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Instrumentos de impugnação do diploma: a ação prevista na Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, e o recurso contra a expedição do diploma

Por: Eduardo Antônio Dantas Nobre

1 O princípio da igualdade. Considerações gerais

A base do Estado Democrático, e de todos os direitos que integram o seu arcabouço jurídico, reside, indubitavelmente, no princípio da igualdade, que, dentre os direitos fundamentais, exsurge como o de maior relevo no Direito Constitucional hodierno.

As novas diretrizes impostas pela doutrina constitucional que hoje conhecemos, cuja projeção alcançou, de modo linear, o legislador, o administrador e o juiz, converteu, em igualdade real ou material, a igualdade jurídica ou formal do liberalismo: a igualdade perante a lei cedeu lugar a uma igualdade feita pela lei ou, se quisermos, a uma igualdade através da lei.

Fora das esferas abstratas, a isonomia já não ignora o primado do fator ideológico e, outrossim, as demais considerações de caráter axiológico, que lhe integram o conceito, criando, assim, uma crise para a vetusta igualdade jurídica do antigo Estado de Direito.

Frise-se: conquanto tenha se levantado, em um primeiro momento, com o viés ideológico que lhe fora comunicado pelo direito natural, a igualdade experimentou, depois, um intenso processo de despolitização, adquirindo, a partir daí, uma neutralidade de aparência, que subsistiu enquanto sobreviveu o Estado de Direito da burguesia liberal e capitalista do século XIX.

Antes que se elevassem à contemporânea posição de proeminência, que se opulentou graças à regra isonômica, os direitos sociais fundamentais formaram uma categoria de direitos que o Estado concedeu, mas não chegou a garantir.

Os óbices à plena e regular exercitação desses direitos ensejaram o surgimento de uma fase de tensão, marcada por constantes conflitos entre os direitos fundamentais de inspiração liberal e os direitos de outro teor, os quais, em razão da crise, passaram a demandar revisões atualizadoras, que culminaram com a concretização do seu conteúdo material.

Lembra PAULO BONAVIDES, forte no magistério de KONRAD HESS e de HERMANN HELLER, que o princípio da igualdade atua, a um só tempo, como o "...elemento essencial de uma Constituição aberta;", e como a "...porta de penetração por onde a realidade social e impregnada de valores diariamente ingressa na normatividade do Estado" (cfr. in Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 7ª ed., São Paulo, 1977, p. 342).

Em obséquio à faticidade aqui enfocada, a igualdade requesta um programa de repartição dos bens e valores partilháveis, no espaço físico ocupado por uma determinada sociedade, valendo agregar, de mais a mais, que as Cortes Constitucionais da Europa, em especial a de Karlsruhe, na Alemanha, encaram o atingimento desse desiderato como uma obrigação do Estado.

Sobreleve-se: o Estado deve atuar como um produtor de igualdade real, pois esse norte, se tomado como um fator de hermenêutica constitucional, compelirá o Poder Público a prestações positivas e ao fornecimento de meios que, voltados para a concretização dos comandos normativos da isonomia, evoluirá, mais cedo ou mais tarde, para uma situação marcada pela equivalência de direitos.

Os direitos fundamentais não mudaram; ao revés, impregnaram-se de uma dimensão nova e adicional, com o reconhecimento e a introdução dos direitos sociais básicos. A igualdade não elidiu a liberdade; mas sem a igualdade, a liberdade reduz-se a um valor vulnerável, podendo, em certos casos, assumir um aspecto verdadeiramente ilusório: o de um predicamento apenas nominal ou caricato.

Tocante ao Direito Eleitoral, a Constituição, com o fito de igualizar, no mundo fenomênico, os cidadãos que se submetem à escolha popular, instituiu, ou permitiu que fossem instituídas, regras imprescindíveis à realização do princípio inscrito no seu art. 5º, caput, que têm substanciação nas causas de inelegibilidade, veiculadas por ela própria - CF, arts. 14, parágrafos quarto a sétimo, e 15, I a V -, ou diferidas à Lei Complementar - CF, art. 14, parágrafo nono -, e nas condições de elegibilidade - CF, art. 14, parágrafo terceiro, incisos I a VI -, que se distinguem a partir do tratamento que lhes dispensou o Estatuto Supremo.

As causas de inelegibilidade, enquanto impedimentos à capacidade eleitoral passiva, ou ao direito de ser votado (cfr. José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., p. 334), eliminam, por efeito de sua incidência, a possibilidade de o eventual candidato obter o registro de sua candidatura, e, não raro, repercutem sobre a diplomação, retirando, do eleito, a condição imprescindível ao exercício do mandato.

Já as condições de elegibilidade, que são exigidas, indistintamente, de todos aqueles que tencionam colocar os seus nomes à consideração do eleitorado, configuram requisitos de natureza constitucional que, se não preenchidos à oportunidade do registro, inviabilizam a candidatura e, em consequência, erguem-se em óbice a que o cidadão, embora elegível em sentido amplo, tenha o seu nome sufragado pelos detentores da cidadania ativa.

Mas as causas de inelegibilidade e as condições de elegibilidade, só por si, afiguram-se insuficientes para garantir a concreta realização da igualdade, nas pugnas eleitorais, e, assim, assegurar a genuína manifestação da vontade popular.

Por isso, o legislador, nos limites da autorização que lhe foi dada pela norma constitucional de regência - CF, art. 14, § 9º -, introduziu, na ordem jurídica, um instrumento destinado a controlar a regularidade do processo eleitoral, sendo certo que a sua adequada utilização revela eficiência para expungir, das contendas eleitorais, as práticas impedientes do escorreito exercício do direito de voto: o uso indevido do poder econômico ou de autoridade e a utilização massiva dos veículos de comunicação social - Lei Complementar n. 64, de 1990, arts. 19 a 22.

Não se deve olvidar, entretanto, que essa rede de proteção ao eleitor, não raro, mostra-se insuficiente para imprimir efetividade ao objetivo visado pelas indicadas regras constitucionais e infraconstitucionais: a pureza do regime democrático.

Sensível a essa constatação, o direito positivo incluiu, entre os seus veículos processuais, dois instrumentos tendentes a hostilizar os mandatos ilegitimamente obtidos, através da invalidação dos diplomas outorgados aos seus titulares: a ação prevista na Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, e o recurso contra a expedição de diploma - Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, I a IV.

Ressalte-se: ao tempo em que colocou, à disposição dos sujeitos legitimados, os referidos instrumentos processuais, a ordem jurídica vigente, em obséquio à presunção de legitimidade inerente ao mandato conquistado nas urnas, proibiu, de forma terminante, a utilização de outros veículos, com a mesma finalidade, como, aliás, decidiu o c. Tribunal Superior Eleitoral, à ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral sob n. 12.657 - CE - Classe 22ª -, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in Ementário Decisões do TSE, n. 7, Brasília, setembro, 1997, p. 11-12; do mesmo Relator, à pág. 12 da indicada publicação: Recurso Especial Eleitoral n. 15.070 - RN - Classe 22ª).

