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Íntegra

O domicílio eleitoral

Por: Anselmo Cerello

1 Introdução

O excesso de liberalismo decorrente da hermenêutica do art. 42, parágrafo único, e do art. 55, III, do Código Eleitoral e, ainda, em face da incidência do disposto no art. 8º da Lei n. 6.996/1982, encampado pela Resolução TSE n. 20.132, de 19.3.1998, em seu art. 15, III, que admitem a transferência de domicílio eleitoral, com base em declaração do alistando, "sob as penas da lei [...]" de que reside há mais de três meses no município para o qual pretende transferir seu domicílio eleitoral, tem dado margem a uma série de abusos praticados por políticos inescrupulosos, na ânsia de elevar seu contingente eleitoral, por intermédio de eleitores que não habitam no município, e, portanto, dele estranhos, desvinculados e descompromissados, mas arrebanhados de outras comunidades, graças à extrema facilidade com que se opera a transferência de títulos eleitorais.

Para coibir essas práticas atentatórias tanto ao espírito da lei como também à soberania da vontade do eleitorado local e à moralidade é imperioso que se busquem critérios para o entendimento definitivo do que significa domicílio eleitoral.

É o que me proponho, despretensiosamente, a fazer, objetivando se não dar uma contribuição para tão relevante propósito, pelo menos, chamar a atenção para o trágico quadro que se descortina, mormente nas pequenas comunidades, nas quais seus habitantes e legítimos eleitores vêem sua vontade política sufocada e neutralizada nas urnas pelo sufrágio de eleitores totalmente desvinculados dos autênticos anseios, aspirações e vicissitudes do município.

Esse quadro é bem visualizado uma vez que a média nacional registra a proporção de 64 a 67% de eleitores com relação aos habitantes do município segundo dados do IBGE. Contudo temos comunidades que suplantam em muito aquela proporção, chegando o número de eleitores à quantidade a se equiparar ou superar a dos seus habitantes. O que é um indicador irrefutável da existência de graves falhas na sistemática do alistamento e transferência de eleitores.

2 Conceito e elementos do domicílio

O art. 31 do Código Civil Brasileiro define o domicílio como sendo "o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo".

O conceito legal básico de domicílio pressupõe dois elementos: primeiro, o objetivo ou material, que se constitui na morada, na habitação; o segundo, o subjetivo ou psicológico, que é o ânimo definitivo.

Para Serpa Lopes, domicílio é "o lugar em que o homem estabelece o seu lar doméstico e concentra o conjunto dos seus interesses".

Desse conceito não se afastou o nosso Direito Positivo, seguindo assim a tradição romana1 2 3.

No entanto, o art. 32 do Código Civil, ao cuidar do domicílio plural infiltra pelo critério do centro de seus interesses, ao dispor "Se porém a pessoa natural tiver diversas residências onde alternativamente viva ou vários centros de ocupações habituais, considerar-se-á domicílio qualquer um destes ou daqueles".

Impõe-se, portanto, como fazem alguns autores, que se distinga domicílio, residência e habitação.

O domicílio, como foi visto, se compõe de dois elementos: o objetivo e o subjetivo. No entanto, a residência se cinge na moradia, como sendo o local em que a pessoa vive e centraliza as suas atividades, num contexto de habitualidade. Já a habitação figura como desvinculada da idéia de habitualidade ou de centro de atividades de uma pessoa2.

Concluindo, o conceito de domicílio envolve a habitação, que é a moradia, a casa, o lar no qual vive uma pessoa, com sua família, e a residência que consiste na habitualidade da moradia, a ponto de se converter no centro de desenvolvimento de suas atividades. Por derradeiro há o elemento psicológico que é a intenção de tornar aquela habitação - centro de atividades - em definitiva1.

Nesse contexto, assume destacada importância o local em que o indivíduo centraliza suas atividades sociais, profissionais, econômicas, culturais, e políticas etc, por ser justamente onde ele desenvolve a cidadania, em face do lugar em que o indivíduo fixa sua moradia, sua habitação. Isso porque, em última análise, o domicílio é o vínculo que prende o indivíduo ao estatuto de um determinado local e que não pode ser melhor do que a sede do exercício da cidadania.

