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Os pequenos direitos também são direitos: Ihering e o caso das homonímas

Por: Rômulo Pizzolatti

1 Introdução

Há uma certa cosmo visão, que domina boa parte dos nossos juristas, segundo a qual o que valem são as grandes questões teóricas, que permitem encher grande número de páginas. Pequenas questões, ou questiúnculas, não devem ser objeto de reflexão desses juristas, porque isso seria uma capitis deminutio. Por extensão, os pequenos direitos, as pequenas causas também não lhes devem ser afetas, porque não estão à altura do seu saber.

Tal modo de ver as coisas não é senão uma versão modernizada do de minimis non curat praetor, vale dizer, o juiz não deve ocupar-se de questões insignificantes, que não tenham relevância patrimonial. Para combater esse modo de ver as coisas, Rudolf Von Ihering escreveu, em 1872, um opúsculo chamado: "A Luta pelo Direito". Nele, procura demonstrar, entre outras coisas, que todo direito possui uma dimensão moral, e que, por isso mesmo, "a lesão de direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de justiça, que exige reparação" (A luta pelo direito. Trad. de Richard Paul Neto. 2. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1980. p. 109).

A experiência que tive, como juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, de participar de toda a fase de registro das candidaturas a deputado estadual, federal, senador e governador, pertinente às eleições de 1998, sendo relator de boa parcela dos feitos, levou-me à reflexão acima, e também à nova e sempre saudável releitura do opúsculo de Ihering.

Mas qual a conexão que há entre as idéias de Ihering e o Caso das Homonímias? A resposta está em que muitos têm visto a questão das homonímias (que será explicada com minudências a seguir) como mero detalhe, sem maior relevância, da fase de registro de candidaturas, chegando-se ao ponto de aventar que, nos registros de candidatura da competência dos tribunais eleitorais, as "ocorrências de homonímia" (rectius, conflitos por direito de uso de variação nominal deveriam ser resolvidas monocraticamente pelo relator, sem passar pelo crivo do colegiado. Não se trata de posição isolada, pois não faz muito que o legislador não cuidava do problema das homonímias, assim como dele não tratavam os escritores de Direito Eleitoral.

Contudo, a importância dos direitos deve ser aferida não pela ótica das autoridades, mas sim pela exclusiva ótica de seus titulares. Na medida em que o titular do direito ofendido por ele luta, indo às últimas conseqüências para que seja restaurada a justiça, nenhum legislador ou juiz pode negar que o seu direito não tenha valor, ou que seja pequeno, mesmo que se trate da cobrança de R$ 1,00, ou da pretensão de um candidato chamado José de usar, na propaganda eleitoral, a variação nominal "Zé"...

Por fim, o tema do direito de uso de variação nominal revela-se tanto mais digno de atenção quanto é certo que o seu tratamento legislativo atual, pela Lei n. 9.504, de 1997 (art. 12, § 1º), tem foros de permanência, visto como a referida lei, diversamente das anteriores, que regulavam especificamente as eleições subseqüentes, veio regular, de modo genérico, as eleições de todos os níveis, demonstrando que veio para ficar (embora se saiba de antemão, pela experiência do que ordinariamente acontece no Brasil, que não terá sobrevida longa).

2 Em que consiste a questão das homonímias

Os candidatos podem oferecer, segundo a legislação em vigor, até três variações nominais ou opções de nome pelas quais são conhecidos, além do seu nome completo (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, caput). Essas opções deverão ser objeto da deliberação da Justiça Eleitoral sobre o pedido de registro de candidatura -, serão publicadas com a decisão respectiva (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 4º), e comporão duas listas de candidatos para uso na votação e apuração, sendo a primeira organizada por partidos, com os candidatos em ordem numérica, e a segunda com índice onomástico e organizada em ordem alfabética (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 5º).