2 As fases do processo eleitoral. Proclamação e diplomação dos eleitos

O processo eleitoral, ao ver do festejado Fávila Ribeiro, envolve "...um conjunto de atos relacionados à execução do pleito e o reconhecimento dos resultados.", compreendendo, portanto, "...desde a organização e distribuição das mesas receptoras, à realização, apuração das eleições, reconhecimento e diplomação dos eleitos" (cfr. in Direito Eleitoral, ed. Forense, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1986, p. 106).

Outros estudiosos da matéria, preconizando uma conceituação mais abrangente, sustentam que o processo eleitoral tem início com as convenções, convocadas para deliberar sobre a formação de coligações e a escolha de candidatos, e termina com a diplomação, que tem como antecedentes, lógicos e cronológicos, a votação, a apuração e a proclamação dos eleitos.

No meu particular modo de ver, a anterioridade da lei modificadora do processo eleitoral, que ressai da disposição inscrita na Constituição Federal, art. 16 - "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência." -, forçou uma modificação desse conceito, que passou a alcançar o instante em que os candidatos precisam satisfazer os requisitos indispensáveis ao oferecimento dos seus nomes a registro pela Justiça Eleitoral (Resolução n. 17.844 - Consulta n. 128 - DF - Classe 10, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, in DJU, Seção I, 17.2.1992, p. 1347-1348).

Mas não é só: o alvitre que vem de ser feito encontra conforto, também, na Lei n. 9.504, de 1997, cujo art. 9º, caput, prescreve que "Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo."

É dizer: se a Lei n. 9.504, de 1997, que "Estabelece normas para as eleições.", diz que as condições de elegibilidade, domicílio eleitoral e filiação partidária devem ter preexistência ânua, em relação ao pleito, é razoável entender-se que, a partir daí, começa o processo eleitoral, em virtude da projeção dessas exigências no registro das candidaturas e, até mesmo, no reconhecimento dos eleitos pelo sistema de representação proporcional.

Abstraídas estas divergências, tenha-se presente que, sem embargo da posição assumida, sobrelevam duas fases que se sucedem, lógica e cronologicamente, no curso do processo eleitoral: a proclamação dos eleitos e a diplomação.

Evidencie-se: a diplomação, além de culminar o processo eleitoral, baliza a competência da Justiça Eleitoral, pois a ela é defeso, de modo terminante, conhecer e decidir as questões surgidas após a sua realização, destacando-se, dentre elas, a posse e a perda superveniente dos direitos políticos (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.108 - Classe 22ª - Goiás, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in DJU, Seção I, 5.12.1997, p. 64.002).

Uma vez apurados os votos, o órgão competente da Justiça Eleitoral reconhece os eleitos, e, com o fito de oficializar esse reconhecimento, leva a efeito a publicação dos resultados, sem reservas ou omissões, dando a conhecer, assim, a real manifestação da vontade popular.

Ato em causa, que é identificado como proclamação dos eleitos, a despeito de não comportar qualquer modalidade de recurso, fornece as bases em que será realizada a diplomação dos candidatos vitoriosos, e dos seus respectivos suplentes, como ressalta o acatado Tito Costa, na obra Recursos em Matéria Eleitoral, ed. Revista dos Tribunais, 5ª ed., São Paulo, 1986, p. 122.

Sobreleve-se: se a proclamação reconhece os eleitos e os respectivos suplentes, imprimindo relativa estabilidade ao resultado do pleito, tem-se que ela reveste-se de caráter constitutivo, em ordem a gerar, para os mais votados, a condição de eleitos, que, ao fim e ao cabo, será declarada à oportunidade da diplomação.

Via de consequência, nas eleições que obedecem ao princípio majoritário, a morte ou a perda dos direitos políticos do candidato eleito a Presidente da República, a Governador do Estado, a Prefeito Municipal ou Senador da República, depois de consumada a proclamação e antes do advento da diplomação, faz nascer, para o Vice ou para o suplente com ele registrado, o direito subjetivo ao exercício do mandato, como realçou o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, em elucidativo acórdão da lavra do Ministro Maurício Corrêa, que ficou assim ementado:

"Recurso Especial. Falecimento do candidato eleito. 1. Os efeitos da diplomação do candidato pela Justiça Eleitoral são meramente declaratórios, já que os constitutivos evidenciam-se com o resultado favorável das urnas. 2. O falecimento do candidato eleito ao cargo de Prefeito, ainda que antes da expedição do diploma, transfere ao Vice-Prefeito o direito subjetivo ao exercício do mandato como titular. Recurso não conhecido" (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.069 - RN, in DJU, Seção I, 17.10.1997, p. 194).

A diplomação, enquanto ato de natureza declaratória, a cargo da jurisdição eleitoral, credencia os eleitos, habilitando-os, pois, ao exercício dos mandatos por eles conquistados.

A diplomação, que tem lugar em sessão pública, ordinariamente convocada ao ensejo da proclamação, trava-se entre a Justiça Eleitoral e o diplomado, embora possa realizar-se unilateralmente, com a entrega do diploma a determinado candidato, em separado, caso seja impossível o seu comparecimento à solenidade aprazada.

Além dos candidatos e dos seus suplentes, da diplomação devem ser cientificados, com antecedência, os partidos políticos, as coligações e o Ministério Público, pois, só assim, essas importantes instituições poderão fiscalizar, em toda a sua plenitude, o ato que, testificando a validade do pleito e a legitimidade dos seus resultados, irá habilitar os eleitos à exercitação dos mandatos que lhes foram confiados.

Se é certo que a diplomação tem, como pressuposto fundamental, a consagração dos resultados eleitorais, não é menos certo que ela refere-se a toda a eleição, contemplando, desse modo, a universalidade dos candidatos, ainda que um ou outro a ela não compareça.

Decorre, daí, que, se a ata da sessão não indicar a nulidade do ato, da sua consumação começam a fluir, inclusive para os candidatos que a ele se fizerem ausentes, os prazo reservados ao manejo das medidas dotadas, pela Constituição - art. 14, §§ 10 e 11 - e pela Lei - Código Eleitoral, art. 262, I a IV -, de aptidão para vergastar os mandatos obtidos por eficiência da imposição de maus tratos ao princípio da igualdade, e, pois, de modo vicioso.

Tocante a cada candidato, isoladamente considerado, a diplomação substancia-se em documento que, declarando, no que lhe respeita, o resultado do pleito, deve consignar, afora outros dados, (a) a legenda sob a qual concorreu, (b) o cargo para o qual foi eleito ou (c) a sua classificação como suplente (Lei n. 4.737, de 1965, art. 215, parágrafo único).

Já a competência para diplomar encontra-se estabelecida pela disposição inscrita no art. 215, caput, da Lei n. 4.737, de 1965, segundo a qual "Os candidatos eleitos, assim como os suplentes, receberão diploma assinado pelo Presidente do Tribunal Superior, do Tribunal Regional ou da Junta Eleitoral, conforme o caso."

Resultam, desse dispositivo, dois importantes efeitos: a competência para diplomar guarda simetria com as competências para registrar as candidaturas - Lei n. 4.737, de 1965, art. 89, I, II e III - e para apurar os resultados - Lei n. 4.737, de 1965, art. I, II e III, cabendo: às Juntas Eleitorais, nas eleições municipais; aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais e gerais; e ao Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições presidenciais; e a diplomação é ato de órgão colegiado - Junta Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Superior Eleitoral -, conquanto o diploma traga, apenas, a assinatura do seu Presidente.