Esses espaços podem ou não coincidir, ou seja, a pessoa poderá habitar em determinado município, ou distrito ou Estado e centralizar as suas atividades em outro, sendo este o local de exercício da cidadania. Daí porque a conclusão que se tira, diante do texto legal, é que tanto um como o outro podem ser domicílio, sobretudo o centro do exercício de suas atividades, no qual se situam seus bens e interesses.

3 Espécies de domicílio

Perante o nosso Direito Positivo há três espécies de domicílio de pessoa física: o domicílio natural, o domicílio legal e o domicílio contratual.

O domicílio natural decorre do conceito de domicílio comum, já referido - que em consonância com os arts. 31 e 32 do Código Civil Brasileiro, pode ser único ou plural.

O domicílio legal é o determinado por imposição especial de lei. Tal como sucede com o domicílio fiscal ou tributário previsto no art. 127 do CTN - Lei n. 5.172, de 25.10.1966. Da mesma forma, o art. 33 do Código Civil dispõe a respeito do domicílio do itinerante; o art. 36, o da mulher casada; o art. 37, o do funcionário público; o art. 38, o do militar; o art. 39, o dos tripulantes da Marinha Mercante, e, por derradeiro, o art. 41 do Código Civil estabelece o domicílio do diplomata.

Essas espécies de domicílio são determinadas por especial disposição de lei, conforme dispõe o art. 42, parágrafo único do Código Eleitoral - Lei n. 4.737, de 15.7.1965.

Portanto, o domicílio eleitoral faz parte da espécie domicílio legal.

Finalmente o domicílio contratual é aquele designado pelas partes (art. 42 do Código Civil) quando do entabulamento de um contrato para o fim de fixar a sede jurídica onde as obrigações devam ser cumpridas e, no caso de inadimplência, reclamadas.

4 Conceito e classificação de domicílio eleitoral

O conceito de domicílio eleitoral advém da concepção civil de domicílio e, como foi dito anteriormente, classifica-se como "domicílio legal" por estar determinado no art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral - Lei n. 4.737, de 15.7.1965, que, ao tratar em sua terceira parte do alistamento eleitoral, assim dispõe: "Para efeito da inscrição é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente e verificando ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas".

O mandamento legal consagra uma alternativa, referente à "residência ou moradia", ou seja, o centro das atividades do alistando - o lugar do exercício da cidadania - e o local de sua habitação.

Esses dois espaços podem coincidir, situando-se no mesmo distrito, município ou estado, assim como podem não coincidir. Nessa hipótese, segundo a Lei Eleitoral, poderá haver opção, pelo eleitor, entre o local de moradia ou habitação e o centro de suas atividades.

Segundo Pontes de Miranda, o domicílio é "um acontecimento fático", geralmente voluntário, segundo o qual uma pessoa o elege como o local "de sua vida de relação, como o centro de sua atividade no mundo jurídico".

Para o mesmo renomado mestre, tanto a concepção de domicílio como a de residência estão centradas unicamente numa base fática. Daí concluir que "domicílio é um fato jurídico", eleito como sendo um espaço reservado para as relações sociais do indivíduo"4.

Essa concepção ganha realce num contexto político, uma vez que, sob tal ótica, a determinação do domicílio político ou eleitoral mais se afina com o local do desenvolvimento das relações sociais do indivíduo - sítio em que ocorre o exercício da cidadania - do que com o lugar de habitação ou morada, por se tratar de mero "acontecimento fático" que, embora ganhando expressão jurídica, se revele incipiente no aspecto político, em que ganha mais vulto o espaço do exercício da cidadania. Portanto, é de se convir, mesmo sendo inconsistente, que a utilização do critério do local da moradia como determinador do "domicílio eleitoral é extremamente frágil. De fato, segundo o magistério de Zeno Veloso, o domicílio representa "uma projeção da personalidade humana, um fator de identificação, de individualização das pessoas"5. Uma vez que sua finalidade, no âmbito do Direito, é fixar a competência para efeitos jurídicos, conseqüentemente, a conceituação do que seja domicílio para efeitos eleitorais não pode estar dissociada da zona onde o eleitor, o político exerce sua influência, ou melhor, sua cidadania.

