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Propaganda eleitoral e a Lei n. 11.300/2006

Por: Jefferson Custódio Próspero / José Adilson Bittencourt Junior

1 Propaganda e publicidade

1.1 Introdução: considerações iniciais sobre o tema

O presente artigo científico tem como objeto a propaganda eleitoral no Brasil como meio de convencer e/ou auxiliar o cidadão brasileiro na escolha de seu candidato.

O seu objetivo é elaborar uma breve análise da legislação pertinente, bem como de seus princípios e peculiaridades, e demonstrar sua aplicabilidade, ou não, no decorrer das eleições no Brasil.

O tema é atual e relevante, pois acabamos de realizar eleições sob a égide da nova legislação e não temos ainda uma avaliação sobre os seus efeitos, benefícios ou prejuízos que possa ser trazida ao processo.

O trabalho trata das legislações atuais, com ênfase na Lei n. 11.300/2006, que foi aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República e regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução n. 22.261/2006, exclusivamente para serem aplicadas nas eleições de 2006, recém concluídas.

Pretende-se, ainda, destacar a importância da propaganda eleitoral, tendo em vista que esta constitui um meio de informação, ou seja, é por intermédio dela que o cidadão toma conhecimento dos candidatos que estão concorrendo, seus partidos e suas propostas de governo.

O Direito Eleitoral, ramo do Direito Público, tem como objetivo regular as eleições no País, buscando conferir ao processo eleitoral a legitimidade necessária para que o resultado final seja representativo da vontade da maioria, sem que haja qualquer mácula quanto à lisura das eleições.

A estrela desse processo é o eleitor, devendo ele ter garantido não só o sigilo do seu voto, mas a honestidade do processo eleitoral, a fim de que sejam eleitos e empossados os candidatos de sua escolha.

Partindo desse pressuposto, interessa saber quais fenômenos interferem diretamente no processo de votação, desde a escolha dos candidatos nas convenções partidárias até o fim do processo com a diplomação e posterior posse dos eleitos.

Entre os fenômenos que têm efetiva influência no processo, temos a propaganda eleitoral, que atinge diretamente o eleitor ao entrar em sua casa pela televisão, pelo rádio e até mesmo na forma de panfletos e santinhos, brindes e comícios, que se transformaram em showmícios, tudo com o intuito de convencê-lo a votar em determinado candidato.

Além disso, no início do ano foi editada a Lei n. 11.300/2006, cujo objetivo foi regulamentar e, além disso, colocar um freio nos abusos cometidos pelos candidatos quando da realização de suas propagandas visando a angariar votos.

O presente artigo busca ainda trazer um escólio doutrinário a respeito da matéria e uma visão particular sobre cada alteração legislativa introduzida pela nova lei.

Para encetar a investigação, adotou-se o método indutivo,1 operacionalizado com as técnicas do referente,2 da categoria,3 dos conceitos operacionais4 e da pesquisa de fontes documentais. Para relatar os resultados da pesquisa, empregou-se igualmente o método indutivo, em conjunto com as técnicas propostas por Colzani (2001) e a metodologia representada pela NBR (ABNT).

1.2 A publicidade e a propaganda

O surgimento da palavra publicidade deu-se no século XVIII como um termo jurídico que representava o início dos debates e discussões sobre assuntos gerais nas assembléias abertas ao público, que podia participar e opinar sobre os de seu interesse, em oposição a portas fechadas, sem participação popular. Dessas audiências legais o termo passou aos debates parlamentares, ao jornalismo ilustrado e, logo depois, alcançou o significado genérico daquilo que pertence ao público (GOMES, 2003, p. 101).

A princípio, segundo Gomes (p. 78), publicidade era usada como designação jurídica; ou seja, em sentido semântico original, o verbo latino publicare significa a “ação de tornar público”. Entretanto, passa a ter uma significação moderna logo após a segunda metade do século XIX, com o início da relação entre o desenvolvimento e a publicidade, por meio da industrialização e do crescimento dos grandes mercados de consumo.  

É possível estabelecer um marco divisor entre a publicidade antiga e a moderna; são dois grandes momentos: a) pré-Revolução Industrial, quando a informação predomina sobre a persuasão; e b) pós-Revolução Industrial, em que há um nítido predomínio da persuasão sobre a informação (GOMES, p. 79).

De acordo com a autora acima citada, a fase pós-Revolução Industrial fez com que a publicidade assumisse um caráter comercial, que alcançou rapidamente grande desenvolvimento, usando de eficazes fórmulas e instrumentos com o intuito de angariar a simpatia de quem a assiste, lê ou ouve.

Em razão da necessidade de apresentar um conceito operacional para o termo, Gomes (p. 42) o classifica como

 [...] um processo de comunicação persuasiva, de caráter impessoal e controlado que, através dos meios massivos e de forma que o receptor identifique o emissor, dá a conhecer um produto ou serviço, com o objetivo de informar e influir em sua compra ou aceitação.

Como uma forma perfeita de comunicação persuasiva, a publicidade apropriou-se de algumas técnicas de convencimento mais antigas como, por exemplo, da propaganda, que era a técnica até então usada para glorificar o homem, as coisas que produz e até mesmo as que consome, fazendo com que sobressaia na política, na religião e, inclusive, na literatura (GOMES, p. 78).