Se mais de um candidato possui idêntico nome completo, segundo o Registro Civil (v.g., José Pereira dos Santos), todos têm direito a tê-lo registrado para efeito de candidatura (TSE, Acórdão n. 12.065, Rel. Min. Marco Aurélio, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 6, n. 4, p. 186), mesmo que isto cause confusão ao eleitor e dificuldades na apuração do voto. Se nas cédulas consta o nome José Pereira dos Santos, e há vários candidatos com este nome concorrendo ao mesmo cargo, por partidos diversos, em eleição pelo sistema proporcional, sem que o eleitor tenha feito indicação distintiva (partido ou número), não há senão como invalidar os votos (Código eleitoral, art. 175, § 3º, I). Tem- se, aí, caso de homonímia admitida pela lei. Contudo, essa situação será de raríssima ocorrência, porque os próprios candidatos buscam evitá-la, indicando variações nominais pelas quais são também ou até mais conhecidos, para distinguir-se dos demais candidatos e assim não perder nenhum voto. O que surge, então, e com muita freqüência, é a coincidência de opções de nome ou variações nominais, que é a situação a que a lei reserva especificamente o termo "homonímia", conferindo novo significado à palavra, pois homonímia, segundo os léxicos, é a concorrência do mesmo nome, ao passo que para a lei é a concorrência da mesma opção de nome ou variação nominal.

O problema das homonímias tem sua causa remota no próprio Código eleitoral (Lei n. 4.737, de 1965), que permitiu, em seu art. 95, que o candidato pudesse ser registrado sem o prenome, ou com o nome abreviado, desde que a supressão não estabelecesse dúvida quanto à sua identidade. Assim, havendo várias opções de nome, passou a ser maior a possibilidade de ocorrerem coincidências, do que se o candidato pudesse ser registrado apenas com o seu nome completo. A legislação superveniente, a partir da Lei n. 7.493, de 1986, que regulou as eleições do mesmo ano, veio propiciar o incremento das situações de homonímia, ao permitir também o registro do apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, o que semanticamente coincide com o conceito mais amplo, da legislação atual (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 1º), de variação nominal ou opção de nome, que abrange os apelidos pelos quais o candidato é conhecido nos círculos sociais de que participa, mesmo que sem correspondência vocabular com o seu nome tal qual consta no registro civil.

A cada eleição, o tema das homonímias ressurge, com novos contornos. O jornal Folha de S. Paulo, em seu "Caderno Especial - Eleições" do dia 1º.O9.98, página 6, dedicou metade da página à matéria, sob o título "Homônimo leva voto de 'carona' com os famosos" e o subtítulo "Xarás: candidatos pouco conhecidos se lançam usando nomes como os de Serra e Montoro sob aprovação da Lei Eleitoral."

Mas não é apenas pela maior freqüência que o problema das homonímias tem revelado a sua importância. Mais do que isso, a questão toma vulto na medida em que muitos candidatos constróem toda a sua "carreira política" com determinada variação nominal. É o caso de "Lula" (originalmente Luiz Inácio da Silva). Quando concorreu a deputado federal, foi o mais votado da história, com meio milhão de votos. Imagine-se, então, que na mesma eleição outro candidato tivesse conseguido o registro dessa variação nominal, com a exclusão dos demais disputantes a ela, inclusive o próprio Lula. Muitos eleitores então votariam no Lula - Luiz Inácio da Silva, mas o voto seria atribuído ao outro candidato, que obteve na Justiça a variação nominal. Devido à sua expressiva votação, Luiz Inácio da Silva seria eleito, como foi, mas também o seria o outro "Lula", a reboque do verdadeiro.

A despeito da importância do problema, tanto nossos legisladores, quanto os juristas lhe fizeram vista grossa por bom tempo. Prova disso é que até a Lei n. 8.713, de 1993, que regulou as eleições de 1994, e trouxe critérios mais precisos para resolver os casos de disputa pela mesma variação nominal (art. 12), a legislação eleitoral era praticamente omissa a respeito: de minimis non curat legislador, certamente. O que há, a partir da Lei n. 7.493, de 1986, que regulou as eleições do mesmo ano, é singela regra de preferência, para efeito de registro e de apuração do voto, dos nomes, prenomes, cognomes ou apelidos de candidatos anteriormente registrados em eleições imediatamente anteriores, para os mesmos cargos (art. 21, parágrafo único), o que foi repetido pela Lei n. 7.664, de 1988, que regulou as eleições daquele ano (art. 22, parágrafo único), e, em parte, pela Lei n. 8.214, de 1991, que regulou as eleições de 1992 (art. 21, § 2º), elidida, nesta última, a expressão para os mesmos cargos. Também não se detecta a existência de artigos doutrinários sobre o assunto. Mas tanto era infundada essa omissão, que as leis eleitorais posteriores à Lei n. 8.713, de 1993, que deu os contornos atuais ao regramento da matéria, ou seja, as Leis n. 9.100, de 1995 (art. 13) e n. 9.504, de 1997 (art. 12), mantiveram, com pequenas alterações, a mesma normatização circunstanciada do tema, e chegou a ser editada, a seu respeito, súmula pelo Tribunal Superior Eleitoral (Súmula n. 4).

