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Lei do Juizado Especial Criminal: aplicação dos institutos e procedimentos no âmbito da Justiça Eleitoral

Por: Guaraci Pinto Martins / Gilvan de Souza Lobato

1 Introdução

As divergências jurisprudenciais e doutrinárias quanto à aplicação dos procedimentos e institutos dos Juizados Especiais Criminais na seara da Justiça Eleitoral, em vista da especialidade de suas normas processuais-penais e do suposto cerceamento de defesa, motivaram a pesquisa e redação do presente artigo.

Para tanto, iniciar-se-á pelo estudo do molde legislativo que instituiu os Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099, de 26.9.1995), a aplicação dos seus institutos e procedimentos no juízo comum e na Justiça Federal e a possibilidade de aplicação no âmbito da Justiça Eleitoral.

Analisando a criação dos Juizados Especiais Criminais e as finalidades da Lei n. 9.099/1995, concomitantemente com os seus princípios norteadores, com base também nas Leis n. 10.259, de 12.9.2001, e n. 11.313, de 28.6.2006, buscar-se-ão os argumentos que justifiquem a aplicação do rito processual, visando à celeridade necessária nos julgamentos dos processos criminais eleitorais, sem prejuízo à ampla defesa e ao devido processo legal.

Pela especificidade do tema, há escassez de exame da matéria pela doutrina, realçando os autores apenas a aplicação dos institutos das referidas normas na seara eleitoral. Por outro lado, os recursos em processos-crime eleitorais já estão subindo aos Tribunais Eleitorais, exigindo o enfrentamento da questão pertinente à aplicação do rito processual da Lei n. 9.099/1995.

Assim, sem a pretensão de convencer os silentes, tampouco aqueles que já se manifestaram contrários à aplicação das referidas normas na Justiça Eleitoral, objetiva este estudo expor aos interessados a viabilidade de aproveitarem-se ao máximo os benefícios da legislação instituidora do Juizado Especial Criminal.

Por se avolumarem as decisões monocráticas provenientes de processos com o rito da Lei n. 9.099/1995, verificar-se-á, no desenvolver do texto e nas considerações finais, a imprescindibilidade da aplicação dos procedimentos e dos institutos da citada norma na seara eleitoral, bem como a necessidade de normatização pelo Poder Legislativo ou de regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

2 LEI DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

2.1    Aplicação dos institutos e procedimentos no âmbito da Justiça Eleitoral

2.1.1  A criação dos Juizados Especiais Criminais e a Lei n. 9.099/1995

O Constituinte de 1988, ciente da necessidade de alteração da legislação relacionada às causas cíveis de menor complexidade e às infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu a criação de juizados especiais.

Dada a especificidade própria dessa carta política, no seu art. 98, I, ficou assentado que a criação dos juizados especiais competiria à União, no Distrito Federal e nos Territórios; nos Estados, ao respectivo Estado. Estabeleceu ainda o modelo do provimento (juízes togados ou togados e leigos), a forma de agir e a competência (conciliação, julgamento e execução daquelas causas cíveis e infrações penais), a exigência de medidas céleres quanto aos procedimentos (oral e sumaríssimo), e, ainda, a possibilidade da transação e o julgamento dos recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Salienta-se que o inciso I do caput do art. 98 da Constituição Federal tratou apenas da criação de Juizado Especial Cível e Criminal no Distrito Federal, nos Territórios e nos Estados. Com a Emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, foi acrescentado parágrafo ao citado artigo tratando da instituição dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.

Atentando também à redação revogada, assim dispõe a Constituição Federal:           

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.

Parágrafo único. Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 22, de 1999.)

§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. (Renumerado pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.)

§ 2º As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.)

A criação dos juizados especiais significou efetivo avanço legislativo e trouxe guarida aos contidos anseios da população de possuir um sistema judicial eficiente. Ademais, precede a edição do próprio texto constitucional o entendimento da necessidade de participação popular na administração da Justiça, então realizada exclusivamente pelos órgãos estatais, da via conciliatória aos delitos de pequena monta, bem como da simplificação da investigação policial e do processo judicial.

A respeito, registram Tourinho Neto e Figueira Jr. (2007, p. 397):

A preocupação pela simplicidade, informalidade e celeridade dos processos referentes aos crimes de menor potencial ofensivo não é de agora, é de antes da Constituição de 1988. Em maio de 1981, o Ministro de Estado da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, publicou o anteprojeto do Código de Processo Penal, em que merecem destaque as seguintes inovações: instituição do procedimento sumariíssimo com dispensa do inquérito, lavrando-se, em substituição, boletim de ocorrência circunstanciado, quando se tratar de crime punido com detenção de até um ano, de lesão corporal culposa, de homicídio culposo e de contravenção, “das causas de menor importância”; denúncia oral; uso de gravação sonora ou meio equivalente; medidas alternativas à prisão provisória; redução do tempo de debate oral para cinco minutos; instituição de órgão colegiado de primeiro grau para julgamento, em grau de recurso, das causas processadas em rito sumariíssimo; e simplificação do procedimento recursal”.

Não obstante o texto constitucional, persistiu até 1995 a aplicação das medidas do vetusto ordenamento processual-penal de 1941, tendo como consectário as mazelas dos processos excessivamente burocratizados e que não atingiam sua finalidade, quer pela prescrição, gerando, por conseqüência, inequívoca sensação de impunidade, quer pela aplicação da pena, cujo cumprimento se dava em companhia de outros sancionados por crimes de extrema gravidade, com graves prejuízos ao sistema carcerário e à reeducação do apenado.

A efetiva regulamentação do texto constitucional somente veio a lume com a Lei n. 9.099, de 26.9.1995.

