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A relevância política e democrática do poder de polícia nas eleições

Por: Marcelo Feliz Artilheiro*

INTRODUÇÃO

A construção ou solidificação do Estado democrático exige de todos a estrita observância das leis ou das “regras do jogo”, o que, inequivocamente, é uma tarefa árdua e difícil, ainda mais na arena política onde as paixões afloram, todavia, na medida que estas normas e regras sejam observadas por todos, ganhará  a democracia, principal vítima dos abusos eleitoral.

Por oportuno, ao falar-se em democracia, mister se faz trazer a tona a célebre discussão narrada por Heródoto (Livro III, §§ 80-82), entre três persas – Otanes, Megabises e Dario – após a morte de Cambises quanto à melhor forma de governo a adotar no seu Estado. O debate é exemplar porque revela com clareza, as três formas clássicas de governo: o de muitos, o de poucos e o de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”. Defensor do governo do povo, Otanes condena o governo de um só e o de poucos. Defensor da aristocracia, Megabises condena o governo de um só e o do povo. Por fim, Dario defende a monarquia e, ao fazê-lo, condena o governo do povo e o de uns poucos.

O processo eleitoral devido à sua importância merece extrema preocupação por parte de todos nele envolvidos, não há mais espaço para artimanhas, picaretagem, malandragens ou o famoso jeitinho brasileiro, pois o que esta em jogo é a própria democracia, nessa linha, faz-se conveniente citar Bobbio1:

O governo das leis celebra hoje o próprio tempo da democracia. E o que é a democracia senão um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrático senão, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Pessoalmente, não tenho dúvida sobre a resposta a estas questões. E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos.

Neste contexto, a propaganda eleitoral não pode ser encarada como mero recurso, meio ou instrumento de marketing ou de publicidade para angariar votos e sagrar alguém vencedor do certame, mas sim um instrumento de aperfeiçoamento da democracia, de fortalecimento das instituições e da cidadania. O Estado e os partidos políticos estão em crise; e suas atuações em dissonância com o que deles esperam os cidadãos, suas ações muitas vezes contrariam as leis (as já mencionadas regras do jogo) antes e durante o processo eleitoral. Reconhecendo a importância da propaganda eleitoral para a democracia o legislador, extraordinariamente, incumbiu aos juízes eleitorais e os juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (Lei n. 9.504/97, art. 41, § 1º), o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, não sem antes impor limites, como idealizado por Montesquieu, pois a liberdade, direitos responsabilidades e autoridade só frutificam nos governos moderados, ou seja, tais atributos só existem quando se exercer o poder no estrito limite que autorizado, ou seja, não se abusa do poder2 . Nessa linha, o legislador restringiu o poder de polícia às providências necessárias e aptas a inibir as práticas ilegais e vedando censura prévia sobre o teor da propaganda (art. 41, § 2º, da Lei n. 9.504/97), pois pouco importa se o poder de polícia é exercido por um sujeito, alguns sujeitos ou inúmeros sujeitos, pois aquele ou aqueles que detêm o poder tendem a dele abusar, e como reiteradas vezes ensinado, o poder vai até onde encontra limites, em outras palavras, devido a sua importância, a liberdade da propaganda eleitoral, fica a priori, imune ao controle do Judiciário, todavia, esta liberdade não é ampla, já que encontra limites na própria legislação.

Nessa linha, do regular exercício do Poder de Polícia Eleitoral, faz-se indispensável destacar que, o Poder Judiciário é mais que um mero Poder, pois exercer num Estado democrático a autoridade, no sentido romano potestas in populo, auctoritas in senatu (o poder tem o povo, mas a autoridade é do Senado), ou seja, é dele o ônus de proteger as regras e garantir um certame justo, legítimo e democrático, como descrito no Diálogo das carmelitas3 : "a regra protege o poder, a autoridade protege a regra". Cabe então ao Judiciário proteger as regras fixadas com o duplo escopo de garantir a legitimidade do pleito e sua própria condição de autoridade.

