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O sufrágio feminino no Brasil e em Santa Catarina

Por: Rodrigo Camargo Piva*

VOTO FEMININO - BREVE HISTÓRICO

O feminismo, entendido aqui como um movimento filosófico e político que visa à igualdade social entre homens e mulheres e ao rompimento de padrões baseados em privilégios de gênero, teve início no século XIX e meados do século XX, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, especialmente após a eclosão da Revolução Francesa. Figuras como o filósofo e jurista inglês Stuart Mill ganharam destaque ao propor a emancipação feminina, condenando as práticas de submissão da mulher à vontade do marido. Em 1866, Mill chegou a apresentar ao parlamento inglês, para o qual havia sido eleito no ano anterior, uma emenda que pretendia dar à mulher inglesa o direito ao voto, a qual foi rejeitada. Três décadas depois, em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro país a garantir o direito ao sufrágio feminino.

Entre as várias bandeiras levantadas pelo movimento feminista, o direito das mulheres ao voto sempre foi uma das principais reivindicações. Direito este que, pouco a pouco, foi sendo reconhecido pela grande maioria das nações, embora ainda existam países onde lideranças enfrentam, nos dias de hoje, as mesmas lutas protagonizadas pelas suffragettes1 do século XIX, em favor da adoção do sufrágio universal.2

No Brasil, com a queda da monarquia e a elaboração da primeira Constituição Republicana, em 1891, acirrou-se a discussão sobre a legalização do voto feminino. A grande maioria dos congressistas se posicionava contrariamente à proposta, alegando a "incapacidade física e intelectual das mulheres", dada a sua "natureza particular".3

Por meio do Decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, nasce o primeiro Código Eleitoral brasileiro, o qual instituiu a Justiça Eleitoral e passou a regulamentar as eleições no país. Entre outras reformas no sistema eleitoral, que incluíam a adoção do voto secreto e do sistema de representação proporcional, finalmente foram reconhecidos os direitos políticos das mulheres brasileiras, nos termos do art. 2º, verbis: "É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código."

A ATUAÇÃO POLÍTICA DA MULHER EM SANTA CATARINA

Em maio de 1933, foram realizadas no Brasil eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Os constituintes seriam responsáveis pela elaboração da nova carta constitucional, que veio a ser promulgada em julho de 1934. Representando o Estado de Santa Catarina, o Deputado Federal Nereu Ramos era um dos 26 integrantes da comissão encarregada de examinar o anteprojeto de constituição apresentado pelo Governo Provisório da Revolução de 1930, chefiado por Getúlio Vargas. Integravam essa comissão, ainda, eleitas pelos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente, as Deputadas Bertha Lutz e Carlota Pereira de Queiroz, figuras de proa na luta pelo direito ao sufrágio feminino.

Na época, Nereu Ramos já demonstrava simpatia pelas ideias progressistas e pelas discussões favoráveis ao voto feminino que aconteciam na capital catarinense. Assim sendo, com ousadia e vislumbre, submeteu ao Partido Liberal Catarinense o nome da professora e escritora Antonieta de Barros, a qual veio a concorrer por essa agremiação e tornou-se, em 1934, a primeira deputada negra no país e a primeira mulher a ocupar uma vaga na Assembleia Legislativa catarinense.4 

O arrojo e o descortino de Antonieta de Barros, uma mulher à frente do seu tempo, pode ser constatado em suas crônicas, muitas delas publicadas no jornal O Estado. Com referência à discussão em torno da constitucionalidade do voto feminino, fez a seguinte provocação:

[...] Que seremos nós, as mulheres? Irracionais ou domesticadas? Porque  esta questão de inteligência e aptidões femininas, ora em foco, se resume, digamos de passagem, em classificar a mulher entre as criaturas superiores ou entre os irracionais [...]. É isto que está agonizante e querem reviver [...]. Inferior aos próprios irracionais, doméstica e domesticada, se contentará, eternamente em constituir a mais sacrificada metade do gênero humano?

Em 1937, em decorrência do golpe que deu origem ao Estado Novo, regime político fundado por Getúlio Vargas, foram dissolvidas as Assembleias Estaduais, a Câmara e o Senado Federais. Nereu Ramos foi nomeado interventor e permaneceu no cargo até 1945.

Com o término do Estado Novo, Antonieta de Barros concorreu novamente ao cargo de deputada, em 1947, sendo eleita, na ocasião, como suplente, na primeira legislatura do parlamento catarinense (1947-1951). 

