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Responsabilidade penal dos partidos políticos: análise do art. 336 do Código Eleitoral

Por: Mariana Garcia Cunha

1 Introdução

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é tema controvertido e amplamente discutido especialmente no Direito Ambiental. Neste ramo do Direito, a responsabilização criminal do ente jurídico está amparada pela letra da Constituição Federal, que prevê, em seu art. 225, § 3º, que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. O texto constitucional ganhou aplicação prática com a promulgação da Lei n. 9.605/1998, que instituiu o Código Ambiental, ao estipular a responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes dispostos em seu corpo.

Ainda que haja permissão constitucional, alguns penalistas discordam da responsabilização criminal da pessoa jurídica. Bitencourt (2008, p. 231-232), com base no art. 173, § 5º, da Carta Magna1, afirma que a Constituição “não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com sua natureza. Enfim, a responsabilidade penal continua a ser pessoal (art. 5º, XLV)”. Esclarece que os “principais fundamentos para não se conhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade ‘natural’ de ação e a carência de capacidade de culpabilidade”.

Na mesma esteira, Oldoni (2008, p. 107-118) afirma que a pessoa jurídica não se encaixa como sujeito ativo na estrutura que envolve o Direito Penal brasileiro. Ressalta a teoria da culpabilidade, que considera, para aplicação de uma sanção penal, a intenção do agente e avalia situação impossível para o ente jurídico, pois este é destituído de consciência e vontade própria.

Nas palavras de Greco (2008, p. 173-180), “responsabilizar penalmente a pessoa jurídica é um verdadeiro retrocesso em nosso Direito Penal. A teoria do crime que temos hoje, depois de tantos avanços, terá de ser completamente revista para que possa ter aplicação a Lei n. 9.605/1998”. O autor ainda afirma que entre as sanções previstas não há possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade à pessoa jurídica, e que as demais punições – pena restritiva de direito e prestação de serviços à comunidade –, em nome do princípio da intervenção mínima, poderiam ser aplicadas pelo Direito Administrativo, no exercício do poder de polícia.

Em contraposição, há argumentos favoráveis à responsabilização penal da pessoa jurídica, como a admissão de que estes entes têm vontade, que não se confunde com a vontade humana, que decorre da existência natural, mas um conceito de vontade no plano sociológico, o que Shecaira (1998, p. 94-95) chama de “ação institucional”. Merle, citado por Shecaira (1998, p. 95), acrescenta que:

A pessoa coletiva é perfeitamente capaz de vontade, porquanto nasce e vive do encontro das vontades individuais de seus membros. A vontade coletiva que a anima não é um mito e caracteriza-se, em cada etapa importante de sua vida, pela reunião, pela deliberação e pelo voto da assembléia geral dos seus membros ou dos seus Conselhos de Administração, de Gerência e de Direção. Essa vontade coletiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual.

Shecaira (1998, p. 97) completa sua defesa citando Tiedemann, com o argumento de que

os agrupamentos criam um ambiente, um clima que facilita e incita os autores físicos (ou materiais) a cometerem delitos em benefício dos agrupamentos. Daí a idéia de não sancionar somente esses autores materiais (que podem ser mudados ou substituídos), mas também, e sobretudo, a própria empresa.

Nucci (2008, p. 165) acrescenta que, “ainda que não tivesse vontade própria, passível de reconhecimento através do dolo e da culpa, é preciso destacar existirem casos de responsabilidade objetiva, no direito penal, inclusive de pessoa física, como se dá no contexto da embriaguez voluntária, mas não preordenada”.

Com menos enfoque pela doutrina e sem respaldo constitucional, o Código Eleitoral estipula outra hipótese de responsabilidade penal da pessoa jurídica, se não, vejamos:

Título IV - Disposições Penais [...] Capítulo II - Dos Crimes Eleitorais [...] Art. 336. Na sentença que julgar ação penal pela infração de qualquer dos arts. 322, 323, 324, 325, 326, 328, 329, 331, 332, 333, 334 e 335, deve o juiz verificar, de acordo com o seu livre convencimento, se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente. Parágrafo único. Nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsável pena de suspensão de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas reincidências.