O primeiro anúncio publicado no Brasil, datado de 1808, foi inserido na Gazeta do Rio de Janeiro da seguinte forma: “Quem quiser comprar uma morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita, fale com Ana Joaquina da Silva, que mora nas mesmas casas, ou com o capitão Francisco Pereira de Mesquita, que tem ordem para as vender” (GOMES, p. 95).

Durante os anos seguintes, surgiram de forma mais efetiva os anúncios classificados, que se multiplicaram nas mais variadas formas, vendendo remédios, artigos de moda, bebidas e até mesmo escravos.5

Durante muito tempo, o hoje chamado anúncio publicitário teve a denominação de reclame, que significava a utilização de processos com o objetivo de chamar a atenção para uma idéia, um serviço, um produto, um indivíduo. O uso do termo perdurou até meados do século XX. Na linguagem popular, o termo degenerou-se até designar um anúncio numa publicação, num catálogo, num cartaz, numa etiqueta ou em qualquer meio ou veículo publicitário (GOMES, p. 102).

Em 31 de março de 1964, tropas militares iniciam a Revolução, e o Congresso Nacional declara vaga a Presidência do Brasil. Com o golpe militar, o governo desenvolveu a prática da propaganda ideológica, pois necessitava despertar a confiança dos brasileiros, estimular o patriotismo e conquistar o apoio da população. A partir desse acontecimento político é possível perceber que a função da publicidade, que antes era meramente informativa, passa a assumir um caráter manipulador de convencimento (GOMES, p. 100).  

Os governos de Costa e Silva e de Médici criaram a Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República. No governo de Ernesto Geisel foi implantada a Assessoria de Imprensa e Relações Públicas, e o governo de João Figueiredo criou a Secretaria de Comunicação, depois substituída pela Secretaria de Imprensa e Divulgação.

1.3 Princípios da publicidade

Como toda atividade, a publicidade também possui um rol de princípios que a norteiam para que possa ser conduzida de maneira ética e legal. Em número de seis, eles são: a) da identificação (clareza); b) da veracidade; c) da correção, ou da legalidade, ou da não-abusividade; d) da vinculação contratual; e) da inversão do ônus da prova; e f) transparência da fundamentação (SILVA, 2003).

A seguir, tratar-se-á de forma breve de cada um deles.

1.3.1 Princípio da identificação (clareza) da publicidade

O legislador, no art. 36 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078) dispõe: “[...] a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil imediatamente a identifique como tal”, e com isso busca combater as técnicas psicológicas com fins publicitários. É o caso da publicidade dissimulada, a subliminar e a clandestina.

A mensagem publicitária, segundo Pasqualoto (1997, p. 86),

[...] então se torna dissimulada ou clandestina, sendo veiculada sem a identificação do anunciante. Por vezes, é confundida propositadamente com uma reportagem, como se fosse matéria editorial de um veículo de comunicação. Outras vezes, é feita a exposição de um produto de forma casual, como se estivesse integrando naturalmente uma cena, na televisão ou no cinema. Com esses procedimentos, não apenas evitam um abalo da credibilidade, como se acreditam de um testemunho aparentemente desinteressado do órgão ou do programa que veicula a mensagem sub-reptícia.

Há uma clara vedação quanto à utilização dos meios acima citados, já que se originam em atitude ilícita, sendo defesa sua utilização porquanto causam dificuldades para que o consumidor obtenha a informação devida, em face de uma mensagem publicitária.

1.3.2 Princípio da veracidade

As mensagens publicitárias devem ser verdadeiras, corretas, respeitando o consumidor devido à sua vulnerabilidade. Esse consumidor que diariamente está, a todo momento – seja em jornais impressos, revistas, televisões, entre outros vários meios de comunicação –, exposto a inúmeras peças publicitárias (SILVA, 2003, p. 7).

A lei estabelece que tudo aquilo que foi anunciado, que despertou certo desejo no consumidor, obrigatoriamente tem que ser verdade e não induzir a erro. Devendo, acima de tudo, o que foi anunciado o ser de forma completa e correta para que não seja caracterizada a publicidade enganosa por omissão (SILVA, 2003, p. 8).

1.3.3    Princípio da correção, ou da legalidade, ou da não-abusividade; principio da vinculação contratual da publicidade; princípio da inversão do ônus da prova e principio da transparência da fundamentação da publicidade

O primeiro, na definição de Silva, busca estabelecer que a  mensagem não agrida “[...] valores sociais do homem”; assim, há que se respeitarem “[...] os valores sociais de cada um”. Já o segundo prima pela obrigação que tem a publicidade de fornecer aquilo que anuncia, dando ao consumidor o direito de “[...] exigir a execução daquilo que foi anunciado”.  

Já o ônus da prova cabe a “[...] quem veicula a peça publicitária e não aos consumidores”, nascendo ao consumidor o direito, em caso de lesão por publicidade enganosa ou abusiva, de fazer com que o anunciante deva “[...] provar que não teve culpa por tal ato. Isto se deve ao fato de o anunciante ser o responsável de forma objetiva. Toda mensagem publicitária deve ser devidamente fundamentada pelos dados fáticos, técnicos e científicos”.