Por fim, impende ressaltar que a Lei n. 4.737, de 1965, art. 216, com o escopo de propiciar o pleno exercício do mandato, consagra a intangibilidade do diploma, assegurando, ao titular do cargo eletivo, a prática de todos os atos que lhe estão afetos, até que a Justiça Eleitoral julgue, em definitivo, a medida judicial voltada para a sua impugnação e, decorrencialmente, tendente a fazer cessar a exercitação do mandato.

Dispositivo em foco, a despeito de referir-se, somente, ao recurso previsto na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, I a IV, mostra-se apto a proteger o mandato em face da ação de que cuida a Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, e, também, diante de pedido de recontagem, pois as situações por último assinaladas potencializam, à evidência, uma inversão dos resultados apurados.

Outra, a propósito, não é a orientação de que "...se o art. 216 revela que o recurso interposto para esta Corte, no caso de impugnação a diploma, o diplomado pode exercer o mandato em sua plenitude, a fortiori, o preceito também sugere que no pedido de recontagem - e recontagem com resultado apresentando diferença mínima de votos - deva observar-se, até que haja o crivo do Tribunal Superior Eleitoral, a intangibilidade do diploma.", que restou sufragada pela c. Corte Superior Eleitoral, quando do julgamento da Medida Cautelar Inominada objeto do Processo sob n. 13.874 - BA, Classe 10ª, que teve como relator o eminente Ministro MARCO AURÉLIO (cfr. in Jurisp. Trib. Sup. Eleit., Brasília, 6(1): 11-422; na mesma revista, p. 216-220: Recurso n. 11.488, rel. Min. JOSÉ CÂNDIDO).

Em suma: proposta a desconstituição do diploma, por qualquer dos meios previstos nas normas constitucionais e legais de regência da matéria - CF, art. 14, §§ 10 e 11, e Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, I a IV -, ou na pendência do julgamento de pedido de recontagem, incide, concretamente, o preceito inserto na Lei n. 4.737, de 1965, art. 216, ficando, em consequência, preservadas a intangibilidade do diploma e a plenitude do mandato, até que sobrevenha a decisão definitiva da Justiça Eleitoral.

3 Ação de impugnação de mandato eletivo. Cabimento. Processo. Peculiaridades

Dispõe a Constituição Federal, art. 14, § 10, que "O mandato eletivo poderá ser impugnado pela Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.", acrescentando, logo a seguir - art. 14, § 11, que "A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de Justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má fé."

O texto constitucional, nos dispositivos transcritos, criou um meio de repressão aos vícios que desnaturam ou deformam o mandato popular, pois, ao invés de penalizar o candidato, a sentença por ele pedida veiculará uma censura ao diploma obtido graças ao abuso do poder econômico, da corrupção ou da fraude, e, desconstituindo-o, obstará o exercício do cargo eletivo, pelo tempo que sobejar ao seu trânsito em julgado.

Esta afirmação, que tem sólida radicação constitucional, sugere que a Carta Política cuidou de demarcar, com extrema precisão, o objeto da ação sob análise: ela destina-se, somente, a alvejar o diploma alcançado por eficiência do emprego de abuso de poder econômico, de corrupção ou de fraude, desservindo, conseqüentemente, para colmatar outras iliceidades que, eventualmente, tenham maculado a conquista do mandato, como, por exemplo, as inelegibilidades de viés constitucional, não argüidas à ocasião do pedido de registro.

Entendimento em foco, além de decorrer dos preceitos constitucionais colacionados, alenta-se na opinião inconcussa da doutrina, que submete, à interpretação estrita, as normas que suprimem o gozo dos direitos políticos, destacando-se, dentre elas, as que impedem a plena exercitação do mandato (cfr. JOSÉ AFONSO DA SILVA, in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 9ª ed., São Paulo, 1992, p. 335).

O abuso de poder econômico, para os fins cogitados, pode ter vertentes privadas ou públicas. No primeiro caso, ele exsurge, concretamente, do emprego de gastos excessivos, que se expressam através do uso dos meios de comunicação social, em desacordo com as normas legais atinentes à matéria, da distribuição massiva de dinheiro, dádivas e prebendas, da realização de reuniões públicas e comícios suntuosos, muitas vezes com a presença de artistas nacional e internacionalmente renomados, pois é certo que, em todas as situações remarcadas, há sinais visíveis de que os dispêndios desbordam da moderação, ou dos limites traçados pela razoabilidade, provocando o desequilíbrio da disputa em detrimento dos partidos, coligações e candidatos que carecem de meios para suportar gastos de igual monta. No segundo caso, o abuso de poder econômico supõe, por parte da autoridade, um excesso de direito, que ocorre quando ela exorbita no uso de suas faculdades administrativas, seja pelo descumprimento frontal da lei, seja pela atuação dissimulada, e preordenada a contornar-lhe os limites, seja quando o administrador, embora adotando conduta ajustada ao círculo de sua competência, imprime ao ato objetivo diverso do legalmente consolidado como próprio de sua ação, direcionando-o para fins eleitorais (cfr. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, in Princípios Gerais de Direito Administrativo, 1ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1969, vol. I, p. 428-431, e HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro, 16ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 91-2; Recurso Especial n. 15.297 - AL, rel. Min. COSTA PORTO, in Ementário Decisões do TSE, n. 9, Brasília, novembro, 1998, p. 9).

A corrupção é o suborno, a peita, que, tendo substanciação em promessa de vantagem material ou imaterial, é exercida não só com a finalidade de atentar contra a liberdade de voto, mas, outrossim, com o objetivo de levar juízes e servidores da Justiça Eleitoral a distorcer o resultado do pleito, em favor de determinado candidato, partido ou coligação.

A fraude, por seu turno, encerra um logro, uma ilegalidade obtida com abuso de confiança, uma ação praticada de má-fé. Assim, quando exercida sobre o eleitorado, ela deve afetar, massiva e detrimentosamente, a liberdade de voto. Quando, porém, o seu autor atua sobre a intimidade da Justiça, é preciso que ela se mostre apta a alterar os resultados eleitorais, que, à míngua de uma prova escorreita de sua existência, presumem-se legítimos.

Alguns estudos pioneiros respeitantes à ação aqui tratada, chegaram a sustentar que ela deveria observar, em todos os seus termos, o rito processual concebido pela Lei Complementar n. 64, de 1990, arts. 3º a 8º, para disciplinar a impugnação ao pedido de registro de candidatura.

Esse entendimento, que ainda é defendido por JOEL JOSÉ CÂNDIDO (cfr. in Direito Eleitoral Brasileiro, 6ª ed., Edipro, Bauru, São Paulo, 1996, p. 238-240), repousa em dois argumentos: a existência, na província do Direito Eleitoral, de rito processual adaptável à ação prevista na Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, afasta a incidência do Código de Processo Civil, cuja aplicação, fora da órbita que lhe é própria, é sempre subsidiária; e a morosidade da ação ordinária, que se agudiza com a utilização das vias tortuosas dos recursos, mostra-se incompatível com a celeridade que deve nortear a solução dos litígios eleitorais.

