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Voto eletrônico, o crisma da cidadania

Por: Francisco Xavier Medeiros Vieira

1 Introdução

"Um homem que não se interessa pela política deve ser considerado não um cidadão pacato, mas um cidadão inútil".2

A omissão é pecado capital. Tem conotação de tragédia quando o omisso é homem público, político, religioso, administrador ou magistrado.

Antônio GRAMSCI tributava incontida revolta contra o cidadão alheado, lacunoso, inerte. "Odeio os indiferentes" - dizia, para enfatizar:

"Como Friederich Hebbel, acredito que 'viver significa tomar partido'. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e, às vezes, os leva a desistir da gesta heróica (...)

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida Ihes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura, que estamos a construir (...)

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes".

Justa a preocupação de MARCIAL1: para quem nada lhe parece mal, o que lhe pode parecer bom?

Conhecida estatística demonstra o percentual da população mundial pensante: apenas 15%! Outros 25% julgam raciocinar.

O Brasil não foge à regra, convindo repetir com insistência: não há cidadania sem consciência crítica e participativa.

Como lembrei alhures, cidadão é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos, igualmente considerado, no desempenho dos seus deveres, como partícipe do Estado.

Neste conceito, não é cidadão quem é pária.

Não é cidadão aquele a quem a perversa distribuição de renda afundou na miséria.

Não é cidadão quem não tem acesso a alguma forma de trabalho digno.

Não é cidadão aquele que encontra fechadas as portas da educação, saúde, justiça.

Não é cidadão quem "não tem voz, nem vez".

Não é cidadão quem vive mergulhado na ignorância.

Não é cidadão o condenado à solidão, sem chance de partilhar suas angústias e esperanças...

Com proverbial inspiração lembrou o digno e erudito Ministro José Néri da SILVEIRA, em memorável conferência16:

"A consciência jurídica é, acima de tudo, uma consciência de valores na vida social, cumprindo se Ihes reconheça, outrossim, verdadeira escala hierárquica, na dinâmica do convívio.

(...) Importa se compreenda a inafastável necessidade de a ordem jurídica criar instrumentos que assegurem a efetiva participação de todos nos bens e benefícios sociais, certos, também, dos valores da solidariedade e da cooperação, enquanto estamos todos, sem exceção alguma, vinculados, irresistivelmente, uns aos outros, na ordem social, a um destino comum e a uma autêntica empresa comunitária, cujo sucesso ou malogro, em decorrência, a todos atinge e envolve".

2 Cidadania, realidade e sonho

"A nacionalidade é fenômeno político; exprime a vinculação do indivíduo para com a nação de que é súdito. A naturalidade, fenômeno sociológico, traduz o liame do indivíduo à terra em que nasceu ou adotou. A cidadania, fenômeno jurídico, revela o status do indivíduo no Estado em que vive"11.

A cidadania constitui um dos fundamentos da República, solenemente insculpido no inciso II, art. 1° , do estatuto Fundamental. Os demais são a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Observam, com reconhecida acuidade, Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra MARTINS3 que a dignidade da pessoa humana "parece englobar, em si, todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social".

Cidadania e dignidade disputam conceitos interligados. Não há dúvida de que o Estado se erige sob essa noção.

Esse ideal, evidenciado, em sua origem, por PÉRICLES, no ano 431 a. C. , na cerimônia de homenagem aos primeiros mortos da Guerra do Peloponeso, perpassou os séculos até os dias atuais. A democracia de Atenas valorizava a vontade da maioria, a igualdade perante a lei. TUCÍDIDES, mais tarde, escreveu que essa democracia era apenas nominal, posto que a realidade política e social de Atenas não correspondia aos ideais de PÉRICLES. Vicente BARRETO aprofunda "o conceito moderno de cidadania" (2), ensinando que "o chamado século de ouro ou o século de Péricles foi uma época de alto nível de vida para os atenienses e de grande brilho para as artes e a literatura". E que "esses ideais do discurso de Péricles acabaram incorporados à cultura política do ocidente, sendo, durante séculos' a fonte onde a maioria dos movimentos políticos contra as tiranias foi buscar inspiração".

