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Íntegra

Súmula vinculante, regras de reconhecimento e textura aberta do Direito Análise à luz do pensamento de Herbert L. A. Hart

Por: João José Leal / Pedro Roberto Decomain

1 Introdução

Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre alguns aspectos do pensamento do jurista britânico Herbert L. A. Hart1 , mais especificamente o conceito de Direito formulado pelo referido autor, que o entende como reunião de regras primárias de obrigação e regras secundárias de reconhecimento, de alteração e de julgamento, e a sua idéia de que o Direito tem textura aberta. Na abordagem de ambos os temas, procurar-se-á sempre vincular o pensamento do autor ao Direito brasileiro contemporâneo, notadamente na perspectiva de uma particular alteração constitucional que se está presentemente a discutir no Congresso Nacional, representada pela "súmula vinculante". Tratar-se-á de tentar evidenciar o possível relacionamento entre a referida modalidade de "súmula" e o conceito de regra de reconhecimento, desenvolvido por Hart, associado à constatação de possuir o Direito textura aberta.

1.1 O somatório de regras primárias de obrigação e regras secundárias de reconhecimento, como essencial ao conceito de Direito, segundo Hart. Em que consistem as regras secundárias de reconhecimento.

Logo ao início de seu livro O Conceito de Direito, Herbert L. A. Hart apresenta a perplexidade da teoria jurídica, ao longo dos anos, em torno do que seja o próprio Direito.

Segundo seu dizer, "poucas questões respeitantes à sociedade humana têm sido postas com tanta persistência e têm obtido repostas, por parte de pensadores sérios, de formas tão numerosas, variadas, estranhas e até paradoxais como a questão 'o que é o direito?'" (HART, 1986, p. 6). Na perspectiva de tal perplexidade, produzida quando se tenta conceituar o que seja o Direito, Hart transcreve algumas das formulações apresentadas por diferentes autores, a propósito desse conceito. Desta sorte, como lembrado por Hart, segundo Llewellyn (The bramble busch, 2. ed., 1951, p. 9), "o que os funcionários fazem relativamente aos lítigios é [...] o próprio direito" (HART, 1986, p. 6). Já de acordo com O. W. Holmes (The path of law, in Collected Papers, 1920, p. 173), também lembrado por Hart, "aquilo que designo como direito, [...] são as profecias sobre o que os tribunais farão" (HART, 1986, p. 6-7). Hart lembra ainda a afirmativa de J. C. Gray (The nature and sources of law, 1902, p. 276), segundo a qual as leis são "fontes de Direito [...] não partes do próprio Direito" (HART, 1986, p. 7). Lembrou ainda a afirmativa de Austin (The province of jurisprudence determined, 1832, lição VI, edição de 1954, p. 259), de acordo com a qual "o Direito Constitucional é apenas a moral positiva" (HART, 1986, p. 7). Por fim, Hart relembra a afirmativa de Kelsen (General theory of law and state ou, em vernáculo, Teoria geral do Direito e do Estado, 1949, p. 61): "Não se deve roubar; se alguém roubar, será punido [...] A primeira norma, se chegar a existir, está contida na segunda, que é a única norma genuína [...] O direito é a norma primária que estatui a sanção" (HART, 1986, p. 7).

Embora de algum modo e em algum ponto quase todas essas afirmativas acerca do que seja o Direito tenham sido discutidas no livro de Hart, aquela que mais especificamente foi objeto de considerações, embora Hart não o haja afirmado de modo textual, foi a de Kelsen, segundo a qual a essência do Direito consiste na norma que prevê a sanção. Todavia, o pensamento de Hart representou também uma crítica da doutrina de Austin, na obra The province of jurisprudence determined, segundo a qual o Direito teria por essência constituir-se em um conjunto de ordens baseadas em ameaças, emanadas de um soberano e geralmente obedecidas.

No decorrer de sua análise da teoria de Austin, Hart expõe que, a par de regras que denominou de "regras primárias de obrigação", existem outras que não impõem deveres e que, portanto, se distanciam por completo das idéias de ordens cujo atendimento seja garantido mediante ameaças, demonstrando inclusive que, em sistemas jurídicos evoluídos, existem regras, a que denominou de "secundárias", que permitem reconhecer quando se está diante de uma regra primária de obrigação, permitem definir como se podem alterar regras primárias de obrigação e permitem solucionar conflitos em torno da incidência ou não de regras dessa natureza em casos concretos.

Antes, todavia, de empreender a discussão em torno das assim denominadas "regras secundárias", Hart apresenta alguns argumentos destinados a evidenciar que a redução do Direito a um conjunto de ordens baseadas em ameaças constitui um equívoco.

Como a discussão de tais argumentos é preparatória do seu conceito de Direito, que envolve como elemento central a conjugação entre as regras primárias de obrigação e as regras secundárias antes referidas, há necessidade aqui de que se faça uma referência, ainda que breve, aos argumentos tecidos para contraditar a idéia de que o Direito ficaria limitado a tais ordens baseadas em ameaças.

Uma primeira série de observações empreendidas por Hart, com o objetivo de demonstrar que o Direito não pode ser confundido simplesmente com um conjunto de ordens baseadas em ameaças, consistiu em colocar em evidência a diversidade do conteúdo das diferentes regras jurídicas existentes em uma sociedade, a diversidade do âmbito de aplicação dessas regras e a diversidade dos seus modos de origem (que também poderia ser designada como diversidade nos modos como a regra se manifesta).

Acerca do conteúdo das leis (ou regras), Hart observa que não existem unicamente aquelas que poderiam mesmo corresponder ao conceito de comandos garantidos pela previsão de uma ameaça - do qual as do Direito Penal são as que mais se aproximam (HART, 1986, p. 29) -, mas também outras, de idêntica importância, em face das quais a "analogia com ordens baseadas em ameaças falha redondamente, visto que preenchem uma função social bastante diferente" (HART, 1986, p. 35). Neste outro grupo de regras, que se afastam do conceito de ordens cujo cumprimento é garantido mediante ameaças, Hart inclui aquelas que definem "os modos pelos quais se podem celebrar contratos, testamentos, ou casamentos válidos", já que estas não impõem deveres ou obrigações, mas "facultam aos indivíduos dispositivos para a realização dos seus desejos, conferindo-lhes poderes jurídicos legais para criar, através de certos procedimentos especificados e sujeitos a certas condições, estruturas de direitos e deveres dentro do quadro coercitivo do direito" (HART, 1986, p. 35).

No dizer de Hart, "o poder assim conferido aos indivíduos de dar forma às suas relações jurídicas com outros através de contratos, testamentos, casamentos, etc., constitui uma das grandes contribuições do direito para a vida social", tratando-se de uma característica do direito que resta obscurecida quando este é reduzido a uma questão de ordens baseadas em ameaças. Estas regras que conferem poderes ou capacidades podem ser distribuídas em grupos diferentes. Algumas, como as relacionadas a contratos, testamentos e casamentos, dizem respeito à vida particular dos indivíduos. Mas há também outras, que dizem respeito a atividades comunitárias, como aquelas que regulam as competências e os modos de proceder dos Tribunais, na solução de controvérsias (HART, 1986, p. 35-37). Também estas diferem da idéia de ordens cujo cumprimento é assegurado mediante ameaças.