Por sua vez o Tribunal Superior Eleitoral por meio da Resolução de n. 23.404/2014, que dispõe sobre propaganda eleitoral e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas Eleições de 2014, reproduziu o teor da Lei n. 9.504/974, verbis:

Art. 76. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40 da Lei n. 9.504/97 (Lei n. 9.504/97, art. 41, caput).
§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos Juízes Eleitorais e pelos Juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (Lei n. 9.504/97, art. 41, § 1º).
§ 2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e matérias jornalísticas a serem exibidos na televisão, no rádio, na internet e na imprensa escrita (Lei n. 9.504/97, art. 41, § 2º).
§ 3º No caso de condutas sujeitas a penalidades, o Juiz Eleitoral delas cientificará o Ministério Público, para os fins previstos nesta resolução.

CONCEITO DE PODER DE POLÍCIA

O conceito de poder de polícia possui assento legal, encontra-se definido no art. 78, do Código Tributário Nacional5, que estabelece, verbis:   

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

No mesmo sentido, a doutrina brasileira conceitua o poder de polícia como sendo uma atuação da Administração essencialmente restritiva cujo fundamento remonta ao interesse público lato sensu, nessa linha a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que define o pode de polícia como6:

[...] a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.

DO CONCEITO DE PROPAGANDA ELEITORAL

De acordo com a orientação doutrinária e jurisprudencial pode-se conceituar a propaganda eleitoral como uma espécie ou tipos de propaganda política, Já Gomes7 afirma existirem quatro tipos de propaganda política: a intrapartidária, a partidária, a eleitoral e a institucional.

A grosso modo, por propaganda eleitoral pode-se entender aquela que é realizada em época de eleições, tendo por escopo levar a conhecimento do eleitor determinada candidatura, bastando para a sua caracterização que o conteúdo veiculado, ainda que de forma subliminar ou dissimulada induza ao eleitor concluir que determinado candidato é o mais apto para o cargo.  

Nesse diapasão, precedente do Tribunal Superior Eleitoral8, verbis:

[...]. Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública. Sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal, apta, em determinadas circunstâncias a configurar abuso de poder econômico, mas não propaganda eleitoral [...].

Destarte, na arena política eleitoral as inovações e criatividades visando o êxito da campanha eleitoral e burlar a legislação são levadas ao extremo, criando “novos” tipos de propaganda eleitoral negativa, que em apertada síntese, pode ser conceituada como aquela que tem por escopo incutir no consciente do eleitor, por meio de críticas, opiniões, manifestações e referências negativas ao candidato adversário, que ultrapassam a razoabilidade e o direito de informar ao eleitor. Nesse sentido, é o precedente do Superior Tribunal Eleitoral:

Propaganda eleitoral antecipada. 1. Não há violação ao art. 275, I e II, do Código Eleitoral, pois a Corte de origem, de forma fundamentada, assentou que, segundo a Lei n. 9.504/97, a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição, não prevendo marco temporal anterior. 2. Configuram propaganda eleitoral antecipada negativa críticas que desbordam os limites da liberdade de informação, em contexto indissociável da disputa eleitoral do pleito vindouro. [...] 9.Propaganda eleitoral. Princípio da indivisibilidade da ação. [...]. 2. A leitura do material juntado aos autos demonstra claramente que há nítido intuito de beneficiar um dos candidatos à Presidência da República e de prejudicar outro, configurando, neste caso, propaganda eleitoral negativa, o que é vedado de modo inequívoco pela legislação eleitoral em vigor (fls. 17, 18, 20, 21, 22). Releve-se, ainda, a configuração de propaganda eleitoral em período vedado. [...]10.Recurso especial - Distribuição de panfletos - Críticas ao posicionamento e à atuação de parlamentar - Propaganda eleitoral antecipada negativa - Art. 36 da Lei n. 9.504/97. Recurso conhecido e provido.

1. A divulgação de fatos que levem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, pode ser considerada propaganda eleitoral antecipada, negativa11. [TSE, Recurso Especial Eleitoral n.º 20.073, de 23.10.2002, Rel. Min. Fernando Neves]

Fávila Ribeiro descreve o vocábulo propaganda como sendo “o conjunto de técnicas empregadas para sugestionar pessoas na tomada de decisão”12 .

DA NATUREZA DO PODER DE POLÍCIA EM MATÉRIA ELEITORAL

A priori, cabe destacar a grande controvérsia existente quanto a natureza das diversas atividades desenvolvidas pela Justiça Eleitoral, porém, na hipótese, tratar-se-á tão somente do poder de polícia, que é considerado como de natureza administrativa.

