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Íntegra

Investigação judicial eleitoral

Por: Eduardo Antônio Dantas Nobre

1 Mau uso do poder. Conceito. Modalidades

A legislação eleitoral tem procurado, com um afinco cada vez maior, criar mecanismos dotados de eficiência para garantir a liberdade do voto, e, assim, evitar que o mau uso do poder exerça projeções em detrimento da manifestação da vontade popular.

O mau uso do poder, para os fins cogitados, tem suas vertentes nas pessoas e instituições colocadas sob o domínio do direito privado, e, também, nos órgãos e entidades que funcionam sob a égide do direito público. Em ambos os casos, a má utilização do poder se expõe à censura da Justiça Eleitoral, bastando, para tanto, que ela revele potencialidade para afetar o escorreito exercício do direito de voto e, em conseqüência, refletir-se no resultado do pleito.

Quando emana de entes submetidos ao regime de direito privado, o mau uso do poder, que, regra generalíssima, assume a feição de abuso, deve ser detectado através de sinais exteriores, destacando-se, dentre eles, a distribuição de prebendas, a doação de gêneros alimentícios, o pagamento de mensalidades escolares, a promoção de espetáculos, em ambiente aberto ou mesmo em recinto fechado, com o fito de cooptar eleitores, pois, em todas as situações remarcadas, há o emprego massivo de dinheiro, voltado para o desequilíbrio da disputa, em prol de determinado candidato.

A esse respeito, averbou Pinto Ferreira, com inteira propriedade, que "as empresas multinacionais também interferem na vida política das pequenas repúblicas, especialmente na América Latina, na África e na Ásia, mediante a pressão dos seus interesses econômicos", acrescentando, logo a seguir, que "muitas dessas empresas têm mais poder econômico do que as aludidas repúblicas" (in: Código eleitoral comentado. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 253).

Na província reservada ao direito público, o mau uso do poder exsurge, concretamente, sob as formas de abuso de poder e de desvio de finalidade.

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, "o excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas", enquanto "o desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público" (in: Direito administrativo brasileiro. 19. ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 96. Grifos do original), violando, desse modo, a ideologia da lei.

O entendimento aqui enfocado encontra conforto na doutrina de Marcelo Caetano, para quem o desvio "[...] afeta o ato administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso daqueles para que a lei os conferiu" (in: Princípios fundamentais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 176).

Ressai, do pensamento dominante na doutrina, que incorre na reprovação legal tanto a ação marcada pela truculência ou pela falta de comedimento, de que é exemplo o uso, em benefício de candidato, partido ou coligação, de bens móveis, imóveis e de materiais pertencentes à administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, ou de serviços custeados pelos governos ou Casas Legislativas, que excedam os limites consignados nas normas a eles correspondentes, em especial nos regimentos, quanto o ato marcado pela dissimulação, como ocorre com o recrutamento de pessoal, sob o manto da terceirização, para servir, de modo disfarçado, a comitês de campanha mantidos pelos pretendentes a qualquer dos cargos oferecidos à disputa (Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, art. 73, I e II).

As hipóteses aqui declinadas, que, não raro, chegam a concretizar-se no curso do processo eleitoral, não excluem, em absoluto, a propaganda que, a pretexto de divulgar a ação de governo, e, por conseguinte, de cumprir a finalidade institucional que lhe está reservada, apresenta, com nítido e indisfarçável objetivo eleitoral, o candidato tido como situacionista, assumindo, ainda que de forma velada, o compromisso de dar prosseguimento a determinado programa, cuja aceitação, pelos seus destinatários, foi objeto de prévia testificação em pesquisa de conhecimento restrito a determinados setores da administração.

Cabe ressaltar, por oportuno, que as transgressões impostas à Constituição Federal, art. 37, § 1º, quando posteriores à vigência da Lei n. 9.504, de 1997, conformam-se como abuso de autoridade, para fins de apuração e punição pela Justiça Eleitoral, uma vez praticadas no decorrer de uma campanha, com o objetivo de beneficiar o candidato que concorre sob o prestígio das forças situacionistas, como, aliás, restou proclamado pelo Órgão Superior desse segmento do Poder Judiciário, à oportunidade do julgamento do REsp n. 15.297-AL, Classe 22ª, que teve como Relator o Ministro Costa Porto (in: Ementário TSE -nov./98, p. 9).