Hart noticia as propostas de alguns autores que - na tentativa de preservar a idéia de que a essência do Direito residiria em consistir ele em um conjunto de ordens cujo cumprimento seria assegurado mediante ameaças - ou assimilaram à sanção a nulidade decorrente da inobservância de regras de procedimento, capacidades ou competências, como aquelas que se acabou de noticiar, ou pretenderam demonstrar que tais regras na verdade não são regras por inteiro e em si mesmas, mas unicamente partes de outras regras, que permitem a determinados funcionários a aplicação de sanções (HART, 1986, p. 41-45).

Refuta a ambas. O argumento central por ele apresentado para refutar a idéia que assimila à sanção a nulidade do ato praticado sem observância das regras que ditavam o modo como deveria ser, reside no fato de que, ao prever-se uma sanção, se tem em mira uma conduta proibida, de sorte que não se poderia falar em sanção propriamente dita quando se tratasse de condutas tão desejáveis quanto a assunção recíproca de promessas (mediante contratos ou casamentos), mas cujos atos não satisfizeram as exigências legais. Além disso, ainda de acordo com as ponderações de Hart, em certo sentido se pode abstrair a previsão de uma sanção, sem que a conduta proibida se torne permitida e sem que se conclua, portanto, que pode passar a ser livremente realizada. Todavia, abstraindo-se a nulidade resultante da regra que exige, por exemplo, determinada forma para a celebração de um dado contrato, a própria regra deixaria de fazer sentido, visto que o contrato seria considerado válido mesmo sem a sua observância (HART, 1986, p. 42-43)2.

Para refutar o argumento de que as regras estabelecem procedimento (e aqui dificilmente se poderia falar mesmo daquelas que estabelecem regras de capacidade ou de forma para a celebração de contratos ou outros atos privados, mas unicamente das regras que ditam competências e procedimentos de agentes públicos no exercício de suas tarefas), Hart nota essencialmente que tal argumento importa em embaralhar situações inteiramente distintas. Lembra, a respeito, a completa diferença entre a situação que surge quando um funcionário impõe uma penalidade pecuniária àquele que praticou um crime, e aquela que se apresenta quando outro funcionário, reconhecendo a ocorrência do que usualmente se designa como fato gerador de um tributo, exige de quem realizou tal fato o pagamento da quantia correspondente.

No ponto, Hart também observa o seguinte:

A idéia de que as regras substantivas do direito criminal têm como função (e, em sentido lato, como significado) a orientação não só dos funcionários que administram um sistema de penas, mas também dos cidadãos comuns nas actividades da vida não oficial, não pode ser eliminada, sem que se alijem distinções fundamentais e se obscureça o específico carácter do direito como um meio de controlo social. O castigo de um crime, como seja uma multa, não é o mesmo que um imposto sobre uma actividade, ainda que ambos envolvam directivas a funcionários para infligir idêntica perda de dinheiro. O que diferencia estas ideias, é que a primeira envolve, ao contrário da segunda, um delito ou uma falta de cumprimento de um dever sob forma de violação de uma regra estabelecida para orientar a conduta dos cidadãos comuns [HART, 1986, p. 47]3.

Outro ponto relevante para demonstrar que o conceito de Direito não deve restringir-se a afirmar que se trata de um conjunto de ordens, cujo cumprimento se procura assegurar mediante a imposição de sanções, reside no próprio âmbito de aplicação das regras. Não resta dúvida, como observa Hart, de que algumas das regras existentes são aplicáveis também àquele que as formulou. Nos modernos sistemas legislativos parlamentares (ou de Congresso, em regimes presidencialistas), tal é particularmente verdadeiro. Quando o Poder Legislativo tipifica uma conduta, qualificando-a como crime ou contravenção e mandando aplicar uma pena a quem a realize, essa previsão alcançará também as próprias pessoas que, integrando o Parlamento naquela ocasião, aprovaram semelhante regra. Hart observa, a esse respeito, que "evidentemente, há hoje muitas leis que se fazem e que impõem obrigações jurídicas aos autores da lei", acrescentando que "a legislação, diferentemente do simples ordenar a outros que façam coisas sob ameaças, pode perfeitamente ter tal força auto-vinculativa" (HART, 1986, p. 51).

Por derradeiro, no que tange aos modos de origem da regra (e que talvez se pudessem designar até mesmo melhor como modos de manifestação da regra), Hart observa que o tipo de direito que mais francamente colide com aquele fundamentado na idéia de tratar-se de ordens baseadas em ameaças, emanadas de um soberano, como verdadeiros atos de vontade de alguém, é o costume. O que poderia significar, num dado sistema jurídico, que o costume é direito? A realidade de que não emanou de qualquer ato de vontade de alguém que pudesse impor comportamentos aos demais membros da coletividade é bastante clara. Nem mesmo se pode dizer, e Hart também relembra este aspecto, que teria havido da parte do "soberano" uma concordância tácita em que determinado costume fizesse parte do Direito, concordância essa que somente seria manifestada no momento em que o costume fosse aplicado, como Direito, por um Tribunal. Ocorre que, como pondera Hart, nada existiria de absurdo na afirmação de que o costume era já Direito em momento anterior ao da sua aplicação pelos Tribunais, que o aplicam justamente porque é Direito. Ademais, como também é observado por ele, em um sistema jurídico contemporâneo, dificilmente se poderia afirmar que em algum momento houve a deliberada vontade de "ratificar" um costume, pelo simples fato de não ser expedido qualquer ato legislativo negando-lhe o reconhecimento como parte do Direito (HART, 1986, p. 53-56).

Já o surgimento daquelas regras que Hart denominou de regras secundárias, cuja união com as regras primárias de obrigação forma, no seu dizer, "o coração de um sistema jurídico" (HART, 1986, p. 107), adveio, segundo ele, de certas deficiências dos sistemas de regras não oficiais de Direito, as quais, ainda segundo ele, só poderiam permitir que vivessem com êxito pequenas comunidades estreitamente ligadas por laços de parentesco, sentimentos e crenças comuns e fixadas num ambiente estável. As regras segundo as quais tais pequenos e homogêneos grupos viveriam não seriam um sistema de regras, mas apenas um conjunto de padrões separados, dirigindo a conduta dos seres humanos que integram aqueles grupos, e sem qualquer outra nota comum, exceto a de que são regras aceites por aquele grupo particular de pessoas (HART, 1986, p. 102).

A partir desta constatação, principia o desenho de mais alguns elementos da refutação feita por Hart à idéia de que o Direito seria unicamente um conjunto de ordens cujo cumprimento é assegurado por uma ameaça. Embora não negue a existência daquelas que denominou de "regras primárias de obrigação", como já se disse, procura evidenciar que o Direito não se cinge a elas, sendo integrado também de outros elementos, que, como dito, lhe formam o "coração".