A responsabilidade criminal dos partidos políticos, na condição de pessoas jurídicas de direito privado, não é assunto tratado pelos estudiosos do Direito Penal. No entanto, os argumentos já expostos servem de base para o presente estudo, que é incrementado pela ausência de previsão constitucional, sendo a responsabilidade penal dos partidos políticos obra exclusiva do legislador infraconstitucional de 1965.

2  A responsabilização penal do partido político na análise da doutrina eleitoral

A doutrina eleitoral também apresenta divergências sobre o tema. Em síntese, pode-se apontar tanto autores contrários como favoráveis à responsabilização da pessoa jurídica. Estes ainda se dividem entre autores que defendem a aplicação do disposto no art. 336 do Código Eleitoral e o posicionamento que possibilita a responsabilização da pessoa jurídica por outros tipos penais.

Costa (2002, p. 110-113), por exemplo, faz diversas críticas ao preceito do art. 336 do Código Eleitoral, afirmando que é matéria de natureza processual e está inserido no contexto de direito substantivo. E ressalta que a redação do artigo não esclarece se o diretório partidário participou do processo de apuração dos fatos, pois, em caso negativo, seria uma afronta ao princípio constitucional do devido processo legal.

Com relação à pena, o doutrinador ainda menciona que é uma punição de caráter administrativo e não criminal, pois a suspensão se restringe à atividade eleitoral, mantendo os serviços administrativos. E conclui afirmando que “o diretório não é uma pessoa jurídica, mas apenas parte do todo que é o Partido em âmbito nacional e, ainda que fosse, a única possibilidade autorizada pela Constituição para punição da pessoa jurídica é por crime ambiental”.

O eminente autor merece apoio quando destaca a necessidade de participação do diretório desde o início do processo penal, ainda que o dispositivo incriminador traga redação confusa. Contudo, a carência de personalidade jurídica do órgão partidário não pode ser levantada como empecilho para aplicação do dispositivo em estudo, porquanto a sanção a apenas uma fração da pessoa jurídica não é situação anômala na legislação pátria. A Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/1995), quando trata do Programa e do Estatuto, estipula responsabilidade exclusiva do diretório causador do dano por qualquer ato ilícito2, bem como estabelece punição pela ausência de prestação de contas ou sua desaprovação apenas para a esfera partidária responsável pela irregularidade3.

Ramayana (2008, 638-639), também contrário à aplicação desse preceito legal, pondera que “não se admite a responsabilidade penal do diretório do partido político, mas do partido em âmbito nacional, porque este foi o propósito do legislador”. Completa mencionando “ser necessário separar o benefício auferido pela pessoa física do obtido pela pessoa jurídica, pois se ambas não se beneficiarem haverá uma coautoria baseada na responsabilidade objetiva, violando o princípio da culpabilidade, admitindo-se um concurso de pessoas meramente causal”. Por fim, recorda que “a regra do art. 90, § 1º, da Lei 9.504/1997 revogou tacitamente o art. 336 do Código Eleitoral”.

Não se pode concordar com o doutrinador quando afirma que o propósito do legislador foi punir o partido em âmbito nacional, pois a redação do artigo usa os termos “diretório local” e “diretório responsável”, buscando restringir a punição ao órgão que efetivamente participou do delito. Também falta razão ao autor quando alega que o art. 91 da Lei n. 9.504/1997 revogou o art. 336 do CE, porque regula apenas os casos previstos na própria lei, como diz seu próprio texto: “Para os efeitos desta lei [...]”. Enquanto que a responsabilidade penal da pessoa jurídica trazida pelo art. 336 do Código diz respeito unicamente aos crimes de propaganda trazidos pelo Código Eleitoral. Ou seja, as matérias reguladas pelas duas leis são distintas, não prosperando a antinomia destacada pelo autor.