Não se pode cingir a interpretação de domicílio eleitoral ao âmbito puro e simples de moradia ou habitação, como a respeito se posiciona Pinto Ferreira ao definir o domicílio político como sendo o local "em que uma pessoa exerce seus direitos políticos e notadamente, seus direitos eleitorais".

Apesar de não tratar especificamente de domicílio eleitoral, Orlando Gomes identifica-o com o domicílio civil, sendo o lugar no qual a pessoa "estabelece a sede principal de seus negócios, o ponto central das ocupações habituais"6.

Logo, vemos que, até mesmo para a conceituação do domicílio civil, a mera redução deste à concepção de "habitação ou moradia" é insuficiente.

Ora, é inegável que o domicílio eleitoral "não é instituto autônomo, mas sim identifica-se, perfeitamente, como espécie do gênero domicílio", mais precisamente como domicílio legal, sendo, portanto, submetido aos princípios gerais que regem o "domicílio civil", não obstante possuir contorno próprio, advindo do sistema político-eleitoral que rege a conjuntura político-partidária em todo o nosso País.

Assim sendo, é insustentável admitir-se a concepção de pluralidade de domicílios eleitorais, uma vez que a nossa sistemática legal e eleitoral, segundo o atual estágio de civilização em que nos encontramos, repele, com todas as letras, a existência de eleitores ou candidatos em mais de uma circunscrição eleitoral, o que seria, dentro de tal contexto, um absurdo.

Logo, forçoso concluir-se que o conceito de domicílio eleitoral não pode estar reduzido ao critério de "moradia" ou "habitação", pois reclama que se acresça ao centro das relações sociais do indivíduo - local do exercício da cidadania. Tais espaços podem coincidir ou não. Neste caso é plenamente válida a opção pelo local do exercício da cidadania como "domicílio eleitoral", sem que com isso se agrida o critério adotado pelo art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral, uma vez que se busca encontrar um mecanismo de segurança capaz de neutralizar o trágico quadro que se descortina, em face dos incontáveis problemas decorrentes das migrações de eleitores entre as cidades, conduzidos que são por propósitos políticos menos recomendáveis.

Assim, o eleitor pode ter sua habitação, sua moradia - onde reside, definitivamente, com sua família - mas ter suas atividades, sua empresa, suas propriedades, seus bens e seus interesses em outro município, sendo-lhe permitido optar por este último como seu domicílio eleitoral, o que não lhe será recusado, porque é nele que melhor se identifica e mais se individualiza. Enfim, é ali que se realiza como cidadão. Isso também comumente ocorre com o empresário rural, ou seja, com aquele que tira seu sustento da terra no desenvolvimento de atividades agrícolas e pastoris, mas tem sua morada em município distinto. A jurisprudência tem se orientado no sentido de admitir a transferência de domicílio eleitoral para o município em que o alistando tenha demonstrado vínculo patrimonial-rural, revelando seu interesse político na circunscrição pleiteada.

O mesmo sucede com o trabalhador que exerce seus serviços, por contingência da empresa, a que se vincula, em outro município, mas mantém sua moradia, sua habitação, sua família, em outra cidade, não podendo também ser negada a opção de escolha. Da mesma forma, com o estudante que necessita desenvolver seus estudos em outra localidade.

Porém, isso não acontece com aquele que reside num município onde exerce suas atividades sociais e mantém "casa de praia" ou outra habitação de lazer, onde passa, esparsa e esporadicamente, suas férias ou fins de semana. Não se pode admitir o domicílio nesse local, porque lá não habita com ânimo definitivo e nem exerce, pelo menos, algumas atividades sociais essenciais, a fim de projetá-lo como local do exercício da cidadania.

Eis que "o Código Eleitoral admite como domicílio não só onde a pessoa viva com ânimo definitivo (domicílio civil), como também a residência ou moradia. Entende-se como residência o lugar da morada normal - como ensina Caio Mário - o local onde a pessoa estabelece uma habitação. Na verdade, Ruggiero institui uma gradação entre morada e residência, domicílio e residência, portanto, configura a morada de quem chega e fica sem caráter de permanência definitiva ou de habitualidade" (Ac. n. 111.191 e, no mesmo sentido, Ac. n. 111.967, ambos do TRE/SP - Relatora Juíza Ana Maria Scartezzini).