Por óbvio, não se afirma que essa lei sanou todas as mazelas do sistema processual-penal antes citadas, todavia, irradiou reflexos positivos quanto ao chamamento e à responsabilização do autor de infração de menor porte, afastando o sentimento generalizado de impunidade aos faltosos, contribuindo com o desafogamento da Justiça Criminal e desonerando, por outro lado, o sistema carcerário, quiçá de indivíduos plenamente recuperáveis tão-somente com a aplicação dos institutos despenalizadores da novel legislação.

Ademais, distingue-se essa norma – especificamente fundada no consenso – daquelas editadas após a Constituição de 1988, essencialmente repressivas (Lei dos Crimes Hediondos, Lei de Combate ao Crime Organizado e outras), dado o crescimento da criminalidade, motivado principalmente pelo desajuste do modelo socioeconômico existente (GRINOVER et al., 1997, p. 43).

Com efeito, a intensificação na persecução penal, a majoração das penas e a forma severa de seu cumprimento aparentam não ser a melhor solução para tais problemas. Foi indispensável a adoção de uma nova corrente que obtivesse mais sucesso em provocar, na medida do possível, a efetiva resposta judicial ao delito, a reparação de danos à vítima,  a  viabilidade de ressocialização do infrator e ainda a diminuição do volume de processos, tendo como elemento primordial o consenso. Nasceu a chamada justiça consensual, concebida em oposição à já desgastada justiça rigorosa.

A criação dos Juizados Especiais Criminais constitui, portanto, importante avanço legislativo, quer pelos princípios que a norteiam, quer pela instituição de medidas despenalizadoras (composição, representação, transação e suspensão condicional do processo). Trouxe consigo o rompimento de paradigmas ao permitir a via do consenso, com a possibilidade de reparação à sociedade (transação) ou indenização à vítima (composição), desonerando o Estado do processo e da aplicação de sanção ao infrator.

Nesse sentido, não constitui exagero afirmar o impacto positivo dessa norma no nosso sistema processual penal, conforme registrado na doutrina:

Em sua aparente simplicidade, a Lei n. 9.099/1995 significa uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. [...] não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio da Justiça penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado. [GRINOVER et al., 1997, p. 37.]

Diante dessa realidade, torna-se necessário expandir essa fórmula promissora também à Justiça Eleitoral, não obstante suas peculiaridades.

Embora essa Justiça Especializada tenha como característica a celeridade que imprime aos seus processos, isso apenas ocorre nos feitos administrativos eleitorais. É fato notório a morosidade dos processos penais, bem como a ausência de punição aos faltosos, mormente em razão da ocorrência da prescrição.

Os envolvidos nos crimes eleitorais, na sua maioria indivíduos oriundos da seara política, pouco se importam com a conseqüência de seus atos no que respeita à eventual sanção penal, porque sabem que dificilmente serão alcançados, pois se esgueiram, com bons causídicos, pelo emaranhado das normas processuais-penais.

Os dispositivos processuais do Código Eleitoral não contêm avanços em relação ao Código de Processo Penal que permita celeridade aos feitos; ao contrário, o uso subsidiário ou supletivo deste torna o processo penal ainda mais lento. Aos que logram obter foro privilegiado e que trazem consigo outros infratores, as benesses são ainda maiores em razão da aplicação do que dispõe a Lei n. 8.038/1993.

Por outro lado, esses mesmos faltosos temem a perda do mandato ou a declaração de inelegibilidade: isso ocorre em razão do aperfeiçoamento da legislação eleitoral que visa a essas punições. Premido ante a exigência da sociedade, o legislador, sem descuidar dos preceitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, conferiu normas e procedimentos que permitem maior celeridade.

Tendo que o legislador, ao elaborar e apreciar determinada norma eleitoral, a está concebendo especialmente para si, torna-se difícil que o faça sem pressão das correntes sociais. É certo também – e isso se verifica em variadas normas – que, forçado a legislar e criar dispositivos punitivos, permite lacunas e/ou insere exceções visando escapulir-se quando enquadrado naquelas infrações.

Diante disso, mostram-se importantes as discussões quanto à aplicação dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 na seara eleitoral, inclusive rito, a regulamentação da matéria pelo Tribunal Superior Eleitoral e também a necessidade de edição de legislação semelhante voltada à Justiça Eleitoral.

2.1.1.1 As finalidades da Lei n. 9.099/1995

Deixando à Constituição da República a incumbência de definir o que seriam infrações de menor potencial ofensivo a cargo de uma lei ordinária, foi necessário, reitere-se, a promulgação da Lei n. 9.099/1995, que estabeleceu a intensidade da sanção como critério objetivo, inicialmente considerando as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

A seguir, as Leis n. 10.259/2001 e n. 11.313/2006 alteraram aquele critério, determinando que as infrações de menor potencial ofensivo constituem as contravenções penais e os crimes cuja pena cominada não supere 2 (dois) anos, ou multa.

Assim dispõe a nova redação da Lei n. 9.099/1995:

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. [Redação dada pela Lei n. 11.313, de 2006.]

Tem-se, pois, que o legislador elegeu a intensidade da sanção como critério para determinar o conceito de infração penal de menor gravidade.  

Importante realçar que estas normas também revogaram o disposto no art. 61, in fine, da Lei n. 9.099/1995, que vedava a competência do Juizado Especial Criminal para a apreciação dos casos em que houvesse previsão de procedimento especial.

A composição dos juizados especiais, por seu turno, está definida no texto constitucional e infraconstitucional, ou seja, podem ser providos somente por juízes togados ou por togados e leigos.

Dispõe a Lei n. 9.099/1995, com redação dada pela Lei n. 11.313/2006:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

A participação do juiz leigo, como a figura do jurado, tem ensejado, contra ou favor de sua existência, magistrais discussões doutrinárias. Veja-se, contudo, que a Lei n. 9.099/1995 não conferiu ao leigo o poder de instruir o processo, tampouco o de julgar; cumpre a ele apenas presidir as audiências de conciliação e orientar os trabalhos dos conciliadores, conforme dispõe o art. 73.