Segundo o mesmo autor, a liberdade de anunciar determinado produto é plena, devendo, entretanto, ser observados os paradigmas da clareza, transparência, respeito e ainda “[...] manter consigo um estudo com dados técnicos e científicos demonstrando toda a intenção da campanha publicitária, e ainda sejam estes disponíveis para quem interessar possa ter acesso”.

1.4 Propaganda

Historicamente, o uso da propaganda é bem mais antigo do que o da publicidade, no sentido comercial que ela adquiriu após a Revolução Industrial.

Na realidade, segundo Gomes (2003, p. 68), a propaganda pode aplicar-se aos mesmos setores da publicidade sem, no entanto, confundir-se com esta, pois, quando se faz propaganda comercial, isso não implica, obrigatoriamente, que se esteja fazendo publicidade e quando se faz publicidade de uma figura política, não quer dizer que se esteja fazendo automaticamente propaganda.

É importante destacar um conceito de propaganda firmado pela referida autora que determina que “Propaganda é a técnica de comunicação que visa promover a adesão do indivíduo a um sistema ideológico, de caráter político, religioso, social ou econômico”.  

O que se pode subsumir da afirmação acima é que a propaganda tem forte influência no consumidor, incutindo-lhe o interesse em determinado produto, seja ele um bem ou uma idéia. A seguir, analisar-se-ão os diversos tipos de propaganda no Direito Eleitoral.

1.5 Publicidade x propaganda

Para melhor elucidar o assunto, faz-se necessário mostrar a diferença que existe entre os vocábulos propaganda e publicidade, já que quase sempre são tidos como sinônimos, o que não é real.

Segundo Silva (2004) é possível “[...] distinguir uma diferença pequena entre publicidade e propaganda, visto que esta representa a idéia de implantar, de incluir uma idéia, uma crença na mente alheia, enquanto aquela significa genericamente apenas o ato de tornar público”. Segundo o mesmo autor, “[...] A diferença central entre esses dois vocábulos se encontra no campo econômico, pois a intenção de obter lucros torna-se o aspecto diferenciador para a publicidade, ficando assim determinado que a intenção primordial da propaganda é a propagação de determinada filosofia”.

É importante registrar o que afirma Pasqualoto (1997, p. 25), quando propõe uma outra posição a respeito do assunto, que não reconhece de qualquer maneira a intenção de lucro na publicidade, ao afirmar que “Toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feitas através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem a finalidade lucrativa”.

Embora exista essa divergência a respeito da função que exercem a publicidade e a propaganda, é importante lembrar que, segundo Silva (2004), os benefícios da publicidade não são somente econômicos. A questão da liberdade de imprensa é resultado da ação democrática da publicidade. Sem a publicidade, todo o sistema democrático estaria comprometido, visto que é graças a ela que as opiniões mais diferentes são emitidas, permitindo assim à sociedade escolher as melhores.

2 Propaganda política

Conforme Ferreira, propaganda política é todo tipo de publicidade que deve conduzir consigo o sentido político-filosófico-constitucional, a fim de determinar a forma ou modalidade de organização e divulgação que devem revestir a propaganda partidária, a eleitoral e a governamental.

Ao classificar, Cândido (2004, p. 149) doutrina que propaganda política é gênero; propaganda eleitoral, propaganda intrapartidária e propaganda partidária são espécies desse gênero. Propaganda eleitoral ou propaganda política eleitoral é uma forma de captação de votos usada pelos partidos políticos, coligações ou candidatos, em época determinada por lei, através da divulgação de suas propostas, visando à eleição a cargos eletivos.

Entende-se por propaganda política intrapartidária aquela realizada pelo filiado de partido político, no período para isso indicado pela lei, visando a convencer os correligionários do partido, participantes da convenção para escolha dos candidatos, a indicar o seu nome para concorrer a um cargo eletivo, num determinado pleito. E continua, finalmente, propaganda política partidária é a divulgação genérica e exclusiva do programa e da proposta política do partido, em época de eleição ou fora dela, sem menção a nome de candidatos a cargos eletivos, exceto os partidários, visando a angariar adeptos ao partido.

Estabelecidas e conceituadas as espécies de propaganda eleitoral, adentramos mais especificamente no tema da propaganda eleitoral, objeto deste artigo.

2.1 Propaganda eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), define propaganda eleitoral como:

Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública. Sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal, apta, em determinadas circunstâncias, a configurar abuso de poder econômico [AC. TSE n. 16.183/2000, rel. Min. Eduardo Alckmin].

É permitida somente após o dia 5 de julho do ano da eleição, consoante o disposto no art. 36, caput, da Lei n. 9.504/1997.

Tem, segundo Ferreira:

[...] o objetivo de procurar conquistar ou captar votos para os candidatos a cargos eletivos escolhidos em convenção e indicados pelos partidos políticos ou coligações. É o momento em que o candidato a cargo eletivo escolhido pelo seu partido ou coligação pretende fazer-se conhecido, realizando propaganda de seu nome e de sua imagem, mostrando plataforma, planos e programa de atuação para realizar no caso de ser eleito.

2.2 Propaganda eleitoral: classificação

Em relação à legislação vigente e de acordo com a doutrina dominante, a propaganda eleitoral classifica-se em lícita ou ilícita.