Antes de discorrer especificamente sobre as "regras secundárias de reconhecimento, de alteração ou de julgamento", Hart ainda apresenta outras ponderações interessantes acerca da idéia de que o Direito seria composto de ordens garantidas por ameaças, ordens essas partidas de um soberano. E faz essas considerações adicionais justamente na perspectiva da idéia do soberano e dos respectivos súditos.

Expõe inicialmente um sistema simplificado de regras, emanadas todas de um soberano absoluto, a quem denomina de Rex. Tudo quanto Rex ordenasse deveria ser obedecido e gradativamente os súditos do reino de Rex assumiriam o hábito de obedecer à sua vontade. Nada asseguraria, porém, que, uma vez falecido Rex, as ordens de seu sucessor (Rex II) também viessem a ser obedecidas. O obediência às regras emanadas de Rex II não resultaria, em princípio, de um simples hábito de obediência, mas sim da existência de uma regra - a primeira das assim denominadas secundárias - segundo a qual seria considerado direito, por exemplo, tudo quanto emanasse da vontade do primogênito vivo de linhagem masculina. Assim, as ordens emanadas de Rex II, filho do falecido Rex, seriam Direito não em virtude de qualquer hábito de obediência, mas sim da aceitação dessa que Hart denominou "regra de reconhecimento", segundo a qual o que fosse ordenado por Rex II, justamente pela sua condição de primogênito vivo de certa linhagem masculina, constituiria Direito (HART, 1986, p. 61-70).

Os súditos do reino de Rex I aceitam, de modo geral, a idéia de que as suas ordens constituem Direito, aceitando também outra regra (que não configura ordem de cumprimento garantido mediante ameaças), segundo a qual o primogênito masculino de Rex será legislador, a partir do momento em que o próprio Rex deixe de sê-lo.

Tal sistema de aceitação como Direito, das ordens de alguém, inclusive da aceitação antecipada, como Direito, das ordens do sucessor, seja ele quem for (novo Parlamento, após novas eleições, por exemplo), assume um caráter complexo nos Estados modernos.

Nas palavras de Hart:

Obviamente, a aceitação geral é nesse caso [dos sistemas jurídicos modernos] um fenômeno complexo, em certo sentido dividida entre autoridades e cidadãos comuns, que contribuem para ela e, portanto, para a existência de um sistema jurídico, através de modos diversos. Dos funcionários do sistema, pode dizer-se que reconhecem explicitamente tais regras fundamentais que conferem a autoridade legislativa: os legisladores fazem-no quando elaboram leis, com observância das regras que lhes atribuem poder para praticar tais actos; os tribunais quando identificam como leis a serem por eles aplicadas as leis criadas por aqueles daquele modo qualificados, e os peritos quando orientam os cidadãos comuns relativamente às leis feitas do referido modo. O cidadão comum manifesta a sua aceitação em larga medida pela aquiescência quanto aos resultados destes actos oficiais [HART, 1986, p. 69-70].

A existência de uma regra que permita reconhecer ser alguma outra uma regra de Direito, é essencial para explicar e mesmo para justificar a continuidade do Direito. Tanto que, uma vez rompida a regra de reconhecimento anterior, ou seja, uma vez abandonada de maneira geral, seja por qual motivo for, o sistema de regras de direito precedente é abandonado, passando a ser construído um outro.

Voltando especificamente ao tema das razões apresentadas por Hart para o surgimento das "regras secundárias de reconhecimento, de alteração e de julgamento", lembra ele que os padrões de conduta existentes nas sociedades primitivas, antes que tais regras fossem identificadas e passassem a ser observadas, formariam apenas um conjunto de regras separadas, em função da inexistência de um elemento que lhes conferisse unidade e que, por isso mesmo, permitisse falar, em face de todos os comandos jurídicos existentes em determinada comunidade, de um sistema jurídico. Para a passagem do conjunto de comandos isolados para um sistema jurídico, haveria necessidade justamente do surgimento das "regras secundárias de reconhecimento, de alteração e de julgamento", particularmente das primeiras.

O surgimento de tais regras secundárias resultaria de três deficiências desses conjuntos primitivos de regras jurídicas: 1) a incerteza quanto às efetivas regras primárias de obrigação, ou seja, a ser uma determinada regra efetivamente uma regra de obrigação; 2) o caráter estático desses conjuntos de regras, os quais somente se poderiam transformar pelo crescimento natural do grupo aos quais se aplicam; e 3) a ineficácia da pressão social difusa, exercida no âmbito desses grupos bastante simplificados de pessoas, em face das disputas que podiam surgir acerca de haver ou não sido violada uma determinada regra primária de obrigação, de sorte a tornar-se possível a incidência de uma sanção (HART, 1986, p. 102-103).

No dizer de Hart, "o remédio para cada um destes três defeitos principais, nesta forma mais simples de estrutura social, consiste em complementar as regras primárias de obrigação com regras secundárias, as quais são regras de diferente espécie" (HART, 1986, p. 103).

As regras secundárias de reconhecimento permitem afastar a incerteza sobre quando se esteja ou não em presença de uma regra primária de obrigação. As de alteração (que parecem estar inclusive subentendidas nas de reconhecimento) permitem afastar o defeito do caráter estático dos conjuntos primitivos de regras. E as regras de julgamento permitem definir a quem cabe dizer se uma dada regra primária de obrigação foi ou não descumprida (HART, 1986, p. 104-107). Como já se disse anteriormente, para Hart a conjugação das regras primárias de obrigação, com todas essas regras secundárias, resulta no "coração" de um sistema jurídico. A partir do surgimento, portanto, de tais regras secundárias, é que, segundo o pensamento de Hart, se pode efetivamente falar de um sistema jurídico, em lugar do anterior conglomerado justaposto de padrões de comportamento, inerentes às comunidades primitivas e simples.

O modo de exteriorização da regra de reconhecimento de que se está, num determinado caso, diante de uma regra primária de obrigação, pode variar.

Segundo Hart,

Onde quer que uma tal regra de reconhecimento seja aceite, tanto os cidadãos particulares como as autoridades dispõem de critérios dotados de autoridade para identificar as regras primárias de obrigação. Os critérios deste modo disponíveis podem, como vimos, tomar uma ou mais formas diversas: estas incluem a referência a um texto dotado de autoridade, ao acto legislativo; à prática consuetudinária; às declarações gerais de pessoas determinadas ou a decisões judiciais passadas, proferidas em casos concretos [HART, 1986, p. 111].

As regras de reconhecimento servem não só para reconhecer a presença de uma regra primária de obrigação, como também para estabelecer-lhe a validade. Ademais, as regras de reconhecimento constituem, em certo sentido, uma regra última, podendo constituir também, onde regras de reconhecimento estejam sucessivamente ordenadas em grau de subordinação de umas e primazia de outras, um critério supremo.

