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Dr. Saulo Vieira: discurso em nome dos homenageados


Dr Saulo VieiraDurante as quatro décadas em que me dirijo à Corte Eleitoral Catarinense, tenho me referido muito mais a homens simples que a heróis, tenho citado mais poetas que juristas.

Hoje, nesta noite de reencontros, não devo – e não quero – ser diferente.

Começo por Drummond:

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
[...] E os olhos não choram.
[...] E o coração está seco."

Honra-me a agraciação, como por igual e por inteiro enobrece-me ser porta-voz dos galardoados.

Lamartine, no poema Le Lac, em versos nos alerta que na vida sempre somos levados para novas margens, e exatamente como um rio, temos a destinação de fluir permanentemente, não podendo lançar âncora um só dia.

Por mais saltos que tive de vencer em minha existência, por múltiplas corredeiras por mim já enfrentadas, pelos remansos traiçoeiros passados, quer na violência das enchentes, quer na tristeza das secas, não deixei de cumprir meu destino.

Os rios, em seus diversos estilos, têm consciência que sua destinação é destituída de sentido; todavia não deixam, um só instante, de impor sua doçura contra a salinidade do mar.

Nesta noite de reencontros, somos todos rios correndo para o mesmo mar.

O belo, infinito, indizível mar da democracia, da cidadania, da paz social, criado com a luta político-partidária e garantido pela firmeza da Justiça Eleitoral.

Por diversos que tenham sido os traçados, por distintas que fossem as margens, jamais poderia imaginar que na larga curva do rio de minha vida um horizonte magnífico e desafiador iria encantar todos os meus sentidos, qual seja o de interpretar os sentimentos de dois ex-professores meus, hoje homenageados: o Desembargador Marcílio João da Silva Medeiros e o Doutor Márcio Luiz Guimarães Collaço.

Considero-me, na verdade, duas vezes agraciado.

Com a homenagem da Justiça Eleitoral Brasileira, área na qual me realizo como advogado e como cidadão; e com a oportunidade que me é dada pelos ilustres condecorados, de falar em nome deles.

Peco, reconheço, porque cedo à tentação de falar não em nome deles, mas sobre eles.

É que estou entre os muitos que conhecem bem o Desembargador Marcílio e o Doutor Márcio, e por isto os admiram e respeitam.

Falando sobre eles, acredito, uso melhor o tempo que me foi oferecido para, ocupando novamente esta tribuna, dar notícia a todos sobre a grandeza e a sabedoria de dois homens de bem, dois profissionais de escol, dois cidadãos que tiveram papel fundamental na construção do renome nacional que a Justiça Eleitoral de Santa Catarina alcançou por sua excelência.

O Senhor Desembargador Marcílio Medeiros é, para gerações e gerações de alunos da Faculdade de Direito, hoje Advogados, Magistrados e Membros do Ministério Público, mais do que um mestre, pois o festejado magistrado não foi apenas o professor de Introdução à Ciência do Direito, mas verdadeiramente um mestre na Iniciação ao Direito.

Sobre sua marcante presença no mundo jurídico, tanto na magistratura como no magistério, muitas considerações já foram feitas e por certo outras serão.

Fico, neste tempo, com as palavras do Desembargador May Filho, que ao referir-se ao Desembargador Marcílio Medeiros quando de sua despedida da Presidência do TRE, assim se manifestou:

"Vossa Excelência tem sido exemplo e estímulo para muitos juízes que, como eu, gostariam de ombrear com Vossa Excelência no trato brilhante e sereno do Direito, com elegância e distinção no contato humano, honrado, austero e intangível na função de Magistrado."

Além disso, Vossa Excelência é professor emérito, mostrando, dessa maneira, interesse em elevar o índice cultural da mocidade estudiosa de nossa terra.

O talentoso Procurador João Carlos Kurtz, na sessão de despedida do Desembargador Marcílio Medeiros do Tribunal de Justiça, sobre a vida e a carreira do ilustre Magistrado fez as seguintes considerações:

"A carreira termina agora. Mas do magistrado Marcílio Medeiros restará o exemplo, a inspirar esses jovens juízes que se espalham pelos mais distintos rincões do chão catarinense; a iluminar-lhes o caminho entre as brumas sutis e capciosas do justo e do injusto; a aviventar-lhes as lições de altivez e prudência; a incendiar-lhes a fé e a crença na Justiça. Ademais, para quem sempre teve as mãos fartas de boas sementes, não faltará terreno fértil para o plantio, mormente nesta fase difícil da nossa história, com sentidas carências de celeiros de sabedoria, honradez e dignidade."