Ora, por carecer de requisito fundamental - que é o caráter de permanência, o ânimo definitivo, a casa de veraneio ou de lazer para os finais de semana pode ser uma habitação, uma pousada, mas não residência, razão pela qual não pode ser considerada domicílio eleitoral por não se tratar de estado definitivo em face da permanência momentânea e esporádica no local, não se constitui em centro de atividades ou lugar de exercício da cidadania.

5 Conclusão

Concluindo, podemos afirmar que o domicílio eleitoral, não obstante derivado do domicílio civil - art. 31 do CC - do mesmo se distingue em razão de contornos e matizes que lhe são próprias, consoante a locução do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral.

A distinção que se impõe reside no fato do dispositivo ter discriminado "moradia" e residência". Entendendo-se a primeira como "habitação" ou "morada", sem qualquer outro vínculo, como a permanência ou sede de suas atividades sociais. Já com relação à "residência", esta nos dá a idéia de permanência e de sede do desenvolvimento das atividades onde o indivíduo se vincula com o estatuto local e responde por suas obrigações, sendo um atributo integrativo de sua personalidade civil.

Porém, pode ocorrer que o exercício das atividades econômicas, sociais, culturais, esportivas, profissionais, empresariais, etc, não coincida com a sede da moradia. Nesta hipótese, como foi dito, o dispositivo faculta a opção para o domicílio eleitoral.

Excepcionadas, como é óbvio, as hipóteses de domicílio legal, como ocorre com o domicílio fiscal, disciplinado no art. 127 do CTN (Lei n. 5.172/66); com o do itinerante, previsto no art. 33 do CCB; com o da mulher casada que tem como domicílio civil e eleitoral o do marido, conforme o art. 36 do CCB; com o do funcionário público, que, a teor do art. 37 do CCB, é a sede da repartição em que exerce a função pública, sendo esse também o seu domicílio eleitoral; do mesmo modo temos o domicílio eleitoral do militar, previsto no art. 38 do CCB; o dos oficiais e tripulantes da Marinha Mercante (art. 39 do CCB), e por derradeiro, o domicílio civil e eleitoral do diplomata, segundo disposição do art. 41 do CCB.

Impõe-se, dessa forma, que se encontrem critérios que definam o "domicílio eleitoral", colocando-lhe parâmetros para, em épocas eleitorais, debelar o pernicioso e antidemocrático tráfico de eleitores para influir no resultado dos pleitos eletivos de pequenos municípios, assim como proporcionar aos verdadeiros munícipes, habitantes do lugar, que usufruam do lídimo direito de escolherem os mandatários mais afinados com as suas aspirações.

6 A transferência do domicílio eleitoral

O eleitor que efetuar a mudança de domicílio civil terá que proceder à transferência de seu domicílio eleitoral, isto é, deverá providenciar o seu alistamento no município para o qual se mudou.

A matéria está disciplinada no art. 55 do Código Eleitoral e no art. 15 da Resolução TSE n. 20.132, de 19.3.1998, que encampou em seu item 3º, o art. 8º da Lei n. 6.996, de 7.6.1982.

Com a mudança de domicílio, o eleitor que transfere a sua moradia ou o centro de suas atividades para outro município perde a condição de eleitor daquele outro município e, na forma do art. 55 do Código Eleitoral, tem o dever de requerer a sua inscrição como eleitor do novo município para o qual se mudou. De fato, se não existir um vínculo, um nexo concreto que prenda o eleitor à localidade que deixou com ânimo definitivo - tais como os atos constitutivos de uma empresa, inscrição de exercício profissional no órgão competente, propriedades, bens, interesses e etc7 -, ele não poderá manter o domicílio eleitoral ao argumento de que laços afetivos o prendem ao antigo município onde nasceu e teve a sua formação cultural e profissional.

7 Críticas ao sistema de transferência de domicílio eleitoral

Ocorre que o art. 8º da Lei n. 6.996/1982 - incorporado pela Resolução TSE n. 20.132/1998, no seu art. 15, item 3º permite que a residência seja comprovada "sob as penas da lei", pelo eleitor.

Com isso, permite-se acesso às ilicitudes nas transferências, uma vez que o eleitor por vezes simplório e mal informado, poderá ser alvo de políticos inescrupulosos, com o propósito eleitoeiro de arregimentá-lo e veiculá-lo, às comunidades com as quais não mantém qualquer elemento que o identifique, não justificando assim o exercício do sufrágio naquela comuna, onde ele não reside nem desenvolve qualquer atividade social.