Nesse sentido, as lições de Joel José Cândido13, verbis:

No exercício do Poder de Polícia a Justiça Eleitoral age como Justiça-Administração-Pública, regulando, controlando e contendo os excessos no exercício da propaganda, em nome do interesse público.

Considerando a natureza administrativa do poder de polícia, a legitimidade e a titularidade do processo judicial, o Superior Tribunal Eleitoral já pacificou o entendimento que o exercício da polícia administrativa eleitoral não confere ao juiz eleitoral o poder de instaurar de ofício o respectivo procedimento judicial, sendo tal competência exclusiva do Ministério Público:

[...]. O poder de polícia em que se investe o juiz eleitoral não lhe dá legitimidade para instaurar, de ofício, procedimento judicial por veiculação de propaganda eleitoral em desacordo com a Lei n. 9.504/97. (Súmula TSE, Verbete n. 18). [...] 14.
[...]. Justiça Eleitoral. Transeunte. Camiseta. Chaveiro. Nome de candidato. Providências. O juiz eleitoral, no caso de propaganda irregular, deve comunicar o fato ao membro do Ministério Público, para que este tome as providências legais cabíveis. Se for o caso de material distribuído em campanhas anteriores, quando não havia vedação legal, não há possibilidade de medida coercitiva, exceto se configurada fraude por uso de material novo ou em estoque. [...] 15.

Da mesma forma, considerando a natureza administrativa do exercício do poder de polícia eleitoral, não há que se falar em impedimento do Juiz eleitoral de julgar os procedimentos decorrentes do exercício deste poder, conforme já decidiu o TSE16:

Agravo regimental. Propaganda eleitoral irregular. Fiscalização. Juiz eleitoral. Exercício do poder de polícia. Atuação jurisdicional posterior. Possibilidade. Art. 17 da Res.-TSE n. 20.951. Agravo improvido.” NE: “[...] o poder de polícia exercido durante a fiscalização da propaganda eleitoral é mais uma competência atribuída aos juízes eleitorais, de tal modo que não estão impedidos de julgar os feitos em que tenham exercido tal poder. [...] A norma estampada no art. 252, I e II, do Código de Processo Penal não se aplica, nem mesmo subsidiariamente, ao presente caso, visto que não se trata de matéria penal, mas de natureza meramente administrativa em razão de propaganda eleitoral irregular.

PODERES-DEVERES DO JUIZ ELEITORAL

O juiz, quando investido na função eleitoral, reúne em si a competência jurisdicional e a competência administrativa, cabendo destaque desta competência, o poder de polícia, que em apertada síntese, visa fiscalizar o fiel cumprimento da legislação não apenas sobre os candidatos, mas também pelo próprios partidos.

Quanto à competência jurisdicional, cabe o seu exercício pelo juiz eleitoral para o fim de julgar conflitos decorrentes do direito penal, dentre os quais destacam-se: o registro de candidatura (impugnação), representações sobre propaganda eleitoral, ações para apuração de crimes eleitorais, condutas vedadas a agentes públicos, captação ilícita de sufrágio e etc.

Por a sua vez, a competência administrativa cinge-se à atuação relaciona ao alistamento, fiscalização do processo eleitoral, apuração, diplomação e etc.

O Código Eleitoral17, especificamente, no art. 35, elenca um rol de competência dos magistrados que atuam na função de juiz eleitoral, cabendo destacar que o dispositivo traz previsão de poderes jurisdicionais e administrativos, verbis:  

