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Financiamento de campanhas eleitorais: avaliação das proposições apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral ao Congresso Nacional

Por: Denise Goulart Schlickmann / Heloísa Helena Bastos Silva Lübke

1 Introdução

Este artigo visa à avaliação das proposições apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral ao Congresso Nacional sobre o financiamento de campanhas eleitorais.

Num primeiro momento, o artigo discorre sobre o ordenamento jurídico que disciplina o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil.

Em segundo lugar, o estudo volta-se a uma breve análise dos temas e soluções propostos pelo Tribunal Superior Eleitoral, cotejando-os com as soluções normativas existentes e com os problemas que a nova regulamentação pretende resolver, buscando identificar se a implementação das novas normas alcançará o resultado pretendido.

Objetiva-se avaliar, com a profundidade que o artigo permite, se a eficácia das soluções apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral depende de alterações legislativas profundas, de impacto constitucional e efetivamente reformuladoras do sistema político-eleitoral; se essa depende da instituição de penalidades efetivas para as infrações, inclusive no que concerne à criminalização de determinadas condutas ou, ainda, da adoção de um conjunto de ações coordenadas e exercidas por diversas instituições, tais como a Secretaria da Receita Federal e o Sistema Financeiro Nacional, notadamente o Banco Central do Brasil (Bacen).

2 O financiamento de campanhas eleitorais no Brasil

O financiamento de campanhas eleitorais no Brasil foi disciplinado, inicialmente, pela Lei n. 4.740, de 15.7.1965. Em 1971, o tema passou a ser disciplinado pela Lei n. 5.682, de 21.7.1971.

Contudo, é de 1993 o marco a partir do qual, a par da preocupação mundial com a realidade do financiamento das campanhas eleitorais, a legislação eleitoral voltou-se de forma mais efetiva ao trato da matéria. Nesse ano, a Lei n. 8.713, de 30.9.1993, inovou no tocante às normas para a administração financeira das campanhas eleitorais, estabelecendo regras para a constituição dos comitês financeiros das agremiações partidárias; estabelecendo a responsabilidade de partidos e candidatos; estipulando formas de obtenção e movimentação de recursos e de realização de despesas; limitando doações de pessoas físicas e jurídicas; e, finalmente, instruindo a elaboração da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

A referida lei – que mereceu regulamentação específica do Tribunal Superior Eleitoral, consubstanciada na Resolução n. 14.426, de 4.8.1994 – constitui o conjunto de normas específicas para o disciplinamento das eleições gerais de 1994.

Para o pleito municipal de 1996 nova lei foi editada, regulamentando a matéria. A Lei n. 9.100, de 29.9.1995, foi então regulamentada pela Resolução TSE n. 19.510, de 18.4.1996.

A partir de 1997, os pleitos eleitorais passaram a ser disciplinados pela Lei n. 9.504 (Lei das Eleições), de 30 de setembro daquele ano, que trouxe consigo o diferencial de regulamentar o processo eleitoral para todos os pleitos futuros. Deixou de existir, note-se, lei eleitoral específica para cada pleito. Assim é que, para adaptá-la à realidade do pleito estadual de 1998, o Tribunal Superior Eleitoral editou resoluções específicas, próprias a cada eleição. Para o pleito de 2006, foi editada a Lei n. 11.300, de 10.5.2006, que alterou a Lei n. 9.504/1997. O Tribunal Superior Eleitoral editou, de igual sorte, resoluções específicas a discipliná-la.

É de se registrar que a edição de normas regulamentadoras pelo Tribunal Superior Eleitoral para o pleito de 2006 sofreu o impacto da aprovação da Lei n. 11.300 já em pleno curso do processo eleitoral. Assim, a matéria restou definitivamente regulamentada apenas ao final do mês de junho do mesmo ano, refletindo o entendimento da Corte Superior Eleitoral a respeito de quais das normas recém-aprovadas eram aplicáveis ao pleito de 2006.

3  As proposições de alteração normativa apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e a eficácia das soluções propostas

Preocupado com os graves acontecimentos que recentemente vieram a público, os quais envolviam as fontes de financiamento dos partidos políticos brasileiros e a descoberta de práticas por eles utilizadas ofensivas ao ordenamento jurídico em vigor e ao senso comum, o Tribunal Superior Eleitoral, por iniciativa do Ministro Carlos Velloso, então presidente daquela Corte, apresentou ao Congresso Nacional propostas de modificações da legislação eleitoral consistentes na atualização dos delitos eleitorais e no aperfeiçoamento do sistema de prestação de contas pelos partidos políticos e pelos candidatos a cargos eletivos.