A regra de reconhecimento terá caráter supremo quando representar, por assim dizer, a condicionante do conteúdo de todas as demais. Mas a regra de reconhecimento tem também um caráter de regra última de um sistema, na medida em que para além dela não existem outras regras. A compreensão desse caráter último da regra de reconhecimento é propiciada pelo emprego, também por Hart, do raciocínio da sucessiva validação de atos de autoridade, veiculadores de regras primárias de obrigação, derivando uns sua validade dos outros. O decreto (no sistema presidencialista) deriva a sua validade da lei, que deriva a sua validade da Constituição. Esta tem caráter supremo, na perspectiva de que o seu conteúdo vincula o de todos os demais atos veiculadores de normas primárias de obrigação que atendam ao critério de reconhecimento. E constitui também critério último, na medida em que, a partir dela, no dizer de Hart (embora voltado para atos do Parlamento, em atendimento ao sistema inglês de legislação, que não limita o conteúdo material de tais atos), se chega

a uma paragem nas indagações a respeito da validade: porque alcançamos uma regra que, tal como o decreto e a lei intermédios, faculta critérios para a apreciação da validade de outras regras; mas é, ao mesmo tempo diferente deles, na medida em que não há regra que faculte critérios para a apreciação de sua própria validade jurídica [HART, 1986, p. 118].

Complementando este pensamento, assim se expressa Hart, inclusive depois de observar que alguns autores acentuam que, enquanto a validade jurídica das outras regras do sistema pode ser demonstrada com referência à regra última, a validade jurídica desta é pressuposta:

Só necessitamos da palavra "validade" e só a usamos comumente para responder a questões que se colocam dentro de um sistema de regras, onde o estatuto de uma regra como elemento do sistema depende de que ela satisfaça certos critérios facultados pela regra de reconhecimento. Uma tal questão não pode ser posta quanto à validade da própria regra de reconhecimento que faculta os critérios; esta não pode ser válida ou inválida, mas é simplesmente aceite como apropriada para tal utilização [HART, 1986, p. 120].

Se não há como discutir a validade da regra última de reconhecimento, na perspectiva da sua existência, Hart coloca o assunto no terreno dos fatos. A regra de reconhecimento existe (e não se pode discutir sua validade ou invalidade) como "uma prática complexa, mas normalmente concordante, dos tribunais, dos funcionários e dos particulares, ao identificarem o direito por referência a certos critérios. A sua existência é uma questão de facto" (HART, 1986, p. 121).

No que tange à descoberta da regra última de reconhecimento, percebe-se que não existe diferença entre o pensamento de Hart e o de Kelsen. O Decreto haure sua validade da lei, a qual, onde existe um sistema constitucional integrado por uma Constituição escrita, haure a sua validade desta Constituição. Divergindo de Kelsen, todavia, Hart não faz repousar a validade da própria Constituição, quando escrita e principalmente quando condicionante do conteúdo do Poder Legislativo (alguma Constituição pode não o ser), em algo como a norma fundamental hipotética (Grundnorm) cuja existência é asseverada por Kelsen. Muito pelo contrário, Hart afirma a desnecessidade de demonstrar-se a validade da regra de reconhecimento última, fazendo repousar a sua própria existência no fato de ser assim considerada pelos denominados aplicadores do Direito (juízes e funcionários do Estado, legisladores inclusos, em que o conteúdo da Constituição limita o das leis) e pelos cidadãos de um modo geral, que a reconhecem como fundamento último de validade de todos os demais atos veiculadores de regras primárias de obrigação.

A partir deste ponto já é possível transportar para o sistema jurídico brasileiro as considerações realizadas anteriormente.

Existe, entre nós, algo que corresponda à regra de reconhecimento, afirmada por Hart como um dos fundamentos de um sistema jurídico? Se existe, que regra é esta?

Segundo exposto por Hart, a regra de reconhecimento é aquela que permite afirmar a existência e também a validade de uma regra primária de obrigação.

Em nosso sistema constitucional, a regra última de reconhecimento consiste na própria Constituição Federal. Em primeiro lugar, tal conclusão deve ser alcançada a partir do preceito constante da própria Constituição, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer determinada coisa, senão em virtude de lei. Em segundo lugar, a conclusão de que a Constituição representa a regra de reconhecimento última, reside no fato de nela também se afirmar que não haverá crime, nem pena, salvo quando previamente previstos em lei. Tanto as normas penais, quanto as não penais, podem impor regras primárias de obrigação. Desta sorte, somente o texto legislativo é que pode, em nosso sistema, veicular tais regras primárias de obrigação.

Assim, a regra de reconhecimento tem, num primeiro momento, o seguinte conteúdo: uma regra primária de obrigação existirá, no Brasil, sempre que estiver contida em texto aprovado pelo Congresso Nacional.

A norma de reconhecimento é, no Brasil, porém, algo mais complexa. Como a própria Constituição também afirma (mesmo que o faça implicitamente, ao instituir a ação direta de inconstitucionalidade) que qualquer regra cujo conteúdo divirja daquele contido na própria Constituição, não tem validade, a regra de reconhecimento sofre este acréscimo: será reconhecida como validamente impositiva de regra primária de obrigação aquela que, além de ser emanada do Congresso Nacional, tiver conteúdo que não divirja daquele de alguma norma da própria Constituição.

A regra de reconhecimento, no Brasil, tem, portanto, esta dupla composição: será considerada existente uma regra primária de obrigação - para utilizar-se sempre a terminologia de Hart - quando esta estiver contida em ato emanado do Congresso Nacional e, além disso, quando o seu conteúdo não divergir do conteúdo da própria Constituição.

Mas também se deve reconhecer que o sistema jurídico brasileiro admite uma sucessão de regras de reconhecimento. Esta é a primeira. Todavia, há também outras. De um lado, a própria Constituição confere ao Poder Executivo, em determinadas circunstâncias, a competência para a expedição de regras, em lugar do próprio Congresso, o que ocorre nas situações em que está autorizado a editar medidas provisórias, que possuem força de lei, e nas situações das leis delegadas, cuja edição lhe é autorizada expressamente pelo Executivo. De outro lado, este também está autorizado a expedir regras para além daquelas constantes das leis emanadas do Congresso, desde que o respectivo conteúdo não contrarie o das próprias leis, situação representativa da autorização para expedir decretos regulamentares das leis. Tem-se aí o surgimento de duas outras regras de reconhecimento. Sempre que a própria Constituição Federal permitir que determinado assunto seja disciplinado por medida provisória ou por regulamento expedido pelo Poder Executivo, poderá surgir a partir daí regra primária de obrigação, contida em tais textos normativos.