A propaganda lícita, segundo Cândido (2001, p. 160): “[...] não carece de conceituação, ao contrário da propaganda irregular e criminosa. Tem ela por pressuposto o Princípio da Liberdade da Propaganda Política. Será lícita toda propaganda, por qualquer forma executada, que não for proibida por lei comum ou criminal”. Por sua vez, a propaganda eleitoral ilícita divide-se em “irregular ou criminosa”.

A propaganda ilícita, segundo Rollo (2007, p. 47), pode ser conceituada como:

[...] aquela em que o pré-candidato atua como se candidato fosse, visando influir diretamente na vontade dos eleitores, mediante ações que traduzem um propósito de fixar sua imagem e suas linhas de ação política, em situação apta, em tese, a provocar um desequilíbrio no procedimento eleitoral relativamente a outros candidatos, que somente após as convenções poderão adotar esse tipo de propaganda.

A propaganda eleitoral irregular, segundo Ferreira, “[...] pode ser considerada como aquela que a legislação eleitoral proíbe, restringe, limita, sem tipificá-la como crime eleitoral, ou seja, está sempre sujeita às sanções de natureza administrativo-eleitoral”.

A lei prevê uma série de medidas e conseqüências decorrentes do exercício da propaganda irregular. São elas de ordem eleitoral, stricto sensu, administrativa e até de ordem civil. Segundo Cândido (2001, p. 163), é possível citar como exemplo as seguintes: a) cassação do regimento do candidato (art. 334 do CE); b) cassação do direito de transmissão da propaganda partidária gratuita pelo rádio e pela televisão (art. 45, § 2º, da LOPP); c) anulabilidade da votação (art. 222 do CE); d) solidariedade dos partidos na responsabilidade imputada aos candidatos e adeptos pelos excessos que cometerem (arts. 241 e 243, § 1º, do CE); e) inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição em que se verificou o ato, além da cassação do registro do candidato (LC n. 64/1990, art. 22, inciso XIV).

Nesse caso, os meios de apuração judicial, em face do Direito Processual Eleitoral, perfazem-se em sede de reclamação ou de representação eleitoral, que podem ser promovidas por qualquer partido político, coligação, candidato ou pelo órgão do Ministério Público Eleitoral (FERREIRA), que atua como parte ou custos legis da lei eleitoral.

Sobre esse assunto, cabe a oportuna preleção de Vieira Filho (1989, p. 28), que aduz:

As atribuições do Ministério Público, neste setor, ao contrário do que se poderia imaginar, ante a observação do clássico desempenho do Órgão, não se exaure na lei eleitoral, onde praticamente não aparece. Mas ao contrário do que isso possa parecer, a primeira vista, onde mais presto e desenvolvo age o Ministério Público, é em matéria Eleitoral. Com efeito, se alguém, em detalhado e minucioso ordenamento legal, recebe cem ou mais atribuições funcionais, por mais que sejam, seus poderes se esgotam no ponto em que tais atribuições se completam. Mas ao contrário, se alguém recebe poderes para agir, sem que tais venham a ser delimitados, em seqüencial listagem, seus poderes serão tantos quanto necessários se fizerem. É o que vem a ocorrer, com o Ministério Público Eleitoral, face à problemática da propaganda.  

No entanto, a propaganda eleitoral criminosa é a que se apresenta como resultado de uma ação mais grave e, por essa razão, o legislador tipificou-a como crime eleitoral, cuja apuração, muitas vezes, provém de ação penal eleitoral, que começa com a fase pré-processual, que é a investigação criminal, em suas diversas provas, e termina com a ação penal propriamente dita, resolvida por sentença ou acórdão (FERREIRA).

Na aplicação da pena, o julgador, além das sanções de fundo administrativo-eleitoral, pode valer-se das penas previstas no Código Eleitoral Brasileiro (Lei n. 4.737/1965) e da legislação que integra o universo do Direito Eleitoral.

2.3 Da propaganda nas eleições

O alvo central deste trabalho é a legislação em vigor no que tange ao instituto da propaganda eleitoral, tratando de algumas de suas peculiaridades que entraram em vigor nas eleições de 2006 e se farão presentes nas eleições municipais do próximo ano.

A propaganda eleitoral no Brasil é regulada pela Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, mas cabe ressaltar que, em todo ano eleitoral, é de competência do Tribunal Regional Eleitoral adequar a citada lei às particularidades de cada eleição.

Para as eleições de 2006 foi editada a Lei n. 11.300/2006, chamada de Minirreforma Eleitoral, que dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais, alterando a já citada Lei n. 9.504/1997.

O Tribunal Superior Eleitoral editou também a Resolução n. 22.261/2006, que dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral nas eleições.

Na seção seguinte, examinar-se-ão as alterações mais importantes introduzidas pelas legislações acima citadas.

3 Considerações sobre a propaganda eleitoral na minirreforma eleitoral – Lei n. 11.300/2006

O plenário do Senado, em resposta à crise política deflagrada pela denúncia do “mensalão”, escândalo derivado, direta ou indiretamente, da forma como é realizado o processo eleitoral e político no Brasil, levou o Congresso Nacional a aprovar inúmeras normas restritivas à liberdade de propaganda.

O objetivo principal dessa lei é evitar algumas aberrações que vêm sendo praticadas pelos candidatos, como por exemplo: a prática do “caixa dois” nas campanhas eleitorais, a utilização da máquina pública como favorecimento dos que já estão no poder, a compra de votos com brindes, entre outras irregularidades.