Para tanto, constituiu, em 10.8.2005, comissão formada por juristas e técnicos em administração pública, a qual tinha por incumbência os seguintes misteres: a) rever e atualizar as disposições legais referentes aos crimes previstos no Código Eleitoral e em leis especiais; e b) examinar e propor medidas para o aprimoramento do sistema de prestação de contas pelos partidos políticos. A partir dos estudos desenvolvidos pela comissão instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral, foram encaminhadas ao Congresso Nacional, em novembro daquele ano, as proposições de alteração da legislação eleitoral, desdobradas em anteprojetos, de acordo com cada tema abordado.

No que toca ao escopo do presente trabalho, as propostas examinadas são aquelas que diretamente dizem respeito ao financiamento de campanhas eleitorais.

3.1 Limites de doação

Entre as condutas tipificadas pelo anteprojeto de revisão dos delitos eleitorais e respectivo processo (DOTTI, 2006. p. 75-106), apresenta-se, inicialmente, aquela contida em seu art. 305, a saber:

Art. 305. Doar, direta ou indiretamente, a partido, coligação ou candidato, recursos destinados à campanha eleitoral, em valor superior ao estabelecido em lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quem receber ou gastar os recursos em desacordo com a determinação da lei.

§ 2º Consideram-se recursos:

a) quantia em dinheiro, em moeda nacional ou estrangeira;

b) título representativo de valor mobiliário;

c) qualquer mercadoria de valor econômico;

d) a prestação, gratuita ou por preço significativamente inferior ao de mercado, de qualquer serviço, ressalvada a oferta de mão-de-obra por pessoa física;

e) a utilização de qualquer equipamento ou material;

f) a difusão de propaganda, por qualquer meio de comunicação social, ou o pagamento das despesas necessárias à sua produção e veiculação;

g) a cessão, temporária ou definitiva, de bem imóvel;

h) o pagamento de salário ou qualquer outra forma de remuneração a prestador de serviço ou empregado de partido ou de candidato;

i) o pagamento, a terceiro, de despesas relativas às hipóteses previstas neste artigo.

§ 3º A pena será aumentada se o agente for dirigente partidário.

§ 4º A pena será diminuída nas hipóteses das alíneas “d” e “g”, ou em qualquer outra quando o recurso aportado não ultrapassar o dobro do valor estabelecido em lei.

O dispositivo proposto, inserido entre os crimes contra a propaganda e a campanha eleitoral, trata do limite das doações de recursos para as campanhas eleitorais. No ordenamento hoje em vigor, tais limites correspondem a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, no caso do doador ser pessoa física (Lei n. 9.504/1997, art. 23, § 1º, inciso I), e a 2% do faturamento bruto também do ano anterior ao pleito, na hipótese de doação de pessoa jurídica (Lei n. 9.504/1997, art. 81, § 1º). Em se tratando de recursos próprios do candidato, o limite a ser observado é aquele correspondente ao valor máximo de gastos estabelecidos pela agremiação partidária (Lei n. 9.504/1997, art. 23, § 1º, inciso II). Importante observar que a Lei de Eleições já estabelecia sanção àquele doador que extrapolasse os limites impostos pela norma, especificamente o pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia doada em excesso. Pretende o anteprojeto, ao tipificar a conduta do doador, a aplicação de dois tipos de pena, além da pecuniária, estabelecida sob a forma de multa, também a privativa de liberdade (detenção, de um a três anos), ampliando o grau de reprovação atribuído.

Tendo o caput do dispositivo definido como sujeito ativo do delito o doador da quantia excedente ao limite legal, o § 1º da norma proposta apresenta conduta que somente poderia ser praticada por partido, candidato ou coligação, como beneficiários de doações que ferem os ditames da lei ou como maus aplicadores dos recursos captados para as campanhas eleitorais.