Art. 35. Compete aos juízes:
I - cumprir e fazer cumprir as decisões e determinações do Tribunal Superior e do Regional;
II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;
III - decidir habeas corpus e mandado de segurança, em matéria eleitoral, desde que essa competência não esteja atribuída privativamente a instância superior.
IV - fazer as diligências que julgar necessárias a ordem e presteza do serviço eleitoral;
V - tomar conhecimento das reclamações que lhe forem feitas verbalmente ou por escrito, reduzindo-as a termo, e determinando as providências que cada caso exigir;
VI - indicar, para aprovação do Tribunal Regional, a serventia de justiça que deve ter o anexo da escrivania eleitoral;
VII - representar sobre a necessidade de nomeação dos preparadores para auxiliarem o alistamento eleitoral, indicando os nomes dos cidadãos que devem ser nomeados;     (Revogado pela Lei n. 8.868, de 1994)
VIII - dirigir os processos eleitorais e determinar a inscrição e a exclusão de eleitores;
IX- expedir títulos eleitorais e conceder transferência de eleitor;
X - dividir a zona em seções eleitorais;
XI mandar organizar, em ordem alfabética, relação dos eleitores de cada seção, para remessa a mesa receptora, juntamente com a pasta das folhas individuais de votação;
XII - ordenar o registro e cassação do registro dos candidatos aos cargos eletivos municiais e comunicá-los ao Tribunal Regional;
XIII - designar, até 60 (sessenta) dias antes das eleições os locais das seções;
XIV - nomear, 60 (sessenta) dias antes da eleição, em audiência pública anunciada com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência, os membros das mesas receptoras;
XV - instruir os membros das mesas receptoras sobre as suas funções;
XVI - providenciar para a solução das ocorrências que se verificarem nas mesas receptoras;
XVII - tomar todas as providências ao seu alcance para evitar os atos viciosos das eleições;
XVIII - fornecer aos que não votaram por motivo justificado e aos não alistados, por dispensados do alistamento, um certificado que os isente das sanções legais;
XIX - comunicar, até às 12 horas do dia seguinte a realização da eleição, ao Tribunal Regional e aos delegados de partidos credenciados, o número de eleitores que votarem em cada uma das seções da zona sob sua jurisdição, bem como o total de votantes da zona.

Nota-se, portanto que a justiça eleitoral acumula as funções administrativa e contenciosa, em outras palavras, ela assume todos os ônus relativos ao processo eleitoral.  Essa acumulação, em que pese benéfica dado a notável competência e celeridade da justiça eleitoral brasileira, gera obstáculos a serem vencidos, isso considerando que as regras a serem aplicadas em ambas as funções  ou competência são diversas, notadamente, a questão relacionada à imparcialidade do juiz, à inércia da jurisdição (função jurisdicional) e ao dever de agir, considerando o princípio da legalidade (função administrativa).

Nesse diapasão, preleciona Coneglian18  ao afirmar que enquanto a Justiça é por natureza inerte, só se atuando quando instada a fazê-lo, a Justiça Eleitoral não é inerte, ao menos em sua função administração, ou seja, com relação aos atos de conteúdo administrativo a Justiça Eleitoral pode e deve agir de ofício, independentemente de provocação do eventual interessado, isso considerando o bem jurídico tutelado pela Justiça Eleitoral, destarte, a maioria dos atos relacionados à Justiça Eleitoral são de conteúdo administrativo (ou executivo), devendo ser classificado como jurisdicionais aqueles que reclamarem o contraditório e que fazem coisa julgada.

O PODER DE POLÍCIA DO JUIZ NA PROPAGANDA ELEITORAL

Em decorrência da natureza do próprio poder de polícia e o bem jurídico tutelado (interesse público), resta evidente que o poder de polícia em matéria eleitoral dá-se independentemente de provocação e deve ser exercido pelo magistrado sempre que ocorrer qualquer irregularidade que possa expor o processo eleitoral e a própria democracia a perigo.

Na arena política o poder de polícia eleitoral é utilizado com ênfase em propaganda eleitoral, isso considerando o escopo e a utilização da propaganda eleitoral. O controle sobre a propaganda eleitoral decorre do disposto no art. 249 do Código Eleitoral19: “Art. 249. O direito de propaganda não importa restrição ao poder de polícia quando este deva ser exercido em benefício da ordem pública”. Portanto, consoante se extrai do próprio dispositivo legal, a realização da propaganda eleitoral fica condicionada a ordem pública, que se presume decorrer da lei.  

Destarte, a própria legislação, mais especificamente a Lei n. 9.504/97 20  , veda o uso imoderado, irrazoável e infundado do poder de polícia. Tal proibição decorre da inadmissibilidade que num estado democrático de direito possa existir arbitrariedade, pois cabe ao Poder Judiciário zelar pela regularidade do pleito.

Art. 41.  A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40.