É constrangedor ver, em comunidades pequenas, dentre seus habitantes, no decorrer dos pleitos eleitorais, hostes de desconhecidos perambulando, temerários, pelas vias e logradouros, interpelando os moradores a respeito da localização de edifícios plenamente conhecidos dos verdadeiros habitantes, como a igreja matriz, edifício da prefeitura municipal, escola local, hospital, biblioteca, etc, onde se localizam as seções eleitorais, em uma demonstração mais do que evidente que não estão imiscuídos com as peculiaridades, vicissitudes e aspirações comunitárias. O exercício do direito cívico dos habitantes permanentes, não poucas vezes é frustrado porque "pseudos eleitores" se assim podemos chamar, representando a maioria do eleitorado, sufragam candidatos não desejados pelo eleitorado local, movidos por interesses outros que não os da população do lugar.

Impõe-se que se ponha cobro a tal estado de coisas para que o resultado das urnas espelhe a vontade majoritária do eleitorado local. Para tanto, uma hermenêutica mais literal da disposição supra, é um reclamo da mais autêntica justiça cívica. Procedendo-se ao real comando do disposto no art. 55, inciso III, do Código Eleitoral que, sendo disposição de lei complementar, não pode sofrer alterações provenientes de leis ordinárias, como é o caso da Lei n. 6.996/1982. E com maior razão, também, não pode sofrer alterações menos restritivas, decorrentes da Resolução TSE n. 20.132/1998.

Tais limitações são impostas por questão de ordem pública ditadas por princípios tutelares da soberania da vontade popular que deve ser refletida nas urnas.

8 Conclusão final

Poderá, portanto, o eleitor optar pelo domicílio eleitoral do município-sede de sua morada ou residência, ou do município em que exerça a cidadania, caracterizada pelo exercício das atividades econômicas, profissionais, sociais, culturais, cívicas etc., quando não corresponder a sede da morada ou da residência.

Assim, se o eleitor residir numa cidade, mas mantiver uma empresa urbana ou rural em outra, centrando ali as suas atividades comunitárias, poderá optar pelo domicílio desta outra, como ocorre com os proprietários rurais, estudantes, profissionais liberais e trabalhadores em geral.

Contudo, essas atividades devem refletir o exercício da cidadania, não podendo se cingir a uma ou outra que poderiam ser desenvolvidas no local da residência. Também a casa de veraneio ou a habitação destinada a férias, descanso etc., situada em outro município que não o da residência ou centro de atividades, não justifica a opção dada à permanência esporádica, dos eleitores nesses locais e portanto, por falta de ânimo definitivo, ou seja, qualquer atividade que se identifique com o exercício da cidadania, tal habitação não pode ser considerada como morada ou residência.

Os laços meramente afetivos ou a qualquer outro pelos argumentos já expelidos, não vinculam o eleitor ao antigo município.

O que não se admite é que eleitores sem qualquer vínculo com o município, passem a exercer o direito de voto em comunidades que lhes são totalmente estranhas, neutralizando e até mesmo suplantando a vontade do eleitorado residente no local, consagrando o que já é dito popular nas comunidades menores: "[...] o pessoal de fora é que decide a eleição [...]".

Para tanto, necessário maior rigor nos alistamentos e transferências eleitorais, prestigiando-se o sentido literal dos comandos do art. 55 do Código Eleitoral, mormente quanto ao seu item III, onde se reclama a residência mínima de três meses no novo município, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes, dentre os quais - certamente não podem estar inseridos as meras declarações dos próprios alistandos ou comprovantes de tarifas de consumo de água e de energia elétrica, que nem mesmo consagram o nome do alistando, mas de seus parentes, amigos ou afins.

Sem o posicionamento da magistratura eleitoral nesta diretriz e uma efetiva, sadia e eficaz fiscalização das lideranças partidárias, a verdade e autenticidade do eleitorado nas localidades, para maior segurança nos pleitos eletivos e prestigiamento da vontade soberana das localidades, não poderão ser restabelecidos.