Portanto, embora a referida lei, seguindo orientação constitucional, contemple a possibilidade de provimento por juízes leigos, a sua atuação ficou  bastante restrita.

Técio Lins e Silva (D’URSO, coord., 2000, p. 171), em seu discurso crítico, mesmo reconhecendo os avanços introduzidos pela Lei do Juizado Especial Criminal, afirma:

Eu creio que o juizado leigo no sentido da CF/88, um juizado misto com juiz leigo de verdade com poder de decisão, como têm os jurados no Tribunal do Júri, eu creio que seria uma coisa extraordinária e seria um avanço. Mas é claro que esse estelionato de chamar juiz, de chamar leigo e dizer: não, estamos cumprindo a CF/88, veja, a Lei tem juiz togado, a Lei tem juiz leigo, a Lei tem conciliador, a Lei tem tudo que a CF/88 previu. É mentira! Não tem. O que ela tem é uma forma ardilosa, mentirosa e fraudulenta a enganar-nos, como se isso correspondesse à introdução de uma justiça mais democratizada.

Nos termos dos arts. 93 e 95 da Lei n. 9.099/1995, lei estadual disporá sobre o Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência.  Portanto, nessa ocasião, a instituição, a atuação e as funções dos juízes leigos e conciliadores serão efetivamente definidas.

Mesmo com as limitações e cautelas quanto à atuação de juízes leigos em matéria criminal, cuja instituição é facultativa, indubitavelmente a participação destes representa um avanço, pois auxilia os trabalhos do juiz togado, contribuindo para a agilidade dos serviços e tornando a Justiça mais transparente e próxima do povo.               

Quanto às finalidades dessa Lei, pode-se dizer que a simples normatização infraconstitucional dos Juizados Especiais é a finalidade imediata. Por outro lado, a reparação dos danos sofridos e a aplicação de uma pena que não seja privativa de liberdade constituem a finalidade mediata do mencionado diploma legal.

Os institutos dessa legislação que visam a restringir a segregação (conciliação, transação e suspensão condicional do processo) constituem importante inovação na seara processual-penal, uma vez que a privação da liberdade de alguém é medida demasiadamente enérgica, em se tratando de alguns ilícitos sobre os quais recai uma menor reprovação da sociedade.

A respeito dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, realça Tourinho Neto (2007, p. 450), quanto à não-aplicação da pena privativa de liberdade:

Acompanhando a realidade social, em que pequenos delitos não são apurados, existe uma imensa cifra negra de criminalidade oculta em razão da impossibilidade de recursos humanos e materiais da Polícia e da Justiça. O legislador, sem descriminalizar, ou descriminar, isto é, sem tirar o caráter ilícito da infração, procurou imprimir celeridade aos processos, desburocratizá-los, simplificá-los, permitindo, assim, que todos tenham acesso à Justiça, elidindo a sensação de impunidade. Para tanto, a nova lei instituiu a composição civil com a conseqüente extinção da punibilidade (natureza civil e penal); a composição penal (natureza penal e processual penal); a exigência de representação da vítima para as lesões corporais leves e culposas (natureza penal e processual penal); a suspensão condicional do processo (natureza penal e processual penal), medida de “despenalização”.  

Essa norma, pois, acompanha idêntica providência manifestada em diversos países, tendendo o Direito Penal a observar o princípio da intervenção mínima do Estado, com a redução das tipificações e da legislação penal. As penas restritivas de liberdade somente são reservadas aos fatos anti-sociais graves, enquanto às infrações leves e contravenções, consideradas as condições do agente, são permitidas medidas despenalizadoras.

Outra medida sucedânea da pena é o ressarcimento dos danos sofridos pela vítima.

Ressalte-se que a norma permite à própria vítima manifestar-se sobre a reparação do prejuízo; uma vez aceita, constitui mais que a composição pecuniária: a pacificação de conflito.        

Com a Lei n. 9.099/1995, em suma, tentou-se abandonar, corajosa e auspiciosamente, a idéia de que a prevenção e a repressão a essas condutas ilícitas caberia única e exclusivamente à pena mais severa: a privativa de liberdade (GRINOVER, 1997, p. 44.)

No que se refere aos crimes eleitorais, têm-se que à maioria deles contempla pena em abstrato inferior a dois anos, pelo que se enquadram nos moldes da legislação dos Juizados Especiais Criminais; daí a necessidade de serem implementados junto aos institutos despenalizadores também os seus princípios e o seu rito processual.

2.1.1.2    Princípios norteadores do procedimento nos Juizados Especiais Criminais

Os princípios, ou critérios, como a lei denomina, que orientam o rito nos Juizados Especiais Criminais, podem ser vistos explicitamente no art. 62 da própria Lei n. 9.099/1995:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade

Aqui cabe abrir um pequeno parêntese somente para esclarecer um ponto que já causou alguns desacordos entre os autores, mas que atualmente se tornou uma mera questão de técnica legislativa mal utilizada. Trata-se do uso do termo “critérios”, para o que, na verdade, são princípios, juridicamente considerados como uma fonte geral donde derivam as demais regras.

De qualquer modo, mesmo que alguns não queiram tratar essas determinações legais como princípios, o fim basilar do procedimento nos Juizados nunca deve ser esquecido. Só assim, e com o auxílio de um exame sistemático, poderá chegar-se à conclusão de que existem mais desses princípios implícitos na Lei do Juizado Especial Criminal, tal como o da simplicidade. A doutrina também consigna que houve aí falha técnica do legislador, que o omitiu involuntariamente (ARAÚJO, 1995, p. 23). Ora, caso haja complexidade na causa, a própria lei, em seu art. 77, § 2º, manda remeter os autos ao juízo comum.