Todavia Ramayana merece apoio quando explica que é preciso verificar se o benefício auferido pela pessoa jurídica pode ser separado do benefício da pessoa física, para aplicar corretamente a responsabilidade subjetiva. O mesmo pensamento é salientado por Decomain (2004, p. 421): “admite-se a punição somente se ficar comprovada a direta participação dos membros do diretório na ação ou o direto benefício do diretório com a prática ilícita”.

Em posicionamento favorável à aplicação do art. 336 do CE, Decomain (2004, p. 420-422) prefere defender que “o texto maior permite a responsabilização das pessoas jurídicas nos injustos culpáveis ambientais, sem proibir que o legislador ordinário a ampliasse para outros ramos”. Da mesma forma, Gomes (2006, p. 214-216) afirma que “o Código Eleitoral nasceu avançado para a sua época, prevendo caso de responsabilidade da pessoa jurídica que ainda hoje encontra resistência à sua aceitação”.

3  A aplicação da responsabilidade penal dos partidos políticos além da previsão expressa do art. 336 do Código Eleitoral

Cerqueira (2008, p. 607-609) também admite a responsabilidade penal dos partidos políticos pela aplicação do disposto no art. 336 do CE. Mas vai além, fundamentando sua tese no art. 173, § 5º – já transcrito neste estudo –, que prevê responsabilidade da pessoa jurídica por atos que atentem contra a ordem econômica e financeira e a economia popular. O autor acredita que os crimes eleitorais dos arts. 348 a 354 do CE prevêem situações contra a ordem econômica e financeira, ligados especificamente aos partidos políticos: “[...] pela teoria da dupla imputação, deve ser processada a pessoa física do partido político que cometeu o crime e também a pessoa jurídica (o partido político – seja Diretório Nacional em eleições Presidenciais, seja Diretório Estadual em eleições gerais, seja Diretório Municipal em eleições municipais)”.

Os crimes mencionados pelo autor são punidos com penas privativas de liberdade e multa, por isso Cerqueira explica que:

Neste caso, com base na pena privativa de liberdade aplicada à pessoa física, será estabelecida a pena correspondente para a pessoa jurídica e, se for aplicada pena de multa, o dia-multa deve ter valor a ser fixado em relação ao quantum o Partido Político ganha por dia, descontados os valores necessários para continuidade de suas atividades (ou seja, o lucro), mas respeitando-se os limites estabelecidos no CP: cinco vezes o salário mínimo por cada dia-multa, podendo aumentar do triplo (art. 49, § 1º c/c art. 60, § 1º, do CP).

A tese iniciada por Cerqueira é de difícil aceitação, inicialmente pela impossibilidade de cumprimento da pena prevista no tipo penal pela pessoa jurídica ou, ainda que seja, por seu órgão partidário. Não se pode negar que o Direito Penal, incluindo o Direito Penal Eleitoral, é estruturado para punir pessoas físicas. Além da previsão da pena privativa de liberdade, que é a punição central do Direito Penal brasileiro, em outros pontos da legislação pátria também é possível observar que certa medida não foi construída visando a pessoa jurídica.

Para ilustrar, podem-se mencionar a idade do agente como uma circunstância atenuante da pena (art. 65, I, CP), o instituto da suspensão condicional da pena, que só se aplica à pena privativa de liberdade (arts. 77 e 80 do CP), bem como a perda do cargo, função pública ou mandado eletivo, a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela e inabilitação para dirigir veículo, que integram os efeitos diversos da condenação (art. 92 do CP). Com isso, os delitos que não trazem especificamente sanção para a pessoa jurídica devem se restringir a punir pessoas físicas, pois as disposições gerais do Código Penal não possibilitam adaptações nas penas.

4  A aceitação da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos tribunais

O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento sobre o cometimento de crimes tendo como sujeitos ativos entes jurídicos. Contudo, seu posicionamento não trata do Direito Eleitoral, como segue:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE QUALIFICAR-SE A PESSOA JURÍDICA COMO PACIENTE NO WRIT. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA NÃO VERIFICADA.