A concepção de cidadania clássica, passando por PLATÃO e ARISTÓTELES, chegou ao pensamento moderno, principalmente através de ROSSEAU. Mas, na Revolução Francesa, prossegue o Prof. BARRETO, já se distinguiam as duas categorias de cidadãos que iriam caracterizar o estado liberal clássico: o cidadão ativo e o cidadão passivo; aquele, com raízes do status econômico e o outro, sem um mínimo de renda, excluído da participação nas decisões e no governo. "O instrumento jurídico que formalizava a divisão entre os dois tipos de cidadãos era o voto censitário"2.

Conclui o ilustre Mestre:

"É bastante claro que a cidadania moderna diferencia-se da cidadania clássica e da cidadania liberal. Mas a cidadania do estado democrático de direito exige uma complementação, tanto legislativa (uma nova lei partidária e eleitoral), como política (a utilização em todos os níveis de governo dos instrumentos previstos na carta magna para a prática da democracia direta), para atender ao que pretende a Constituição de 1988 (art. 1° , parágrafo único). A prática da democracia é que irá criar uma nova cultura cívica e um novo regime político, garantindo a plena eficácia da ordem constitucional"2.

Sustenta, com reconhecida propriedade, Teresa Maria Frota HAGUETTE10 que "os países em desenvolvimento exibem a contradição de contarem com leques de direitos sociais que, apesar de compatíveis com aqueles que fazem parte do exercício da cidadania nos Estados ricos, não dispõem de estrutura econômica capaz de implementá-los a contento, incapacidade aumentada pela brutal concentração da renda e da riqueza".

Em outras palavras, a realidade brasileira nos diz que ainda permanecemos no terreno do sonho.

J.J. Calmon de PASSOS14 adverte:

"Nada é mais traiçoeiro do que se acreditar saber o exato significado de palavras qualificadas como corriqueiras, de tão utilizadas no quotidiano.

Quando paramos para refletir ou somos questionados, verificamos saber menos sobre elas do que do que sabemos a respeito das que se mostram raras, sofisticadas e esotéricas. (...) A palavra cidadania é uma dessas. Ela está presente em nosso discurso demagógico, em nossa fundamentação despistadora, em nossa pregação cívica, em nosso quotidiano revoltado, em nosso dizer dogmático e em nosso lirismo militante. Onipresente e emocionalmente forte, é ela realmente útil? (...) Cidadania, portanto, engloba mais que direitos humanos, porque além de incluir os direitos que a todos são atribuídos, em virtude de sua condição humana, abrange, ainda, os direitos políticos. Correto, por conseguinte, falar-se numa dimensão política, numa dimensão civil e numa dimensão social da cidadania".

A educação é condição essencial da cidadania. Prioridade das prioridades, tudo depende dela. Inclusive a saúde, no seu aspecto mais importante, o profilático. O Estado despenderá menos que na medicina curativa, terapêutica. O saneamento básico -água e esgoto -e uma alimentação adequada decorre do conhecimento e, bem assim, o trabalho e até a prosperidade. A formação da cidadania depende da educação.

Ora (é ainda a lição de Calmon de PASSOS), "se o poder é fruto do saber em relação ao 'não saber', forma eficiente de limitar ou excluir a cidadania é manter o governado em um estado de 'não saber', para fazê-lo um dominado. Destarte, é correto afirmar-se inexistir cidadania onde inexiste educação. Manter grandes camadas da população sem acesso à educação é dominação; e educá-las inadequadamente, é, por igual, forma indireta e perversa, de dominar. Educar, em nossos tempos, tornou-se tarefa impossível de ser suficiente e eficientemente desempenhada pela família, nem foi assumida pelos agentes econômicos, donde a inelutável conseqüência de sua alocação, em termos significativos, ao Estado, ao poder político (mesmo quando ministrada por 'agentes' privados)"14.

3 Os partidos políticos e a legislação eleitoral

"Todo e qualquer poder pode tornar-se abusivo mas, sem dúvida, é o abuso do poder político, e hoje também o do poder econômico, que mais temem os homens. E não é por outra razão que o controle do poder constitui um dos temas capitais da filosofia, da ciência e do direito político"8.