Observe-se que o procedimento estabelecido no texto constitucional e na Lei n. 9.099/1995 é o sumariíssimo, ou seja, um rito extremamente sumário, simples, ágil e informal, onde predomina a concentração dos atos e a economia processual. Não obstante, quando não realizada a autocomposição (conciliação ou transação), o procedimento preconizado não malfere a Constituição Federal.    

Os princípios norteadores dos procedimentos nos juizados especiais cíveis e criminais permitem acesso amplo e efetivo à Justiça, não significando apenas acessibilidade ao mero ajuizamento da ação, mas a resposta breve aos anseios de obtenção de resultados às questões que afligem as pessoas individualmente e também a sociedade.     

A seguir, consigna-se breve apreciação dos princípios que dirigem o procedimento nos Juizados Especiais Criminais.

2.1.1.2.1 Princípio da oralidade

Nos Juizados, ocorre o predomínio da palavra oral sobre a escrita. Esclareça-se que não há um rito inteiramente oral, mas com a prevalência da fala, que é reduzida a termo, a fim de que conste dos autos. A oralidade resta evidenciada principalmente em audiência, onde há o contato direto entre as partes e entre estas e o juiz, e disso se infere, como decorrência lógica, a presença também do princípio da concentração. Noutros termos, a oralidade acaba por favorecer uma maior velocidade na prestação jurisdicional, devido justamente a um menor período de tempo para a prática de atos processuais, o que é feito, na maior parte das vezes, quase simultaneamente.

A oralidade vem à tona desde a fase preliminar, insere-se na audiência de conciliação e permeia todo o processo judicial.

No procedimento sumariíssimo, na ação penal de iniciativa pública, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis ou complexidade, o Ministério Público oferecerá denúncia oral. Do mesmo modo, na ação penal de iniciativa do ofendido, a queixa poderá ser oferecida oralmente (art. 77 e seus parágrafos). Aliás, a própria representação pode ser ofertada verbalmente, nos termos do art. 75, caput, da Lei n. 9.099/1995.

Conforme dispõe o art. 81, a defesa também será oral, assim como as discussões, provas e sentença, sendo – lembre-se – reduzidas a termo, de modo a documentarem resumidamente os fatos relevantes do processo. O art. 65, § 3º, ainda prevê outro meio para a comprovação do evento da audiência, qual seja: a fita magnética ou equivalente.

A respeito, destaca-se a lição de Aramis Nassif (2000):

O que não existe é a oralidade pura, esvaecente. A documentação do processo continua sendo obrigatória, mas confunde-se ela em pontos importantes com a própria celeridade, pois esta é dependente daquela. E reflete a virtude que sempre foi exigida da Justiça.

2.1.1.2.2 Princípio da informalidade

O presente princípio visa basicamente à retirada da parcela mais supérflua da burocracia que existe no âmbito do Poder Judiciário.

Primeiramente, ressalte-se que, para os delitos regulados pela Lei n. 9.099/1995, fica dispensado o inquérito policial. Segundo seu art. 63, somente será feito mero termo circunstanciado. Pelo art. 69, parágrafo único, também a prisão em flagrante não ocorrerá, se se conduzir o autor do fato diretamente ao Juizado ou se houver comprometimento dele em lá se apresentar. Ademais – pelo disposto no art. 81, § 2º –, prescinde-se do relatório da sentença.

Algumas outras formalidades também podem e devem ser dispensadas, tendo em foco o art. 65 da mesma lei, pelo qual se valoriza mais o aspecto substancial do ato do que o formal.

2.1.1.2.3 Princípio da economia processual

Esse princípio confunde-se, por vezes, com o da concentração, visto que tem como alvo o alcance de um resultado máximo com um número reduzido de atividades jurisdicionais.

Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete (2000, p. 49), o princípio da economia processual “preconiza a escolha entre duas alternativas, a menos onerosa às partes. Não significa isso que se suprimam atos previstos no rito processual estabelecido na lei, mas a possibilidade de se escolher a forma que cause menos encargo”.

2.1.1.2.4 Princípio da celeridade

Pura implicação dos princípios anteriores, consiste no total empenho que deve haver por parte do juiz em solucionar com absoluta presteza os litígios submetidos ao seu exame.

O objetivo de oferecer pronta resposta às demandas está presente na construção legislativa do Juizado Especial Criminal.

A exigência de celeridade aos feitos permeia todo o procedimento, simplificando-o desde o momento do registro policial (Termo Circunstanciado) à fase preliminar conciliatória e ao sumaríssimo.

O próprio art. 80 da Lei n. 9.099/1995 demonstra o rigor com a celeridade dos atos, dispondo que “nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer”.

Segundo Aramis Nsif (2000), em sua avaliação do Juizado Especial Criminal:

Sempre foi o ideal, para o juízo criminal, conseguir abreviar o lapso temporal entre o fato e a prestação jurisdicional sancionatória, que afasta a desconfortável sensação de impunidade, e que, por isto mesmo, traz conforto psicológico para as vítimas e, ainda que mais longe, para a própria sociedade.

Para combater a morosidade da atividade judiciária, conseqüente ao emaranhado e complexo sistema formal, o legislador gerou soluções inéditas, como a ampliação dos horários de funcionamento da justiça especial, a concentração de todos os atos em uma única audiência, e outras mais, evitando atos procrastinatórios e inúteis que sempre emperraram a prestação jurisdicional.

Com efeito, a pronta resposta do Estado às infrações, mesmo limitada àquelas de reduzido potencial ofensivo, possui conseqüências positivas à redução do índice de criminalidade, inibe a reiteração da conduta delitiva e a sensação de impunidade.

Nesse sentido também realça Gianpaolo Poggio Smanio (1997, p. 104):

O Processo Penal Brasileiro inovou decisivamente buscando maior eficiência de suas instituições, fazendo com que os casos considerados de menor importância dentro das condutas criminosas pudessem ter rápida solução, atendendo à necessidade de rapidez da aplicação da lei penal, para que o autor do fato perceba a reprovação imediata de sua conduta.