Eram estas as considerações que desejava fazer, não obstante não tenha contribuído para a solução do problema, pelo menos tenciono chamar a atenção para um tratamento mais adequado na conceituação e caracterização do domicílio eleitoral.  

NOTAS

1 A propósito escreve Clóvis Beviláqua, em seu Código Civil dos Estados Unidos do Brasil - v. 1, p. 243 - interpretando o art. 31 do Código Civil: "O domicílio político refere-se ao exercício dos direitos do cidadão, que são direitos políticos, em particular o direito do voto nas eleições federais, estaduais e municipais".

2 Carvalho Santos descreve: "O Domicílio Civil, empregando o Código essa expressão, aceitou, tal como está formada na doutrina. Domicílio político é aquele em que uma pessoa exerce seus direitos políticos e notadamente seus direitos eleitorais, adquirindo-os com o fato da residência de uma certa duração em determinado lugar. O domicílio é aquele onde a pessoa exerce os seus direitos civis" (Rambaud, op. cit, p. 96). Podemos concluir que não é necessário, para caracterizar o domicílio civil, que a pessoa exerça no lugar os seus de cidadão. Esses fatos podem servir de adminículo para aprovar o domicílio, mas a sua falta não implica a não existência dele. Pode o indivíduo não ser eleitor, pode não ser jurado, pode até mesmo não pagar impostos e, apesar de tudo, pode aí ter o seu domicílio" (in: Código Civil Brasileiro interpretado . Rio de Janeiro: 1956. v. 1, p. 425).

3 Pinto Ferreira destaca: "O nosso Código Civil seguiu, assim, a orientação romana, consagrada no Digesto (50, I, fls. 5, 6, § 2º e 27, § 2º), bem como o Código Português, fonte do dito artigo. Outro grande Código que assim se orienta é o Código Alemão, nos seguintes termos: "art. 7º (domicílio) - Quem reside permanentemente em vários lugares, o domicílio pode ser suprimido se for suprimida a residência com a vontade de abandoná-la". (in: Código Eleitoral . 4. ed. Saraiva).

4 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. V. 1, § 71, p. 248-251).

5 VELOSO, Zélio. O Domicílio Eleitoral. In: Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 10, p. 7-9, 1980.

6 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Fonseca, 1979. p. 171.

7 Sobre a transferência de domicílio, Carvalho Santos assim expõe: "A pessoa mantém o seu domicílio, uma vez fixado, até que, pela mudança de residência, com o propósito deliberado de estabelecê-la em outro lugar, de modo definitivo, adquira outro domicílio. Para a pessoa manifestar a sua intenção de mudar de domicílio, indica o Código o meio de uma dupla declaração feita, tanto à municipalidade do lugar que deixa, como à municipalidade do lugar para onde vai, vale dizer do lugar do domicílio que quer adquirir. A verdade é que estas declarações são feitas, na prática, muito raramente, e a intenção de mudar de domicílio resulta da deslocação da residência. Daí a regra contida na segunda parte do parágrafo único deste artigo" - refere-se o autor ao art. 34, parágrafo único do Código Eleitoral. E, citando Planiol (Traitée de Droit Civil, v. 1, n 598) "'[...] La Pencée de Changer de Domicile n`y Manifeste sous une ferme Juridique, par exemple dans une ou plusieuers contraites elle a declare est domiciliée dans lel lieur'". Arremata: "sobre este último ponto de vista da lição de Planiol, convém recordar que o Supremo Tribunal Federal tem decidido, com muito acerto, que as declarações constantes de instrumentos públicos feitas pela pessoa são meios valiosos de comprovação de domicílio, quando não intencionalmente feitas desaforos causas (Ac. de 2 de maio de 1941. RTJ, v. 2, p. 33" (op. cit., v. 1, p. 432 e seguintes).

JURISPRUDÊNCIA

I - Transferência de eleitores

AÇÃO PENAL PELO CRIME DO ART. 289 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. EM SENDO CERTO O ENTENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DE QUE A ALISTANDA TINHA MAIS DE UMA RESIDÊNCIA OU MORADIA, PODERIA ELA, LICITAMENTE, OPTAR ENTRE A CAPITAL E O INTERIOR, QUANDO DO SEU ALISTAMENTO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO (Tribunal Superior Eleitoral, Acórdão n. 8. Recurso em Habeas Corpus n. 8, Relator Ministro Nilson Naves. Data: 5.8.1997).