2 Mau uso do poder. Meio de apuração. Legitimidade ativa. Órgãos competentes para o seu julgamento. Propositura. Termo final

Para garantir a normalidade das disputas eleitorais, e preservá-las de qualquer dos vícios aqui indicados, a Lei n. 4.737, de 1965, depois de assertoar, no caput do art. 237, que "a interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade de voto, serão coibidos e punidos", instituiu o inquérito judicial, dispondo nos seus três parágrafos: "§ 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público, inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim. § 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas e pedir abertura de investigação para apurar o uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político. § 3º O Corregedor, verificada a seriedade da denúncia, procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes for aplicável, pela Lei n. 1.579, de 18 de março de 1952".

Em que pese a sua positivação, esse veículo processual foi pouco manejado, no período em que se operou a vigência do art. 237, §§ 1º a 3º, da Lei n. 4.737, de 1965, em especial porque a reserva de competência ao Corregedor-Geral ou Regional, em todos os pleitos, arrefeceu o ânimo dos sujeitos legitimados ao seu uso. Por outras palavras: é indisputável que se o Juiz Eleitoral pudesse ser provocado, nas eleições municipais, a propósito do abuso do poder econômico, ou do uso indevido do poder de autoridade, a medida teria sido aforada com mais freqüência e, decerto, os cultores da ciência política estariam a carecer, desde então, de razões para duvidar da sua eficácia.

Mas não é só: a legitimação difusa, instituída pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 237, § 2º, estimulou, em partidos e candidatos, a provocação por interposta pessoa, que, encobrindo os interessados no seu resultado, ensejou o ajuizamento da medida não apenas por emulação ou por vindita, mas, também, para provocar impacto no corpo de votantes, às vésperas do pleito, o que acarretou, em derradeira análise, a sua indevida transformação em meio de propaganda.

Após a promulgação da vigente Carta Política, a Lei Complementar n. 64, de 1990, ao tempo em que integrou a disposição inscrita na Constituição Federal, art. 14, § 9º, com o estabelecimento de outras causas de inelegibilidade, para, de par com as vedações insertas nos §§ 4º, 6º e 7º desse artigo, "[...] proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" (José Afonso da Silva, in Curso de direito constitucional Positivo, 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 340), alterou a disciplina da investigação judicial, inspirando-se, para assim proceder, em um objetivo certo e inexorável: colocar, à disposição dos sujeitos mais diretamente interessados na lisura das eleições, dentre os quais desponta o Ministério Público, enquanto defensor do regime democrático (CF, art. 127, caput), um meio dotado de eficiência para submeter, à ação da Justiça, os responsáveis pela utilização do poder econômico ou de autoridade, em detrimento da liberdade de voto.

Em consonância com o desiderato que acaba de ser remarcado, a Lei Complementar n. 64, de 1990, depois de conferir, às Corregedorias-Geral e Regionais Eleitorais, competência para apurar "[...] as transgressões pertinentes a origem dos valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto [...]" (art. 19, caput, e de compelir os servidores públicos, inclusive os vinculados a autarquias, entidades paraestatais e sociedades de economia mista, a colaborar com as investigações (art. 20), declinou o rol dos legitimados a agir, circunscrevendo-os aos partidos políticos, às coligações, aos candidatos e ao Ministério Público.

Frise-se: com o escopo de, a um só tempo, imprimir mais eficiência à investigação judicial e emprestar um maior coeficiente de credibilidade às provocações dirigidas ao Judiciário, a Lei Complementar n. 64, de 1990, restringiu a legitimidade para agir, nos moldes e para os fins previstos no seu art. 22, aos sujeitos interessados no resultado do pleito, porque a ele concorrem ou nele intervêm visando exercitar, em futuro próximo, uma parcela de poder estatal, seja no Legislativo, seja no Executivo, e a uma instituição comprometida, por disposição constitucional expressa (CF, art. 127), com a defesa do regime democrático: o Ministério Público.

Aqui, impõe-se uma observação: os partidos coligados, a partir do instante em que formulam o pedido de registro das candidaturas, fundem-se em uma unidade transitória que, no curso do processo eleitoral, funciona como um partido, desincumbindo-se das obrigações que lhe são impostas, e exercitando as prerrogativas e os direitos que lhe são conferidos (Lei n. 9.504, de 1997, art. 62, § 1º).