Este é o verdadeiro perfil do homenageado, Desembargador Marcílio Medeiros.

Sobre o Professor e Diretor-Geral desta Corte, Doutor Márcio Luiz Guimarães Collaço, as lembranças estão bem vivas, eis que o privilégio de seu convívio jamais cessou.

A aproximação com o Doutor Márcio formalmente ocorreu através de um amigo comum, já distante, Doutor Deodoro Lopes Vieira que, como o homenageado, vivia o entusiasmo e o ideário da Câmara Júnior Internacional nos seus primórdios em terras catarinenses.

Depois veio o contato na Faculdade de Direito. Vivíamos a primeira metade da década de 60. Eram tempos de cuidados, principalmente nas aulas de Direito Constitucional, e nesta fase revelou-se professor diligente, mestre criterioso e cidadão responsável, consciente do seu papel no contexto político, cultural e social.

Na Direção-Geral do TRE, sempre se houve com eficiente dinamismo e alta capacidade de resolução das questões submetidas à esfera administrativa da Corte.

Sua gestão à frente da Secretaria do TRE Catarinense foi destacada pelo Desembargador Marcílio Medeiros, em 27 de abril de 1970, ao deixar a Presidência do Tribunal, oportunidade em que fez o seguinte registro:

"Ao funcionalismo do Tribunal, ora presente na pessoa do Doutor Márcio Collaço, competente, dedicado e inteligente Diretor-Geral da Secretaria, o meu reconhecimento pela lealdade e eficiência de sua colaboração."

Se nós três dedicamos a maior parte de nosso labor profissional e de nossa capacidade criativa à Justiça Eleitoral, há que existir nesta Justiça Especializada fortes e inamovíveis razões para justificar tanto esforço e tanto empenho.

Aqui abre-se o espaço para que se fale dos demais agraciados nesta noite: os servidores Hugo Santana Fernandes e Claire Jerry Franke Wolff, que recebem o “Certificado de Honra ao Mérito Eleitoral.

Também representando-os, lembro a todos que mérito é merecimento, caráter ou qualidade de quem, pelo valor, pelos dotes morais e intelectuais, é digno de apreço e de reconhecimento.

Assim Hugo e Claire são honrados hoje porque sempre se houveram, nas suas funções, de forma meritória, e todos os que militam e fazem a Justiça Eleitoral Catarinense somos testemunhas disto.

Em tempos “desinformatizados”, quando o papel era a partitura e o lápis instrumento, a têmpera e o denodo do funcionalismo da Corte Eleitoral é que permitiu que a melodia das liberdades democráticas pudesse ser ouvida de norte a sul, de leste a oeste do nosso estado.

Desse reduzidíssimo quadro funcional, que superava dificuldades e carência de recursos para a realização de seu trabalho, os agraciados são dignos representantes.

Se as demandas da Justiça Comum são travadas sob grandes tensões emocionais, as pugnas na Justiça Eleitoral se desenvolvem em verdadeiro estado de sideração emotiva.

Se a causa de pedir funda-se em regras positivas do Direito, o objeto da lide sempre é tratado com impactante carga ideária, com profundo apelo ideológico, elementos que nascem na alma humana e justificam o sentido da vida.

É sob a égide deste clima que se desenvolvem os processos eleitorais e, mercê a intervenção da Justiça Eleitoral, o Direito é aplicado e as sentenças cumpridas, os conflitos são dirimidos, a paz é restabelecida, os ânimos são contidos e as esperanças renovadas... até as próximas eleições!

Este é o cenário da Justiça Eleitoral.

O Senhor Ministro Carlos Velloso, ao agradecer as homenagens que a Câmara dos Deputados, muito merecidamente, ofereceu ao Tribunal Superior Eleitoral na Sessão Especial comemorativa dos 60 anos de sua criação, com propriedade lançou o seguinte entendimento:

"A democracia tem pressupostos e condições. Um dos pressupostos da democracia, ao lado dos pressupostos econômico e social, é existir um mecanismo impermeável à corrupção, capaz de receber a vontade do titular do poder e transmiti-la com perfeição.

Em muitos países, este mecanismo é o próprio Parlamento. Aqui, por vontade dos representantes do povo brasileiro, é a Justiça Eleitoral."

É por isso que digo que uma homenagem como esta há de determinar que continuemos cada vez mais aperfeiçoando mais esse processo de receber e captar a vontade do titular do poder, investindo, pois, em mandatos legítimos.