Por sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral nos termos previstos no o art. 23, inciso IX, do Código Eleitoral e no art. 105 da Lei n° 9.504/1997, expediu a Resolução n. 23.404/2014, que ao dispor sobre a propaganda eleitoral e condutas ilícitas relativas a campanha eleitoral nas eleições 2014,  assim, consignou sobre o Poder de Polícia, verbis:

Art. 76. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40 da Lei n. 9.504/97 (Lei n. 9.504/97, art. 41, caput).
§ 1° O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos Juízes Eleitorais e pelos Juizes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (Lei n. 9.504/97, art. 41, § 10).
§ 2° O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e matérias jornalísticas a serem exibidos na televisão, no rádio, na internet e na imprensa escrita (Lei n.  9.504/97, art. 41, § 20).
§ 3° No caso de condutas sujeitas a penalidades, o Juiz Eleitoral delas cientificará o Ministério Público, para os fins previstos nesta resolução.

Nesse diapasão, cabe ao magistrado no exercício do Poder de Polícia atuar de forma a repelir eficientemente todos os atos atentatórios à estabilidade do pleito e ao próprio sistema democrático. Hodiernamente, a própria sociedade reclama um pleito mais justo, legítimo e honesto de forma que a atuação do juiz eleitoral é imprescindível para legitimar o resultado do pleito e a autoridade da justiça eleitoral.

Nessa linha, cabe ao juiz eleitoral coibir toda e qualquer propaganda eleitoral irregular de forma imparcial, de forma a garantir a lisura do processo eleitoral e a legitimidade dos eleitos. Num primeiro momento há a atividade administrativa relacionada ao efetivo exercício do poder de polícia, que se traduz nas ações necessárias para repelir e fazer cessar as irregularidades; posteriormente, há a atividade jurisdicional por meio de processo, no qual se apuraram as circunstâncias anteriores, podendo ou não, resultar na punição dos envolvidos candidatos, partidos ou coligações.

Nesse mister, é digna de nota a Resolução TRESC n. 7.915/2014, a qual permitiu ao juiz eleitoral lançar mão de meios eletrônicos no exercício do poder de polícia eleitoral. A resolução visa a munir o juiz da mesma eficiência gozada pelos candidatos em suas campanhas ao acompanhar as inovações trazidas pela tecnologia da informação e permitir que o juiz se informe eletronicamente das irregularidades perpetradas no bojo da campanha eleitoral e, do mesmo modo, possibilita o processamento e proferimento de decisões por meio digital, através do Processo Administrativo Eletrônico (PAE).

Em que pese a otimização do poder de polícia do juiz eleitoral, obviamente, o exercício desse poder deve ser realizado com cautela, para evitar o eventual desequilíbrio entre os candidatos e comprometer o resultado do pleito, o qual se for fruto desse desequilíbrio, será ilegítimo e ilegal.