Nada obstante, firmou-se, no magistério jurisprudencial do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, a orientação de que, ressalvadas as peculiaridades inerentes ao processo eleitoral, a ação de que cuida a Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, reclama o procedimento ordinário previsto nos arts. 272 e segs., Código de Processo Civil (cfr. Recurso n. 12.286 - Classe 4ª - SC, rel. Min. TORQUATO JARDIM, in Jurisp. do Trib. Sup. Eleit., Brasília, 4(2):11-266, abr./jun. 1993, p. 236-240; Recurso Ordinário n. 4 - DF - Classe 27ª, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in Ementário Decisões do TSE, n. 6, jul./ago. 1998, p. 12).

Dentre essas particularidades, duas decorrem, direta e imediatamente, dos indicados preceitos constitucionais: o prazo reservado à sua propositura - CF, art. 14, § 10; e a observância do segredo de justiça, ao longo de todo o processamento da ação - CF, art. 14, § 11.

Com atinência ao prazo, tenha-se presente que o manejo da ação deve ocorrer em quinze dias, contados da data em que se perfectibilizar a fase de diplomação.

Como a Constituição Federal, art. 14, § 10, assinala um interregno para o exercício do direito à impugnação do diploma, mediante a ação por ela instituída, tem-se que esse prazo é extintivo, de caducidade ou de decadência, não comportando, portanto, a incidência de nenhuma causa de suspensão ou de interrupção, e podendo, ademais, ser reconhecido ex officio ou a requerimento do Ministério Público (cfr. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in Instituições de Direito Civil, 19ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1986, v. I, p. 440-441; ANTÔNIO LUIZ DA CÂMARA LEAL, in da Prescrição e da Decadência, 3ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1978, p. 111-115; MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, in Curso de Direito Civil, 5ª ed., Livraria Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro/São Paulo, 1971, v. I, p. 570-576; e WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, in Curso de Direito Civil, 35ª ed., Saraiva, 1997, v. I - Parte Geral - p. 294-300).

É dizer: a ação criada pela Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, tendo por fundamento não apenas um motivo de ordem pública, pois visa a preservar as eleições, que encerram a expressão mais eminente da democracia, de práticas dotadas de aptidão para viciar a vontade popular, mas, também, um interesse de ordem pública, que se traduz na normalidade das relações políticas e administrativas, está sujeita a um prazo de caducidade, cuja inobservância faz perecer, para os legitimados, o direito de perseguir a desconstituição do diploma e, em decorrência, de obstar o exercício do mandato conquistado em razão das apontadas práticas viciosas.

Com pertinência ao segredo de Justiça, ressalte-se, antes de mais nada, que a sua instituição visou, desenganadamente, defender a estabilidade do mandato, que restaria comprometida, a um só tempo, em prejuízo do seu exercente e das próprias instituições democráticas, se fossem dados a público os motivos da irresignação, apenas para satisfazer a interesses pessoais e partidários.

Nada obstante seja o segredo de justiça, que só acarreta as restrições constantes da lei - CPC, arts. 155, I, e parágrafo único, e 444 -, objeto de prescrição constitucional, a sua quebra não se afigura idônea para gerar nulidade processual, sujeitando, entretanto, os responsáveis pela divulgação indevida, até mesmo a sanções de natureza penal, se não tomadas as cautelas necessárias à proteção do interesse público ou da incolumidade moral das pessoas envolvidas, que não podem, em absoluto, ficar expostas aos escândalos ou aos vexames que surgiriam, e na prática surgem, da indevida identificação de certidões ou de peças do processo.

Contudo, como observa, com absoluta propriedade, o Prof. TORQUATO JARDIM, o segredo imposto reduz-se, no dia a dia do foro, a segredo nenhum,

"...primeiro porque a ação, desde a sua propositura, acumula poderosa carga de paixão política, com rápida e profunda repercussão no meio político local, afetando, até mesmo, a desejada tranqüilidade do exercício do mandato por parte do requerido na demanda. Em seguida, porque a simples publicação de pauta, com apenas as iniciais das partes em litígio, em nada acoberta as fervilhantes disputas políticas que o processo abriga" (cfr. Introdução ao Direito Eleitoral Positivo, Brasília Jurídica, 1994, p. 91-92).

Essa constatação, que é produto da experiência haurida, pelo seu autor, com o trato com questões eleitorais, evidencia a inocuidade da exigência veiculada pela Constituição Federal, art. 14, § 1º, que não logrou projetar-se, positivamente, sobre os interesses que pretendeu tutelar: a incolumidade do exercício do mandato e a inteireza moral do réu.

A cláusula "...instruída a ação com provas do abuso do poder econômico, corrupção ou fraude." - CF, art. 14, § 1º - não indica, em absoluto, a necessidade de prova pré-constituída, à semelhança do que se dá com o mandado de segurança.

Ainda que se extraia, daí, que a exordial precise vir acompanhada de provas, nada autoriza que se deva exigir, com o ajuizamento da demanda, prova conclusiva dos vícios alegados, pois esse requisito, associado ao curto prazo decadencial de quinze dias, conduziria à inutilidade da ação, à semelhança, aliás, do que ocorreu com a causa de nulidade da votação descrita pelo art. 222 da Lei n. 4.737, de 1965.

Os documentos exigíveis são, unicamente, aqueles de que dispuser a parte autora, ao ensejo do oferecimento do caso à ação da justiça - CPC, art. 396 -, sem prejuízo da juntada de novos, nos casos permitidos em lei - CPC, arts. 397 e 399 -, e da produção de toda a prova facultada pelo procedimento ordinário, que supõe, à evidência, a utilização dos meios idôneos à demonstração dos fatos alegados, a requerimento dos contendores ou por iniciativa do juiz - CPC, art. 130.

Não fosse assim, restaria aniquilada a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, que não pode sofrer qualquer arranhão diante das alegadas lesões ao princípio da igualdade, no decorrer do processo eleitoral, por força do abuso do poder econômico, da corrupção e da fraude (cfr. Recurso n. 11.520 - SC - Classe 4ª - Agravo, rel. Min. TORQUATO JARDIM, in Jurisp. Trib. Sup. Eleit., Brasília, 6(1): 11/422, p. 220-234).

Embora esteja sujeita às disposições inscritas no Código de Processo Civil, arts. 282 e segs., que cuidam do Procedimento Ordinário, a ação de impugnação de mandato eletivo não comporta a condenação do vencido em honorários advocatícios, valendo agregar, de mais a mais, que a solução contrária mostra-se de todo inconciliável com as suas inspirações.

Com efeito.

As normas insertas na Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, tendem a proteger, conjuntamente, a normalidade do processo eleitoral, escoimando-o de comportamentos em ordem a distorcer a escolha popular, e as próprias relações político administrativas, impedindo a oposição de contestação ao diploma, uma vez transposto o prazo de caducidade assinalado ao exercício do direito.

Pois bem: a condenação do vencido, ao pagamento da verba honorária, serviria, em derradeira análise, de desestímulo à persecução desses objetivos, pois criaria, nos partidos e candidatos de poucas condições de fortuna, o receio de encetar a discussão judicial, pois nem sempre é fácil converter, em prova cumprida, os indícios de abuso de poder econômico, de corrupção ou de fraude, existentes no momento da propositura da ação.