O caminho do amadurecimento natural proposto pelo atual sistema é longo e demorado; sendo assim, fez-se necessário que o Senado tomasse medidas até certo ponto drásticas para moralizar a propaganda eleitoral.

A seguir, comentaremos as mais importantes alterações feitas pela Lei n. 11.300/2006 no tocante à propaganda eleitoral.

3.1 A aplicabilidade da lei nova

De início, não se pode passar ao largo sem comentar a vigência da Lei n. 11.300/2006, que modificou vários artigos da Lei n. 9.504/1997, inclusive sobre a propaganda eleitoral.

Isso porque o art. 16 da Constituição Federal é expresso ao dispor que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano de sua vigência”.

Diverge a doutrina quanto ao termo inicial do processo eleitoral. Há posições defendendo o início a partir do registro dos candidatos, e outra, a partir dos prazos de desincompatibilização estabelecidos tanto na Constituição Federal quanto em lei complementar. Não há divergência no tocante ao termo final, que seria a efetiva diplomação dos candidatos eleitos.

Não obstante, em simples interpretação literal, pode-se concluir que nenhuma das alterações introduzidas pela Lei n. 11.300/2006 poderia ser aplicada na eleição geral do pleito de 2006, por expressa disposição constitucional que impõe a vacatio legis.

Não obstante, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão polêmica, entendeu que alguns dispositivos dessa nova norma eleitoral teriam aplicabilidade imediata, com incidência já no pleito de 2006, inclusive no tocante às novas regras da propaganda eleitoral a serem comentadas.

3.2 Da propaganda eleitoral em geral

3.2.1 Da divulgação das pesquisas eleitorais

A Lei n. 11.300/2006 acrescentou à Lei n. 9.504/1997 o art. 35-A, assim redigido: “É vedada a divulgação de pesquisas eleitorais por qualquer meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do dia do pleito”.

Esse artigo, após manifestação do Tribunal Superior Eleitoral, corroborada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi declarado inconstitucional. O fundamento adotado no aresto tem como base a violação dos direitos constitucionais que asseguram a liberdade de expressão.

Em posicionamento contrário, Costa (2006) sustenta que a norma por ele veiculada é constitucional. Aduz que compete ao legislador definir o marco temporal além do qual não convém a divulgação de pesquisas de intenção de votos, que muitas vezes têm a finalidade de influenciar a vontade dos eleitores ainda indecisos.

Pesquisa de intenção de votos é uma aferição condicionada pela metodologia, que varia de instituto para instituto, nem sempre representando com rigor a realidade do momento eleitoral sob sua análise. Da mesma maneira que o legislador pode fixar o prazo de quarenta e oito horas antes do pleito como último dia para a divulgação de pesquisas eleitorais, poderia fixar outro, mais compatível com a realidade política atual, evitando formas subliminares e pretensamente neutras de formar a convicção dos votantes (COSTA, 2006).

Ao largo dessa divergência, declarada a inconstitucionalidade do artigo pelo Supremo Tribunal Federal, a divulgação das pesquisas eleitorais segue a antiga regra que admite sua divulgação até o dia da eleição.

3.2.2 Vedação de propaganda em bens públicos

Dando nova roupagem ao art. 37, a Lei n. 11.300/20066 ampliou as restrições da propaganda eleitoral feita em local público. Está clara ao vedar a veiculação de qualquer espécie de propaganda.

O professor Decomain (1998, p. 144), ao comentar o antigo artigo, já doutrinava:

O artigo proíbe antes de tudo o uso de bem público de modo geral, para fins de propaganda eleitoral, qualquer que seja o modo de sua utilização para tal propósito. Alcança essa proibição, todavia, não apenas os bens públicos propriamente ditos, aí compreendidos os de uso comum (ruas, avenidas, passeios, praças, rodovias, estradas, etc.), como também outros bens cujo uso dependa da cessão, permissão ou concessão do Poder Público. Em bens dessa natureza, é proibida a realização de qualquer pichação ou inscrição a tinta, com o propósito de divulgação de candidaturas.

O Tribunal Superior Eleitoral, ampliando o rol expresso de locais vedados para a propaganda, incluiu os orelhões, cabines telefônicas, bancas de revistas, táxis, ônibus, vans e, além dos definidos pelo Código Civil, também aqueles que a população em geral tem acesso, tais como: cinemas, clubes, lojas, shoppings, igrejas, ginásios, estádios, escolas, faculdades, hotéis etc., ainda que sejam de propriedade privada (art. 9º da Resolução TSE n. 22.261/2006).

Admitida, ainda, a colocação de bonecos e de cartazes não fixos ao longo das vias públicas, desde que não dificulte o bom andamento do trânsito (art. 9º, § 3º, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

A violação a essa regra de propaganda importa ao responsável a aplicação de multa e a determinação de restauração do bem. Estabelece o parágrafo único que “A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, à multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais)”.

Ao se conjugarem os dois comandos do artigo – preceito primário e preceito secundário –, conclui-se que a multa somente poderá ser aplicada pelo juiz eleitoral após a devida intimação e o não-atendimento, pelo candidato responsável pela propaganda vedada, da determinação para que providencie o retorno do bem ao status quo ante. A incidência, portanto, em alguma conduta proibida no caput não enseja a imediata aplicação da multa de R$ 2.000,00 a R$ 8.000,00.