Nesse diapasão, o próprio Poder Judiciário, por meio dos Tribunais tem imposto limitação às condutas, que embora praticadas com fundamento no poder de polícia, se mostraram excessivas e incompatíveis com a moderna democracia e legislação, verbis:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXPEDIÇÃO DE PORTARIA. JUIZ ELEITORAL.  PENA. COMINAÇÃO. DESOBEDIÊNCIA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PODER DE POLÍCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
1. Aos juízes eleitorais, nos termos do artigo 41, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97, compete exercer o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, não lhes assiste, porém, legitimidade para instaurar portaria que comina pena por desobediência a essa Lei.
2. Recurso a que se dá provimento.21
Recurso especial. Juízes auxiliares. Poder de polícia. Propaganda eleitoral irregular. Portaria. Sanção. Presunção de responsabilidade. Impossibilidade. Lei 9.504/97, art. 37, parágrafo 1º.
1. Para condenação do candidato beneficiário de propaganda irregular, em afronta a Lei 9.504/97, art. 37, parágrafo 1º, é imprescindível a comprovação da sua responsabilidade.
2. Aos juízes auxiliares, nos termos da Lei 9.504/97, art. 96, parágrafo 3º, compete julgar as representações ou reclamações que tenham por objeto o não-atendimento dos preceitos desse diploma legal, não lhes assistindo legitimidade para instaurar portaria visando apurar possível afronta a referida lei.
3. Precedentes.
4. Recurso a que se dá provimento.22 
Reclamação. Portaria. Determinação. Juiz eleitoral. Suspensão. Proibição. Publicação. Pesquisa eleitoral. Res.-TSE n.º 21.576. Disposições. Contrariedade. Alegação. Exercício. Poder de polícia. Impossibilidade.
1. O art. 17 da Res.-TSE n.º 21.576 expressamente estabelece que "as pesquisas eleitorais poderão ser divulgadas a qualquer tempo, inclusive no dia das eleições (Constituição, art. 220, § 1º; Acórdão-TSE n.º 10.305, de 27.10.1998)".
2. Não pode o magistrado proibir a publicação de nenhuma pesquisa eleitoral, ainda que sob a alegação do exercício do Poder de polícia.
3. Esta Corte Superior já assentou que se exige que as informações relativas a pesquisa sejam depositadas na Justiça Eleitoral, nos termos do art. 2º da Res.-TSE n.º 21.576, a fim de possibilitar ciência aos interessados que, caso constatem alguma irregularidade, possam assim formular representação nos termos do art. 96 da Lei n.º 9.504/97. Precedente: Acórdão n.º 4.654.
Reclamação julgada procedente.23
[TSE, Reclamação n.º 357, de 1º.10.2004, Rel. Min. Caputo Bastos]
MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA VEDANDO, EM CARREATAS E/OU PASSEATAS, O USO DE CARROS DE SOM ("TRIOS ELÉTRICOS"). EXTENSÃO DA PROIBIÇÃO LEGAL A CASOS ANÁLOGOS ("ANALOGIA IN MALAM PARTEM"). IMPOSSIBILIDADE.
1. O exercício do direito à propaganda eleitoral é a regra; as vedações, a exceção, circunstância que impõe ao exegeta o uso de interpretação restrita, do que resulta inviabilizado o recurso à analogia in malam partem.
2. Não cabe ao Juízo Eleitoral, a pretexto de exercer o Poder de Polícia, fazer incluir, através de Portaria, entre o rol de condutas vedadas no exercício do direito de propaganda eleitoral, outras tantas que o legislador não contemplou.
3. Segurança concedida.24

Inclusive, repelindo atos não apenas dos Juízes Eleitorais, mas também de outras autoridades.

RECURSO ELEITORAL. TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. DESCUMPRIMENTO. EXECUÇÃO. FALTA DE PREVISÃO LEGAL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INCOMPETÊNCIA. Não compete a esta Justiça Eleitoral executar Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelo Ministério Público, com vista à prevenção de ilícitos decorrentes de propaganda eleitoral, eis que as providências pertinentes à questão, bem como o correlato poder de polícia, são de atribuição exclusiva do Juiz Eleitoral, inexistindo previsão legal que ampare a pretensão em tela.25  

CONCLUSÃO

É sabido que a lei (regras do jogo) exerce relevante função na ordem civil e eleitoral, destarte, a liberdade política e eleitoral somente é possível com responsabilidade moral, legal, ética e social, ou seja, quando todos (candidatos, partidos, coligações, eleitores, juízes, promotores e etc.) se conscientizarem que atuar no estrito limite do que autorizado pela legislação é imprescindível para a democracia e ordem pública, segundo Rosseau, cumprir a lei é sinônimo de liberdade26.

Poder-se-ia, a propósito do que ficou acima, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, única a tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, por que o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade.

É a lei (regras do jogo) que dota o corpo político (candidatos eleitos) de legitimidade. À justiça Eleitoral cabe a missão de contribuir diretamente para a consolidação da democracia, assim, o Poder de Polícia é o meio, a força e recurso legal e imprescindível que dispões o Juiz Eleitoral para limitar as ações de todos os envolvidos no processo eleitoral e garantir que a vontade soberana do povo seja o resultado das eleições. Destarte, o poder político legítimo é aquele que tem seu gênesis no próprio povo e a legitimidade do pleito decorre da regularidade do pleito que é assegurado à sociedade por meio do poder de polícia.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 170-171.
MONTESQUIEI. O espírito das leis. Tradução de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 163.
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro. Editora Revan, 2001, p. 179.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 221.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 8. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2012. p. 333.
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 445.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 6 ed. Bauru: Edipro, 1996, p. 149.
CONEGLIAN, Olivar. A justiça eleitoral: O Poder Executivo das eleições, uma Justiça diferente. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), op. cit., 2003, p. 57-75, p. 66. Cf. também COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 67.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op., Cit..  Do contrato social. (Os pensadores) 5.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991 p. 37.