Por isso, uma vez perfectibilizada a coligação, com o oferecimento a registro dos candidatos que, sob os seus auspícios, disputarão a preferência do corpo de eleitores, só ela pode provocar o Poder Judiciário, a respeito do uso indevido do poder em detrimento da liberdade de voto, decorrendo, daí, a ilegitimidade da agremiação coligada para fazê-lo isoladamente, no decorrer do processo eleitoral, como vem ressaltando, com uniformidade e reiteração, a doutrina jurisprudencial do colendo Tribunal Superior Eleitoral (Acórdãos n. 269, Rel. Min. Edson Vidigal, e 345, Rel. Min. Eduardo Alckmin).

No que concerne à legitimidade para propor a representação de que cuida a Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, impende destacar outra peculiaridade: embora não figure entre os sujeitos legitimados, o parlamentar pode, por direito próprio, indicar, ao Judiciário, fatos, provas, indícios e circunstâncias, pedindo que sobre eles recaia a investigação, se, do contexto em que estiverem inseridos, for possível deduzir práticas abusivas, seja em razão do uso desmedido de recursos financeiros, por entidades privadas, seja em virtude da ação levada a efeito pelo poder público, exorbitante da competência conferida ao sujeito responsável pela sua prática, ou pouco obsequiosa à teleologia da lei ou ao interesse público, pois o contrário implicaria, em derradeira análise, em negar a um agente político, em cujo plexo de atribuições figura a de fiscalizar a regularidade dos negócios públicos, o direito de suscitar o controle sobre a vida política do Estado (Res. TSE n. 20.303 - Representação n. 25-DF, Classe 30-A , Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in: Ementário TSE, jul./ago. 1998, p. 12).

Assinala a Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, caput, que a representação será endereçada ao Corregedor-Geral ou Regional, que, depois de processá-la, com observância do rito estabelecido nos incisos I a XI, submeterá o seu relatório à consideração do Tribunal, que, em sua composição plena, procederá ao julgamento, de acordo com a ritualística instituída pelos subsequentes itens XII a XV.

Com atinência às eleições municipais, tenha-se que a Lei Complementar n. 64, de 1990, afastou-se, por inteiro, da orientação sufragada pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 237, § 3º, ao conferir, ao Juiz Eleitoral, competência para processar e julgar a representação, com a outorga, a ele, do conjunto de atribuições cometidas aos Corregedores Geral e Regional, para viabilizar o exercício das funções dos seus cargos no âmbito dos Tribunais Superior e Regionais Eleitorais.

Ressalte-se: ainda que as autoridades submetidas à investigação sejam destinatárias de privilégio de foro por prerrogativa de função, a representação será processada e julgada, nos pleitos municipais, pelo Juiz Eleitoral, pois, consoante o discurso pronunciado reiteradamente pelo colendo Supremo Tribunal Federal, a competência originária dos Tribunais, em casos assim, além de cingir-se às situações enumeradas pela Carta Política, não comportando, portanto, nenhuma ampliação, só prevalece nos feitos de natureza penal, os quais não se assemelham às ações públicas que levam, ao conhecimento do Judiciário, questões deslindáveis à luz de normas administrativas, tributárias e eleitorais (REsp Eleitoral n. 15.180-CE, Classe 22ª., Rel. Min. Maurício Corrêa, in: Ementário TSE, p. 11-12, jul./ago.1998).

Uma vez indeferida, na origem, pelo Corregedor-Geral Eleitoral, a representação em causa poderá ser renovada, perante o Tribunal Superior Eleitoral, que, em vinte e quatro horas, decidirá sobre a sua comportabilidade (Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, II). Se houver demora, ou mesmo indeferimento, no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral, o fato poderá ser levado ao conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, que, devidamente cientificado, adotará as providências requestadas pelo caso (Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, III). Como as regras colacionadas só se aplicam aos Tribunais Superior Eleitoral, a primeira, e Regionais Eleitorais, a segunda, a decisão do Juiz Eleitoral que negar trânsito à representação deve ser enfrentada pela via do Recurso Ordinário, como restou assentado no Acórdão proferido à ocasião do julgamento do Recurso Especial sob n. 14.901-RJ -, que teve como relator o eminente Ministro Eduardo Alckmin (in: Ementário TSE, set. 1967, p. 24).

A representação prevista na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, enquanto meio tendente a resguardar a genuína manifestação da vontade popular, não pode ser instaurada depois de ultimado o processo eleitoral, como, de mais a mais, deflui das normas legais que regem os seus processo e julgamento.

Surge, agora, a necessidade de identificar os atos abrangidos pela expressão processo eleitoral, pois, a seu respeito, inexiste um pensamento doutrinário uniforme.

