direta. Em oposição aos críticos que apontam riscos de manipulação, autoritarismo e populismo, Borba colocou-se a favor da proposta de nova regulamentação do art. 14 da Constituição Federal. Essa proposta retiraria do Congresso a competência exclusiva para convocação de referendos e plebiscitos, concedendo ao povo a iniciativa para deflagrar esses processos. "Essa possibilidade iria conferir um caráter societário à prática democrática", argumentou.

Em relação à democracia digital, Borba afirmou que isso representaria uma mudança no padrão tradicional de votação, já existindo experiências internacionais nesse sentido. Ele acredita que já exista tecnologia capaz de dar conta da questão da segurança e confiabilidade dos sistemas e informações. A principal discussão que se coloca, é, então, a da desejabilidade desse tipo de sistema. Borba destacou algumas experiências de governo eletrônico, como a de Bolonha, na Itália, que possibilitam uma maior articulação da ação dos cidadãos com a ação estatal. Assim, essas novas tecnologias de informação trazem consigo a possibilidade de revolucionar a prática e a organização das instituições políticas modernas, configurando uma espécie de "ágora virtual", que integraria os cidadãos nos processo de deliberação e discussão pública.

Ele ressaltou algumas experiências de democracia participativa em andamento no mundo. De acordo com pesquisas recentes, existem 174 experiências de orçamento participativo no Brasil, 17 só em Santa Catarina. Além disso, cresce a cada dia o número de conselhos gestores de caráter consultivo e deliberativo. "Essa é a grande inovação democrática", afirmou. Essas inovações permitem a integração de um maior número de cidadãos aos processos decisórios, trazendo consigo uma nova noção de representação coletiva. Entretanto, ele lembrou que há problemas a serem resolvidos dentro desses espaços, como, por exemplo, os processos eleitorais que regem a escolha dos representantes e os mecanismos de responsabilização dos mesmos.

No desfecho de sua explanação, o palestrante asseverou a importância de se ampliar os mecanismos de governança eletrônica, e de considerar as experiências e instrumentos de participação direta como instituições políticas, dando-lhes o devido tratamento. Entretanto, Borba observou que para além do plano das configurações específicas da organização política, é necessário tratar o problema da desigualdade. "Quaisquer discussões acerca da democracia direta e digital só fazem sentido quando resolvidos os problemas de exclusão social, política e digital."

Entrevista

Como o se o senhor vê o fenômeno da mundialização e expansão da internet? Qual a influência que isso pode ter nas esferas política e econômica?

Falar em era digital é falar sobre o impacto da tecnologia da informação nos vários níveis e espaços da vida social, na relação dos indivíduos com o mercado, na relação dos indivíduos na sua vida privada e na relação do indivíduo com o Estado. Com a difusão da tecnologia da informação, estão abertas inúmeras possibilidades de novas interações diretas entre cidadão e Estado. E é isso que vem sendo caracterizado como democracia eletrônica, democracia interativa.

O que seria a ciberdemocracia de que fala o autor Pierre Levy?

Seria esse novo sistema político mediado pela tecnologia da informação.

O senhor acredita que a mundialização da internet possa levar ao retorno do modelo de democracia direta?

Ela abre possibilidades como nunca. Desde os gregos nunca tivemos tanta possibilidade de uma interação direta entre indivíduos e Estado, como as que agora estão abertas. A democracia direta é viável, é possível, mas a questão que se coloca é se é desejável. A idéia de inclusão do voto eletrônico como uma possibilidade efetiva, ainda gera muitos questionamentos, pelo menos a curto prazo.

O senhor vê na internet um mecanismo para aumentar o controle e a vigilância sobre as ações governamentais?

Sim, com certeza. Na verdade já se verifica em todo mundo uma maior transparência nos vários poderes mediados pela internet. Os cidadãos têm assim maior possibilidade de controle, por exemplo, das contas públicas, de atos, da informação. Então estão abertas diversas possibilidades em termos de transparência.

Uma das questões que vêm sendo levantadas é a desterritorialização. Como a internet tem a abrangência global, isso teoricamente possibilitaria a participação em nível mundial. O senhor acredita na emergência de uma nova cidadania, uma cidadania global ?

A literatura tem colocado essa questão e alguns autores têm defendido essa possibilidade de uma democracia global. Entretanto, eu acho que ainda é cedo para se falar nisso. Ainda temos vários problemas de definição de Estados-Nação, em torno da emergência de novos conflitos, em torno da idéia de nacionalidade, então eu vejo com uma certa prudência essa idéia de uma cidadania global ou da emergência de uma ordem política mundial.

A internet, como funciona atualmente, em geral não possibilita controle sobre o seu conteúdo e autoria. Isso levanta outra questão, a da legitimidade das informações. Como o senhor avalia esse problema?

Já se tem instrumentos de segurança capazes de identificar os usuários, bem como a previsão de penalidades. Sabemos, pela imprensa, que têm acontecido várias investigações e prisões relativas a crimes na internet . Acredito que já existem mecanismos de segurança capazes de impor limites às ações. Mas a questão da legitimidade das informações é realmente um problema a ser considerado. Qualquer pretensão de uma democracia eletrônica demandaria um desenvolvimento anterior com relação a esse problema e uma observação e preocupação muito grandes com a questão da segurança. Talvez seja essa a maior preocupação que deve estar envolvida no processo de instrumentação de experiências de democracia eletrônica.