Na última semana de julho do ano transato, a CNBB promoveu um debate em torno do tema "BRASIL -ALTERNATIVAS E Protagonistas". O temário básico foi este: "Desenvolvimento Econômico, Estado Democrático, Cidadania e Sujeitos e Valores Emergentes".

Concluiu-se, acerca do desenvolvimento econômico, que o atual modelo sócio-econômico traduz grandes problemas sociais, como a concentração de propriedades, economia informal, distorções da tributação, não atendimento do mercado interno, tecnologias defasadas - constatação que está a impor um novo modelo, precipuamente fundado na solidariedade, lastreado numa premissa fundamental: a sociedade deve estar organizada, tendo como centro a pessoa humana e a vida.

Sobre o estado democrático, sua construção exige a superação da concentração política pela publicização e descentralização do aparelho estatal; a consolidação e ampliação do exercício da cidadania, em especial da participação popular na gestão pública; a criação de espaços públicos não estatais que se constituam como verdadeiros espaços solidários.

Quanto à cidadania, sua concretização depende do acesso à terra, à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, em suma, aos direitos sociais preceituados na Lex Máxima; de outro lado, cumpre enfrentar a dominação política no âmbito do Estado e no do cotidiano.

No tocante aos sujeitos e valores emergentes se pretende uma sociedade pluriétnica e cultural e uma nova ordem política e social.

Em síntese, a conclamação da CNBB pretende "um país economicamente justo, socialmente equitativo e solidário, politicamente democrático e culturalmente plural"12.

O direito de participar do poder político -argumenta Teresa Maria Frota HAGUETTE10 - tem, no sistema eleitoral, através do voto do cidadão, o instrumento por excelência para assegurar que a escolha a população seja considerada além das indicações particularistas de representantes e governantes. Outro direito político é o direito à divergência e à oposição. Tem, no pluripartidarismo, a sua instituição maior.

Completa Osires TEIXEIRA:

"Cabe, pois, ao partido político velar pela formação política do povo, infundindo-lhe uma doutrina. Pregar o desarmamento de espírito: o amor à liberdade, o espirito cívico, o respeito às instituições; despertar no povo a sua co-responsabilidade pelas realizações do governo: inspirar-Ihe o senso da co-autoria na condução da coisa pública; mostrar-lhe a validade e importância de sua participação. Eis sua função precípua"17.

Ocorre, contudo, que o Brasil tem agremiações partidárias frágeis, talvez nem tanto pelo conteúdo programático e ideológico de que se revestem, mas em razão do descrédito generalizado, do desinteresse coletivo. É uma pena! A democracia depende, em grande parte, de partidos fortes, e os nossos não empolgam, nem convencem também porque, na prática, suas lideranças são descompromissadas com os valores éticos que a sociedade, atenta e insatisfeita, cobra dos que exercem um múnus oficial.

Na verdade, pesa hoje, sobre os políticos e as instituições, se não a reprovação nacional, a execração pública, ao menos o desencanto, a frustração e a indiferença.

Vivemos tempos de descrença. A prática político-partidária, nas últimas décadas, tem sido de obscurantismo político, propício ao alheamento da cidadania. E esta só pode ser afirmada como resultado e produto da tomada de consciência de cada um.

De todos os importantes segmentos do Judiciário, a Justiça Eleitoral é a que melhor reflete as aspirações populares, representando um instrumento ímpar de aperfeiçoamento democrático, ainda porque intermediário dos embates político-partidários.

Quando o eleitor tem a certeza de que seu voto encontrou o destinatário, não foi manipulado ou desviado, ganha a democracia.

Modernizar a Justiça Eleitoral tem sido um desafio fascinante. Afinal, às vésperas do Terceiro Milênio, o antigo modo de votar e de apurar se tornou irrecusavelmente obsoleto.

Cumpre, ao Poder Legislativo. a edição de um novo Código Eleitoral, pois o de 1965, em descompasso, não atende mais às atuais exigências. Impõe-se, igualmente, a reformulação partidária (com o fim da imunidade e da impunidade), uma nova Lei orgânica dos partidos políticos, enfim, uma legislação de conteúdo estável.

4 A informatização do voto

"Democracia é o regime em que os governantes são escolhidos pelos governados por intermédio de eleições honestas e livres"5.