2.1.1.3 As medidas despenalizadoras

Para atingir as importantíssimas finalidades que o sistema tem ora desejado, fez-se imperativo a elaboração de verdadeiros remédios para a cura dos problemas já trazidos à baila anteriormente, ou, pelo menos, para que eles não prosperem mais do que já o fizeram.

Com efeito, a Lei n. 9.099/1995 não retirou o caráter ilícito  das infração penais de menor porte, mas disciplinou medidas despenalizadoras penais e/ou processuais objetivando evitar a instauração da ação penal e, por conseqüência, eventual condenação.

São quatro as medidas adotadas, todas de natureza híbrida, ou seja, com características penais e processuais ou mesmo de natureza civil, a seguir descritas: composição dos danos civis, representação do ofendido nos casos de lesões corporais culposas ou leves, transação penal e suspensão condicional do processo.    

2.1.1.3.1 Composição dos danos civis

Esta é uma solução bastante conveniente e eficaz que consiste no ressarcimento, pelo autor da infração, dos danos causados à vítima. É a via do consenso que surge entre as partes: a vítima conforma-se com a indenização recebida, e a ação penal não prossegue em face do verdadeiro ajuste financeiro que se opera entre ambas.

Com efeito, aspira-se ao retorno da vítima à situação econômica anterior ao fato delituoso. Caso esta se acomode ao ver restituído o seu patrimônio lesado, não persiste a ação penal.

Contudo, note-se que a idéia principal do instituto em comento é restaurar os bens da vítima da maneira mais idêntica possível ao estado em que as coisas se encontravam antes da prática da conduta criminosa. Destarte, sempre que possível, o mais correto é a devolução do próprio objeto furtado, roubado ou extorquido.

Ressalte-se que quem define o montante indenizatório é a vítima, e não o juiz. Vê-se, desse modo, que a vítima passa a tomar parte na solução da lide, o que, no juízo tradicional, seria inadmissível. Muito apropriado, pois nada melhor do que ouvir quais as suas vontades; ela que é a principal interessada no deslinde do caso.

Cabível nas ações penais privada e pública condicionada à representação e, se aceita e homologada, acarreta a renúncia ao direito de queixa e de representação, respectivamente, conforme preceitua o art. 74, parágrafo único. É pressuposto que a Lei n. 9.099/1995, em seu art. 89, considera indispensável para que se proponha a suspensão condicional do processo.

Os crimes previstos no Código Eleitoral não prevêem a possibilidade de aplicação deste instituto, uma vez que o bem jurídico tutelado é de natureza coletiva, todavia mostra-se viável a composição quando conexa a infração eleitoral a determinado crime comum com danos ao particular.

2.1.1.3.2    Representação do ofendido nos casos de lesões corporais culposas ou leves

A Lei n. 9.099/1995 estabelece, em seu art. 88, que “dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.

Com isso, desejou o legislador condicionar a propositura da ação penal ao arbítrio da vítima em levar ou não o autor do fato a ser processado. Ela decidirá, com base somente em seu discernimento, se a lesão sofrida é ou não desprezível, merecendo que o autor da conduta lesiva seja levado à Justiça.

Na prática, por meio de tal instituto, tende-se a evitar situações de mal-estar em que o próprio autor do fato, por violar um dever de cautela – no caso das lesões culposas –, já resta psicologicamente punido por ter praticado a conduta injusta.

Forçoso é reconhecer que o instituto em tela opera efeitos além da esfera de atuação dos Juizados Especiais Criminais. É plenamente válido, outrossim, no juízo comum.

Da mesma maneira como acontece com a composição dos danos civis, a punibilidade é extinta, fato esse condicionado, por óbvio, a que a vítima não represente – seja permanecendo inerte, seja declarando sua intenção expressamente.

Na Justiça Eleitoral esse instituto tem diminutos préstimos, uma vez que as infrações penais definidas no Código Eleitoral (art. 355) são de ação pública.

Sua aplicação nessa esfera da Justiça somente poderá ocorrer quando o delito de lesões corporais leves ou lesões culposas estiver em conexão com outro crime de natureza eleitoral. Nesse caso, imprescindível a representação do ofendido.

2.1.1.3.3 Transação penal

A transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, constitui a possibilidade da imediata aplicação de uma pena restritiva de direitos ou multa, antes mesmo do oferecimento da denúncia, quando se tratar, pois, de ação penal pública incondicionada, bem como condicionada à representação, presentes os demais requisitos enumerados no próprio dispositivo. Todavia, veja-se que a direta utilização da medida não implica, de nenhum modo, que o réu tenha admitido sua culpa, mantendo-se incólume sua inocência, autêntico “ato de fé no valor ético da pessoa” (TOURINHO FILHO, 2002, p. 24), princípio previsto no art. 5º, LVII, da Constituição, para todos os efeitos.

O Ministério Público detém legitimidade exclusiva para formular a proposta de transação. Porém, embora possuam um certo campo de atuação discricionária, devem os membros do parquet sempre se restringir às determinações legais. Assim, cabe a eles deliberarem sobre a substituição da espécie de sanção, sem que alterem o tipo penal. Da mesma forma, não é admissível que eles sugiram a substituição de uma pena privativa de liberdade por outra também privativa de liberdade. Como é bem dito, sua discricionariedade é regrada (GRINOVER, 1997, p. 247).

Um ponto controvertido alguns anos atrás residia na suposta inconstitucionalidade da medida ora em exame frente ao disposto no art. 5º, LIV, da Constituição, que traz o princípio do devido processo legal; restou, porém, pacificado que a transação penal seria uma autorizada exceção a ele, até porque a norma programática que previa a criação dos Juizados Especiais é hierarquicamente idêntica ao do próprio dispositivo constitucional que explicita o conhecido princípio do due process of law. Aliás, se a transação penal só se aperfeiçoa se o indivíduo a aceita, clara está aí sua livre opção de livrar-se ou não do ônus de suportar um processo. Ou essa pessoa, convencida de sua inocência, tenta comprová-la, correndo, mesmo assim, o risco de ser apenado com a perda de sua liberdade, ou abre mão desse direito, permutando-o por outras vantagens práticas.