Pode-se até pensar que com a iminente universalização (no Brasil, bem entendido) do sistema eletrônico de votação (nas eleições de 2002, certamente), ficarão abolidos os conflitos pelo direito de uso de variação nominal, pois os candidatos serão conhecidos por números, e os votos materializados com a digitação desses números. Ledo engano. Até chegarmos à época do "Admirável Mundo Novo", de Huxley, a propaganda eleitoral girará em torno de nomes e variações nominais, pois raríssimas pessoas se fixam em números (basta lembrar que são pouquíssimos os que se lembram, de cabeça, do número de sua identidade, CPF, placa do carro, cartão de crédito, senha de acesso à Internet, etc.). Apenas no momento da votação, para viabilizar o voto eletrônico, é que o eleitor, valendo-se de "cola" ou de listas existentes na cabina de votação, fará a conversão do nome (ou variação nominal) de seu candidato para o número respectivo. Aliás, a própria legislação deixa claro que a obtenção de determinada variação nominal por um candidato, depois de resolvidas as questões de homonímia, impede os demais candidatos de a usarem na propaganda eleitoral (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, II, parte final, e III, parte final), o que denota que a variação nominal é, antes de tudo, técnica mnemônica pela qual, durante o período de propaganda eleitoral, a figura do candidato é mais facilmente memorizada pelo eleitor.

3 Tratamento legislativo e jurisprudencial da questão das homonímias

Desde a Lei n. 8.713, de 1993 (art. 12), a legislação eleitoral vem dando tratamento bastante semelhante à questão das homonímias (Lei n. 9.100, de 1995, art. 13; Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 1º), quase que repetindo o teor das normas respectivas. Tratamento confuso e falho, diga-se desde logo, o que se deve certamente ao fato de que o caminho do legislador não foi convenientemente sinalizado pelos tribunais e doutrinadores, como sói acontecer, mas já significando um avanço com relação à legislação anterior, bastando que se confrontem os dispositivos citados com o § 2º do art. 21 da Lei n. 8.214, de 1991, pertinente às eleições municipais de 1992 ("para efeito de registro, bem como para apuração e contagem de votos, no caso de dúvida quanto à identificação da vontade do eleitor, serão válidos e consignados os nomes, prenomes, cognomes ou apelidos de candidatos registrados em eleições imediatamente anteriores").

A legislação vigente aponta critérios sucessivos de resolução da homonímia (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 1º), mas, como eles não resolvem todos os casos, e o juiz ou tribunal, diante da lacuna legislativa, não pode recusar-se a decidir (CPC, art. 126), construções jurisprudenciais deverão ser arquitetadas, com base em princípios induzidos das normas jurídicas, para resolver as controvérsias.

4 Critérios sucessivos de resolução das homonímias

4.1 Primeira etapa

Numa primeira etapa, devem-se distinguir o candidato à eleição majoritária do candidato à eleição proporcional que dispute a mesma variação nominal. Aquele terá preferência sobre este, exceto se o último se enquadrar numa das três seguintes hipóteses: a) estiver exercendo mandato eletivo; b) tiver exercido mandato eletivo nos últimos quatro anos; ou c) nesse mesmo prazo tiver concorrido em eleição com a variação nominal disputada (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 3º). Visa a norma a evitar que candidatos das eleições proporcionais busquem, como no passado, pegar carona na fama de candidatos a eleições majoritárias. Quanto à exata interpretação das três hipóteses de equiparação, vejam-se, adiante, os §§ 2º e 3º do subitem 4.2 do presente estudo. Se houver empate entre os candidatos, devem-se buscar sucessivamente outros critérios de solução da homonímia, apontados nos subitens 4.3 e seguintes deste estudo.