Ademais, conquanto seja um órgão estatal, vocacionado para defender, superiormente, os interesses da sociedade, o Ministério Público, que também possui legitimidade para figurar no pólo ativo da relação de direito instrumental, defronta-se, não poucas vezes, com dificuldades insuperáveis para lograr a procedência da ação, que são ditadas, em alguns casos, pela supressão das provas do abuso de poder econômico, em especial quando as suas vertentes estão em grupos e instituições privadas, e, em outros, pelo temor de que se investem as testemunhas presenciais, quando chamadas a depor sobre práticas conceituáveis como corrupção ou fraude.

Aqui, indaga-se: é razoável que uma instituição com o perfil constitucional do Ministério Público, cuja atuação presume-se legítima, faça nascer, para o Estado, o dever de indenizar os honorários suportados pela parte contrária, só porque não se houve com êxito na ação? Não, absolutamente não, sendo de acrescentar-se que, em casos assim, os propósitos da instituição, que estão voltados para a defesa do regime democrático, prevalecem sobre as preceituações ínsitas no Código de Processo Civil, arts. 20 e §§, que foram concebidas para a disciplina de litígios que se ferem entre sujeitos privados, ou entre particulares e o Poder Público.

Todavia, a ação de impugnação, nos moldes em que restou instituída pela Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11, não consubstancia um instrumento de vindita, nem se presta para veicular pretensões de manifesta insustentabilidade, pois isso equivaleria a transformar a jurisdição eleitoral em receptáculo de ódios e paixões políticas, cuja subsistência, ao resultado da pugna, fere de morte a própria democracia.

Por isso, quando chamado a decidir o Recurso Especial sob n. 14.995 - MG, rel. o Min. EDSON VIDIGAL, o c. Tribunal Superior Eleitoral firmou a orientação de que, apenas nos casos de litigância de má fé, tem lugar a condenação em honorários na ação de impugnação de mandato (cfr. DJU, Seção I, 4.9.1998, p. 58).

Tocante ao aspecto competencial, o órgão jurisdicional dotado de atribuições para processar e julgar, em cada caso, a ação de impugnação, deve ser definido em simetria com a competência para promover o registro das candidaturas. Via de consequência, a hostilização dos mandatos municipais - Vereadores e Prefeito - desafia a jurisdição do juiz eleitoral que presidiu a Junta, à oportunidade da diplomação (Recurso n. 9.453 - SP - Classe 4ª, rel. Min. HUGO GUEIROS, in Jurisp. do Trib. Sup. Eleit., Brasília, 4(2):11 - 266, p. 155-157); os mandatos estaduais e federais - Deputados Estaduais e Governadores - Senadores e Deputados Federais - recebem impugnação perante o Tribunal Regional Eleitoral; e o mandato de Presidente da República, como também a eleição do Vice-Presidente da República com ele registrado, se objeto de contestação, atraem a competência do Tribunal Superior Eleitoral.

Quando o julgamento estiver afeto ao Juiz Eleitoral e à competência originária do Tribunal Regional Eleitoral, das decisões deles emanadas é comportável o recurso ordinário, que sobe, respectivamente, para o Tribunal Regional Eleitoral e para o Tribunal Superior Eleitoral. Contudo, se a contestação recair sobre o mandato de Presidente da República, o Tribunal Superior Eleitoral julga em instância única, só cabendo, de sua decisão, recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Sem embargo de obedecer, a ação de impugnação de mandato, ao procedimento ordinário, como disciplinado pelo Código de Processo Civil, arts. 282 e segs., a interposição do recurso em desfavor da decisão que vier a julgá-la deve operar-se no exíguo prazo de três dias, pois, em obséquio à rapidez imanente à solução dos litígios eleitorais, a jurisprudência optou pela aplicação, às situações concretas, do preceito insculpido no art. 258, da Lei n. 4.737, de 1965 (cfr. 15.163 - PR - Classe 22ª, rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, in Ementário Decisões do TSE, n. 3, Brasília, abril, 1998, p. 9).

Os fatos motivadores da ação sujeitam-se à preclusão, se não denunciados logo que ocorridos, ou podem restar fulminados pela decisão que deferir o registro da candidatura, se improcedente a impugnação, formulada com espeque em investigação judicial, decidida por sentença trânsita em julgado (Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1º, I, "d").

De referência à preclusão, a sua aplicação cede a duas exceções: a superveniência do fato e a natureza constitucional da matéria discutida.

Frise-se: fato superveniente, para esse efeito, é o fato novo, ocorrido após um momento determinado, não se confundindo, portanto, com o acontecimento já verificado, mas só conhecido a posteriori. Essa orientação, longe de prejudicar a lisura do processo eleitoral, concorre, de modo decisivo, para a estabilização das relações que se desenvolvem no seu curso, pois os fatos relevantes para o Direito Eleitoral são perceptíveis pelos mais variados meios, sobressaindo-se, dentre eles, as publicações oficiais, enunciando a desaprovação das contas de gestão administrativa, pelo órgão legislativo competente ou pelo Tribunal de Contas, e o noticiário da imprensa.

Cumpre notar, entretanto, que o c. Tribunal Superior Eleitoral, em acórdão recente, adotou orientação mais flexibilizante, permitindo o ajuizamento da ação com base em fatos que, a despeito de já perpetrados, só vieram a público depois de realizadas as eleições, havendo afirmado o voto condutor do acórdão, para assim concluir, que a propositura da ação só deve ser obstada "...quando se evidencie o propósito malicioso do impugnante que, dispondo claramente dos meios necessários para requerer a investigação judicial, abstenha-se de fazê-lo, reservando-se para após a apuração das eleições" (cfr. Recurso Ordinário n. 85 - AL - Classe 27ª, rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, in DJU, Seção I, 5.2.1999, p. 107).

De todas as questões que dimanam do tema ora versado, a mais tormentosa é, induvidosamente, a que concerne à demonstração do nexo de causalidade.

Sobreleve-se: aos legitimados à propositura da ação - Ministério Público, Partidos Políticos, Coligações Partidárias e candidatos, desde que o cancelamento do diploma do seu adversário propicie a sua própria diplomação -, cabe demonstrar, estreme de dúvida, que as práticas denunciadas projetaram-se sobre o resultado do pleito, alterando-o.

Não se requesta, para a consecução desse desiderato, pesagem em balança de farmácia, eis que é de todo impossível, sob o aspecto material, a quantificação dos votos que reverteram ao impugnado, como corolário das práticas abusivas.

Vale destacar, também, que a invalidação do diploma, com o conseqüente impedimento ao exercício do mandato, pelo período restante, não reclama a participação do candidato, nas práticas abusivas de que foi beneficiário, pois o comando singular contido na sentença, buscada com a ação de impugnação, não encerra uma penalidade, conformando-se, isso sim, como uma censura aos métodos viciosos, que concorreram, com eficácia causal, para o resultado favorável por ele alcançado nas urnas.

Reevidencie-se: excetuados os casos em que a inicial vem aparelhada com investigação judicial julgada procedente, por sentença trânsita em julgado - Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1º, I, "d" -, pois, neles, a inelegibilidade trienal, que nasce com a eleição em que restou constatado o abuso, é consectária do anterior pronunciamento judicial, a ação de impugnação carece de idoneidade para sancionar o candidato, prestando-se, tão só, para gerar a invalidação do diploma a ele conferido, e, pois, para desconstituir o status de eleito, alcançado por eficiência da utilização, em seu favor, das práticas eivadas de ilicitude.