Também é interessante frisar que o Brasil é uma república federativa, desdobrada não em dois, mas em três níveis (resultado da autonomia dos Municípios), o que torna a regra de reconhecimento ainda mais complexa. Para que um ato emanado do Congresso Nacional seja reconhecido como efetivamente veiculador de regra primária de obrigação, será necessário ainda que se verifique não apenas se o conteúdo da obrigação veiculada por aquele ato está em consonância com o próprio texto da Constituição Federal, como ainda se aquele ato emanado do Congresso dispôs sobre assunto acerca do qual lhe era lícito legislar. O ato do Congresso pode não ter conteúdo desbordante do conteúdo da própria Constituição, mas ter ido, no tocante à matéria disciplinada, além daquilo que validamente podia tratar. Tal ocorrerá sempre que o ato do Congresso Nacional dispuser sobre assunto reservado às leis dos Estados-Membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Para citar um exemplo, um determinado ato do Congresso poderá criar um tributo (e com isso estará criando regra primária de obrigação, segundo a terminologia de Hart), e disciplinar tributo cuja criação e cobrança é reservada aos Estados e para o qual o Congresso não esteja de nenhum modo autorizado a legislar, ou, tendo algum espaço legislativo lhe sido reservado na matéria, o tenha ultrapassado.

Não se poderá atribuir à lei assim aprovada pelo Congresso Nacional o caráter de verdadeira regra de reconhecimento de regra primária de obrigação.

A regra de reconhecimento existente no sistema jurídico brasileiro é, portanto, revestida de certa complexidade.

A situação é diversa, consoante se infere do texto de Hart, no que diz respeito ao sistema jurídico da Grã-Bretanha. Lá, não existindo em princípio limite ao Poder Legislativo do Parlamento, a regra de reconhecimento fica simplificada. Em tese, qualquer lei que veicular regra primária de obrigação atenderá ao requisito de corresponder à regra de reconhecimento, independentemente do conteúdo daquela lei. Isso será uma decorrência da inexistência de limites ao Poder Legislativo.

2 A textura aberta do Direito e a "súmula vinculante"

Para Hart, o Direito tem textura aberta. Os padrões de comportamento, é dizer, as regras primárias de obrigação, devem ser comunicados aos seus destinatários para que possam ser cumpridos. Dita comunicação pode acontecer ou pela promulgação e publicação de um texto de lei, ou pela adoção e publicação de um precedente judicial. A retroatividade da regra é mesmo considerada por Hart como inconveniente, embora eventualmente possa acontecer, exatamente porque se deve dar, àqueles que venham a ser punidos pela violação da regra primária de obrigação, uma oportunidade prévia de conhecer tal regra e de prestar-lhe obediência (HART, 1986, p. 223).

Seja então qual for o modo de comunicação da regra primária de obrigação aos seus destinatários, o certo é que, embora na grande maioria das situações tais modos de comunicação (texto legislativo ou precedente judicial) atuem com clareza, haverá sempre hipóteses em que o conteúdo da comunicação irá revelar-se indeterminado em certo ponto. Quando o veículo pelo qual a regra primária de obrigação contiver tal característica de relativa indeterminação, dir-se-á que tal veículo de comunicação possui textura aberta. Como não são poucas as situações desta natureza nos sistemas jurídicos contemporâneos, pode-se generalizar, afirmando que o próprio sistema jurídico, não do ponto de vista da validade das regras primárias de obrigação, mas sim do seu conteúdo, possui textura aberta (HART, 1986, p. 137-141).

Hart chega a observar que, de parte ser essa textura aberta uma decorrência da necessidade de que as regras primárias de obrigação sejam veiculadas por meio da linguagem, cujos termos nem sempre são unívocos, podendo caracterizar-se, ao inverso, pela presença de termos francamente polissêmicos, admitindo mais de um conteúdo, a ocorrência dessa textura aberta pode até mesmo ser desejável, advindo, ademais, de outros dois fatores, ligados à condição humana. O primeiro, representado pela nossa relativa ignorância acerca dos fatos, e o segundo, pela relativa indeterminação das finalidades que procuramos atingir quando uma determinada regra primária de obrigação é veiculada.

No tocante à deficiência humana acerca do conhecimentos dos fatos, é representada pela nossa incapacidade, pelo menos no estádio atual, de conhecer tudo acerca de tudo. E sem conhecer de antemão tudo acerca de tudo, podem surgir situações em que não será viável desde logo veicular regras primárias de obrigação com conteúdo inteiramente determinado e alforriado de qualquer discussão.

Na perspectiva da indeterminação das finalidades que se pretende alcançar com a veiculação de uma dada regra primária de obrigação, o que ocorre é que nem sempre se tem plenamente clara, em face de uma determinada situação de fato, a conclusão de que vedá-la ou não efetivamente atenderá à finalidade pela qual uma regra primária de obrigação foi posta. O exemplo dado por Hart é o da proibição do trânsito de veículos em um determinado parque. Visto que a finalidade de tal regra será a tranqüilidade dos usuários do parque, conclui-se que a regra deve sem dúvida abranger os veículos automotores. Deve, porém, alcançar também veículos infantis de tração elétrica? Até que se tenha por determinado que a finalidade visada pela proibição (tranqüilidade dos usuários do parque) também resta comprometida pelo tráfego de semelhantes veículos, torna-se impossível afirmar que a expressão "veículo" deva abranger também os infantis, de brinquedo, de tração elétrica. O mesmo raciocínio poderia ser válido também em face das bicicletas (HART, 1986, p. 141-142).

Segundo Hart (1986, p. 143).

De facto, todos os sistemas, de formas diferentes, chegam a um compromisso entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras que podem, sobre grandes zonas de conduta, ser aplicadas com segurança por indivíduos privados a eles próprios, sem uma orientação oficial nova ou sem ponderar as questões sociais, e a necessidade de deixar em aberto, para resolução ulterior através de uma escolha oficial e informada, questões que só podem ser adequadamente apreciadas e resolvidas quando surgem num caso concreto.

Seja qual for a origem da indeterminação, tenha ela sido ou não proposital, é realmente um fato, que decorre muita vez até da indeterminação maior ou menor dos termos utilizados na comunicação da regra aos seus destinatários (por texto legislativo ou precedente judicial), que existem regras cujo conteúdo preciso não se acha previamente determinado. Como foi lembrado por Hart, a determinação pode ser deixada pela própria regra a um ato do Poder Executivo, o que ocorre, por exemplo, quando a própria lei anuncia que seus detalhes serão disciplinados por decreto (o mesmo valendo no nível constitucional, quando a regra da Constituição afirma que seu conteúdo será, no detalhe, disciplinado por lei, o que não é raro, ocorrendo entre nós, por exemplo, no que tange às condições de elegibilidade, cujo detalhamento a Constituição deixa para a lei) ou pode ser também deixada à interpretação dos próprios particulares (situação da diligência devida, no sistema anglo-americano de responsabilidade civil, que de algum modo corresponde aos novos conceitos de imprudência e negligência, na mesma área do Direito). (HART, 1986, p. 143 - 145.)