3.2.3 Da aparelhagem de som

Outra espécie de propaganda modificada foi o comício. O § 4º do art. 39 da Lei n. 9.504/1997, que já disciplinava o horário da realização do comício, foi acrescido, pela nova lei, da expressão “e a utilização de aparelhagem de sonorização”.

Lê-se no artigo: “A realização de comícios e a utilização de aparelhagem de sonorização fixa são permitidas no horário compreendido entre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas”.

Cândido (2004, p. 452) diz que:

O § 4º não se confunde com o art. 244, II, do Código Eleitoral. Aqui, é comício, e, no código, é propaganda por alto-falantes. O comício é em local certo, fixo e dele participam, sempre, diversas pessoas. Legalmente, ele é previamente marcado. Nele, poderão ser usados alto-falantes das 8 às 24 horas. Podem ser realizados até à véspera do pleito. No dia da eleição a realização de comício é crime (inciso I). Para funcionar nas sedes, diretórios, comitês e em veículos de som, o horário dos alto-falantes ou amplificadores é das 8 às 22 horas, somente; bem diferente, portanto.

Conclui-se, assim, que o artigo, além de manter o horário do comício, ainda permitiu a utilização de aparelhos de sonorização no mesmo horário já fixado para o comício. Essa regra veio a uniformizar a utilização da propaganda com alto-falante prevista no inciso I do art. 244 do Código Eleitoral com a regra do comício estipulada na Lei n. 9.504/1997.

3.2.4 Estabelecimento de crimes eleitorais no dia da eleição

Entende-se, inicialmente, que o art. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/1997, por vias transversas, acabou por restringir a propaganda eleitoral até o dia anterior da eleição, quando descreve condutas que, se praticadas no dia da eleição, são consideradas crime eleitoral.

Cândido (2004, p. 452) trata da objetividade jurídica desses crimes prevendo que “A lei quer proteger o ato de votar. Propiciar o direito ao voto de forma rápida e segura é serviço a cargo da Justiça Eleitoral, aqui protegido pela norma que tenta evitar que esse serviço seja perturbado pela propaganda que proíbe”.

O inciso I desse parágrafo já constava na redação anterior, sendo considerado crime “o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata”.

A nova lei acrescentou mais dois incisos. O primeiro deles, o inciso II, trata da “arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna”. A arregimentação de eleitores deve ser entendida como a concentração de eleitores originada por pessoas vinculadas a um candidato ou partido político. Já a boca-de-urna pode ser considerada como duas atividades: a primeira, referente aos institutos de pesquisa que objetivam antecipar o eventual resultado das urnas após os eleitores terem votado na seção eleitoral; e a segunda, mais conhecida, a conduta dos cabos eleitorais e simpatizantes que pedem votos para o seu candidato ou partido enquanto os eleitores se dirigem para votar. Qualquer abordagem de eleitor por cabos eleitorais, uniformizados ou não, é crime e deve ser coibida.

Acerca desta espécie, Decomain (1998, p. 151) conceitua que “É a atividade de propaganda eleitoral de última hora conhecida como ‘boca-de-urna’, através da qual, especificamente nas cidades pequenas, os candidatos costumam abordar os eleitores, inclusive quando se encaminham para os locais de votação, para fazer-lhes um último pedido de voto”.

Já o inciso III proíbe “a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário”.

Aliada a essa conduta típica e potencializando-a, porquanto engloba todo o período da propaganda eleitoral, temos ainda a inserção do § 6º no art. 39 pela Lei 11.300/2006, que veda “[...] na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor”.

Isso quer dizer que os instrumentos antes utilizados para aliciar o eleitor na boca-de-urna, como cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário, hoje, são expressamente proibidos, mitigando a possibilidade de influência no voto do eleitor.

A vedação é para os comitês de campanha, candidatos ou qualquer pessoa com a sua autorização. A proibição não é apenas de brindes com o nome ou o número do candidato, mas de qualquer bem que o identifique, como a adoção de uma determinada cor de campanha, por exemplo.

Assim, em uma interpretação literal, toda e qualquer forma de propaganda eleitoral está vedada no dia da eleição, não podendo o eleitor manifestar democraticamente qual o candidato da sua opção.

Ocorrendo a violação desse artigo, incide o art. 30-A, que autoriza qualquer partido ou coligação a pedir a abertura de investigação judicial quando se violem normas relativas a “arrecadação e gastos de recursos”, caracterizando gastos ilícitos de campanha, admitida a cassação do diploma do candidato beneficiário.

3.2.5 Showmício

Outra vedação introduzida é a do art. 37, § 7º, o qual diz que “É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral”.

Por demais claro o conteúdo do artigo ao vedar a realização de showmício.

Entende-se como salutar o término desses grandes eventos que acabaram por transformar o simples comício, destinado ao contato mais próximo do candidato com os eleitores, em megaevento no qual os artistas contratados pediam voto por vias transversas direcionando e, implicitamente, influenciando a intenção de seus fãs.

3.2.6 Outdoors

Também ficou vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, tanto que foi revogado o art. 42 da Lei n. 9.504/1997, que disciplinava pormenorizadamente essa espécie de propaganda eleitoral.