I – A orientação jurisprudencial desta Corte firmou-se no sentido de não se admitir a utilização do remédio heróico em favor de pessoa jurídica (Precedentes).

II – Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que “não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio” cf. Resp n. 564960/SC, 5a Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.6.2005 (Precedentes). [HC 93.867, Rel. Felix Fischer. DJE 12.5.2008.]

Ainda é tímido o enfrentamento dessa questão nos tribunais eleitorais. Em recursos que se depararam com o art. 336 do CE, observa-se que não houve questionamento sobre a aplicabilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, ainda que não tenha permanecido a punição imposta aos partidos.

No Acórdão n. 13.276, do Tribunal Eleitoral catarinense, o partido político interpôs recurso, junto com duas pessoas físicas, pleiteando a nulidade do processo por não ter sido denunciado pelo crime de injúria e não terem sido observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O Tribunal entendeu que a conduta não caracterizava crime de injúria e, portanto, restou prejudicada a aplicação do art. 336 do CE4.

Em outra decisão, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná reformou a sentença para retirar a penalidade imposta aos diretórios partidários, por entender que não configurava hipótese do art. 336 do CE. O relator argumentou que não havia nos autos indicação de que os membros dos partidos tenham participado da elaboração e transmissão da malsinada entrevista e que não houve benefício para a coligação que os dois partidos integravam, pois o seu candidato não logrou êxito no pleito disputado5.

5  Requisitos para a aplicação da responsabilidade penal do partido político

A aplicação dos dispositivos penais é atividade que exige cautela e, para tanto, o preenchimento de alguns requisitos. Inicialmente se destaca a necessidade de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não obstante a péssima redação do artigo. Isso porque o dispositivo diz que, na sentença que julgar a ação penal, deve o juiz verificar a participação do partido, o que faz parecer que apenas no momento da decisão será lembrado que o partido pode ter envolvimento com a conduta criminosa e receber, consequentemente, uma punição.

Quando o preceito afirma que o magistrado deve verificar se o diretório local, por qualquer de seus membros, concorreu para a prática do delito, faz-se necessário observar se o membro era uma pessoa atuante no partido, preferencialmente se era um dos responsáveis por sua direção. Caso contrário, não se poderia punir um partido pela atuação de um membro que não tinha comprometimento com ele e podia, inclusive, estar agindo de má-fé. Ressalta-se, portanto, que essa punição só poderia ocorrer quando o membro do partido fosse um dos responsáveis pela sua direção – preservando a regra constitucional que define a autonomia estatutária (art. 17, § 1º).

Também deve ser verificado se o partido político auferiu vantagem com a conduta ilícita, pois, independente da utilidade que possa ter às pessoas físicas, deve também ser útil à pessoa coletiva. Além disso, a prática da infração deve contar com o auxílio da infraestrutura fornecida pelo partido político, com todo poderio econômico e político que dá suporte à atuação de seus membros. É preciso considerar que um crime será cometido pela pessoa jurídica, ou por um de seus órgãos, quando se constatar a reunião dos esforços de várias pessoas, agrupadas sob o manto da pessoa jurídica.

6  A regra contida no art. 90, § 1º, da Lei n. 9.504/1997

A Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997) traz previsão diversa do Código Eleitoral para a responsabilidade penal dos partidos políticos e coligações. Assim determina: “Art. 90. [...] § 1º  Para os efeitos desta Lei, respondem penalmente pelos partidos e coligações os seus representantes legais”. Os crimes dessa lei estão nos arts 33, § 4º; 34, §§ 2º e 3º; 39, § 5º; 40; 68, § 2º; 72; 87, § 4º; 91, parágrafo único; e 94.

Pelo texto do artigo, deduz-se que o legislador infraconstitucional admite a possibilidade de o partido político figurar como sujeito ativo de crime, contudo não admite a sua responsabilização. Ao contrário, traz punição para pessoa que não necessariamente atuou na realização do crime.