A depender do conteúdo da transação penal acordada, o seu não cumprimento pode ensejar providências diversas, conforme explicita o seguinte julgado do TRE paulista:

TRANSAÇÃO PENAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CUMPRIMENTO PARCIAL. DESCONSTITUIÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. VIABILIDADE.

Obrigando-se o agente, na transação, à prestação de serviços à comunidade, medida cujo descumprimento, não podendo corresponder a um nada, só poderia se resolver pela prisão, cuja aplicação, porém, sem observância do devido processo penal, é incogitável, alternativa outra não se põe, não cumprida a prestação, se não a da deflagração da ação penal. Jurisprudência dos tribunais superiores. Distinção entre medida de natureza pecuniária, dizendo com interesses disponíveis, que pode se resolver mediante execução da transação, e medida de prestação de serviços, materialmente não executável, e que atrairia transformação em privação de liberdade. Recurso do Ministério Público provido. [Ac. TRE/SP n. 392.005.]

2.1.1.3.4 Suspensão condicional do processo

Seu primeiro esboço partiu de Weber Martins Batista (apud GOMES, 1997, p. 126), o qual tinha como base outros institutos já existentes, como o plea bargaining, o guilty plea e o probation system, dos quais, porém, a suspensão condicional do processo guarda importantes diferenças.

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (1997, p. 143-144), a suspensão condicional do processo consiste em

sustar-se a ação penal após o recebimento da denúncia, desde que o réu preencha determinados requisitos e obedeça a certas condições durante um prazo fixado, findo o qual ficará extinta a punibilidade quando não der causa a revogação do benefício.

Os requisitos autorizadores da suspensão condicional do processo são objetivos (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) ou subjetivos (art. 77 do Código Penal).

O primeiro requisito objetivo diz respeito à pena mínima do crime atribuída ao acusado, que deve ser igual ou inferior a um ano.

Outro requisito objetivo consiste na ausência de condenação por outro crime, seja doloso ou culposo, e que, ademais, não haja nem mesmo processo penal em andamento contra o acusado.

Além destes, há os requisitos subjetivos, que são: o condenado não pode ser reincidente em crime doloso; a conduta social, os antecedentes, a culpabilidade, bem como os motivos e as circunstâncias devem autorizar o benefício – para fins de evidenciar uma censurabilidade não exacerbada.

Homologada a suspensão pelo juiz, não é praticado mais nenhum outro ato processual, suspendendo-se, inclusive, o curso da prescrição.

No período de prova, que consiste no lapso de tempo em que o acusado que aceitou a suspensão deve cumprir determinadas condições, é verificado seu senso de responsabilidade. Sua duração é estabelecida pela lei em dois a quatro anos.

As condições a que o acusado fica sujeito durante o período de prova estão descritas nos incisos do art. 89, § 1º, da Lei dos Juizados Especiais, a saber: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; proibição de freqüentar determinados lugares; proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; deve comparecer pessoalmente a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. O § 2º, por sua vez, confere uma faculdade ao juiz, que pode estabelecer ainda outras condições pertinentes a cada caso específico.

Já a revogação da suspensão condicional do processo pode ser obrigatória ou facultativa.

Será obrigatória quando o acusado não reparar o dano causado à vítima, nos termos do art. 89, §1º, I, da Lei n. 9.099/1995.

O benefício será obrigatoriamente revogado, ademais, se o réu vier a ser acusado por novo crime durante o período de prova (art. 89, § 4º, da Lei n. 9.099/1995). Para tanto, pois, deve ser recebida a denúncia ou a queixa com a citação.

A última causa de revogação obrigatória se dá no caso de prisão cautelar do réu (em flagrante, preventiva ou temporária), que, nessa situação, fica impossibilitado de cumprir as condições legais.

Por outro lado, será facultativa a revogação quando não houve observância, por parte do acusado, das condições de que trata o art. 89, § 1º, II a IV, assim como aquelas do art. 89, § 2º.

Não obstante os benefícios do presente instituto, sua aplicação pode produzir reflexos negativos à busca da verdade real, mormente quanto aos crimes praticados de forma velada, encoberta, v.g. corrupção eleitoral, isto porque o co-réu beneficiário da suspensão não poderá depor, nem mesmo na qualidade de informante. A respeito, destaca-se o seguinte aresto:

[...]. Em obediência ao princípio da não auto-incriminação, os co-réus que aceitaram o benefício da suspensão condicional do processo devem continuar sendo tratados como réus no processo, com todos os direitos e as garantias a eles conferidos, não se podendo sujeitá-los ao ônus de colaborar com a apuração dos fatos. [Ac. TRESC n. 21.566.]

Na Justiça Eleitoral o presente instituto é amplamente adotado, e, sendo as infrações penais todas de ação pública, o representante do Ministério Público Eleitoral detém legitimidade exclusiva para a proposição.

2.1.2 Aplicação da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral

A doutrina e a jurisprudência em sua maioria concordam quanto à aplicação dos institutos penais da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral.

A corroborar, consigna-se orientação da Corte Superior Eleitoral emanada no seguinte julgado:

PROCESSO PENAL ELEITORAL - LEIS n. 9.099/95 e 10.259/2001 - APLICABILIDADE. As Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001, no que versam o processo relativo a infrações penais de menor potencial ofensivo, são, de início, aplicáveis ao processo penal eleitoral. A exceção corre à conta de tipos penais que extravasem, sob o ângulo da apenação, a perda da liberdade e a imposição de multa para alcançarem, relativamente a candidatos, a cassação do registro, conforme é exemplo o crime do artigo 334 do Código Eleitoral. (Ac. n. 25.137.)