Ao ver do festejado Fávila Ribeiro, o processo eleitoral "[...] envolve um conjunto de atos relacionados à execução do pleito e ao reconhecimento dos resultados", compreendendo, em conseqüência, "[...] desde a organização e distribuição das mesas receptoras, à realização, apuração das eleições, reconhecimento e diplomação dos eleitos" (in: Direito eleitoral. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 106).

Outros estudiosos da matéria, preconizando uma conceituação mais abrangente, sustentam que o processo eleitoral tem início com as convenções, convocadas para deliberar sobre a formação de coligações e a escolha de candidatos, e termina com a diplomação, que tem como antecedentes, lógicos e cronológicos, a votação, a apuração e a proclamação dos eleitos.

No meu particular modo de ver, a anterioridade da lei modificadora do processo eleitoral, que desponta da disposição inscrita na constituição Federal, art. 16 - "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data da sua vigência" -, forçou uma modificação desse conceito, que passou a alcançar o instante em que os candidatos precisam satisfazer os requisitos indispensáveis ao oferecimento do seu nome a registro pela Justiça Eleitoral (Res. TSE n. 17.844 - Consulta n. 128 - DF, - Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, I, p. 1347-1348, 17.2.92).

Sobreleve-se: o alvitre que acaba de ser feito encontra conforto, também, na lei n. 9.504, de 1997, cujo art. 92, caput, prescreve: "Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio na circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo".

Pois bem: se a lei n. 9.504, de 1997, que estabelece normas para as eleições, diz que as condições de elegibilidade, domicílio eleitoral e filiação partidária, devem ter preexistência ânua em relação ao pleito, é razoável entender-se que, a partir daí, começa o processo eleitoral, em virtude da projeção dessas exigências no registro das candidaturas e, até mesmo, no reconhecimento dos eleitos pelo sistema de representação proporcional.

Feito este aclaramento, que tem sólida radicação no direito positivado pela lei e pela jurisprudência, cabe ressaltar, de modo conclusivo, que, destinando-se à apuração e à repressão de vícios capazes, ao menos potencialmente, de comprometer a legitimidade do processo eleitoral, a representação de que se ocupa a lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, pode ser proposta até a data da diplomação dos eleitos, valendo agregar, de mais a mais, que as questões surgidas, desse momento em diante, conformam-se como questões políticas e, marcadas por esse predicamento, sujeitam-se à competência da Justiça Comum (REsp Eleitoral n. 15.099-PR, Classe 22ª, Rel. Min. Maurício Corrêa, in: Ementário TSE, jun.1998, p. 9-10; Agravo de Instrumento n. 941-Al, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in: DJU, I, p. 63, 12.3.1999; REsp. Eleitoral n. 11.994-RJ, Rel. Min. Torquato Jardim, in: Revista de Jurisprudência do TSE, v. 8, n. 1, p. 164; e REsp Eleitoral n. 12.531-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, in: Revista de Jurisprudência do TSE, v. 7, n. 4, p. 290).

3 Fato determinado. Pressuposto específico da representação

A Lei n. 4.737, de 1965, art. 237, § 3º, e a Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 21, têm um ponto em comum: a expressa remissão à Lei n. 1.579, de 1952, que, dispondo sobre as comissões parlamentares de inquérito, assegura-lhes, no art. 12, caput, "[...] ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação".

A norma focalizada, que, em um primeiro momento, hauriu o seu fundamento de validade da Constituição Federal de 1946, art. 53, teve sua recepção operada pela vigente Carta Política, que, à semelhança dos ordenamentos que lhe precederam, recita: "As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço dos seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores".

Destarte, as comissões parlamentares de inquérito, sofrem duas expressivas limitações constitucionais: (a) a vinculação do poder investigatório a uma atribuição constitucional específica, sendo defeso ao órgão incumbido de conduzir o inquérito parlamentar, em conseqüência, estender a investigação a fato estranho à alçada da Casa ou do Congresso, e (b) a existência de um fato determinado, sobre o qual possa recair a investigação, que, por razões plausíveis, não ostenta aptidão para incidir sobre faticidades imaginárias, ou para recair sobre "crises in abstracto", como bem demonstrou Pontes de Miranda (in: Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969. t. 3 Revista dos Tribunais, p. 50).