Conta-nos Daisy de Asper Y VALDÉS19 que foi Norbert WIENER quem "desenvolveu a idéia de estudar cada vez mais exaustivamente a interação existente entre a máquina e o cérebro humano, no sentido de que a estrutura fisiológica permita compreender melhor o funcionamento de um comportamento humano ou animal, com a finalidade de poder reproduzi-lo por meio de uma máquina. Efetuando pesquisas no campo do controle e da atividade voluntária em geral, formulou a 'teoria da realimentação' (feedback)". E, adiante:

"Temeu-se que a automatização gerasse rivalidades entre o homem e a máquina, pois a máquina pode ser mais precisa ao agir do que o homem, mais rápida, e que o futuro seria a valorização de máquinas e não de homens. Segundo WIENER, para que as máquinas sejam usadas de forma racional, é preciso pensar em sistemas formados de elementos humanos e mecânicos em trabalho conjunto, e em construir os sistemas usando os dois elementos de forma que nos seja mais favorável".

Certamente o voto, de si só, não confere cidadania plena. No jogo democrático, é o meio pelo qual se exerce a soberania popular, com igual valor para todos. 

A Justiça Eleitoral vem fazendo a sua parte na busca da valorização da cidadania e do aperfeiçoamento da Democracia. Verberou, não faz muito, reunida no Recife, a fraude ensejada pelo ato artesanal e antiquado de votar; a legislação eleitoral, sempre casuística, a desfigurar continuamente o Código eleitoral, este, de si só, como se viu, ultrapassado; a influência nociva do poder econômico e a frustrada tentativa de seu controle através de bônus eleitoral -o que, nada obstante, é bom sublinhar -, constituiu reconhecido avanço no esforço de moralização dos pleitos. Não ficou, todavia, na denúncia: reclamou a urgente necessidade da elaboração de um novo Código eleitoral, de conteúdo estável, a revisão de critérios da propaganda eleitoral gratuita e a informatização da Justiça Eleitoral, até a automação do voto. 

O TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA passou do plano teórico à prática. Já no segundo turno, a 15 de novembro, realizou significativa experiência, em cinco seções da Capital, onde os eleitores exerceram seu direito por computador. Formalizou, em seguida, um convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina e com a Universidade do Vale do Itajaí, para a elaboração, com os técnicos do Tribunal, de um projeto viabilizando o voto eletrônico na eleição municipal (extraordinária) de XAXIM, realizadas com incontrastável êxito dia 12 de fevereiro de 1995 fluente. Com o mesmo ímpeto renovador, realizamos, a 19 de março, mais de três dezenas de plebiscitos em todo o Estado, todos com voto eletrônico.

Entre as muitas vantagens da automação do voto, poder-se-ia destacar o fim das cédulas manuais, das urnas, dos boletins manuscritos, da manipulação de papéis, a rapidez do exercício do voto e da apuração, a extinção da figura do escrutinador, enfim, a fraude exorcizada.

Na certeza de que esta iniciativa pioneira na América Latina é irreversível, a Corte que tenho a honra de presidir aprovou a remessa de um projeto de votação informatizada ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, para aplicação nas eleições municipais de 1996. Espera-se, evidentemente, amplo debate. Dele resultará, por certo, a melhor proposta.

Cuida-se, pelo projeto catarinense, de votação eletrônica em larga escala, de tal modo aperfeiçoado, que o eleitor poderá votar em qualquer pólo de seu município. Haverá uma base local (no lugar da votação) e outra zonal (na sede da Zona). Estará à disposição do eleitor, no equipamento de cabine, além do teclado modificado, uma caneta ótica para identificação do candidato. Na eleição majoritária, localizada a foto do candidato, o eleitor passará a caneta pelo código de barras. Na proporcional, o sistema é o mesmo: quando aparecer, na tela do microcomputador, a fotografia do candidato, basta pressionar a tecla de confirmação.

Em todas as fases, um comando de voz orientará o eleitor.

Interessante consignar que a habilitação do eleitor far-se-á por cartão magnético no próprio equipamento da cabine, o que proporcionará a identificação e a liberação do voto.

O projeto prevê sistema de auditagem para garantir a segurança contra vírus e outros "softwares" mutantes ou não. Está igualmente afastada a hipótese de o eleitor votar mais de uma vez.