Cabe, aqui, uma pequena observação acerca da inclusão das coligações entre aqueles que poderiam cometer o delito previsto no § 1º. É sabido que a legislação eleitoral vigente dispõe que apenas candidatos e partidos políticos, estes por si e por meio dos seus comitês financeiros, podem angariar recursos e realizar despesas de campanha eleitoral. Embora as coligações tenham as prerrogativas e obrigações de partido político relativamente ao processo eleitoral lato sensu, no que toca à arrecadação e à aplicação de recursos nas campanhas, as normas nas quais o delito em questão poderá vir a ser inserido não prevêem a possibilidade de coligações praticarem tal conduta, posto que a responsabilidade sempre será de um dos partidos políticos que a compõem (Lei n. 9.504/1997, art. 17).

O § 2º do dispositivo proposto relaciona quais são os recursos cuja doação em excesso ou má aplicação poderão configurar os crimes previstos em seu caput e § 1º. Trata-se de rol extenso, que praticamente esgota as espécies de recursos que podem vir a custear uma campanha eleitoral. Dentre eles, merecem realce as hipóteses contidas nos incisos “h” e “i”, as quais constituem formas indiretas de custeio das despesas de campanha e que também deverão obedecer ao limite de doações.

As hipóteses de majoração e diminuição de pena estão indicadas nos §§ 3º e 4º do dispositivo. Não tendo a norma estabelecido o quantum de modificação da pena inicialmente prevista, caberá ao juiz avaliar as circunstâncias do caso concreto para aumentá-la ou diminuí-la, na proporção que entender conveniente.

Ainda sobre o limite de doações efetuadas às campanhas eleitorais, há que se salientar que foi criada para as eleições de 2006 nova ferramenta de controle para a aferição desses limites. As declarações de ajuste anual do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas relativas ao exercício de 2007, ano-calendário de 2006, passaram a exigir as informações concernentes às doações realizadas para as campanhas eleitorais das eleições passadas, atendendo aos ditames da Portaria Conjunta TSE/SRF 74, de 10 de janeiro de 2006, especificamente em seu art. 3º, § 2º. Tal mecanismo permite a identificação daqueles doadores que extrapolaram os limites legais e, via de conseqüência, possibilita a aplicação da penalidade de multa, sanção ainda vigente.

3.2 Movimentação paralela de recursos

Trata-se de tipo penal inserido no art. 339 do anteprojeto de revisão dos delitos eleitorais entre os crimes contra a administração da Justiça Eleitoral (DOTTI, relator, 2006, p. 94), em relação ao qual não há similar na legislação eleitoral em vigor. Seus termos são os seguintes:

Art. 339. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação para a escrituração contábil de partido político e relativa ao conhecimento da origem de suas receitas e destinação de suas despesas:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, além da perda dos recursos ou valores.

§ 1º A pena será aumentada quando se tratar de recurso ou valor referente à prestação de contas de campanha eleitoral.

§ 2º Incorrerá na mesma pena quem receber o recurso ou valor proveniente da atividade ilícita ou não declarado pelo doador ao órgão competente.

O bem jurídico protegido pela norma apresentada consiste, diretamente, na probidade das contas eleitorais e partidárias, em relação às quais a sociedade vem exigindo transparência e moralidade ante os recentes acontecimentos vivenciados na seara político-partidária e, indiretamente, no próprio Estado Democrático de Direito, ao resguardar-se a integridade das instituições constitucionalmente necessárias à democracia representativa e garantir-se a lisura do processo eleitoral.

A conduta tipificada no caput do dispositivo é conhecida como “caixa dois” e traduz-se na realização de manobras contábeis com vistas a obter, esconder, manipular ou utilizar recursos, financeiros ou não, de forma a ferir as normas estabelecidas para a contabilidade das agremiações partidárias.

In casu, a Lei n. 9.096, de 19.9.1995, traz normas específicas para a arrecadação e a aplicação de recursos pelos partidos políticos, prevendo vedações à captação de doações de determinadas fontes e estabelecendo regras para a utilização de recursos do Fundo Partidário, objetivando, por meio de suas prestações de contas anuais à Justiça Eleitoral, permitir o conhecimento de suas receitas e a destinação de suas despesas. Assim, a manutenção ou a movimentação de recursos por partido político fora da escrituração contábil fiscalizada pela Justiça Eleitoral configuraria a hipótese prevista no caput do dispositivo em comento, mesmo que, em tese, tal manutenção ou movimentação de recursos pudesse vir a ser considerada lícita se integrasse a contabilidade regular da agremiação. Isso porque a configuração da conduta típica, nesse caso, independeria da natureza dos recursos mantidos ou movimentados, sendo reprovável, tão-somente, a existência dessa contabilidade paralela.