Assim, para que se conforme o nexo de causalidade, basta que fique comprovada, no curso da ação, a existência de um esquema destinado a respaldar determinada candidatura, pouco importando que ele se movimente na órbita privada, angariando e utilizando, massivamente, recursos em seu favor, ou no âmbito da Administração Pública, praticando, com finalidades eleitorais, atos marcados pelo abuso de poder ou pelo desvio de finalidade, porquanto, nas situações por último focalizadas, também comparecem sinais visíveis de pujança econômica, que, propendendo para um dos postulantes ao cargo eletivo, coloca-o em condição privilegiada em relação aos demais, rompendo, destarte, a isonomia inapartável da regularidade do pleito.

E isso basta, irretorquivelmente, para conformar o nexo de causalidade.

4 Recurso contra a diplomação. Natureza. Cabimento

Embora se assemelhe a uma ação, à míngua de anterior pronunciamento judicial, o recurso contra a expedição do diploma conserva a natureza de recurso ordinário, e como tal deve ser estudado, pois, com essa feição, ele constitui uma peculiaridade do Direito Eleitoral.

Uma vez interposto perante o juiz eleitoral, com o escopo de impugnar diploma obtido em eleição municipal, o recurso, apesar de ordinário, não se confunde com a figura prevista na Constituição Federal, art. 121, § 4º, III, e na Lei n. 4.737, de 1965, art. 276, II, "a", que só cabe das decisões proferidas pelo Tribunal Regional, na exercitação de sua competência originária.

Via de conseqüência, da decisão emanada do Tribunal Regional, desprovendo o recurso manejado perante o juiz eleitoral, para a hostilização de diploma conquistado em pleito municipal, cabe recurso especial, nos moldes previstos pela Constituição Federal, art. 121, § 4º, I e II, e pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 276, I, "a" e "b".

Se, porém, a expedição do diploma guerreado estiver compreendida no plexo de atribuições do Tribunal Regional Eleitoral, o apelo, que não perde o viés de ordinário, será interposto junto a essa Corte, que, depois de processá-lo, encaminhará os autos ao Tribunal Superior Eleitoral, para julgamento.

Decorre, daí, que da decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, a propósito do diploma resultante de eleição estadual ou geral, cabe, somente, recurso extraordinário, pelo permissivo ínsito na Constituição Federal, art. 102, III, "a".

Remanesce, para os fins cogitados, o problema concernente ao questionamento do diploma outorgado ao Presidente da República, e ao Vice com ele registrado, porquanto, a teor das normas de regência, afigura-se impossível identificar, no âmbito do Poder Judiciário, o órgão dotado de competência para conhecer e julgar o recurso.

Como a Constituição veda, de modo terminante, que a lei exclua, da apreciação do Poder Judiciário, qualquer lesão ou ameaça a direito - art. 5º, XXXV -, parece possível que o diploma conferido ao Presidente da República, e ao Vice com ele registrado, seja discutido através de mandado de segurança, máxime porque a diplomação, a despeito de consumar-se na órbita judicial, tem o perfil de ato administrativo.

Certo, não existe, na casuística, precedente expressivo a respeito do tema. Todavia, a orientação aqui alvitrada encontra conforto na jurisprudência, que admite, de há muito, a utilização do writ contra atos do Tribunal Superior Eleitoral, em especial se contrários à Constituição (cfr. ROBERTO ROSAS, in Direito Processual Constitucional, RT, 1983, p. 90).

O ato de interposição está sujeito ao prazo de três dias, que começa a fluir, para o legitimado, da sessão especial convocada pelo Juiz Eleitoral ou pelo Presidente do Tribunal, que não se confunde com o ato da entrega do diploma ao candidato eleito, o qual, não precisando comparecer à solenidade, pode recebê-lo em outra data.

Têm legitimidade para interpor o recurso os partidos políticos, as coligações partidárias, os candidatos registrados para o pleito cujo resultado esteja sob discussão e o Ministério Público.

A legitimidade do candidato, que pode socorrer-se do recurso contra a diplomação sem o concurso do seu partido, só se aperfeiçoa se ele, ademais de registrado para pleito cujo resultado consistir o foco da demanda, tiver interesse direto na invalidação do diploma expedido. É dizer: é necessário que a pretensão, deduzida através do recurso previsto na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, mostre-se apta para assegurar, ao candidato recorrente, a sua própria diplomação (cfr. Recurso de Diplomação n. 531 - MG, rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, e Recurso Especial Eleitoral n. 11.811 - BA, rel. Min. ILMAR GALVÃO, in Jurisp. do Trib. Sup. Eleit., Brasília, v. 8, n. 1, p. 11 - 306, jan./mar. 1997, p. 45-49 e 141-150, respectivamente).

Ainda que se revele impossível, no Direito Eleitoral, a assistência litisconsorcial, o recurso em comento, se interposto pelo candidato ou pelo Ministério Público, induz a convocação, ao feito, do partido pelo qual tiver sido registrado o detentor do diploma questionado, ante o seu evidente interesse em consolidar a posição dos seus candidatos, que exsurge, de modo especial e com maior evidência, nas eleições levadas a efeito pelo princípio proporcional.

A teor das disposições inscritas na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, I a IV, o recurso contra a expedição do diploma é cabível nos casos de: inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato; errônea interpretação da lei quanto à aplicação do sistema de representação proporcional; erro de direito ou de fato na apuração final, quanto à determinação do quociente eleitoral ou partidário, contagem de votos e classificação de candidato, ou a sua contemplação sob determinada legenda; e concessão ou denegação do diploma, em manifesta contradição com a prova dos autos.

Prescreve a Lei n. 4.737, de 1965, art. 259, que "São preclusivos os prazos para a interposição de recursos, salvo quando nestes se discutir matéria constitucional."

Se cotejado com o primeiro caso de admissibilidade do recurso contra a diplomação - inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato -, a regra transcrita conduz a uma distinção entre as inelegibilidades constitucionais e as inelegibilidades infraconstitucionais, porquanto apenas a Constituição e, nos limites por ela estabelecidos, a Lei Complementar - CF, art. 14 -, podem restringir a capacidade eleitoral passiva, com o estabelecimento de causas de inelegibilidade.

Em decorrência, para ser discutida, proveitosamente, através do recurso contra a expedição do diploma, a causa de inelegibilidade precisa estar prevista na Constituição ou sobrevir ao registro, configurando-se, então, como inelegibilidade superveniente.

A inelegibilidade, conformando-se como matéria de ordem pública, pode ser suscitada pelos candidatos, pelos Partidos Políticos e pelo Ministério Público, ao qual, no particular, é reconhecido o mesmo coeficiente de legitimidade.

A argüição da inelegibilidade deve operar-se à ocasião do pedido de registro da candidatura, pena de incidir, em desfavor do interessado, a preclusão, que consiste na perda de uma faculdade processual, ante o seu não exercício no momento próprio.