Microcomputadores multimídia, "modems", linhas de comunicação e "hardware" específico de comunicação serão instalados nas seções eleitorais. Nas Zonas Eleitorais, funcionarão estações de trabalho da tecnologia RISC, com equipamentos de telemática de comunicação multiusuária multiponto, operando a 2 MB ou mais. O TRE centralizará as emissões das plataformas interioranas, enquanto, no TSE, conectado aos equipamentos centrais dos TRE's, recolher-se-ão os resultados finais.

Recursos materiais e humanos estão detalhados no projeto encaminhado à consideração da Corte Superior, inclusive o cronograma de eventos a serem cumpridos a partir de 1° de junho próximo vindouro, culminando com a votação, apuração e totalização eletrónicas em 3 de outubro de 1996.

No que pertine à destinação dos equipamentos após os pleitos -o que poderia levar à enganosa conclusão de ociosidade fora dos períodos sazonais, a cada dois anos -, registra-se que os equipamentos auxiliarão as Zonas Eleitorais na automação de seus cadastros ou cedidos a outros órgãos do poder público, inclusive à Justiça comum.

Consabidamente, o avanço tecnológico na informática é de tal ordem célere que reduz continuamente, à obsolescência, equipamentos de última geração, tidos como insuperáveis e modernos. Para evitar-se tal risco, as máquinas destinadas à votação eletrônica devem ser atualizadas periodicamente, mediante convênio com o fabricante, de sorte a repassar ao sistema eleitoral a tecnologia mais avançada, com o objetivo de aperfeiçoar sempre mais o jogo democrático.

5 Conclusão

"Quem sabe, na alvorada de uma nova cultura e da nossa nascente consciência da crise crônica, nos tenha sido finalmente reservado o papel de construir esse, ao mesmo tempo, glorioso e modesto caminho, de levantar catedrais imperfeitas com a sucata de todas as civilizações que nos formaram, de todas as complexas etnias, de todos os sangues que correm em nossas veias misturados. Para isso, não dá mais para avançar com cuidado, pouco a pouco, gradualmente. Precisamos queimar etapas, dar saltos para a frente, esquecer o que não fizemos no século XX, para entrar com esperança no século XXI, olhando para o agora"5.

Discorrendo sobre A democracia possível7, o festejado Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO insiste em que a Democracia não é uma superstição, uma quimera a que os homens se voltam, fugindo à visão da realidade. Não é ela um simples mito que fascina o homem, seduzindo-lhe a imaginação. Esse apego resulta de uma intuição profunda, a intuição de que a Democracia corresponde à força insopitável que move a evolução.

Lembra, outrossim, que Teilhard de CHARDIN aponta a razão disso, "na cosmogonia magistral em que insere o fenômeno humano na tríplice perspectiva teológica, filosófica e científica: o espírito da Democracia' se identifica com o sentido evolutivo ou sentido da Espécie, que é a 'vontade de crescimento por organização da Espécie sobre si mesma ".

"Almejar um Estado de Direito cada vez mais apurado, isto é, um Estado que, de maneira institucionalizada, reconheça e ampare os direitos fundamentais do Homem" -disse o Prof. Ignacio da Silva TELLES18 - "e, além disso, aspirar pelo advento de um sistema representativo em que haja de fato representação -eis aí dois ideais que merecem ser qualificados de autênticos. E autênticos o são por certo, pois que brotam, não de mutáveis circunstâncias históricas e culturais, mas sim da própria natureza política do ser humano".

Não há Democracia sem cidadãos livres.

Alguém já indagou: Há cidadãos neste País?

É preciso imprimir, no coração de cada brasileiro, o selo sagrado da cidadania, a mesma inspirada por TEMÍSTOCLES, ateniense ilustre, na batalha travada 480 anos antes de nossa Era contra os persas. Ameaçada a Cidade por invencíveis tropas do Exército de XERXES, "contra o qual lutou o legendário LEONIDAS"15, diante da proposta do arconte, de retirada da população e dos soldados, para garantir-Ihes a segurança, ergueram-se protestos indignados: " Abandonar sem resistência a cidade? Deixar que fanáticos profanassem seus deuses, entregar à pilhagem seus templos, as moradas de seus cidadãos? Onde o orgulho ateniense, de sua civilização, de suas leis? Onde a bravura e honra de seus soldados, que deveriam envaidecer-se de morrer para salvá-la? 