Prescreve o § 8º do art. 39 dessa lei que “É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs”.

Outdoors nada mais são do que engenhos publicitários explorados comercialmente, a eles equiparando-se os cartazes luminosos (front-light), cartazes (tri-show), painéis com imagens (mídia board) ou assemelhados (art. 13 da Resolução TSE n. 22.261/2006).

Em contrapartida, poderão ser afixados pequenos cartazes com propaganda eleitoral em propriedades privadas, inclusive com a pintura em muros. Tais painéis poderão ser postos, desde que não ultrapassem o tamanho de quatro metros quadrados, segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (art. 37, § 2°, da Lei n. 9.504/1997, c/c o art. 10, caput, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

No entanto, fica proibida a colocação em bens particulares de placas, cartazes ou outro tipo de propaganda eleitoral, em tamanho, características ou quantidade que possa configurar abuso do poder econômico (art. 10, § 1º, da Resolução TSE n. 22.261/2006), a ser apurada e punida nos termos do art. 22 da LC n. 64/1990.

Nesse caso, a própria norma já descreve as sanções em caso de descumprimento. O candidato ou partido político é obrigado a retirar a propaganda irregular, sendo-lhe aplicada multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIRs.

Apenas para acrescentar, têm total liberdade os partidos políticos para inscrever, na fachada de suas sedes e dependências, o nome que os designe (art. 244, incisos I e II, do Código Eleitoral, c/c o art. 8º, inciso I, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

3.3 Propaganda eleitoral na Imprensa

No tocante a este tema, a nova legislação trouxe uma restrição temporal, porquanto – se anteriormente a propaganda na Imprensa era permitida até o dia das eleições, inclusive – agora somente é permitida até a antevéspera das eleições, mantidas as demais características.

Fixa o art. 43 que “É permitida, até a antevéspera das eleições, a divulgação paga, na imprensa escrita, de propaganda eleitoral, no espaço máximo, por edição, para cada candidato, partido ou coligação, de um oitavo da página de jornal padrão e um quarto de pagina de revista ou tablóide”.

De pouca alteração prática nas eleições será essa mudança temporal, principalmente considerando-se que, na maioria dos casos, o eleitor mais consciente já está com seus candidatos devidamente escolhidos e, ao revés, os indecisos de última hora em geral depositam seus votos no candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais.

Em caso de descumprimento, o seu parágrafo único descreve a imposição de sanção aos responsáveis pelos veículos de divulgação e aos partidos, coligações ou candidatos beneficiados, em multa de mil a dez mil reais ou equivalente ao valor pago na divulgação, caso seja maior.

3.4 Programa apresentado ou comentado por candidato

O art. 45, § 1º, da Lei n. 11.300/2006 alterou a data em que é vedado às emissoras de rádio e televisão transmitir programa apresentado ou comentado por candidato escolhido em convenção. Esse artigo está assim redigido: “A partir do resultado da convenção, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por candidato escolhido em convenção”.

Ocorreu uma ampliação necessária do afastamento do candidato apresentador ou comentarista. A legislação anterior previa o afastamento a partir do dia 1º de agosto, ao passo que a atual estabelece o marco inicial como sendo a data da convenção, que pode ser entre os dias 10 e 30 de junho do ano em que se realizar a eleição (art. 8º da Lei n. 9.504/1997).

Carvalho (in Rollo, 2002) comenta que

Proibindo-se a veiculação de tais programas vela-se pela pars conditio, ou seja, pela igualdade de condições de disputa entre todos os candidatos, como de resto é característica de todos os dispositivos deste artigo. A restrição realmente tem razão de ser, em vista da enorme penetração dos meios de comunicação em massa.

Interessante essa inovação para estabelecer isonomia com os demais candidatos. É inegável que o candidato apresentador ou comentarista detinha maior exposição de seus argumentos e imagem sobre o eleitorado, afetando o equilíbrio da eleição. O descumprimento desse prazo pode ensejar a ação de impugnação de registro de candidatura.

Considerações finais

De todo o exposto acima, pode-se tirar algumas conclusões.

1) Existe uma nítida diferença entre os vocábulos publicidade e propaganda. A publicidade tem uma finalidade eminentemente comercial voltada para a divulgação de determinado produto ou serviço, enquanto a propaganda tem como conteúdo um cunho ideológico, religioso, filosófico, social ou político, voltado para a discussão de uma idéia, como o caso da propaganda política.

2) A propaganda política é gênero do qual são espécies a propagada eleitoral, a propaganda intrapartidária e a propaganda partidária. A propaganda eleitoral é aquela em que se busca a divulgação de proposta para captação de votos visando à eleição para cargos eletivos. A intrapartidária é a realizada por filiado para ser indicado em convenção a concorrer a um cargo eletivo. Já a partidária é a que se destina a divulgar amplamente a ideologia e o programa do partido político, objetivando a conquista de simpatizantes.

3) A propaganda eleitoral pode ser dividida em lícita e ilícita. A propaganda lícita é, por óbvio, aquela que não tem proibição na legislação eleitoral ou criminal. Já a propaganda ilícita ou irregular, a contrario sensu, é a que sofre restrições ao princípio da liberdade de propaganda.

