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Jurista peruano vê o crescimento da corrupção como um risco para a democracia

13.09.2007 às 13:26

 

Domingo Garcia Belaunde tem um currículo de respeito. Nascido em Lima, no Peru, advogado e doutor em Direito, publicou 17 livros na área e é diretor da Revista Peruana de Direito Público desde 2000. Membro de várias associações jurídico-constitucionais da América Latina, é fundador e secretário-geral do Instituto Iberoamericano de Direito Constitucional. Garcia Belaunde recebeu diferentes títulos, sendo professor honorário e distinguido de diversas universidades latino-americanas. No segundo dia do Fórum Brasileiro de Direito Eleitoral, o conferencista internacional ficou responsável pela abertura dos debates. O Notícias TRESC conversou com o jurista sobre a democracia na América Latina. (DF/ECW)

Como o senhor vê a posição do Brasil dentro da América Latina, em termos de democracia?
Essa é uma pergunta difícil, porque tanto o Brasil como o Peru e outros países latino-americanos tiveram ditaduras militares durante muito tempo. Aqui, a democracia foi retomada no final dos anos 80, o que é demonstrado pela constituição de 88. O Brasil é um exemplo muito importante, ainda mais nos últimos anos, nos quais o país tem se aproximado da América Latina. Nossa impressão é que vocês estavam muito longe, estavam olhando para a Europa, mas que agora estão mais próximos. Isso é perceptível no conhecimento do castelhano, que é importante para tantos vizinhos, e também na liberdade de trânsito. Eu, por exemplo, entrei no país sem necessitar de passaporte. Do ponto de vista político, chamam a atenção as acusações de corrupção que têm ocorrido nos últimos tempos em relação ao governo Lula. No entanto, isso significa que existe imprensa livre e liberdade de expressão, o que é muito importante. Acredito que com o tempo isso será superado. Creio que o Brasil continua sendo um grande exemplo, mesmo com todos os seus problemas.

De que forma o Direito pode combater a corrupção?
A primeira coisa que deve haver é a denúncia dos fatos. Para isso, é necessária uma ação conjunta. De um lado, os jornalistas são muito importantes para uma democracia, por outro lado, deve haver denúncia por parte do Ministério Público. Os serviços públicos devem investigar. Finalmente, tem que haver sanções. O importante não é a existência ou não da corrupção, pois ela sempre existiu na história; e sim, que ela seja, em sua maior parte, punida. Que sirva de exemplo para que esse comportamento diminua. Nos Estados Unidos, por exemplo, há muita corrupção. Entretanto, é muito combatida, o que faz com que seus níveis sejam baixos. Quando em uma democracia os níveis de corrupção são baixos, isso significa que a democracia é saudável. Se são muito altos, a democracia está em perigo.

Quais são as principais diferenças entre o sistema eleitoral brasileiro e o peruano?
Não conheço o sistema brasileiro em detalhes, mas posso identificar duas diferenças principais. Primeiramente, o Brasil é um país federal, enquanto o Peru é um país unitário. Aqui, em cada Estado há um governador, que é uma autoridade política, isso, no Peru, não existe. O que existe é um ensaio muito tímido de regiões, que foi instalado nos últimos anos, e que está funcionando muito lentamente. O segundo ponto importante, considerada a vigilância e a regularidade dos processos eleitorais, é que no Peru temos um órgão administrativo que está encarregado de organizar as eleições e de resolver os litígios, o contencioso eleitoral, enquanto aqui há tribunais eleitorais que são parte do Poder Judiciário. No Brasil, o controle dos litígios e pleitos eleitorais está nas mãos dos juízes, enquanto no Peru, está nas mãos de um órgão administrativo.

Esse órgão está vinculado ao poder Executivo?
Não, é independente. É composto por eleição indireta. Por exemplo, o presidente é um representate da corte suprema. Quanto aos demais membros, um é representante do Ministério Público, outro é um representante das faculdades de direito públicas, outro das faculdades de direito privadas, e outros são representantes dos jurados de províncias eleitos por sorteio, que, em princípio, não são controlados por ninguém. Tem funcionado relativamente bem. Contudo, mesmo formado por advogados, é um órgão administrativo, que resolve todas as questões e que tem uma feição administrativa muito forte.
Algum dia, espero que possamos ter uma corte eleitoral ou tribunal eleitoral, não sabemos se independente ou incorporado ao Poder Judiciário, como existe em vários outros países da América Latina.

Portanto, o senhor acredita que esse sistema seria melhor.
Eu creio que sim. Em um sentido amplo, quando falamos de problemas eleitorais, estamos falando de problemas legais. Sendo legais, o melhor é que sejam solucionados dentro de um sistema jurisdicional, que pode estar sob responsabilidade do Poder Judiciário, ou de órgãos parecidos, mas independentes.

Em um artigo, o senhor elogia a Suiça por ser um país que tem consciência tributária. Inclusive, eles fizeram um plebiscito em que decidiram aumentar os impostos. No Brasil, há uma discussão bem forte sobre o assunto e um movimento para diminuir impostos. O senhor pode comentá-lo?
Posso dizer que no Peru há impostos muito altos, que são de caráter indireto. Por exemplo, um tributo muito alto é o da gasolina, que chega a mais de 50 % do preço do produto. O Estado Peruano dá muita ênfase aos impostos indiretos, como esse. O que acontece? É criada uma distorção, pois a gasolina é muito cara, e, independentemente de sua classe social, se você é rico ou pobre, será tributado da mesma forma. Isso faz com que os custos de transporte subam muito, levando consigo as passagens, o transporte de mercadorias e o comércio interno. Isso é injusto. As pessoas se irritam com impostos tão altos. Por quê? Porque o Estado não é eficiente, não pode controlar bem os impostos diretos, e opta pela via fácil, os tributos indiretos, como o de circulação de mercadorias. No Peru, esse encargo chega a 19%! Há um sistema tributário injusto. Por outro lado, os tributos são aceitos pela população quando ela vê que o Estado os utiliza em serviços públicos. Então, como ocorre nos países latino-americanos, em que não se vê uma boa educação pública, uma boa saúde pública, uma boa segurança pública, perguntamo-nos: por que pagamos? Não há justiça tributária, então não há consciência de que se deve pagar. Eu vivi nos EUA, e percebi que lá as pessoas são muito conscientes de que os impostos são importantes, porque geram a manutenção dos serviços. Eu, no Peru, não vejo isso, e tampouco em outros países da América Latina.