Ao que, com firmeza, respondeu-lhes o arconte com palavras de sabedoria: 

Poder-se-ia destruir cem vezes Atenas e não deixar nela pedra sobre pedra, cem vezes saquear seus tesouros, arrasar seus templos, queimar suas leis e os monumentos de sua civilização. Onde quer que vá um ateniense, ele carregará Atenas consigo, e cem vezes, se necessário, a reconstruirá. ATENAS RENASCERÁ, PORQUE ATENAS SOMOS NÓS!"

É que, consoante assinala Leonel FRANCA9, "não há civilização que possa durar sem uma concepção do homem e da vida, numa palavra, sem um verdadeiro humanismo integral; toda civilização é uma metafísica viva. Impossível a separação completa entre a ideologia e a sociologia. Um laço intimo prende indissoluvelmente as realizações da história aos valores supremos do ideal".

Como asseverou Albert CAMUS: "Se não condicionar sua conduta pelo ideal de um valor maior, que explique e justifique a vida, o homem decairá de sua dignidade e se perderá nas trevas"4.

A construção de uma nova civilização depende desse ânimo, desse estado de espírito. Cumpre hierarquizar valores, estabelecer metas, abraçar ideais definidos. Supérfulo enfatizar a postura da Justiça Eleitoral no que entende ser a antecipação do século XXI, um mergulho no futuro. Na verdade, o voto eletrônico constitui esforço digno de nota em busca do aperfeiçoamento democrático e da consolidação da cidadania em nosso país.

Referências Bibliográficas

1 ALBUQUERQUE, A. Tenório d'. Dicionário de Citações. 2. Ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1962. p. 762.

2 BARRETO, Vicente. O conceito moderno de cidadania. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, n. 192, p. 31-32, 37, abr./jun.1993.

3 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v .1, p. 485.

4 CAMUS, Albert. L' homme revolté. Paris: Gallimard, 1960.

5 OIEGUES, Carlos. Tolerância e crise. A adoção em terre des hommes. Curitiba, v. 7, n. 67, p. 1-2, jan. 1995.

6 OUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 3. ed. Rio de Janeiro : Guanabara, 1987. p. 387.

7 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. 5. ed. São Paulo. Saraiva, 1979.

8 O poder e seu controle. Revista de informação legislativa. Brasília, v. 21, n. 84, p. 90, out.ldez. 1984.

9 FRANÇA, Leonel. A crise do mundo moderno. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1942.

10 HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Cidadania: o direito à oposição e o sistema de partidos. Revista brasileira de estudos políticos. Belo Horizonte, n. 78/79, jan./jul. 1994.

11 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Forense, 1993. p. 376.

12 O LUTADOR. Belo Horizonte, v. 66, n. 37, p. 3, 11/17 set. 1994.

13 NUNES, Luiz Antônio. A lei, o poder e os regimes democráticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

14 PASSOS, J.J. Calmon de. Cidadania tutelada. Revista de processo. São Paulo, v. 18, n. 72, p. 124-143, out./dez. 1993.

15 QUIRINO, Celia Galvão; MONTES, Maria Lúcia. Constituições brasileiras e cidadania. São Paulo: Ática, 1987.

16 SILVEIRA, José Neri da. Em busca da plenitude da cidadania. Revista dos tribunais. São Paulo, v. 82, n. 687, p. 236-242, jan. 1993.

17 TEIXEIRA, Osires. O papel dos partidos políticos no aprimoramento das instituições políticas. Revista de informação legislativa. Brasília, v. 14, n. 56, p. 45-70, out./dez. 1977.

18 TELLES, Ignácio da Silva. A experiência da democracia liberal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

19 VALDÉS, Daisy de Asper Y. A informática jurídica: a máquina e o homem. Revista de informação legislativa. Brasília; v. 21, n. 84, p. 379-399, out./dez. 1984.

Ex-Presidente do TRESC.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 2, Edição Especial (mar. 1995).

 

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