Mas, a despeito destas duas possibilidades de aclaramento daquilo que a regra possa conter de duvidoso, situações podem surgir, e surgem, em que nem se afigura possível o esclarecimento pelo Poder Executivo, nem se pode deixar o assunto à análise exclusiva dos particulares, destinatários da regra. E mesmo nesta última situação, o entendimento de algum particular (convicto de haver agido com a diligência devida, por exemplo) pode vir a ser contrariado por decisão judicial que afirme entendimento diverso (o que de certa forma só faz acentuar o caráter aberto de certas regras jurídicas).

Muitas vezes, o aclaramento em definitivo somente ocorrerá a partir do momento em que se uniformize (ainda que por força de decisão de tribunal superior) o entendimento acerca de uma regra que comporte interpretações diversas e esteja inserida, portanto, nesse campo cuja existência faz do Direito algo de textura aberta.

Na verdade não é por outra razão que o nosso sistema constitucional prevê a existência de um Superior Tribunal de Justiça. Analisando-se as suas competências, verifica-se que uma delas se constitui justamente na tarefa de uniformizar a interpretação do Direito federal, objetivo que se alcança mediante a previsão, o uso e a decisão do assim denominado recurso especial. A finalidade última dessa modalidade recursal consiste justamente na uniformização da jurisprudência (CF, 1988, art. 105, III). Não fosse essa textura aberta do Direito, com existência de regras cujo verdadeiro alcance não se acha inteiramente determinado, tal exigência de um tribunal uniformizador seria inteiramente dispensável, já que, por suposto, todos os demais tribunais encarregados da aplicação de uma mesma regra fariam essa aplicação sempre do mesmo modo.

Justamente a textura aberta de certas regras jurídicas é que permite a ocorrência de interpretações divergentes acerca de uma mesma comunicação (lei, no nosso sistema) de uma regra de conduta, o que faz com que surja a necessidade da uniformização. O mesmo acontece, aliás, no âmbito constitucional, com a diferença de que, aqui, entre nós, cabe ao Supremo Tribunal Federal, e não ao Superior Tribunal de Justiça essa tarefa uniformizadora. Não houvesse também na Constituição Federal regras de conteúdo aberto (e não houvesse também - mas há - a possibilidade de qualquer tribunal do país aplicar regras da Constituição que eventualmente incidam na solução dos casos que lhe sejam submetidos), a previsão da uniformização seria inteiramente dispensável, na medida em que não se tem de uniformizar o que uniforme já é.

Por vezes, somente o entendimento dos tribunais, e notadamente o entendimento que seja esposado pelo tribunal mais elevado, considerada a escala recursal aplicável à espécie discutida, tem o condão de solver a indeterminação relativa a alguma regra.

Entre os exemplos que se podem citar, talvez um dos mais emblemáticos seja aquele relacionado à causa especial de diminuição de pena, inerente ao crime de furto, representada pelo pequeno valor da coisa subtraída (CP, art.155, § 2o). Estando presente este requisito - pequeno valor da coisa subtraída - associado à primariedade do agente, tem ele direito a um abrandamento do seu tratamento penal dentro de certos limites.

Em que consiste, porém, o pequeno valor da coisa? Ou, formulando a indagação de forma mais precisa, quando se deve dizer que a coisa subtraída tem pequeno valor?

A resposta não pode ser obtida na legislação. Só quem pode fornecê-la são os tribunais. Ao tempo em que a uniformização do Direito federal ainda cabia ao Supremo Tribunal Federal (hoje tal é incumbência do Superior Tribunal de Justiça, exceto no que diz respeito a matéria constitucional), aquela Corte definiu então que se deve considerar de pequeno valor a coisa subtraída quando o seu valor não for maior do que o do salário mínimo, considerada a data da subtração.

A indeterminação da expressão "coisa de pequeno valor" somente foi afastada pela uniformização do entendimento do Supremo Tribunal Federal. E, mais do que isso, em semelhante situação a indeterminação somente podia ser afastada pelos tribunais. Não caberia ao Poder Executivo definir o que se entende, para o fim de incidência da regra de abrandamento da punição, por coisa de pequeno valor, já que somente à lei cabe prever crimes e as respectivas penas. Também não se poderia cogitar de deixar a definição do que seja pequeno valor aos particulares, uma vez que neste caso se deveria chegar à situação impensável de consultar o próprio acusado pelo furto, para que informasse se entende como de pequeno valor a coisa que subtraiu. Naturalmente que seria de se esperar que, após muito pouco tempo, todos os autores de furtos afirmassem que entendiam ser de pequeno valor a coisa que subtraíram, e a regra do abrandamento, que é excepcional, seria transformada em preceito geral aplicável a todo e qualquer furto.

Bem de ver, portanto, que nessa situação somente os tribunais podiam solver a indeterminação da expressão, afastando, no ponto, a textura aberta.

Neste passo é que se afigura apropriado passar a tecer algumas considerações em torno da modalidade de decisão judicial que passou a ser designada como "súmula vinculante".

Antes, porém, cumpre relembrar em que consiste a súmula em si, dissociada do termo vinculante.

A idéia da uniformização da jurisprudência, necessidade resultante justamente da textura aberta do Direito, já não é recente. Tanto que o Código de Processo Civil prevê expressamente o incidente de uniformização de jurisprudência, aplicável no âmbito de cada tribunal (CPC, arts. 476 a 479)4 . Uniformizado o entendimento, esse é versado em texto, que passa a constituir um dos enunciados da Súmula daquele tribunal. Cada enunciado, considerado individualmente, também tem sido designado simplesmente pela palavra súmula.

No que tange à súmula, então, e ainda sem a especificação do que se pretende designar pela palavra vinculante, o que se tem é justamente um mecanismo imaginado para, solvendo a controvérsia que o caráter aberto de uma determinada regra pode fazer surgir, eliminar esse caráter aberto em uma dada situação focada.

Essa finalidade das decisões do tribunal que resultam em súmulas, fica por demais evidente a partir da leitura da redação final da Proposta de Emenda Constitucional n. 96, de 1992, tal qual aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado, onde o tema continua sendo debatido.5

O texto que restou proposto pela Câmara dos Deputados para o art. 103A da Constituição Federal é o seguinte:

Art. 103A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica [...].

Quando o § 1º do artigo proposto apresenta, como um dos requisitos justificadores da edição de súmula, que tenha ela por objeto decisão acerca da validade, da interpretação ou da eficácia de determinada norma, percebe-se que se procura estabelecer o seu emprego como meio para solver, entre outras possíveis, também eventuais situações de textura aberta da regra jurídica. No tocante à interpretação, tem-se situação nítida em que se apresentam múltiplas possibilidades, o que é característico da regra de textura aberta. No que diz com a eficácia, a palavra é empregada na Constituição Federal não com o sentido de efetiva aplicação da regra aos casos que se destina a regular, mas no sentido de sua aplicabilidade ou não a determinadas situações, o que faz com que também a referência a ela (eficácia), na proposta de emenda constitucional, nos leve ao terreno da textura aberta. Por fim, também quando se estiver a discutir em torno da validade de uma determinada norma, poderá vir a estar-se no mesmo terreno. Tratando-se de lei que admita mais de uma interpretação, uma das quais pelo menos a torne inconstitucional, a súmula poderá definir qual a interpretação adequada, que será havida como a única capaz de salvar a norma da inconstitucionalidade. Aliás, tal já ocorre hoje, independentemente da edição de súmula, nas situações em que o Supremo Tribunal Federal atribui interpretação conforme à Constituição a uma determinada regra. Também nesse terreno, portanto, se poderá vir a estar no âmbito da definição do verdadeiro alcance de uma regra de textura aberta.