No mesmo sentido as lições de Suzana de Camargo Gomes (2000, p. 83-84):

No âmbito da Justiça Eleitoral inexistem juizados especiais criminais, com a estrutura definida pela Lei n. 9.099/95, ou seja providos por juízes togados ou togados e leigos, mas isto não afasta a aplicação das regras estatuídas nesse texto legal pelos juízes eleitorais, até porque a finalidade dessa lei foi a de apresentar alternativas ao confinamento dos infratores no cárcere, afastando, assim, da prisão aquelas pessoas que tenham cometido infrações mais leves, de menor lesividade social.

Joel José Cândido (2004, p. 362), por outro lado, possui entendimento mais restritivo: “Dos principais institutos da Lei n. 9.099/1995, entendemos que só a suspensão condicional do processo (art. 89) se aplica em Direito Eleitoral [...].”.

Definida pela jurisprudência a aplicação na seara eleitoral da transação penal (arts. 74 e 76) da representação (art. 88)  e da suspensão condicional do processo (art. 89), ainda não se tem a irrestrita adoção do conteúdo das leis dos juizados especiais criminais naquela Justiça Especializada, mormente as matérias de cunho processual.

A respeito, merecem destaque, primeiro, a possibilidade de substituição do inquérito policial pelo termo circunstanciado e, segundo, a aplicação do rito processual da Lei n. 9.099/1995 em desfavor do contido no Código Eleitoral.

2.1.2.1 Termo circunstanciado de ocorrência de infração penal.

O termo circunstanciado vem sendo aceito no âmbito da Justiça Eleitoral em substituição ao flagrante, e ainda, diante do que dispõe o art. 356, do Código Eleitoral: “Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal deste Código deve comunicá-la ao Juiz Eleitoral da Zona onde a mesma se verificou”. Reduzindo-se a termo no caso de comunicação verbal (§ 1º) e a possibilidade de diligências, esclarecimentos e outros elementos de convicção ao Ministério Público Eleitoral.

Contudo, o termo circunstanciado não se confunde com a mera comunicação antes mencionada, mesmo porque a prevalência na seara eleitoral é a de requisição de inquérito policial para a apuração das infrações noticiadas, com amparo no art. 364 do Código Eleitoral, com aplicação subsidiária do Código de Processo Penal.

Ademais, as situações legalmente previstas são distintas, acentuando-se aquelas dos procedimentos da Lei 9.099/1995, que afasta a prisão em flagrante (art. 69, parágrafo único). Ou seja, ao adotar-se este rito pré-processual, a prisão constituirá ato lesivo ao cidadão.

Do mesmo modo, quando a investigação policial não culmina com o flagrante, por colidentes as disposições legais, poderá caracterizar-se outra ofensa a direito essencial se instaurado inquérito policial, uma vez que, para a proposta dos institutos despenalizadores, a Lei n. 9.099/1995 determina o imediato encaminhamento ao Juizado do autor do fato e da vítima. Para o STJ, “o juiz pode solicitar à autoridade policial esclarecimentos quanto ao termo circunstanciado, sendo inadmissível, contudo, determinar a elaboração de inquérito policial” (Ac. STJ n. 6.249.)

Esse rigor, todavia, deve ser amenizado na apuração dos delitos eleitorais, tendo em vista a prevalência do interesse social de lisura e regularidade das eleições sobre o alegado direito do infrator de não ser investigado.

Ademais, na seara eleitoral, todos os crimes são de ação pública, sendo o Estado o sujeito passivo da lesão às normais penais.  

O Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a consulta, afirmou:

[...]. II – O termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado em substituição ao auto de prisão em flagrante, até porque a apuração de infrações de pequeno potencial ofensivo elimina a prisão em flagrante. [Res. TSE. n. 21.294.]

Limitada à indagação, a resposta não abarcou outras questões que a matéria exigiria, portanto urge uma definição legislativa ou uma orientação precisa do TSE quanto à definição de procedimento uniforme a ser adotado pela polícia judiciária e juízo eleitoral no caso dos delitos de menor porte ofensivo.

Por adequar-se à exigência de celeridade dos feitos eleitorais e visando a reduzir a ocorrência da prescrição e a conseqüente impunidade, a adoção dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 quanto ao termo circunstanciado (art. 69) com a dispensa de inquérito policial (art. 77), constitui medida a ser aceita e plenamente adotada.

2.1.2.2 Rito processual

Inicialmente, registra-se que a aplicação do rito processual na esfera da Justiça Eleitoral não se confunde com a instituição de juizados especiais criminais providos por juízes togados ou togados e leigos, nos termos da Lei n. 9.099/1995. Isso, sem dúvida, depende de lei complementar, de acordo com o que estabelece o art. 121 da Lei Maior.  

Não obstante, colhe-se da jurisprudência: “Não se aplica aos crimes eleitorais, que têm procedimento especial e estão sujeitos à Justiça Especializada, o rito dos Juizados Especiais Criminais, previsto na Lei n. 9.099, de 1995.”

Conforme se vê nos julgados, a vedação imposta resulta do que continha a Lei n. 9.099/1995 na parte final de seu art. 61:

Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Esse, pois, o entendimento firmado pelos Tribunais Eleitorais, em compasso com parte da doutrina.

Contudo, a Lei n. 10.259/2001, ao redefinir o critério de enquadramento das contravenções penais e dos crimes sujeitos aos Juizados Especiais Criminais, deixou de inserir a exceção antes mencionada.

A confirmação da intenção do legislador em afastar de vez a exceção, ou seja, de permitir a aplicação indistinta das regras legislativas inclusive onde haja previsão do procedimento especial, veio com a Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006.