Como, para investigar o uso indevido do poder econômico ou do poder de autoridade em desfavor da liberdade de voto não se faz necessário o emprego dos meios previstos na Lei n. 1.579, de 1952, é indisputável que a remissão, a ela, indica que a anormalidade objeto da sindicância devem aparecer, concretamente, como um acontecimento determina do de maneira circunscrita e definida, afigurando-se inadmissível, portanto, o manejo da representação em face de algo indiscriminado e ilimitado, máxima porque a sua instauração, não raramente, faz periclitar direitos fundamentais relativos à liberdade, à imagem e à vida pública e privada dos cidadãos.

Via de conseqüência, em símile com as comissões parlamentares de inquérito, cuja criação reclama um fato determinado, que, para os fins cogitados, "[...] é fato concreto, específico, bem delineado, de modo a não deixar dúvida sobre o objeto a ser investigado" (CRETELLA JÚNIOR, José. In: Comentários à Constituição de 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, v. 5, p. 2700; JAOUES, Paulino. Comissão parlamentar de inquérito e governo de gabinete. In Revista forense, 151/83-85; CAMPOS, Francisco. Parecer publicado na Revista Forense, 195172-99; HORTA, Raul Machado. Limitações constitucionais dos poderes de investigação. In: Revista de direito público, Ano II, jul./set. 1968, 5/35-40; REALE, Miguel. Poderes das comissões parlamentares de inquérito. In: Questões de direito público, Saraiva, 1997, p. 101- 115; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. In: Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, 1992, v. 2, p. 70), a investigação judicial deve gravitar em torno de uma situação fática previamente definida, pena de ser denegada, ao legitimado que vier a manejá-la, a exercitação do poder investigatório afeto ao Judiciário.

Decorre, daí, que a prova, produzida no curso da investigação, precisa guardar pertinência lógica com a situação submetida à ação investigatória, que, não sendo genérica ou indefinida, mas eminentemente específica, há de ter um conteúdo concreto, suscetível de avaliação prévia quanto a sua compreensão, extensão, conteúdo e alcance, e, assim, em ordem a delimitar a atuação dos sujeitos que formam a angularidade processual, que não podem escapulir do fato sindicado, nem transpor as suas balizas, especialmente quando praticam atos convergentes para formação de testemunhos e a produção de documentos.

4 Julgamento. Nexo de causalidade. Sanção de inelegibilidade. Termo inicial

Discute-se, com certa freqüência, sobre a necessidade do nexo de causalidade, para ensejar a procedência da representação, ante a gravidade decorrente da decisão que a acolhe.

Cumpre salientar, antes de mais nada, que a procedência da representação não se encontra, em absoluto, condicionada à escorreita comprovação de uma relação de causa e efeito, vinculando as práticas viciosas ao resultado das urnas, pois, a prevalecer esse entendimento, o requerente teria que quantificar, ao menos por aproximação, o número de votos conquistáveis por efeito dos expedientes abusivos.

Para superar a apontada dificuldade entende-se que ao requerente basta evidenciar, apenas, a existência de um grupo ou de um esquema de apoio ou sustentação a determinado candidato, custeado por recursos públicos ou privados, e a potencialidade dos atos por ele praticados, com excesso de poder ou desvio de finalidade, ou, ainda, em desacordo com as normas concebidas para reger a movimentação financeira das campanhas, para alterar o resultado das eleições.

Essa potencialidade, só por si, conforma o nexo de causalidade, viabilizando, em conseqüência, a aplicação, às situações emergentes, da norma inscrita na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, XIV, com todos os efeitos por ela permitidos ou dela decorrentes.

Portanto, a prova do nexo de causalidade, a que se referiu o colendo Tribunal Superior Eleitoral, à oportunidade do julgamento do Recurso Ordinário sob n. 5 - Classe 27ª - MT -, de cujo acórdão foi relator o Ministro Maurício Corrêa (Ementário TSE 1998, p. 10), encerra-se na potencialidade do ato para ocasionar o desequilíbrio da disputa e influir, decorrencialmente, no resultado do pleito (REsp Eleitoral, n. 15.161- SP, Classe 22ª, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in: Ementário TSE 1998, p. 11).

Se o ato investigado tiver potencialidade para desigualar o embate, em benefício de determinado candidato, está o Judiciário titulado a concluir pela procedência da representação, sem que se possa apontar, em casos que tais, a ausência de prova robusta e conclusiva.