4) Apesar de o art. 16 da Constituição Federal dizer expressamente que a lei alteradora do processo eleitoral não será aplicada à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, o TSE entendeu que alguns artigos seriam aplicados imediatamente por não alterar o processo eleitoral. Na mesma decisão, corroborada pelo STF, foi declarado inconstitucional o art. 35-A, que vedava a “divulgação de pesquisas eleitorais a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do dia do pleito”, por violação ao princípio constitucional da informação.

5) A Lei n. 11.300/2006 alterou a Lei n. 9.504/1997 nos seguintes pontos relacionados a propaganda eleitoral: a) vedou a propaganda eleitoral em bens públicos; b) autorizou a utilização de aparelhagem de sonorização no horário das oito às vinte e quatro horas; c) estabeleceu novas condutas como crimes eleitorais no dia da eleição: a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca-de-urna e a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário; d) proibiu, na campanha eleitoral, a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor; e) proibiu a realização de showmício e a apresentação de artistas em comício ou reunião eleitoral; f) vedou a utilização de outdoors; g) restringiu a propaganda eleitoral na imprensa até a antevéspera do dia da eleição; e, h) ampliou o afastamento do candidato apresentador ou comentarista de rádio ou televisão.

6) O mais preocupante é o fato de que as alterações foram elaboradas com o objetivo de conter os gastos astronômicos e o excesso de recursos públicitários utilizados pelos candidatos nas eleições. À primeira vista, tais alterações parecem ter surtido efeito no que se refere aos gastos com a propaganda eleitoral, principalmente pelo fato de que quase não se viu propaganda fora do rádio e da televisão. Todas as cidades estavam bem mais limpas, livres da sujeira ocasionada pelos candidatos e partidos. Porém, todos os recursos arrecadados e que seriam canalizados para a propaganda foram, com certeza, direcionados para outras áreas da campanha, como por exemplo a compra de votos no dia da eleição. Outro ponto relevante é o fato de que, com a restrição dos gastos com propaganda, os atuais mandatários acabaram se fortalecendo, tornando o pleito sem isonomia, porquanto são possuidores de uma série de vantagens inerentes aos cargos que ocupam. Como comumente se diz, estão com a “máquina na mão”, apesar de todas as restrições impostas pela lei.

7) Derradeiramente, de forma mais generalizada, é impossível passar ao largo da crise institucional vivida pelo País diante dos graves e sérios acontecimentos em detrimento do Estado, envolvendo autoridades dos mais altos cargos da República. Em um primeiro momento, o Congresso Nacional, de forma atabalhoada, apressou-se em aprovar uma minirreforma política, tratando propaganda, financiamento e prestação de contas das campanhas eleitorais (Lei n. 11.300/2006).

8) Esses minguados retalhos de pouco ajudarão para a adequação e o aprimoramento da democracia brasileira. Aventa-se uma profunda reforma política nas bases estruturais do sistema representativo adotado no Brasil.

Aliás, desde a promulgação da Constituição Federal, há quase duas décadas, a reforma política ora submerge, ora aflora, dependendo do momento político que atravessamos.

O que se pode afirmar é que a tão sonhada reforma política brasileira é imprescindível para que a nossa democracia seja realmente implementada.

A reforma política deve necessariamente enfrentar os temas do financiamento público de campanha, da fidelidade partidária, do voto obrigatório, do sistema proporcional e da proporcionalidade dos Estados na Câmara Federal para impedir ou conter a fragmentação do sistema partidário e parlamentar.

Para finalizar, Mezzaroba (2004) comenta, acerca das alterações legislativas, que “[...] a impressão mais clara que se tem é de que se trata de reforma lampeduseana. Grandes mudanças se darão para que ao final tudo permaneça exatamente tal como está”.

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Notas

1  Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral (PASOLD, 2002, p. 104).

2  Explicitação prévia dos motivos, dos objetivos e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa (PASOLD, 2002, p. 62).

3 Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia (PASOLD, 2002, p. 31)

4 [...] é uma definição para uma palavra e expressão, com desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos (PASOLD, 2002, p. 45).

5 “Em 20 de agosto do ano próximo passado fugiu um escravo preto, por nome de Mateus, com os sinais seguintes: rosto grande e redondo; com dois talhos, um por cima da sobrancelha esquerda e outro nas costas; olhos pequenos, estatura ordinária; mãos grandes, dedos grossos e curtos, pés grandes e corpo grosso. Na loja de fazenda de Antonio José Mendes Salgado de Azevedo Guimarães, na rua da Quitanda n. 64, receberá quem o entregar, além das despesas que tiver feito, 132$000 de alvíssaras” (Gomes, 2003, p.95).

Jefferson Custódio Próspero. Professor de Direito Processual Civil da Univali/Itajaí, professor de Prática Jurídica Civil do Núcleo de Prática Jurídica da Univali, mestre em Ciência Jurídica do PMCJ/Univali, especialista em Direito Civil pela Univali, especialista em Violência contra Crianças e Adolescentes LACRI/USP, especializando em Direito Eleitoral pelo TRESC/Univali. Advogado na cidade de Itajaí/SC. E-mail: jprospero@cejurps.univali.br.

José Adilson Bittencourt Junior. Secretário Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, especialista em Direito Tributário pela Unisul, especializando em Direito Eleitoral pelo TRESC/Univali. E-mail: jaj14187@tj.sc.gov.br.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 15, 2008.

 

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