Plausível e correto o entendimento do atual Presidente do TSE, que tem como inflexível estribo o princípio fundamental do Diploma Político Nacional, contido no parágrafo único do artigo 1º, que proclama:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Elegendo a Representação Popular como o valor maior da formação do Poder Político Nacional, a Lei Fundamental Brasileira tatuou, na alma e no corpo dos brasileiros, o sentido e o dever de cidadania.

A cada cidadão é dada a capacidade eleitoral ativa, o que vale dizer, o eleitor é o primeiro vetor a ser acionado quando deflagrado o processo eleitoral.

Simultaneamente com a consciência e a responsabilidade de ser parte na formação do Poder Político Nacional, passa a Justiça Eleitoral a ser força integrante da vida cidadã de cada brasileiro, que começa com o simples ato de habilitação eleitoral e se consuma com a entrega do Título, verdadeiro passaporte para o civismo, atestado formal para ser tido e havido como agente ativo da fonte do Poder.

Titular do direito de eleger, o eleitor por igual passa a ter o dever de bem escolher quando chamado para o processo eleitoral, quando convocado para a primeira batalha em favor das liberdades democráticas.

É neste contexto que se percebe a real importância da Justiça Eleitoral, acompanhando e disciplinando desde a preparação do Título Eleitoral até a Diplomação dos eleitos.

Do ato individual informal, de preparo, até a solene habilitação eleitoral, os procedimentos correm nos cartórios, nos gabinetes dos Juízes Eleitorais.

Enquanto na esfera essencialmente administrativa processa-se a habilitação eleitoral, coroamento da cidadania, na área judicial da Justiça Eleitoral elenco variado de procedimentos é realizado, alguns sob o regime de supervisão, que são os atos típicos interna corporis no âmbito dos Partidos Políticos, tais como as filiações e as convenções para escolha de Diretórios e Comissões Executivas.

À medida que o processo avança, aumenta por igual a ação fiscalizadora da Justiça e do Direito Eleitoral, tanto é que a escolha e o seqüente registro dos candidatos a serem votados são atos próprios dos Juízes e Tribunais Eleitorais.

A partir do registro, tem-se como balizamento legal temporal o Calendário Eleitoral, baixado por Resolução do TSE, e que se constitui o cronograma rígido, com efeitos preclusivos, para os atos que formarão todo o processo eleitoral, até a diplomação dos eleitos.

Resta evidente que os fatos jurídicos, seus resultados e suas conseqüências, legam vitórias e derrotas, situações que geram sempre estados de euforia ou de não-aceitação, por isso se diz que os embates na Justiça Eleitoral são tisnados pela paixão.

Desde 1821, quando foram eleitos os primeiros representantes do vice-reino do Brasil junto à Corte em Lisboa, o fenômeno da eleição fez nascer no sangue e na alma nacionais o apego ao exercício do voto, o respeito ao resultado das urnas, e assim pode-se afirmar que o processo de escolha por sufrágio está indelevelmente preso à tradição da gente brasileira.

Desde 1821 até os dias atuais há uma longa trajetória de conquistas e avanços que conferiu à Justiça Eleitoral Brasileira inegável papel de destaque no conceito internacional.

Entre as muitas mudanças ocorridas e constatadas, destaca-se o instituto do sufrágio.

O voto já foi restrito, indireto e a descoberto; hoje o temos universal, direto e secreto, e ainda é forçoso lembrar do asseguramento da proporcionalidade e do caráter de obrigatoriedade do voto, tudo por mandamento constitucional.

Se a atual composição da Justiça Eleitoral tem ponto inicial no Código Eleitoral de 1932, de inspiração revolucionária de 1930, a mesma Justiça Eleitoral foi recriada e aprimorada há 60 anos, pelo Decreto de 28 de maio de 1945, revigorando-se através dos preceitos do artigo 94, inciso IV e artigo 109, da Carta Federal de 18 de setembro de 1946.

É natural nosso justo regozijo e intenso júbilo em festejar os 60 anos da Justiça Eleitoral Brasileira que, a partir de hoje, com esta homenagem, nos distingue como partícipes especiais desta história.

No caso catarinense somos tomados por uma alegria singular.