Regra em causa, que serve de norte e diretriz fundamental para a solução dos dissídios processuais eleitorais, cede diante da inelegibilidade constitucional e da inelegibilidade superveniente.

Se de cunho constitucional, a inelegibilidade, ainda que preexistente ao registro, pode ser denunciada, no tríduo reservado à impugnação do diploma, através do recurso previsto na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, I.

Como inelegibilidade constitucional deve ser entendida, apenas, aquela que decorre direta e imediatamente da Constituição, como tal não se caracterizando, pois, o impedimento ao exercício da cidadania passiva, cuja configuração requesta o exame da legislação ordinária ou complementar .

Todavia, quando chamado a relatar o Recurso Especial Eleitoral sob n. 14.992 - MA - Classe 22ª, o Ministro NILSON NAVES, em que pese haver negado conhecimento ao apelo com base na Súmula 283, do Excelso Pretório, pois o acórdão hostilizado tinha outro fundamento suficiente - inocorrência de preclusão -, lançou, no voto condutor do acórdão, o asserto de que, além de o recurso contra a diplomação possuir aptidão para veicular discussão em torno do tema condição de elegibilidade, o domicílio eleitoral na circunscrição tem natureza "...constitucional, porquanto, distinguindo-se as condições entre constitucional e infraconstitucional, a relativa ao domicílio eleitoral na circunscrição há de ter roupagem constitucional, prevista que está nesse texto, malgrado a utilização pelo constituinte da expressão na forma da lei." (cfr. DJU, Seção I, 21.11.1997, p. 652).

Inelegibilidade superveniente, por seu turno, é aquela que surge e se aperfeiçoa depois de consumado o registro da candidatura, quando, então, deverão estar presentes todos os elementos necessários à configuração jurídica do fato em que ela se substancia.

Frise-se: não se trata, aqui, de fato já existente, mas só conhecido após a ultimação do registro, sendo necessário, por conseguinte, que ele complete todo o ciclo indispensável à sua configuração depois de transposta essa fase do processo eleitoral, pois é imperioso distinguir, para esse efeito, entre o fato superveniente e o fato pré-existente de conhecimento superveniente, como ocorre com o descumprimento do prazo de desincompatibilização, que, previsto em norma subconstitucional, somente resultou conhecido e denunciado à oportunidade da diplomação (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.305 - MA - Classe 22ª -, rel. Min. EDSON VIDIGAL, in Ementário Decisões do TSE, n. 10, Brasília, dezembro, 1998, p. 15).

Assim, o magistério jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral se recusa a reconhecer, como fatos supervenientes: a sobrevinda de sentença, dando pela improcedência da ação tendente a afastar a inelegibilidade prevista no art.1º, I, "g", da Lei Complementar n. 64, de 1990, aos argumentos de que "...os fundamentos do registro são apreciados à luz dos fatos ocorrentes à época do pedido...", e "...inexistência de trânsito em julgado..." acarreta a incidência, em concreto, da ressalva inserta no indicado dispositivo legal (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.182 - MG - Classe 22ª -, rel. Min. EDUARDO ALCKMIN, in Ementário Decisões do TSE, Brasília, março de 1998, p. 20-21); a decisão do Tribunal de Contas da União, mantendo o parecer contrário à aprovação das contas, depois de exaurido o prazo em que seria possível a impugnação ao pedido de registro (cfr. Agravo de Instrumento n. 929, rel. Min. COSTA PORTO, in Ementário Decisões do TSE, n. 8, Brasília, outubro, 1997, p. 21-22); a rejeição das contas, posteriormente ao deferimento do pedido de registro, "...pois a cláusula de inelegibilidade posta na alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC n. 64/90 se aplica as eleições que vierem a se realizar e não as já realizadas" (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.148 - MG - Classe 22ª -, rel. Min. EDUARDO ALCKMIN, in Ementário Decisões TSE, n. 1, Brasília, fevereiro, 1998, p. 13); e a condenação criminal imposta ao candidato eleito, mas só transitada em julgado após o ato de posse (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.108 - GO - Classe 22ª -, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in Ementário Decisões do TSE, n. 10, dezembro, 1997, p. 22).

A errônea interpretação da lei quanto à aplicação do sistema de representação proporcional, que vem elencada, na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, II, como a segunda hipótese de cabimento do recurso contra a expedição do diploma, contempla, tão só, as eleições destinadas à escolha dos Deputados Federais, dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores, que são eleitos pelo voto proporcional.

Lembra CLÁUDIO PACHECO (in Tratado das Constituições Brasileiras, Livraria Editora Freitas Bastos, s.d., v. IX, p. 66) que a representação proporcional, sendo a forma lógica do sufrágio universal, e uma consequência natural da representação política, é inseparável do ideal democrático, que encontrou sua realização no regime representativo.

A representação proporcional corresponde, entre nós, a uma idéia elementar de Justiça Eleitoral, pois permite, aos simpatizantes dos partidos minoritários, a colocação dos seus representantes nas Casas Legislativas, que, de outro modo, limitar-se-iam a abrigar os candidatos registrados pelas grandes agremiações.

Nas eleições proporcionais, o resultado final é alcançado mediante a realização de cálculos matemáticos, que obedecem a fórmulas prescritas em lei. Se, porém, houver erro na aplicação de tais fórmulas, ou na interpretação dos dispositivos legais a elas pertinentes, estará aberta a oportunidade para o manejo do recurso contra a diplomação, pela previsão constante da Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, II.

A primeira dessas fórmulas, que se denomina quociente eleitoral, encontra-se inserta na Lei n. 4.737, de 1965, art. 106, que veicula discurso do seguinte teor: "Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou superior a meio, equivalente a um se superior." Deixaram de ser computáveis, para esse fim, os votos em branco, eis que, com o advento da Lei n. 9.504, de 1997, art. 5º, passaram a ser válidos "...apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias." (cfr. Resolução n. 20.103, de 1998, do Tribunal Superior Eleitoral - Instrução n. 28 - Classe 2ª - Distrito Federal -, art. 76, parágrafo único).

A fórmula prescrita em segundo lugar, pela Lei n. 4737, de 1965, art. 107, denomina-se quociente partidário, que se determina, para cada partido ou coligação, "...dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração."

Pois bem: se existir, na intimidade da Justiça Eleitoral, erro sobre a interpretação de qualquer dos dispositivos por último colacionados, será possível o manejo do recurso contra a expedição do diploma, pela previsão substanciada na Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, II.

A Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, III, referindo-se, ainda, aos pleitos proporcionais, admite que a diplomação seja discutida, para que se opere a correção "de erro de direito ou de fato na apuração final, quanto à determinação do quociente eleitoral ou partidário, contagem dos votos e classificação dos candidatos ou a sua contemplação sob determinada legenda."

O caso de comportabilidade em comento, embora guarde visíveis similitudes com a hipótese anteriormente examinada, trata, em verdade, de situação distinta, pois o que se busca, aqui, é a correção de erro incidente sobre a apuração final, que supõe, à evidência, o cômputo dos resultados parciais de cada seção.

Dito por diferentes palavras: com a regra inserta no seu art. 262, III, a Lei n. 4.737, de 1965, pretende viabilizar, em favor do candidato prejudicado, a correção do erro de direito ou de fato, que tanto pode incidir sobre a contagem dos votos, como sobre a lista dos eleitos.