Muitas décadas foram necessárias para que outras representantes do sexo feminino viessem a se destacar na política catarinense. Três delas merecem ser mencionadas, pelo pioneirismo e pelas votações expressivas que receberam: Luci Choinacki, cuja participação no movimento de mulheres agricultoras resultou na sua eleição para o cargo de deputada estadual em 1987, após 24 anos sem que uma mulher ocupasse uma cadeira no parlamento catarinense; Angela Amin, eleita vereadora em Florianópolis, em 1988, com a maior votação até hoje registrada, deputada federal em 1991 e prefeita da capital por dois mandatos sucessivos (1996-2004), sendo a primeira mulher no Estado a ocupar tal cargo; e, por fim, Ideli Salvatti, a primeira mulher a ser eleita senadora em Santa Catarina, em 2002. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transcorridos mais de 80 anos da conquista do direito ao sufrágio feminino no Brasil, verifica-se que, apesar dos avanços, a participação das mulheres na política continua sendo pouco expressiva, o que se deve, em muitos casos, aos princípios morais reinantes, que a elas atribuem tarefas de cunho doméstico e familiar, delegando aos homens o poder de decisão.

Nesse contexto, o legislador eleitoral houve por bem instituir uma reserva de cotas de gênero, a fim de garantir uma participação mínima feminina nas candidaturas apresentadas pelas agremiações partidárias.

Atualmente, a chamada "lei de cotas" está prevista no art. 10,  § 3º, da Lei n. 9.504/1997, que determina o preenchimento do número de vagas de cada partido ou coligação por no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas de cada sexo.

Em Santa Catarina, em que pese o fato de as mulheres representarem a maioria do eleitorado, as 4 parlamentares eleitas em 2010 correspondem a apenas 10% do total de 40 vagas na Assembleia Legislativa.

Não se pode negar que a participação das mulheres na política vem crescendo visivelmente, ano após ano. Todavia, a disparidade entre o número de candidaturas de cada sexo e, principalmente, de candidatos eleitos nos últimos pleitos demonstra que a inclusão feminina ainda está muito aquém do desejável.

É possível que outras reformas eleitorais sejam necessárias para incentivar a participação da mulher na vida político-partidária do país, o que poderia ser feito, também, em campanhas veiculadas na propaganda eleitoral gratuita e pela própria Justiça Eleitoral.5 Todavia, mais importante do que a alteração das normas de regência continua sendo a atuação de lideranças e de movimentos sociais contra os preconceitos e barreiras implantados ao longo da história, que impedem o livre pensar feminino e a plena igualdade de direitos entre homens e mulheres.

NOTAS

1 Designação pejorativa para as mulheres que lutavam pelo direito ao voto no final do século XIX e início do século XX, particularmente na Inglaterra e nos Estados Unidos.
2 O Kuwait aprovou o voto feminino somente em 2005, com forte oposição dos islamitas. Em dois países a emancipação política feminina ainda não ocorreu: 1) nos Emirados Árabes, onde o parlamento é oficialmente indicado, homens e mulheres não têm direito a voto ou a se candidatar; 2) na Arábia Saudita, país que teve suas primeiras eleições em 2005, com votação e candidatura exclusivamente de homens (COSTA, Thiago Cortez. Cotas e Mulher na Política: avaliando o impacto de variáveis institucionais e socioeconômicas sobre a elegibilidade feminina).
3 GAUTÉRIO, Rosa Cristina Hood. História do sufrágio feminino no Brasil.
Disponível em www.tre-sc.gov.br/site/resenha-eleitoral/n-4-juldez-2013/integra/artigos. Acesso em 25.2.2014.
4 NUNES, Karla Leonora Dahse.  Antonieta de Barros: a novidade do voto feminino em Santa Catarina na década de trinta. Disponível em periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/659. Acesso em 23.2.2014.
5 A Lei 12.891/2013, que altera a Lei n. 9.504/1997, deu a seguinte redação ao art. 93-A: "O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no período compreendido entre 1o de março e 30 de junho dos anos eleitorais, em tempo igual ao disposto no art. 93 desta Lei, poderá promover propaganda institucional, em rádio e televisão, destinada a incentivar a igualdade de gênero e a participação feminina na política."

 

* Bacharel em Direito pela UFRGS. Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Especialista em Psicologia Transpessoal.

 

 

 

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