4.2 Segunda etapa

Numa segunda etapa, a Justiça Eleitoral verificará se há critério legal de preferência, em favor de algum dos candidatos disputantes. Terá preferência aquele que se enquadre numa das três seguintes hipóteses: a) esteja no exercício de mandato eletivo, b) tenha exercido, ainda que transitoriamente, mandato eletivo nos últimos quatro anos, ou c) tenha concorrido com a variação nominal disputada nos últimos quatro anos (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 12, II). Essas situações estão no mesmo nível, não havendo o menor suporte lingüístico para o entendimento de que, por exemplo, a primeira prefere às demais, como entendeu o TRESC, por maioria, nos acórdãos n. 15.316, de 12.08.98, e 15.385 e 15.387, de 13.08.98. Se fosse dado ao intérprete fazer opção valorativa por qualquer dessas hipóteses, certamente teria preferência a última, porque já estabelecida tradicionalmente como critério preferencial pela legislação anterior (Lei n. 7.493, de 1986, art. 21, parágrafo único; Lei n. 7.664, de 1988, art. 22, parágrafo único; Lei n. 8.214, de 1991, art. 21, § 2º). Destarte, se um disputante à variação nominal se enquadra na hipótese "a" e o outro na "c", estão eles rigorosamente empatados quanto a este critério de preferência, devendo ser buscada alternativa outra para a solução da controvérsia.

Abra-se, aqui, um parêntese para a interpretação da última hipótese do art. 12, § 1º, II, da Lei n. 9.504, de 1997 ("...ou que nesse mesmo prazo se tenha candidatado com um dos nomes que indicou..."). O sentido da lei, quando estabelece a preferência, exige não apenas que o candidato, nos últimos quatro anos, tenha obtido o registro da variação nominal, mas que a tenha usado efetivamente. Não é finalidade da lei permitir que o candidato, sem ser conhecido pela variação nominal, possa registrá-la apenas para angariar alguns votos descaminhados, ou mesmo "roubá-los" de adversário por ela tradicionalmente identificado. O privilégio legal tem como pressuposto implícito a "posse" da variação nominal. Assim decidiu o TSE quanto a norma semelhante, o parágrafo único do art. 27 da Resolução TSE n. 16.347, de 1990 (Acórdão n. 11.348, Rel. Min. Vilas Boas, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 2, n. 3, p. 117; Acórdão n. 11.603, Rel. Min. Otávio Gallotti, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 3, n. 1, p. 197).

Também as duas primeiras hipóteses do art. 12, § 1º, II, da Lei n. 9.504, de 1997 ("...esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatros anos...") comportam interpretação teleológica. Tem-se, aqui, o caso do nome adotado funcionalmente, ou "nome parlamentar" (no caso dos parlamentares). Se o pretendente à variação nominal "João Pedroso" se chama João Alves de Almeida Pedroso, mas, como exercente de mandato eletivo, adotou funcional mente a forma simplificada "João Alves" (na correspondência oficial, nos atos oficiais que subscreveu etc.), não terá preferência àquela variação nominal. O privilégio legal de preferência ao que exerce ou exerceu mandato eletivo só se justifica, perante a Constituição, com o fundamento racional de que o candidato por ele beneficiado já vem usando ou usou nos quatro últimos anos, no exercício da função pública, a variação nominal. Se não a usou, não se distingue ele, v.g., do cidadão "João Márcio da Silva Pedroso", que também a pretende, de sorte que a aplicação do privilégio legal constituiria a chamada "inconstitucionalidade in concreto", por ofensa, não em tese, mas apenas no caso concreto, ao princípio constitucional da isonomia (sobre a distinção entre inconstitucionalidade in concreto e in abstracto, veja-se artigo de Arnoldo Wald, publicado na Revista de Informação Legislativa, 49/151 ).