Além do mais, o entendimento de que a súmula servirá justamente a afastar a relativa indeterminação resultante da textura aberta da regra, é confirmado ainda quando, em outro requisito, se exige para a edição de súmula vinculante, no mesmo § 1º do proposto art. 103A da Constituição Federal, que esteja ocorrendo controvérsia relevante entre órgãos judiciários ou entre órgãos judiciários e a administração pública, justamente acerca da interpretação, da validade ou da eficácia de uma determinada regra. Para que possa ocorrer divergência de interpretação, validade ou eficácia, segundo já se viu, existe a necessidade de que, com seriedade, uma mesma regra possa receber, por força de interpretação, mais de um conteúdo. Situação, pois, de regra de textura aberta.

Já o caráter vinculante da súmula, sem prejuízo de sua eventual revisão ou mesmo cancelamento, lhe será conferido, caso a matéria venha a ser assim aprovada no Senado Federal, pelo § 3o do proposto art. 103A da Constituição, segundo o qual "do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso".

Interessante questão que pode ser posta no sistema jurídico brasileiro, mas que não tem sido freqüente, e que já tem sua origem na própria idéia da uniformização da jurisprudência, mesmo sem o caráter "vinculante" das súmula dos tribunais, mas que com a eventual atribuição desse caráter a elas será ainda mais aguda, é a de saber se, utilizando-se a terminologia de Hart, a decisão judicial uniformizadora, consubstanciada em súmula, configura ou não regra de reconhecimento.

Noutros termos, já estamos em um sistema jurídico em que o precedente judicial é também regra de reconhecimento, ou, pelo menos, passaremos a um tal sistema, se for aprovado o caráter vinculante da súmula?

Restou dito antes, no item 1 deste trabalho, acerca das regras de reconhecimento no Direito brasileiro, que entre elas se incluem a própria Constituição Federal, as leis aprovadas pelo Congresso Nacional segundo a moldura constitucional (sem ofensa do conteúdo da lei ao da Constituição e com observância dos limites do Poder Legislativo Federal em face dos Estados, Distrito Federal e Municípios), as medidas provisórias, as leis delegadas e os decretos (dentro dos limites em que sua edição é autorizada pela Constituição e eventualmente também pela lei regulamentada).

Sem embargo, a decisão judicial uniformizadora de jurisprudência, precisamente porque define o exato limite de regra de textura aberta, pode também ser incluída entre as regras de reconhecimento do Direito brasileiro?

Para responder a essa indagação, deve ter-se presente a idéia de que por regra de reconhecimento Hart entende uma regra que permita reconhecer que se está diante de outra regra, válida, que veicula regra primária de obrigação, ou seja, que impõe conduta a uma determinada pessoa.

Além disso, deve-se relembrar também outro ponto evidenciado no estudo de Hart acerca do conceito de Direito, que é a existência de várias outras regras que não importam na imposição de determinadas condutas aos particulares - mas, ou lhes concedem faculdades, ou indicam o modo como devem proceder na realização de determinados atos da vida privada (celebração de contratos ou de casamento e elaboração de testamentos, por exemplo) - e ainda de outras tantas que dizem como e em que limites determinadas autoridades devem agir no desempenho de suas tarefas (competência e procedimento judicial, ou procedimento na arrecadação de tributos, por exemplo).

Tudo sem perder de vista a idéia da textura aberta de muitas regras primárias de obrigação. O fato ocorre até com certa freqüência inclusive no Direito Penal, segundo já se viu.

Finalmente, a resposta que se ofereça à pergunta antes formulada, somente será verdadeiramente correta se levar em consideração o preceito contido na própria Constituição Federal, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei.

A dúvida surgirá naquelas situações em que o conteúdo da regra que impõe a alguém o dever de agir de uma determinada forma, não for suficientemente clara, admitindo mais de um conteúdo. Nesses casos, estar-se-á diante de regras de textura aberta. Também se deve partir da premissa de que não se trata de regra cujo conteúdo deva ser completado por ato do Poder Executivo, por força de determinação contida na Constituição ou na própria lei.

Quando se estiver, então, diante de regra de textura aberta, a decisão judicial que, em uniformização de jurisprudência, com ou sem caráter vinculante, vier a dar concretude à regra, afastando o que nela há de aberto, estaremos diante de verdadeira regra de reconhecimento?

Resposta negativa poderia advir do dogma de que o Poder Judiciário, ao decidir casos concretos, nada mais faz do que aplicar, àquele caso sujeito à sua decisão, a regra jurídica segundo a qual deva ser decidido. A insuficiência de semelhante afirmativa de conteúdo apenas formal, todavia, mostra-se evidente quando a questão está justamente em saber qual o verdadeiro conteúdo da regra, premissa sem a qual nem sequer se pode saber se é ela aplicável ou não ao caso concreto que reclama uma decisão.

Assim, esse dogma formal já não se presta a fornecer resposta para a pergunta que antes foi formulada.

Se o conteúdo da própria regra não é claro, em função de sua textura aberta, como saber, de antemão, que aquela regra é mesmo aplicável ao caso concreto em torno do qual se deve decidir?

A resposta à pergunta se o precedente judicial, em sede de uniformização de jurisprudência, tem ou não, no Brasil, o caráter de regra de reconhecimento, não pode ser obtida por meio de silogismo judicial tradicional, portanto (regra, que é premissa maior; fato, que é premissa menor; conclusão, que é a aplicação da regra ao fato).

Todavia o próprio sistema contém uma regra - que se pode incluir na categoria das regras de decisão, segundo a terminologia empregada por Hart que permite ao Judiciário uniformizar sua jurisprudência, fazendo-o por intermédio de determinados tribunais de topo do sistema jurisdicional. Também já se demonstrou que a previsão de tal regra repousa justamente no reconhecimento de que, havendo diversidade de interpretações possíveis, há regra de textura aberta. Por fim, deve-se reconhecer que a previsão da uniformização da jurisprudência procura atender a duas premissas ou finalidades: assegurar a segurança jurídica - de sorte a que cada um saiba o que deve e o que não deve fazer, e também saiba a que penalidades fica sujeito se realizar determinada conduta - e, principalmente, assegurar a igualdade de tratamento daquelas situações que se mostrem idênticas.