Doutro lado, inexistindo vinculação causal, com as características que vêm de ser declinadas, a exemplo do que ocorre com a prática regular de atos de governo, ou com a requisição de cadeia de rádio e televisão, destinada ao esclarecimento de fato ou situação, por exercente do Poder Executivo candidato à reeleição, não tem cabimento a procedência da representação, a teor do inconcusso magistério pretoriano (Recurso na Representação n. 54-DF, Classe 30ª, Rel. Min. Fernando Neves, Res. TSE n. 20.228- Representação n. 46-DF, Classe 30-A, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Res. TSE n. 20.303- Representação n. 25-DF, Classe 30ª, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, e Agravo Regimental na Representação n. 96-PR, Classe 30ª, Rel. Min. Edson Vidigal, in: Ementário TSE 1998, p. 12-13).

Se o ato submetido à investigação despontar, à oportunidade do julgamento, com potencial idade lesiva, cabe ao Órgão Jurisdicional, ao proferi-lo, identificar as pessoas por ele responsáveis, para, forte nessa identificação, pronunciar, individualizadamente, a inelegibilidade prevista na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, XIV.

Se a sentença ou o acórdão antecederem às eleições, a procedência da reclamação acarretará, em conjunto com o cancelamento do registro deferido ao candidato beneficiado, a imposição da inelegibilidade, aos responsáveis pela prática viciosa, cujo prazo, que é de três anos, começará a fluir da data designada para a eleição contaminada pelo abuso.

Aclare-se: ante a proscrição da responsabilidade objetiva, em casos que tais, a inelegibilidade alcançará apenas os responsáveis pela prática do ato, não devendo, portanto, incidir necessariamente sobre o candidato, que conservará íntegros os seus direitos políticos, se dele não tiver participado, ou para ele não tiver concorrido, direta ou indiretamente.

Eis, a propósito, o magistério jurisprudencial:

Abuso de poder econômico. Sendo a normalidade do pleito o valor a ser resguardado, a cassação do registro poderá ocorrer, ainda que, para a ilicitude, não concorra o candidato. Necessidade, em tal hipótese, da demonstração de que fortemente provável haja a prática abusiva distorcido a manifestação popular, com reflexo no resultado das eleições. Imputável ao candidato o procedimento ilícito, além da cassação do registro, resultará a inelegibilidade. Em tal caso, bastará a potencialidade de ser afetada a normalidade das eleições, não se exigindo fique evidenciado o forte vínculo da probabilidade que se faz mister quando a prática é de responsabilidade de terceiro. Havendo abuso, mas desacompanhado de risco de perturbar-se a normalidade do pleito, poderá a conduta levar a aplicação da pena pecuniária. Hipótese em que não se teve como demonstrada a participação do candidato, nem se vislumbrou a possibilidade de a livre escolha do eleitorado haver sido atingida. Prova. Reexame. Inviabilidade do Recurso Especial (Agravo de Instrumento n. 1.136-MT, Classe 2ª, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in Ementário TSE, out. 1998, p.9-10).

Embora concorde, em linhas gerais, com o entendimento expresso no acórdão de que dá notícia a ementa transcrita, dele me afasto em um ponto: a necessidade de um nexo causal mais pujante, quando o abuso não contar com o concurso do candidato. Esse reparo não se alenta na falta de distinção legal, porque seria muito simples repetir o tão conhecido bordão: onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. A pouca cientificidade do magistério jurisprudencial, no particular, decorre da circunstância, ainda não percebida, de que a pronúncia da inelegibilidade, à semelhança do que se passa com o cancelamento do registro, não encerra uma sanção, mas uma mera conseqüência do reconhecimento, pelo Poder Judiciário, do uso do poder de autoridade em desacordo com as normas de competência, ou da utilização de recursos econômicos à margem das normas de regência da movimentação financeira das campanhas, com o objetivo, ostensivo ou velado, de provocar um desequilíbrio na disputa, em prol de determinado candidato.

Se estivéssemos transitando na província reservada ao direito disciplinar, seria possível cogitar da imposição de pena. Mas de matéria disciplinar não se cogita, porque o cancelamento do registro, na dicção da própria Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, XIV, resulta da vantagem proporcionada ao candidato contemplado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio do poder de autoridade, não exigindo, a norma de regência, que o ato conte com o seu concurso.

Pois bem: se a inelegibilidade fosse sanção, o cancelamento do registro também seria, com o consectário daí decorrente: a impossibilidade da sua decretação, se do ato não tivesse participado o candidato por ele afetado.