RECURSO ESPECIAL - ART. 77 DO CE - EXCLUSÃO DE ELEITORES INSCRITOS EM MUNICÍPIO ONDE NÃO MAIS POSSUÍAM DOMICÍLIO CIVIL - EXISTÊNCIA DE VÍNCULOS COM A LOCALIDADE - POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO MESMO DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA NÃO OBRIGATÓRIA [...] (Acórdão n. 15241c, de 25 de maio de 1999, publicado no DJ de 11 de junho de 1999, p. 90, Rel. Min. Eduardo Alckimin).

RECURSO - TRANSFERÊNCIA ELEITORAL - TEMPO DE RESIDÊNCIA NO NOVO MUNICÍPIO (ART. 55, § 1º, III, DO CÓDIGO ELEITORAL) - EXIGÊNCIA NÃO SATISFEITA - DESPROVIMENTO.
Não restando comprovado o direito à transferência eleitoral pleiteada, consubstanciado na demonstração de que de fato reside o eleitor há pelo menos três meses no município para o qual pretende transferir-se, a decisão monocrática deve ser mantida, porquanto não satisfeita a exigência legal. (Acórdão TRESC n. 16. 950, Relator Juiz Rodrigo Roberto da Silva. Publicação Diário da Justiça, Data 17.4.2001, p. 87).

RECURSO - INSCRIÇÃO ELEITORAL - IMPUGNAÇÃO - DOMICÍLIO ELEITORAL - COMPROVAÇÃO DE VÍNCULO - MANUTENÇÃO DA INSCRIÇÃO NO MUNICÍPIO.
Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, mantém-se a inscrição de eleitor que, embora residente em município diverso, comprova vínculos patrimoniais e/ou profissionais com o município para o qual pleiteia a manutenção de sua inscrição eleitoral. (Acórdão TRESC n. 16.343. Relator Juiz Rodrigo Roberto da Silva. Município de Lageado Grande/ SC. Publicado em Sessão do dia 10.8.2000).

II - Imóveis rurais

RECURSO ESPECIAL - TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL - IMÓVEIS RURAIS - VÍNCULO PATRIMONIAL - DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE POLÍTICO NA CIRCUNSCRIÇÃO PLEITEADA - INEXISTÊNCIA DE EXIGÊNCIA LEGAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Acórdão n. 15.023, Tribunal Superior Eleitoral, Recurso Especial n. 15.023 - Caldeirão Grande/BA, Relator: Ministro Eduardo Alckmin, Data: 22.4.1997).

- RECURSO - REVISÃO ELEITORAL - DOMICÍLIO ELEITORAL - GLEBA DE TERRA ENCRAVADA NO LIMITE DE DOIS MUNICÍPIOS - EXISTÊNCIA DE VÍNCULOS COM O MUNICÍPIO REVISADO - NÃO-PROVIMENTO.
A existência de vínculos sociais e familiares do eleitor com o município onde exerce a sua cidadania, atividade política, comunitária e profissional, independentemente de ser o local de sua residência, é bastante para legitimar a manutenção de sua inscrição eleitoral.
Maior legitimidade tem ainda o eleitor - devendo ser concedida a ele a escolha de alistar-se ou de permanecer alistado em qualquer dos dois municípios - se a gleba de terra em que reside se acha encravada no município revisado. (Acórdão TRESC n. 16.195, Relatora Juíza Rejane Andersen, Município de Braço do Norte/SC. Publicado no Diário de Justiça, Data 18.5.2000, p. 110).

III - Casa de veraneio

CONSULTA FORMULADA POR JUIZ ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA DE ELEITOR PARA O MUNICÍPIO ONDE TEM CASA DE VERANEIO, CUJA OCUPAÇÃO SE DÁ ESPORADICAMENTE - RESPOSTA NEGATIVA.
Casa de veraneio ocupada esporadicamente não caracteriza domicílio, para fins de transferência eleitoral prevista no art. 55 do Código Eleitoral. (Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Resolução n. 6.878, Processo n. 1.787 - Classe X - Consulta formulada por Juiz- 19ª Zona Eleitoral - Joinville. Relator: Juiz Nilson Borges Filho. Data: 30.8.1995).