Efetivamente, neste ponto se chega a algumas conclusões acerca dos riscos inerentes à textura aberta das regras jurídicas, embora se deva reconhecer também que eliminar por completo tal textura aberta possa ser inconveniente (pelas razões apontados por Hart) ou simplesmente impossível, a menos que um dia se chegue no mínimo a um vocabulário absolutamente preciso, em que todas as pessoas, em todas as situações, somente possam atribuir a uma mesma palavra ou expressão um só conteúdo.

Os riscos da textura aberta, que se devem minimizar, já que a própria textura aberta talvez seja inevitável, são justamente o da insegurança jurídica e o da quebra da igualdade.

Tudo isso somado, aparentemente se poderia concluir que a súmula, como resultado da unificação da jurisprudência, afastando a textura aberta daquela regra específica, deve servir como regra de reconhecimento.

Todavia tal conclusão seria ainda incorreta se dissociada do caráter vinculante da súmula. É que a regra de reconhecimento permite afirmar que se está diante de uma determinada regra, que pode ser uma regra primária de obrigação ou mesmo uma regra da categoria das demais, cuja existência foi bem evidenciada por Hart. Semelhante afirmação traz consigo a idéia da obrigatoriedade de seguir-se o comportamento preconizado pela regra, sob pena de incidência de sanção ou de nulidade do ato praticado sem a sua observância.

Sem adentrar o conceito de obrigação ou de dever, a regra de reconhecimento se presta a dizer que se está diante de uma regra que impõe uma ou outro, quando a regra "reconhecida" for daquelas regras primárias de obrigação. Ora, se a súmula judicial, resultante da uniformização da jurisprudência, não tem caráter vinculante, não se pode afirmar nem que particulares, nem que funcionários, sejam eles do Poder Executivo, sejam juízes, encarregados de aplicar determinada regra, estejam jungidos a dar cumprimento ao que na súmula se contém.

A súmula funciona, atualmente, enquanto ainda não dotada de caráter vinculante, antes como argumento retórico do que como regra de reconhecimento. E isso porque o seu enunciado não necessita ser obedecido por juiz algum, nem mesmo por particulares. Pode-se concluir que a desobediência a ele venha a ser inócua, na medida em que se pode produzir um juízo de razoável probabilidade de que, uma vez que a decisão judicial de nível inferior não se haja conformado com a súmula, dita decisão venha a ser reformada, se forem empregados adequadamente os recursos que, em face dela e eventualmente das subseqüentes, se possam interpor. Assim, lícito concluir que, sem caráter vinculante, enunciado de súmula de tribunal não constitui regra de reconhecimento. E isso porque não traz consigo a idéia de obrigatoriedade da observância do que nela se contém, seja por funcionários, seja por particulares.

Essa conclusão, de que a súmula não constitui regra de reconhecimento, persistirá válida a partir do momento em que se lhe atribua esse caráter vinculante, com o conteúdo proposto no projetado § 3o do também projetado art. 103A da Constituição Federal?

Parece possível responder negativamente. Se o enunciado da súmula vier a ser desobedecido, diz o enunciado do proposto § 3º do também proposto art. 103A da Constituição Federal que o Supremo Tribunal Federal poderá, desde que para tanto lhe seja apresentada reclamação pelo interessado, anular tanto o ato administrativo quanto a decisão judicial que hajam desafiado o conteúdo da súmula. Disso advém o seu caráter vinculante e, junto com ele, o caráter de obrigatoriedade de observância do enunciado da súmula.

Se tal caráter de obrigatoriedade é inerente à Constituição, às leis, às medidas provisórias, às leis delegadas e também aos decretos regulamentares e se o enunciado da súmula, por força desse seu caráter vinculante, vier a possuir esse mesmo cunho de obrigatoriedade, tem-se que, a partir do momento em que emenda constitucional com o conteúdo proposto seja aprovada e entre em vigor, os enunciados das futuras súmulas do Supremo Tribunal Federal (valerá o mesmo se vier a ser prevista a existência de súmula vinculante também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, observada a esfera de suas competências jurisdicionais) passarão a preencher os requisitos de regras de reconhecimento, funcionando de modo semelhante aos precedentes judiciais do sistema britânico. Com a única diferença de que estarão aplicando a parte definida de outra regra, preenchendo apenas o que nela existe de textura aberta.

Naturalmente que a súmula do tribunal superior constituirá regra de reconhecimento subordinada. Se surgir norma emanada do Poder Legislativo com conteúdo diverso daquele inerente à súmula, esta deverá ser considerada tão revogada quanto o seria uma outra lei anterior que tivesse conteúdo destoante daquele da lei nova.

Notas

1 Para a elaboração deste texto, utilizou-se a primeira edição portuguesa do livro O Conceito de Direito, de Herbert L. A. Hart, tradução de autoria de A. Ribeiro Mendes. A edição, publicada em abril de 1986, é de responsabilidade da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal. A julgar pela última data consignada no prefácio do autor à obra - março de 1972 -, a tradução tomou por base a reimpressão da obra em inglês, ocorrida naquele ano.

2 Aqui, distinguindo-se condutas desejadas e condutas indesejadas e reservando-se o conceito de sanção apenas para as primeiras, parece remanescer, subjacente ao argumento, uma idéia de valor. As condutas que não se desejam (sejam comissivas, sejam omissivas, segundo a linguagem do Direito Penal) recebem uma valoração negativa e por isso são proibidas, sancionando-se a inobservância da proibição. Hart não chega a ser expresso quanto ao conceito de sanção. Todavia, deve-se registrar que atribui a ela um interessante papel equalizador. Parte da premissa de que a proibição de determinadas condutas pode retirar algo dentre possíveis pretensões do indivíduo (e normalmente assim é). Dessa sorte, a sanção dos que deixam de observar a proibição serve a equalizá-los com os que a observam. Os que se quedam obedientes à proibição e com isso eventualmente restringem suas atividades para adaptá-las a tal proibição, ficariam em situação de desigualdade em face daqueles que, fazendo pouco caso da vedação, a infringissem ("as 'sanções' são, por isso, exigidas não como o motivo normal para a obediência, mas como uma garantia de que os que obedeceriam voluntariamente não serão sacrificados aos que não obedeceriam" (HART, p. 214 - o itálico consta no original).

3 A grafia está conforme à tradução, ou seja, conforme empregada em Portugal. Algumas palavras seriam grafadas de forma um pouco diferente no Brasil.

4 Especificamente com referência à sumula, veja-se o art. 497, caput.

5 Texto disponível em <http://www.camara.gov.br>, acesso em 18.março.2004.

Referências

BRASIL. Código Penal.

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Código de Processo Civil.

HART, Herbert L. A. O conceito de Direito. Trad. de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

João José Leal. Doutor em Direito. Professor do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali. Promotor de Justiça aposentado.

Pedro Roberto Decomain. Mestrando em Ciência Jurídica pela Univali. Promotor de Justiça.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 11, n. 1 (jan./jun. 2004).

 

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