4.3 Terceira etapa

Se nenhum dos candidatos for favorecido por critério legal de preferência, dentre aqueles indicados no subitem anterior, ou todos o forem, caso em que estarão igualados, examinar-se-á, para efeito de desempate, numa terceira etapa (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 1º, incisos I e III), se a variação nominal é retirada ao nome completo do candidato (v. g., a variação "José", de um certo José da Silva), ou é apelido diverso do nome ou hipocorístico (v.g., a variação "Maneca", de um certo Manoel de Souza). Podem dar-se, então, três cenários distintos. Num primeiro cenário, a variação nominal não é retirada ao nome dos candidatos, caso em que terão eles de provar, documental ou documentadamente (o rito legal não admite dilação probatória), que são por ela conhecidos nos círculos sociais de que fazem parte. Se apenas um prova, tem a preferência (TSE, Acórdão n. 11.392, Rel. Min. Roberto Rosas, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 2, n. 3, p. 228); se os dois provam, ou nenhum deles prova, estão empatados, e outro critério de solução deverá ser buscado. Num segundo cenário, a variação nominal é retirada ao nome dos candidatos (v.g., o "José", de José da Silva e de José Cardoso), caso em que nenhum deles necessita provar que é por ela conhecido, pois não seria razoável exigir que alguém prove que é conhecido pelo seu próprio nome. Estarão empatados (TSE, Acórdão n. 12.763, Rel. Min. Torquato Jardim, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 5, n. 1, p. 259). Com razão Pedro Roberto DECOMAIN, quando diz: "se a homonímia ocorrer em relação ao prenome, cognome ou sobrenome, presume-se que todos os candidatos sejam conhecidos pela variação apresentada dois ou mais candidatos podem requerer registro, por exemplo, da opção de nome 'João', correspondente a seus prenomes. Presume-se, por evidente, que são todos conhecidos por tal prenome" (Eleições comentários à lei n. 9.504/97. Florianópolis ; Obra Jurídica, 1998. p. 100). Num terceiro e último cenário, a variação nominal é parte do nome de um candidato, e apenas apelido convencional de outro, caso em que o primeiro tem prioridade no uso da variação, desde que não haja critério legal de preferência (TSE, Acórdão n. 11.600, Rel. Min. Pedro Acioli, JURISP. DO TRIB. SUP. ELET., v. 3, n. 1, p. 193). Justamente por isso é que o ex-deputado e Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores, que se chamava Luiz Inácio da Silva, fez inserir no seu nome, possivelmente com base no § 1º do art. 57 da lei n. 6.015, de 1973, a variação nominal "lula", passando a chamar-se "Luiz Inácio lula da Silva." Com isso, ficou dispensado de provar que é conhecido como "lula", e tem preferência ao uso dessa variação, em confronto com outros "lulas", que não a tenham incorporado ao nome.

4.4 Quarta etapa

A próxima tentativa de solução da disputa, segundo a legislação, é a busca de autocomposição. Para tanto, a Justiça Eleitoral deve notificar os candidatos, assinando-lhes o prazo de dois dias (lei n. 9.504, de 1997, art. 12, § 1º, IV), para que cheguem a acordo quanto à homonímia. A viabilidade de acordo, nesta fase, é remotíssima, pois os candidatos, diante da inexistência de critério legal de preferência, julgam estar com a razão e, portanto, com o direito de exclusividade de uso da variação nominal. De mais a mais, não há meio-termo possível que viabilize a transação; ou um candidato renuncia à sua pretensão, ou o outro a reconhece, ou ambos desistem da variação nominal. Como quer que seja, o TSE tem entendido que esta fase é obrigatória, antes de se utilizar o critério da ordem de preferência constante do pedido de registro de cada candidato, sob pena de nulidade da decisão (TSE, Acórdão n. 12.139, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 6, n. 4, p. 281).

4.5 Quinta etapa

A etapa subsequente, não chegando os candidatos a acordo, é verificar a ordem de preferência da variação nominal, constante do pedido de registro de candidatura. Se um dos candidatos põe a variação "X" como sua primeira opção, e o outro a põe como sua segunda ou terceira opção, aquele terá preferência a este último. É a única interpretação razoável do inciso V do § 1º do art. 12 da Lei n. 9.504, de 1997, aliás agasalhada pelo TSE (Acórdão n. 12.139, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 6, n. 4, p. 281 ). As outras duas interpretações possíveis, por irrazoáveis, merecem descarte. A de Joel José Cândido faz tabula rasa do dispositivo, e especialmente da cláusula preferencial nele inserida, ao entender que a variação nominal deve ser negada, nesta fase, a todos os pretendentes (Direito eleitoral brasileiro. 7. ed. Bauru: Edipro, 1998. p. 396). Já a interpretação de Pedro Roberto Decomain não resolve a homonímia, pois entende ele que as variações nominais coincidentes devem ser deferidas a todos os pretendentes, em falhando as alternativas aventadas nas etapas anteriores (Eleições: comentários à lei n. 9.504/97. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998. p.101-1). A experiência tem demonstrado, todavia, que grande número de casos resultam empatados ainda nesta fase, razão por que outro critério deverá ser buscado.