NOTAS

BOBBIO, 1986. p. 170-171.
2  MOTA, 1987. p. 163. 
3  GARAPOM, 2001. p. 179.
4  BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1º de setembro de 1997.
5  BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 de outubro de 1966.
6  MELLO, 2006, p. 221.
7  GOMES, 2012, p. 333
8  BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral, Recurso Especial Eleitoral nº 16.183, Procuradoria Regional Eleitoral de MG e Rui Eustáquio Alves Resende, Relator Ministro Eduardo Alckmin, Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2000, publicado em 31 de março de 2000.
9  BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 39671-12, Rede Vitoriosa de Comunicações Ltda., Relator Ministro Arnaldo Versiani, Brasília, DF, 10 de fevereiro de 2011, publicado em 05 de abril de 2011.
10  BRASIL. Superior Tribunal Eleitoral. Agravo Regimental na Representação nº 953, Central Única dos Trabalhadores Regional e São Paulo e Coligação por um Brasil Decente, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, DF, 08 de agosto de 2006, publicado em Sessão em 08 de agosto de 2006.
11  BRASIL. Superior Tribunal Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 20073 MS, Relator Ministro Fernando Neves da Silva, Brasília, DF, publicado em 13 de dezembro de 2002.
12  RIBEIRO, 2000, p. 445.
13  CÂNDIDO, 1996, p.149.
14  BRASIL. Superior Tribunal Eleitoral. Agravo de Instrumento nº 4632 MS, Antônio João Hugo Rodrigues, Relator Ministro Luiz Carlos Lopes Madeira, Brasília, DF, publicado em 06/08/2004.
15  BRASIL. Resolução nº 23.084, de 10 de junho de 2009, Diário da Justiça, Poder Judiciário, Brasília, DF, 21 de setembro de 2009.
16  Brasil. Superior Tribunal Eleitoral. Agravo Regimental nº 4137, Humberto Ivar Araújo Coutinho e Procuradoria Regional Eleitoral do Maranhão, Relatora Ministra Ellen Gracie, Brasília, DF, 22 de abril de 2003, publicado em 27 de junho de 2003.
17  BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 de julho de 1965.
18  CONEGLIAN, 2008, p. 67.
19  BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 de julho de 1965.
20  BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1º de setembro de 1997.
21 BRASIL. Superior Tribunal Eleitoral. Recurso em Mandado de Segurança nº 1541-04.2010.6.22.0000, Coligação Aliança por uma Rondônia Melhor para Todos (PMDB/PDT/DEM/PRTB/PC do B), Relator Ministro Gilson Dipp, Brasília, DF, 10 de abril de 2012, publicado em 18 de maio de 2012.
22  BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 16.195, Marcos Lopes Martins, Relator Ministro Edson Carvalho Vidigal, Brasília, DF, 14 de dezembro de 1999, publicado em 03 de março de 2000.
23  BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Reclamação 357 MG, Relator Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos, Brasília, DF, publicado em 29 de outubro de 2004.
24  BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Mandado de Segurança nº 11.265, Coligação União e Compromisso por Santa Quitéria – PSDB/PDT/PSC/DEM e Juízo Eleitoral da 54ª Zona – Santa Quitéria, Relator Juiz Haroldo Correia de Oliveira Máximo, Fortaleza, CE, 23 de setembro de 2008, publicado em 13 de outubro de 2004.
25  BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Recurso Eleitoral nº 13.132, Ministério Público Eleitoral e Coligação Madalena Avançando nas Mudanças – PP/PL/PV/PSDB, Coligação Inovando para um Futuro Melhor – PMDB/PTN/PPS, Relator Juiz Tarcísio Brilhante de Holanda, Fortaleza, CE, 25 de setembro de 2007, publicado em 05 de outubro de 2007.
26  ROUSSEAU, 1991, p. 37. 

 * Advogado e professor em Joinville/SC.

 

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