O erro material, empolgado no recurso, deve ser apontado quando da expedição do Boletim de Urna, porquanto, ultrapassada essa oportunidade, sem impugnação ou qualquer outra manifestação de discordância, preclui, em desfavor do interessado, o direito de invocá-lo.

Quando a apuração inserir-se na competência do Tribunal Regional Eleitoral, cabe ao recorrente, com exclusão de qualquer outra conduta, formular, perante a Comissão de apuração, a reclamação de que cogita a Lei n. 4.737, de 1965, art. 200, §§ 1º e 2º, pois, se permanecer silente, nessa fase, opera-se, em detrimento dele, a preclusão do direito de discutir o resultado do pleito (cfr. Recurso de Diplomação n. 420 - Classe 5ª - RR, rel. Min. FLAQUER SCARTEZZINI, in Jurisp. do Trib. Sup. Eleit., Brasília, 6(1): 11 - 422, jan./mar. 1995, p. 52-55).

Porém, nos pleitos municipais, competindo às Juntas determinar os quocientes eleitorais e proclamar os eleitos, como se tem da disposição inscrita no art. 186, caput, da Lei n. 4.737, de 1965, inexiste previsão legal para a reclamação a que se reporta o seu art. 200, §§ 1º e 2º, que, assim, não pode ser erigida à categoria de condição de recorribilidade.

Explicite-se: os procedimentos são diferentes: nas apurações a cargo do Tribunal, à Comissão Apuradora, depois de contar os votos válidos, incumbe a elaboração de um relatório circunstanciado, do qual devem constar, dentre outros indicativos, os concernentes à determinação dos quocientes eleitoral e partidário - Lei n. 4.737, de 1965, art. 199, § 5º, IX e X. Referido relatório, juntamente com os documentos em que se baseou, permanecerá à disposição dos partidos e candidatos interessados, que poderão examiná-lo, pelo prazo de três dias, e oferecer as impugnações que tiverem, nos dois dias que se seguirem ao seu término. Só depois de resolvidas, pela Comissão Apuradora, as reclamações consideradas procedentes, e, pelo Tribunal, as que resultarem improvidas, terá lugar a proclamação dos eleitos e a designação de data para a diplomação (Lei n. 4.737, de 1965, art. 201, § 1º); já nas apurações a cargo das Juntas, impõe-se a observância da regra ínsita no art. 186, da Lei n. 4.737, de 1965, que concentrando, em uma mesma oportunidade, os atos atinentes à totalização dos resultados, que envolvem a determinação dos quocientes eleitoral e partidário, e à proclamação dos eleitos, suprime a reclamação destinada a alterar o resultado final. Por isso, o c. Tribunal Superior Eleitoral, em julgado recente, admitiu o refazimento de "Quociente Eleitoral.", ante a existência de "Erro no seu cálculo, por considerar-se inexistente coligação que, em verdade, não se formara.", através "...do recurso contra diplomação, ainda que não se tenha apresentado a reclamação prevista no § 3º do art. 47 da Resolução 19.540." (cfr. Agravo de Instrumento n. 1.398 - SP - Classe 2ª -, rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, in DJU, Seção I, 12.2.1999, p. 37).

Por último, o recurso contra a expedição do diploma mostra-se interponível na hipótese contemplada pela Lei n. 4.737, de 1965, art. 262, IV: expedição do diploma, em manifesta contradição com a prova dos autos, na hipótese do art. 222.

O art. 222 da Lei n. 4.737, de 1965, que restou emasculado, com a supressão dos seus parágrafos originais, considera "...anulável a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso dos meios de que trata o art. 237 ou emprego de processo de captação de propaganda ou captação de sufrágios vedados por lei."

Por seu turno, o art. 237, da Lei n. 4.737, de 1965, que foi concebido com o fito de escoimar, do processo eleitoral, a influência "...do poder econômico..." e do "...desvio ou abuso do poder de autoridade....", cometeu a apuração desses vícios ao Corregedor-Geral ou Regional, nos moldes estabelecidos pela Lei n. 1.579, de 1952, que dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito.

Hoje, a apuração dos vícios que deformam a vontade popular encontra-se disciplinada pelos arts. 22 a 24, da Lei Complementar n. 64, de 1990, a cujo processo tem aplicação subsidiária a Lei n. 1.579, de 1952, como ressai do preceito insculpido no art. 21, do primeiro desses diploma legais.

Feitos estes aclaramentos, indaga-se: qual o sentido e o alcance da cláusula "...em manifesta contradição com a prova dos autos;", ínsita no art. 262, IV, da Lei n. 4.737, de 1965?

Mencionada cláusula indica, à evidência, o diploma expedido a despeito dos vícios que deformaram a vontade do eleitor, e, por isso, contaminaram de nulidade os votos obtidos pelo diplomado, se a tanto concluir a decisão proferida nos autos da investigação judicial, que deverá estar imantada pela força da coisa julgada, ao ensejo da diplomação.

Destaque-se: para interpor o recurso, à invocação do diploma expedido em contradição com a prova dos autos, é necessário, antes de mais nada, que exista, em favor do recorrente, investigação judicial decidida por sentença ou por acórdão com trânsito em julgado. Se não houver, à oportunidade da interposição do apelo, julgado com a indicada característica, o desconhecimento do recurso afigura-se incontornável, à míngua dessa condição de recorribilidade (cfr. Recurso Especial Eleitoral n. 15.274 - MG - Classe 22ª -, rel. Min. EDUARDO ALCKMIN, in DJU, Seção I, 19.3.1999, p. 67; Recurso Contra Expedição de Diploma n. 481 - PB - Classe 21ª -, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in DJU, Seção I, 19.6.1998, p. 64; Recurso Contra Expedição de Diploma n. 497 - DF - Classe 21ª -, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in DJU, Seção I, 22.5.1998, p. 71; Recurso Especial Eleitoral n. 15.274 - MG - Classe 22ª -, rel. Min. EDUARDO ALCKMIN, in Ementário Decisões do TSE, n. 2, Brasília, março, 1999, p. 16; e Recurso Contra Expedição de Diploma n. 566 - GO - Classe 21ª -, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in DJU, Seção I, 30.4.1999, p. 108).

A investigação judicial em causa, uma vez julgada procedente, por sentença trânsita em julgado, mesmo depois de ultrapassada a última fase do processo eleitoral, conforma a causa de inelegibilidade substanciada na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1º, I, "d", que se projeta pelo prazo de três anos, contados da eleição em que se verificou o abuso de poder econômico ou político.

Infere-se, daí, que, no pleito subseqüente, o pedido de registro da candidatura poderá ser impugnado com espeque na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1º, I, "d", se, a despeito de não haver transitada em julgado, ao ensejo da diplomação anterior, a sentença já não comportar recurso ordinário ou extraordinário, no momento do oferecimento do nome do impugnado a registro, pelo órgão competente da Justiça Eleitoral (cfr. Recurso Ordinário n. 93 - PB - Classe 27ª - rel. Min. NERI DA SILVEIRA - acórdão publicado em sessão).

Subprocurador-Geral da República.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 6, n. 2 (jul./dez. 1999).

 

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