A decisão que concluir pela procedência da representação focaliza- da, uma vez marcada pelo trânsito em julgado, conforma a causa de inelegibilidade prevista na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 12, I, "d", que alcança: "os que tiverem contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrerem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos três anos seguintes". Com essa norma articula-se, íntima e necessariamente, o preceito substanciado no art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64, de 1990, que elucida: "[...] o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos três anos subsequentes à eleição em que se verificou [...]".

Interpretadas no contexto em que se encontram inseridas, as normas transcritas ensejam uma primeira conclusão: se a decisão que concluir pela procedência da representação transitar em julgado antes de empossado o candidato beneficiado pelas condutas viciosas, a desconstituição do registro, que advirá da sua eficácia retrooperante, nulificará o diploma, por força das cláusulas "[...] para a eleição na qual concorrerem ou tenham sido diplomados [...]" e "[...] ou declarado nulo o diploma, se já expedido", incitas, respectivamente, nos arts. 1º; I, "d", e 15, da Lei Complementar n. 64, de 1990.

Caso o trânsito em julgado da decisão seja superveniente à posse, o diploma será preservado, subsistindo, em conseqüência, o direito ao exercício do cargo, sem prejuízo, contudo, da inelegibilidade, que, tendo como termo inicial a eleição em que ocorreu o abuso, vigorará nos três anos que se lhe seguirem, como, aliás, pacificou a doutrina jurisprudencial: Recurso Ordinário n. 18-DF, Classe 27ª, Rel. Min. Maurício Corrêa, in: Ementário TSE, jul. 1998, p. 9; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 838-AL , Classe 22ª, Rel Min. Eduardo Alckmin; REsp Eleitoral n. 12.716-MG, Classe 22ª, Rel. Min. Nilson Naves; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1. 123-RJ, Classe 2ª, Rel. Min. Eduardo Alckmin; e REsp Eleitoral n. 15.399-MG, Classe 22ª, in: Ementário TSE 1998, p. 17-19.

Sustentam alguns, sem razão, que a fluência do prazo de inelegibilidade, nessa situação, ao invés de principiar na data da eleição, deveria ter início no trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, pois, para que afastem a sua incidência, aos sujeitos dela passíveis será bastante socorrer-se da via tortuosa dos recursos.

Em que pese seja isso o que ordinariamente sucede, na prática, não se faz necessária a alteração das normas colacionadas, e, menos ainda, a modificação do seu sentido, por via de construção doutrinária e jurisprudencial, para que o início do prazo de inelegibilidade seja contemporâneo ao trânsito em julgado da decisão. Sim, porque a eficácia da lei de inelegibilidades, no particular, não se fará sentir com a adoção de nenhum desses alvitres, porque ela depende de uma circunstância que ao jurista não é dado dissociar de sua aplicação: a rápida solução das questões eleitorais, que não pode desbordar dos prazos, necessa riamente exíguos, fixados na legislação, valendo agregar, de mais a mais, que esse comportamento, se transformado em regra, contribuirá, de modo decisivo, para o equilíbrio da vida política da nação.

No tangente à decisão, cumpre acrescer, ainda, que a pronúncia da inelegibilidade, decorrendo lógica e necessariamente dos termos da Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, XIV, independe de pedido expresso, formulado pelo requerente, não podendo o sujeito tocado pela sentença, pelo só fato da omissão, apontar como violado o preceito veiculado pelo Código de Processo Civil, art. 460 (REsp Eleitoral n. 15.275-MG, Classe 22ª, Rel. Min. Eduardo Alckmin).

5 Recursos

A decisão proferida a propósito da representação prevista na Lei Complementar n. 64, de 1990, desafia os recursos previstos na Constituição Federal e na Lei n. 4.737, de 1965, cuja adequação varia de acordo com a natureza dos cargos em disputa.

Assim, estando a representação sujeita à competência originária do Tribunal Regional Eleitoral, nas eleições federais e gerais, cabe recurso ordinário para o Tribunal Superior Eleitoral, como ressumação de uma interpretação sistêmica das normas insertas na Constituição Federal (art. 121, § 4º, III) e na Lei n. 4.737, de 1965, art. 276, II, "a". Do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua competência recursal ordinária, afigura-se interponível o recurso extraordinário, nos casos sublinhados pela Constituição Federal, art. 102, III, "a" e "b", e pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 276, I, "a" e "b".