4.6 Sexta etapa

Com este último critério o arsenal de soluções legais está esgotado. Mas nem por isso fica o juiz ou o tribunal autorizado a lançar mão, a seu alvedrio, de critérios outros de desempate, como o da idade dos candidatos (TSE, Acórdão n. 13.191, Rel. Min. Nilson Naves, JURISP . DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 8, n. 3, p. 95), ou sexo, profissão, credo, cor, origem social, porque todos sem fundamento racional, implicando discriminação vedada pela Constituição (CF, art. 12, caput).

Deve então ser adotada a fórmula preconizada pelo Tribunal Superior Eleitoral em sua Súmula n. 4: "Não havendo preferência entre candidatos que pretendam o registro da mesma variação nominal, defere-se o do que primeiro o tenha requerido". Esta solução se afina com a Constituição porque fundada na razão e no princípio jurídico "prior tempore, potior iure", mas não tem prioridade sobre os critérios legais de preferência (TSE, Acórdão n. 12.763, Rel. Min. Torquato Jardim, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 5, n. 1, p. 259), tanto que seu enunciado principia com a ressalva "não havendo preferência entre os candidatos..." Sem razão, portanto, Joel José Cândido, para quem esse critério jurisprudencial prepondera sobre os critérios legais de preferência (Direito eleitoral brasileiro. 7. ed. Bauru : Edipro, 1998. p. 395-6). Dele só lançará mão o juiz ou tribunal para suprir lacuna legislativa (CPC, art. 126, 1ª parte ). Esse critério, contudo, é de escassa valia prática, porque os partidos políticos deixam para ajuizar os pedidos de registro de candidatura no último dia do prazo, estabelecendo-se situação de empate. Mas haverá preferência cronológica relativamente aos pedidos de registro para vagas remanescentes (Lei n. 9.504, de 1997, art. 10, § 5º).

4.7 Última etapa

Por fim, falhando todos esses critérios de solução da homonímia, a solução é negar aos disputantes a variação nominal, com o que se evita confusão do eleitor, assim como perplexidade da Junta Eleitoral na apuração do voto {se esta for feita pelo sistema tradicional), o que acarretaria a anulação de todos os votos dados à homonímia, com prejuízo dos próprios candidatos (Código eleitoral, arts. 175, § 3º, I, e 176, IV). Assim já decidiu o TSE em inúmeros julgados (Acórdão n. 8.528, Rel. Min. Carlos M. Velloso, Boletim Eleitoral n. 434, set./87, p. 501; Acórdão n. 11.228, Rel. Min. Vilas Boas, JURISP. DO TRIB. SUP . ELEIT., v. 2, n. 2, p. 123; Acórdão n. 12.763, Rel. Min. Torquato Jardim, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 5, n. 1, p. 259). Seguindo essa orientação, fiquei vencido nos Acórdãos n. 15.316, de 12.08.98, e 15.385 e 15.387, de 13.08.98, do TRESC.

Não é possível concordar, de modo algum, com a tese de Pedro Roberto Decomain (op. cit., p. 100-1), segundo a qual, falhando os critérios dos incisos I a IV do § 2º do art. 12 da Lei n. 9.504, de 1997 , e diante da redação confusa do inciso V do mesmo dispositivo, deve ser deferido pela Justiça Eleitoral o registro de homonímias, caso em que surgiriam candidaturas com opções de nome idênticas. Pareceme que é o caso de aplicar aqui, com relação à primeira parte do aludido inciso V ("não havendo acordo no caso do inciso anterior, a Justiça Eleitoral registrará cada candidato com o nome e sobrenome constantes do pedido de registro...") a chamada "interpretação ab-rogante", mediante a qual o intérprete reconhece que o texto legal não contém nenhuma regra jurídica (ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva Luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 341). De fato, o sentido do texto em exame não pode ser o de que o candidato só será registrado com o nome e sobrenome do registro civil, porque isto, além de ser seu direito subjetivo inafastável (TSE, Acórdão n. 12.065, Rel. Min. Marco Aurélio, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 6, n. 4, p. 186), não diz respeito à questão das homonímias, a qual, segundo se demonstrou acima (item 2, segundo parágrafo, parte final), se restringe às variações nominais, e não ao nome. O texto aludido, portanto, não alberga sentido, devendo ser afastado pelo intérprete, mediante interpretação ab-rogante.