IV - Do exercício das atividades profissionais - centro da cidadania

CONSULTA - (1) COINCIDÊNCIA NECESSÁRIA ENTRE O DOMICÍLIO ELEITORAL E O DOMICÍLIO CIVIL. RESPOSTA NEGATIVA. (2) ELEITOR QUE TRANSFERE RESIDÊNCIA DE UM MUNICÍPIO PARA OUTRO, MAS CONSERVA O DOMICÍLIO ELEITORAL NO PRIMEIRO, ONDE EXERCE ATIVIDADES PROFISSIONAIS E POSTULA CARGO ELETIVO. ELEGIBILIDADE. RESPOSTA AFIRMATIVA. INALTERABILIDADE DO DOMICÍLIO ELEITORAL ATÉ SUA TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA, ATENDIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. PRECEDENTES: RESOLUÇÃO TRESC N. 6.686, DE 18 DE MARÇO DE 1992 E ACÓRDÃO TRESC N 12.053, DE 15 DE SETEMBRO DE 1992. (Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Resolução n. 6.939/1996, Processo n. 1.851 - Classe X - consulta formulada pelo Juiz da 63ª Zona Eleitoral - Ponte Serrada. Relator: Juiz Carlos Alberto Silveira Lenzi).

RECURSO ELEITORAL - DOMICÍLIO ELEITORAL - DIVERSIDADE DE RESIDÊNCIAS - TRANSFERÊNCIA DE TÍTULO ELEITORAL - DEFERIMENTO.
O domicílio eleitoral, no caso de mais de uma residência, é o local onde o eleitor tem vínculos subjetivos, tais como social, familiar, patrimonial, político e social (art. 42, parágrafo único, CE). (TRE/PR, Acórdão n. 23.808, Recurso Eleitoral n. 291 - Prudentópolis/PR. Relator: Juiz Nilson Mizuta, Data: 25.7.2000).

RECURSO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL - IMPUGNAÇÃO - PARTIDO POLÍTICO - LEGITIMIDADE - ATIVA - NÃO COMPROVAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE VÍNCULOS PATRIMONIAIS, PROFISSIONAIS OU COMUNITÁRIOS COM O MUNICÍPIO. IMPROVIMENTO DO RECURSO (art. 55, § 3º, CE). (TRE/PR, Acórdão n. 23.950, Recurso Eleitoral n. 328 - Antonina/PR, Relator: Juiz César Antônio da Cunha. Data: 15.8.2000).

RECURSO ORDINÁRIO - CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO ELEITORAL POR TRANSFERÊNCIA - DOMICÍLIO ELEITORAL. RESIDÊNCIA OU MORADIA - IMÓVEL OCUPADO ESPORADICAMENTE.
A estada de militar, em casa de parente, para fins de semana e férias, em local diverso do lugar onde serve, sem nele possuir qualquer ocupação ou atividade efetiva não caracteriza o domicílio eleitoral, de modo a justificar opção para a transferência de inscrição eleitoral, como não o caracteriza a prestação temporária e eventual de determinado serviço, compatível com a função que exerce (arts. 55 e 57, CE). (TRE/MS, Acórdão n. 2.442, Recurso Ordinário n. 102. Relator: Dr. Nildo de Carvalho. Data: 20.8.1996).

RECURSO ORDINÁRIO - RECURSO ELEITORAL - INSCRIÇÃO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - DOMICÍLIO ELEITORAL - IMÓVEL LOCADO - NÃO-CARACTERIZAÇÃO - IMPROVIDO.
A simples ocupação de imóvel, locado recentemente, em município, sem nele possuir qualquer vínculo, ocupação ou atividade, não caracteriza o domicílio eleitoral, de modo a justificar a opção para a transferência da inscrição eleitoral (arts. 57, § 2º, CE). (TRE/MS, Acórdão n. 2.426, Recurso Ordinário n. 4 -, Relator: Juiz Nildo de Carvalho, Data: 29.8.1996).

Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado. Professor da Escola de Magistratura Estadual.

Trabalho apresentado no III Encontro do Colégio de Corregedores da Justiça Eleitoral, realizado em Cuiabá/MT, de 8 a 10 de agosto de 2001.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 9, n. 1 (jan./jun. 2002). 

 

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