A redação do dispositivo é facilmente atacada pelo princípio da culpabilidade, que, nas palavras de Nucci (2008, p. 54):

Significa que ninguém será penalmente punido, se não houver agido com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será objetiva, mas subjetiva (nullum crimen sine culpa). Trata-se de conquista do direito penal moderno, voltado à idéia de que a liberdade é a regra, sendo exceção a prisão ou a restrição de direitos.

Greco (2008, p. 90) complementa que “o princípio da culpabilidade não se encontra no rol dos princípios constitucionais expressos, podendo, no entanto, ser extraído do texto constitucional, principalmente do chamado princípio da dignidade da pessoa humana”.

Portanto, tendo em vista a falta de previsão legal, o partido político não poderá ser penalmente responsabilizado pelos crimes da Lei das Eleições. Entretanto, seus dirigentes podem ser penalizados quando for apurada, na instrução criminal, sua participação.

7 Penas impostas aos partidos políticos

Os partidos políticos podem ser responsabilizados, com base no art. 336 do CE, pelos crimes dos arts 322, 323, 324, 325, 326, 328, 329, 331, 332, 333, 334 e 335, que, em regra, tratam de propaganda política. Vale lembrar que os art. 322, 328, 329 e 333 foram expressamente revogados pelo art. 107 da Lei n. 9.504/1997, e os artigos que ainda vigoram possuem penas variadas. Enquanto, por exemplo, o crime de calúnia, na propaganda eleitoral, prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e pagamento de dez a quarenta dias-multa, o crime de injúria, na propaganda eleitoral, traz pena de detenção de quinze dias a seis meses ou pagamento de trinta a sessenta dias-multa.

Em que pese a variedade das penas previstas nos crimes elencados, o art. 336 do CE traz uma única punição aos partidos políticos, que é a suspensão das atividades eleitorais por um período que varia de seis a doze meses, podendo ser agravado até o dobro no caso de reincidência. Portanto o tempo da suspensão das atividades deve ser determinado pelo juiz não apenas com base na gravidade da conduta no tipo penal em que estiver enquadrada, mas também comparando a pena prevista no tipo penal com os outros delitos listados no art. 336 do CE.

Decomain (2004, p. 422) aduz que, “como todos os crimes mencionados naquele artigo são infrações penais de menor potencial ofensivo e todos também admitem a suspensão condicional do processo, esses benefícios despenalizadores são aplicáveis também aos partidos”. Comparando os delitos eleitorais com os ambientais, que hoje são a referência para a responsabilização penal da pessoa jurídica, tem-se que a Lei n. 9.605/1998, que é posterior à dos Juizados Especiais, já traz em seu texto a previsão de aplicação dos benefícios despenalizadores da Lei n. 9.099/1995.

A legislação eleitoral não contempla tal previsão, mas a omissão se justifica pela data de sua confecção. Contudo, considerando que já existe essa possibilidade na legislação pátria, não há óbice ao emprego dos benefícios despenalizadores da Lei n. 9.099/1995 aos crimes eleitorais em que figurem como sujeitos ativos pessoas jurídicas. Inclusive os delitos eleitorais que contemplam a possibilidade de responsabilizar os partidos políticos têm pena máxima igual ou inferior a dois anos e pena mínima inferior a um ano. Portanto, para efeitos da aplicação da Lei dos Juizados Especiais, são tratados como infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 61) e admitem a suspensão condicional do processo (art. 89).

A punição imposta pelo art. 336 do CE é a suspensão das atividades eleitorais que, como bem salienta Tito Costa (2002, p. 111), “significa dizer que o partido continuará exercendo livremente suas funções administrativas regulares, exceto a de poder participar de eleições – que é a finalidade precípua de partidos políticos”. E não poderia ser diferente, pois um partido político assume obrigações junto à Justiça Eleitoral e a particulares e não pode se esquivar do seu cumprimento com o pretexto de estar obedecendo a decisão judicial.