5 Homonímia e atuação de ofício da Justiça Eleitoral

A ocorrência de homonímia é um incidente que deve ser conhecido de ofício pela Justiça Eleitoral, e por ela resolvido com o julgamento dos pedidos de registro de candidatura (Lei n. 9.504, de 1997, art. 12, §4º).

Convém que os pedidos de registro de candidatura só comecem a ser julgados após a data limite para seu ajuizamento (5 de julho, segundo a Lei n. 9.504, de 1997), evitando-se o estabelecimento de preferência pelo deferimento antecipado do registro, quando, como visto no subitem 4.6 supra, o critério cronológico só deve ser utilizado em último caso, em falhando as preferências legais. A jurisprudência registra, todavia, essas situações anômalas, que devem ser conjuradas mediante a cautela que vem de ser prescrita.

De qualquer modo, os candidatos devem ter redobrada diligência, porque a Justiça Eleitoral, escrava dos prazos, às vezes, por força da pressa, que é inimiga da perfeição, acaba se transformando em verdadeiro "rolo compressor", e involuntariamente sacrifica direitos subjetivos. Assim é que, em determinado caso, objeto do recurso para o TSE, o Tribunal Regional Eleitoral deferiu, indevidamente, a mesma variação nominal a dois candidatos. O que obteve por primeiro o registro da candidatura recorreu da concessão da mesma variação nominal a outrem, alegando ofensa à coisa julgada. O TSE, contudo, e a despeito do parecer favorável da Procuradoria-Geral Eleitoral, entendeu que ao recorrente falecia legitimidade recursal, pois não impugnara o pedido de registro da candidatura do recorrido (TSE, Acórdão n. 12.322, Rel. Min. Diniz de Andrada, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 7, n. 1, p. 319). Por isso, o candidato que faz questão de ver deferidas suas variações nominais deve estar atento aos pedidos de registro das mesmas variações por outros candidatos, ajuizando ação de impugnação no prazo legal (LC n. 64, de 1990, art. 32), ou formulando impugnação incidental, nos próprios autos do pedido de registro de candidatura, no mesmo prazo da ação de impugnação.

6 Conclusão

Como se viu, o problema das homonímias não é irrelevante. Aliás, não há questão, submetida a julgamento, que seja irrelevante, porque, se o jurisdicionado a foi levar a juízo, é para ele importante, ao passo que se é a lei que determina que dela conheça ex officio o juiz, há aí interesse público, de modo que o Poder Judiciário não pode, nem em um nem em outro caso, eximir-se de a julgar, e deverá fazê-lo não de qualquer modo, ou segundo critérios pessoais ou de eqüidade do Órgão judicante, que acabam resvalando em despotismo judicial, mas buscando solução justa, mediante a aplicação sistemática das regras jurídicas, e, na sua falta, recorrendo à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (CPC, art. 126).

A despeito da evidência do que acaba de ser afirmado, os autores, mediante o pretexto (implícito) de que, não podendo falar de tudo, têm de privilegiar os pontos "relevantes" do Direito Eleitoral, acabam, ao tratar do registro das candidaturas, por deixar de fora de suas cogitações a questão das homonímias. Apenas os comentaristas da legislação se obrigam a tratar da matéria, porque, topando com o dispositivo legal que dela cuida, não podem simplesmente "saltar" sobre ele. Fazem-no, contudo, a contragosto. O resultado desse quadro é que ficam teoricamente desamparados os advogados, que têm de defender perante a Justiça Eleitoral o direito de uso de variação nominal, e acaba empobrecida a discussão da causa em juízo, por falta de argumentos.

Diante disso, o que se buscou, com o presente estudo, não foi, nem poderia ser, trazer soluções prontas para os múltiplos casos de homonímia, mas dar aprofundamento à matéria, mediante reflexão teórica e sistematização da jurisprudência existente, e, com isso, chamar a atenção para a existência e importância do direito subjetivo de uso de variação nominal.

Se é certo que se trata de um direito novo, não menos certo é que só vingará se tiver seus contornos fixados pela doutrina e pela jurisprudência e for afirmado na prática, pois, como dizia IHERING,

"A essência do direito consiste na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a este nome" (op. cit., p. 65).  

Juiz federal. Ex-Juiz Efetivo do TRESC. Ex-Juiz de Direito em SC. Mestre em Direito e Doutorando em Direito (UFSC). Professor do Curso de Mestrado em Direito da UNIVALI.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 5, n. 2 (jul./dez. 1998).

 

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