É certo que os procedimentos especiais contidos noutras legislações diferem, inclusive no que toca aos prazos, daquele descrito na lei que instituiu o Juizado Especial Criminal. É a hipótese, v.g., da Lei de Tóxicos; nunca, porém, se cogitou que seu rito, quando em confronto com o ordinário constante do Código de Processo Penal, seria inconstitucional por configurar cerceamento de defesa.

Assim sendo, também desaparece óbice à adoção do procedimento sumariíssimo da Lei dos Juizados Especiais Criminais na esfera do processo eleitoral.

Outro precedente que sugere a possibilidade de substituição do rito processual previsto nos arts. 355 a 364 do Código Eleitoral, é a imposição do rito da Lei n. 8.038, de 28.5.1990, aos processos de competência originária dos tribunais eleitorais.

O art. 1º da Lei n. 6.658, de 26.5.1993, definiu a aplicação das normas dos arts. 1º a 12, inclusive, da Lei n. 8.038/1990, às ações penais de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Tribunais Regionais Federais, tão-somente. Todavia, o TSE, o TRESC e também de outros Estados, estão adotando essa norma.

Ora, o rito previsto no Código Eleitoral, consignado nos arts. 355 a 364, é específico ao processo das infrações em toda a Justiça Eleitoral, inclusive nas instâncias superiores. Assim sendo, a adoção das normas processuais da Lei n. 8.038/1990 – não endereçadas à Justiça Eleitoral – apresenta-se inconstitucional, se não, tem-se como precedente à viabilidade de se adotar nessa Justiça os procedimentos da Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Outro aspecto a considerar, diz respeito ao que dispõe a Lei n. 9.099/1995, no seu art. 90-A: “As disposições desta lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”, disso se infere a intenção do legislador em afastar a incidência da lei tão-somente naquela esfera de Justiça. Se entendesse pelo não-cabimento de aplicação na Justiça Eleitoral, teria dito – não o fez.

Outro argumento utilizado para afastar-se a incidência das regras processuais da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral, refere-se ao que emana do art. 121, da Constituição Federal: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.

No caso, a adoção dos ritos processuais previstos no art. 62 e seguintes da mencionada lei não ofende àquele dispositivo constitucional, uma vez que não trata de matéria afeta à organização, tampouco competência dos tribunais ou juízes eleitorais.

Por óbvio, reitere-se, as normas existentes não permitem a criação dos juizados especiais e turmas recursais no âmbito da Justiça Eleitoral; qualquer tentativa nesse sentido, por ato normativo do TSE ou mesmo por lei ordinária, ofenderia o texto constitucional retro citado.  

Abrindo parênteses, a criação de juizados especiais criminais eleitorais, com turmas recursais, na forma preconizada na Lei n. 9.099/1995, seria medida onerosa aos cofres públicos e absolutamente desnecessária, diante do diminuto volume de processos-crimes eleitorais. Assim, na hipótese, a apreciação de recurso da espécie deve cumprir ao TRE.  

Melhor solução – se não adotados os procedimentos da Lei n. 9.099/1995 – seria a alteração legislativa dos dispositivos processuais do Código Eleitoral (arts. 355 a 364), adequando-os aos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando a melhoria da prestação jurisdicional e efetiva resposta aos anseios coletivos de alcançar os infratores.

A nosso ver, nada obsta a aplicação plena da lei em comento na seara eleitoral. Por outro lado, também possível o hibridismo dessa norma com os dispositivos do Código Eleitoral, com o termo circunstanciado eleitoral na fase policial e a adoção dos institutos despenalizadores, pois, sempre que possível, deve-se buscar a reparação dos danos e a não-aplicação de pena privativa de liberdade; e, somente depois, esgotadas as ensanchas, a denúncia deve seguir nos termos dos arts. 357 e seguintes do Código Eleitoral.

3 Considerações finais

A legislação pátria evoluiu muito no que diz respeito às infrações administrativas eleitorais, com punições severas àqueles que buscam deturpar o processo eleitoral, a igualdade e a lisura do pleito.

Aos excessos na propaganda, pesquisa, captação de votos e para as demais infrações eleitorais, foram inseridas pesadas multas, sanção de inelegibilidade, cassação do registro, do diploma e do mandato eletivo.

Todavia o processo dos crimes eleitorais e os próprios dispositivos penais permanecem, com raras exceções, os mesmos do Código Eleitoral de 1965. Urge, pois, a adoção de medidas inovadoras.

A instituição dos Juizados Especiais Criminais, salvo raríssimas e específicas críticas endereçadas ao conjunto da legislação, teve repercussão positiva na desobstrução da Justiça Criminal Comum, sem deixar impunes os infratores.

Trata-se da concepção de um padrão processual moderno e ousado, caracterizado pela inovação e originalidade de formas e conteúdos.

Efetivamente, instituiu-se um microssistema processual-penal, com natureza instrumental e obrigatória, que encontrou êxito em transmudar a Justiça punitiva então existente numa Justiça conciliatória, no que diz respeito à resposta do Estado às infrações de menor potencial ofensivo.

A Justiça Eleitoral, marcada pela celeridade em seus procedimentos administrativo-eleitorais, não pode ficar à mercê de um sistema processual-penal retrógrado, uma vez que ainda adota, na apuração dos crimes eleitorais, o inquérito policial e, na ação penal eleitoral, os dispositivos do Código Eleitoral e, subsidiariamente, o Código de Processo Penal.

Em resumo, não vemos óbices intransponíveis à aplicação do rito da Lei n. 9.099/2005 na Justiça Eleitoral, todavia, se assim não for, temos que  incumbe ao operador do Direito da esfera eleitoral aproveitar ao máximo os procedimentos e institutos dessa legislação, ao menos conjugando-os de forma híbrida com os dispositivos do Código Eleitoral.

Esta é a reflexão que se pretende com o presente estudo.

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Guaraci Pinto Martins. Analista Judiciário – Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Univali. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Univali.

Gilvan de Souza Lobato. Técnico Judiciário – Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela UFSC. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Univali.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 15, 2008.

 

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