Um partido, por exemplo, respeitando o calendário eleitoral, deve prestar contas do exercício do ano anterior à Justiça Eleitoral, entregar listas de filiados, atender as citações dos processos, pagar aluguel da sala que abrigue sua sede, caso haja, bem como outras obrigações que contraia. Portanto não seria razoável que se suspendessem também as atividades administrativas.

O problema é que a pena máxima prevista é de 24 meses – em caso de reincidência – e as eleições, excetuando as suplementares, ocorrem a cada quatro anos para uma grei partidária. Isso ocorre porque, nas eleições para os cargos de prefeito e vereador, os órgãos partidários estaduais e nacionais dão suporte, mas não desenvolvem atividade propriamente eleitoral, bem como nas eleições para os cargos de governador, deputado estadual, deputado federal, senador e presidente, em regra, não há atividade eleitoral dos órgãos municipais. Logo, dependendo do ano em que for proferida a decisão, a punição pode não surtir nenhum efeito.

8 Considerações finais

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma exceção no Direito Penal e, em âmbito ambiental, está amparada pelo texto constitucional. Na seara eleitoral não há qualquer abordagem constitucional, mas, ao mesmo tempo, a Constituição não restringe a responsabilidade penal da pessoa jurídica aos delitos ambientais ou às empresas, pelo contrário, mostra-se favorável a esta forma de responsabilização criminal.

Não entendo necessária a previsão constitucional expressa, pois é de competência do legislador infraconstitucional legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, CF), e a matéria já regulada traz pena adequada à pessoa jurídica. Contudo, não considero possível alargar esta responsabilização a outros crimes, além dos previstos na redação do art. 336 do CE, sem que haja contemplação da responsabilidade penal do ente jurídico.

Na prática forense, o conteúdo no art. 336 do CE é ainda de pouca aplicação. Os crimes eleitorais, de modo geral, já não se adaptam com perfeição ao atual processo eleitoral, pois este teve grande mudança, enquanto aqueles pouca alteração legislativa sofreram desde 1965.

A responsabilização criminal dos partidos políticos é medida importante para coibir abusos na propaganda política quando confeccionadas e divulgadas pelo ente jurídico e passíveis de causar grande desequilíbrio na disputa eleitoral. Entretanto, sua aplicação desenfreada pode ser perigosa, pois altera a atividade partidária dentro do ente federado.

Ao tratar de partidos políticos, é importante ter em vista que a Carta Magna consagrou o pluralismo político entre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º), e a proibição injustificada da participação de um partido no pleito atentaria contra esta estrutura. No entanto, não se pode tolerar ilegalidades com o argumento de respeito a um fundamento republicano, em especial quando o desrespeito à lei não permite uma disputa eleitoral em que os partidos participem em condições de igualdade.

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______. Lei Ordinária n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 14 jan. 2010.

______. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Acórdão n. 18.217. Rel. Manoel Eugenio Marques Munhoz. Curitiba, 21 de setembro de 1993. Diário da Justiça, 5 out. 1993.

______. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n. 13.276. Rel. Carlos Antônio Rodrigues Sobrinho. Florianópolis, 31 de agosto de 1994. DJESC,13 set. 1994. p. 37.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 4. ed. São Paulo: RT, 2008.

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RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: RT, 1998.

1 “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua  natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”

2  "Art. 15-A. A responsabilidade, inclusive civil e trabalhista, cabe exclusivamente ao órgão partidário municipal, estadual ou nacional que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação, à violação de direito, a dano a outrem ou a qualquer ato ilícito, excluída a solidariedade de outros órgãos de direção partidária”.

3  "Art. 37. A  falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas quotas do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

§ 2º A sanção a que se refere o caput será aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade”.

4  Acórdão n. 13.276, TRESC. Rel. Carlos Antônio Rodrigues Sobrinho. DJESC, 13.9.1994, p. 37.

5  Acórdão n. 18.217, TRE/PR. Rel. Manoel Eugenio Marques Munhoz. DJ, 5.10.1993.

* Bacharelanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e servidora da Justiça Eleitoral de Santa Catarina.

 Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, vol. 18, 2010.

 

 

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