Se, porém, estiver em lide eleição municipal, destinada à escolha de prefeito e vereador, da sentença que concluir pela sua procedência ou improcedência da representação tem-se como comportável o recurso ordinário para o Tribunal Regional Eleitoral. Do acórdão que emanar dessa Corte, poderá caber recurso especial, para o Tribunal Superior Eleitoral, desde que conformadas as hipóteses descritas pela Constituição Federal, art. 121, " "a" e "b", e pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 276, I, "a" e "b".

Vale lembrar, por oportuno, que as interlocutórias proferidas no curso da investigação não desafiam o agravo de instrumento, ante a incompatibilidade desse recurso com a sumariedade imposta, ao procedimento, pela Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 21.

Por fim, é imperioso lembrar que, para o agente do Ministério Público, a fluência do prazo recursal requesta a sua intimação pessoal, ainda que o órgão por ele representado funcione apenas como custus legis, não se devendo esquecer que a imprescindibilidade da cientificação, por essa forma, advém da essencialidade das suas funções para a correta exercitação dos cometimentos afetos à Justiça Eleitoral (REsp Eleitoral n. 14.901-RJ, Rel. Min. Eduardo Alckmin, in: DJU, I, 12.9.1997, p. 43815).

6 Provas

Quando se refere à investigação judicial, a Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 23, diz que "o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral".

O dispositivo transcrito mostra, à evidência, que a Lei Complementar n. 64, de 1990, não faz nenhuma transigência com a verdade formal, que aparece, nos autos, como resultado das indagações e perquirições feitas pelo Juiz, com base nas descrições fáticas deduzidas pelas partes, requestando, ao invés, a rigorosa adoção do princípio da verdade real, que busca saber como os fatos se passaram e efetivamente ocorreram no mundo fenomênico.

Ressalte-se: no cível, onde o Magistrado, não raro, é chamado a decidir sobre direitos disponíveis, é possível ao Juiz transigir com a verdade material, em especial porque o seu poder autônomo de investigação torna-se rarefeito, se não ceder, por inteiro, à renúncia de qualquer das partes à produção de determinada prova, ou à vontade, por elas validamente manifestada, de compor o litígio mediante transação.

Ou na precisa lição de Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] o processo penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da declaração de certeza da verdade real, em princípio, é, sem dúvida, de todo o ordenamento processual, seja penal, seja civil, etc. mas, quando os particulares podem dispor livremente de seus interesses, um acordo direto ou indireto entre eles pode excluir, no todo ou em parte, necessária ou eventualmente, a verdade real do processo civil, sem dano, antes, com vantagem para a ordem das relações patrimoniais. Na verdade, enquanto o Juiz não-penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no processo penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça (in: Processo penal, 5. ed., São Paulo: Javoli, 1975, v. 1, p. 56-57).

Sem embargo de respeitantes à produção, à análise e à valoração da prova, no âmbito do processo penal, estas considerações guardam compatibilidade e concordância com a sistemática sufragada pela Lei Complementar n. 64, de 1990, que preconiza, ainda, o afastamento da posição de expectador passivo da cena social, tradicionalmente adota- da pelo Juiz, e, em conseqüência, a sua imersão no meio em que vive, para que possa motivar sua decisão no quadro fático captado diretamente da realidade, ainda que não referido pelas partes, e, assim, prestar uma contribuição mais excelsa ao aperfeiçoamento das instituições democráticas.

Esse princípio, apesar de destinado, expressamente, ao exercício da atividade jurisdicional, não é inconciliável com os desempenhos funcionais reservados ao Ministério Público, que, nas suas manifestações processuais, pode trabalhar com a certeza haurida do contexto social em que os seus agentes se encontram inseridos, à semelhança do que sucede com o órgão jurisdicional.

Não se pretende, em absoluto, que o Juiz e o Promotor sobreponham, à prova carreada para os autos, a sua percepção pessoal da faticidade. Quer-se, apenas, remarcar que eles podem fundir uma a outra para realizar, ao cabo dessa operação, o desiderato maior da Justiça Eleitoral: a solução dos litígios sujeitos à sua jurisdição, com base nos resultados da investigação sobre a verdade de um fato, que, desenvolvendo-se no interesse público, transpõe todo e qualquer obstáculo.  

Subprocurador-Geral da República.

* Texto base de palestra proferida no III Encontro de Juízes e Promotores Eleitorais, promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Florianópolis, julho de 2000.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 7, n. 2 (jul./dez. 2000).

 

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