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Íntegra

Plebiscito e propaganda

Por: Eralton Joaquim Viviani

Na afirmação dos direitos políticos contemplados no nosso sistema constitucional, o plebiscito vem timbrado como um dos exercícios da soberania popular. Pela consulta prévia aos eleitores devem passar importantes momentos e discussões da vida nacional.

No ano passado, por exemplo, tivemos o plebiscito que definiu a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), optando os eleitores, de forma livre e soberana, majoritariamente, pela manutenção da república presidencialista. No contexto institucional, representou um instante dos mais graves, em que até a maioria dos membros do Parlamento, com suas razões e críticas, sustentava a necessidade de mudança, vale dizer, a de atribuir a si, além de legislar, a difícil, mas sedutora e poderosa, tarefa de governar a Nação.

Tão importante é o plebiscito que, por ele, deve passar, também, a criação, a incorporação, a subdivisão ou o desmembramento de um Estado-membro, ou formação de um Território Federal. Da mesma forma, a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios.

As instituições públicas brasileiras estão em boa parte fragmentadas - ninguém duvida - impondo-se um novo alento e aceitando-se corajosamente os desafios rumo a uma urgente, honesta e moderna transformação, para não sermos mais objeto de espera.

Nesse pensar, impende reconhecer inúmeros equívocos do legislador, que muitas vezes aprova ordenamentos legais confusos e incorretos (a órbita eleitoral que o diga), quando não impraticáveis ou deficientes na sua técnica. Veja-se a Constituição de 88, sem falar em leis menores (ordenamentos eleitorais, festivos estatutos etc.), igualmente desastrosas em certos pontos.

A confusão que encerra a legislação eleitoral, tocante à propaganda, tem sido uma constante de perplexidade e desorientação no seio da própria classe política, que a faz, e cuja maioria parece legislar sem conhecimento suficiente e sem atentar para as suas repercussões.

Depois, é o que já se conhece: jogam o "pacote" para o Judiciário desenredar, muitas vezes investindo furiosamente contra ele, quando a solução não vem ao encontro de determinados interesses.

Mas, o que também prejudica sensivelmente o esforço, na consagração de um Estado realmente de Direito, é a omissão do legislador, e muitas vezes em tema que lhe toca bem de perto.

A par da edição de belos textos constitucionais, de leis complementares ou ordinárias, continua desprezando a necessidade de estabelecer normas para a propaganda plebiscitária, deixando ao desamparo um importantíssimo aspecto do processo. Assim, por exemplo, um grupo poderoso poderá desmembrar um Município e formar outro, ou um Território ou um Estado, e, até, mudar a forma e o sistema de governo, para satisfação, antes de tudo, de seus próprios interesses, em detrimento do bem-estar da maioria, iludida e tomada de surpresa, sem tempo para refletir ou, sequer, suspirar.

O Código Eleitoral, que é de 1965, não é aplicável se, por exemplo, for desrespeitado o prazo estipulado para o término da propaganda, em plebiscito. Está adstrito - o código - à política partidária, nada tendo a ver com plebiscito. Este se rege, ainda e por incrível possa parecer, pela Lei Complementar Federal n. 1/67, que confere à Justiça Eleitoral a tarefa de disciplinar o processo de consulta mediante "resolução", que não tem força de lei.

Assim, vê-se que o legislador ainda não cogitou de entregar ao Judiciário Eleitoral os meios necessários para o cumprimento das suas atribuições na esfera jurídico-penal, quanto à propaganda em sede plebiscitária.

De observar-se a gama de negócios e interesses que pode representar, para um reduzido-poderoso grupo, a só criação de um município, em lamentável e dolorido prejuízo para a maioria dos seus habitantes. Mesmo atendidos os parâmetros fixados como condição mínima, pode ser desvantajoso o desmembramento, mas a propaganda feita em tempo e lugar impróprios, sem poder de coibi-la ou tempo para respondê-la, levará a maioria do eleitorado, iludida, a chancelar interesse de uma minoria, que, impunemente, colherá as delícias propiciadas pela omissão injustificável do legislador.

Tal grupo, interessado no desfecho favorável da consulta, poderá levar ao ar um programa televisivo de largo alcance e/ou duração, poucas horas antes da votação, "conduzindo" o eleitorado sem que haja ordenamento legal em contrário, penalmente punível, ou sem tempo para resposta das posições antagônicas.

E outras e inúmeras formas de violação ético-político-eleitoral podem acontecer em tal propaganda, esse poderoso instrumento para conquistar o eleitorado, e sem qualquer punição penal - eleitoral. A falta de previsão legal pode significar perigosa prática, a transformar visceralmente os rumos da vida de um povo. Tarde demais poderá ele aperceber-se da acrimônia em que se transformou a vitória. E, mais uma vez, o engodo, a impune transgressão às normas elementares de igualdade, substituirão o sonho de uma vida melhor pela predominância dos interesses dos suseranos, embora a mascarada modernidade, aumentando o domínio feudal e, assim, a vassalagem.

Ainda que a resolução do TRE disponha sobre a propaganda no plebiscito, a sua transgressão não ensejará delito eleitoral, porque ausente previsão legal bastante. Crime comum, por desobediência a eventual e urgente medida pleiteada e deferida para fazer cessá-la - o que é muito discutível - enseja outro assunto. E muitas vezes não há mais tempo para resposta (ampla matéria foi publicada na imprensa, veiculada pela televisão ou transmitida pela rádio, horas antes ou no próprio dia do plebiscito).

Pela sua peculiaridade, e porque regulado por resolução dos TRE's, o plebiscito constitui matéria eleitoral stricto sensu, submisso às regras daquela resolução, somente. Ao TRE cabe disciplinar o modus faciendi da consulta, sem força coercitiva, entanto, nos contornos da propaganda - gratuita ou não -, e isto porque não pode invadir seara que lhe não pertence, de competência exclusiva da União, isto é, só esta pode legislar a respeito.

O Código eleitoral é aplicável como fonte subsidiária, mas, somente, no que couber, e nisto não se inclui o plebiscito, pois aquele, como outras leis eleitorais, trata sobre a propaganda "partidária" prevista para os "cargos eletivos". Não há dilargar a sua aplicação para a propaganda em plebiscito, ficando falho o seu processo, repise-se, como mais um convite ao arbítrio daqueles que não toleram participar dele em condições igualmente asseguradas a todos os seus partícipes. Sem fixação legal de limites, sem observância de igualdade na manifestação das tendências de opinião, injusto é o processo.

Para atingir razoável moralidade na política, afastando, inclusive na propaganda, os expedientes "nefastos", como magistralmente expõe Victor Nunes LEAL em sua obra Coronelismo, enxada e voto (ômega), reclama-se uma posição corajosa, firme e sem ambigüidades. Já estamos votando e apurando as eleições com o emprego da cibernética, e as práticas viciadas do passado, para conquistar o beneplácito das urnas, devem ser repelidas via ordenamentos legais claros, exeqüíveis, destituídos de qualquer caráter deletério.

Impõe-se, portanto, urgente e criteriosa previsão do legislador federal, para que a anomalia seja corrigida e a Justiça Eleitoral contemplada com um instrumento capaz de evitar abusos e injustiças, que, infelicitando um povo, só retardam a plenitude democrática desejada pela maioria.

Juiz Eleitoral e da Infância e da Juventude.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 1, n. 1 (jul./dez. 1994).

 

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