Nós, homenageados neste evento com a “Medalha do Mérito Eleitoral” e com o “Certificado de Honra ao Mérito Eleitoral”, que vezes várias cruzamos nossos passos e nossas ações na antiga sede da rua Padre Miguelinho, que vivemos a alegria da mudança para a rua Tenente Silveira, que vibramos com a sede própria da rua São Francisco e que, mais recentemente, tomamos acesso à atual sede da Corte na rua Esteves Júnior, estamos vivendo um instante muito grato de nossas existências, porque está sendo atestado, publicamente, que somos parte da evolução histórica da Justiça Eleitoral e da cidadania que ela garante.

Afirmo que nosso Mestre de sempre, Desembargador Marcílio João da Silva Medeiros, aqui representado por seu digno filho Marcílio que também exerceu com invulgar talento e brilho as funções de Juiz Eleitoral e por toda a representação da família Medeiros; declaro, sob firme convicção, que meu Professor e meu amigo Márcio Collaço, que se faz presente acompanhado de seus dignos familiares; e eu mesmo, perante aqueles que me amam, perante meus amigos e diante de todos, que somos gratos à Corte Eleitoral pela distinção outorgada.

Certos estamos que a partir do momento em que passamos a ostentar a “Medalha do Mérito Eleitoral” cresce ainda mais nossa afeição à Corte, e seus Juízes, Juízes Eleitorais e servidores em todos os níveis – que são privilegiado elenco de recursos humanos –, enfim, todos que impulsionam a Justiça Eleitoral de Santa Catarina, nos têm cativos.

Certos estamos, também, que os que receberam hoje o “Certificado de Honra ao Mérito Eleitoral” se constituem em feliz exemplo a ser seguido e orgulho para seus familiares.

Permitam-me retomar o tom pessoal do início destas palavras.

De minha infância mantenho inalteráveis alguns ensinamentos, próprios de um lar cristão-católico dos idos de 40 e 50.

Assim, mesmo quando a vida me impôs ferimentos, jamais deixei ao largo meus ideais e minhas crenças.

Com entusiasmo criador senti marcadas em meu ser com um fogo sagrado a Fé, a Esperança e a Caridade.

Hoje, tal como ontem, mantenho inabalável Fé no Poder do Direito.

Por igual recicla-se em mim, a cada dia, a Esperança de ver feliz a Humanidade.

E, por fim, vivencio, sempre, a maior destas virtudes: a Caridade. A Caridade de que nos fala Santo Agostinho, que é “um rapto d’alma que transporta o cristão para o gozo de Deus.”

Nos meios acadêmicos, ao estudar a Teoria dos Círculos Concêntricos da Moral e do Direito, constatei que a Caridade estava presente apenas no Círculo da Moral.

Hoje tal conceito é controverso, pois a Caridade não só está no campo da Moral, mas constitui também a base do Direito.

A Caridade, hoje, não mais consiste em dar generoso favor a um esmoler, e passou de virtude a dever.

Caridade, sob a ótica da prestação da Justiça, deixa de ser somente proteção aos necessitados, pois não pode ser entendida como pretexto para que o excluído sacrifique e destrua o direito alheio honestamente ganho.

Caridade é evitar o injusto, esteja onde estiver. É, enfim, restabelecer a ordem, o equilíbrio, o que vale concluir que a verdadeira Caridade só se faz com Justiça.

Tal como Bilac, encontro-me “na extrema curva do caminho extremo.

Alongo a vista e – tendo como cenário horizontes que se sucedem – vejo a estrada percorrida e diviso uma íngreme ladeira, a qual percorri como advogado militante, e que galguei com a feliz consciência do dever cumprido.

Foi por estes tormentosos caminhos, dentro dos limites estreitos da legalidade que era oferecida, que aprendi a ser tenaz, pois enquanto existia uma fresta, uma brecha, uma clareira, fazia eu daquela chama bruxuleante uma manhã estival, o albor de um sol de liberdade, vivendo no dia-a-dia os versos de Thiago de Mello:

"Faz escuro mas eu canto, porque o amanhã vai chegar."

Jamais desertei de qualquer lide, mesmo quando as regras eram movidas pela excepcionalidade.

À minha profissão – e é nesta condição que sou homenageado – devo todas as vitórias alcançadas, na luta pela vida e pelo ideal democrático.

Por isso, por ser um reconhecimento ao meu trabalho profissional, é que, com especial carinho e glória íntima recebo a honraria da homenagem, que sinto ser acorde entre todos aqui presentes.

Olhando para a minha vida e para vocês, meus amigos, volto aos versos do “Moço de Itabira”, nosso querido Drummond:

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
[...]
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Florianópolis, 17 de junho de 2005.

 

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