Seriam sujeitos ativos do tipo penal em exame os dirigentes partidários responsáveis pela gestão dos recursos do partido, inclusive seu tesoureiro (Lei n. 9.096/1995, art. 34, inciso II). Poder-se-ia admitir, ainda, o profissional da área contábil, responsável pela escrituração das contas partidárias, como co-autor do delito.

Pretende a norma penal proposta a aplicação de dois tipos de pena: a privativa de liberdade — reclusão, de 3 a 8 anos — e a pecuniária, sob a forma de multa e perda dos valores mantidos ou movimentados paralelamente. Não houve a pré-fixação, no anteprojeto, dos valores, mínimo e máximo, da multa a ser aplicada.

O § 1º do dispositivo prevê o aumento de pena quando os recursos mantidos ou movimentados referirem-se à prestação de contas de campanha eleitoral. Entendendo-se o contido no parágrafo como outra hipótese de incidência da conduta tipificada, ter-se-ia que a contabilidade paralela, ou o “caixa dois”, das campanhas eleitorais também seria atingido. Nesse caso, os sujeitos ativos do tipo seriam o candidato e o administrador financeiro de sua campanha, como dispõe o art. 21 da Lei n. 9.504/1997, com a redação conferida pela Lei n. 11.300/2006, ou os membros do comitê financeiro constituído pelo partido para a arrecadação e a aplicação de recursos nas campanhas eleitorais.

De outra parte, o § 2º do artigo em análise dispõe que aquele que receber recursos provenientes de atividade ilícita ou não declarados pelo doador ao órgão competente, ou seja, o recebimento de “dinheiro sujo”, também estaria sujeito às penas do caput do dispositivo. Contudo, a norma proposta não é clara ao deixar de prever se tal conduta seria típica somente no decorrer da campanha eleitoral — por aquelas pessoas que poderiam cometer o delito previsto no § 1º — ou se atingiria também os dirigentes das agremiações partidárias, quando da arrecadação de recursos para a manutenção dos partidos. Examinando-se o dispositivo pela ótica do bem jurídico tutelado, tem-se que, em última instância, tanto a integridade das instituições constitucionalmente necessárias à democracia representativa como a lisura do processo eleitoral são situações que estariam abrangidas pela norma.

De toda forma, a inserção dos dispositivos em exame na seara jurídica representaria um ganho a toda a sociedade, que anseia pelo aperfeiçoamento das normas relativas ao processo eleitoral, lato sensu, principalmente ao reconhecer como delitos condutas já por ela reprovadas e que, até então, carecem de mecanismos jurídicos para coibi-las e puni-las.

3.3 Omissão de dados na prestação de contas

Também inserido entre os crimes contra a administração da Justiça Eleitoral, o delito em exame é uma inovação trazida pelo anteprojeto de revisão dos crimes eleitorais, cujo teor é, por oportuno, ora transcrito:

Art. 340. Omitir, na prestação de contas, recurso ou valor relativo à receita ou despesa de partido político ou de campanha eleitoral, ou outra informação exigida pela Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

[DOTTI, relator, 2006.]

Tanto em relação a este crime, quanto em relação ao anterior, constata-se que as propostas constantes no anteprojeto vêm suprir carência vivenciada pelos operadores do processo eleitoral, que, muitas vezes, observam a imposição de diversas obrigações pela legislação atinente às contas eleitorais e partidárias sem, contudo, restarem determinadas sanções pelo descumprimento dessas obrigações, o que leva partidos, candidatos e comitês financeiros de campanha eleitoral a comportar-se de forma a ignorar os ditames dessas normas, conduzindo à sensação de impunidade generalizada.

Especificamente em relação ao delito em análise, tem-se que ele busca, também, a probidade das contas partidárias e eleitorais, notadamente no que concerne à integridade dos dados submetidos à fiscalização pela Justiça Eleitoral e, de modo mais genérico, a garantia da lisura do processo eleitoral.

A conduta típica definida pelo dispositivo consiste em omitir dados nas prestações de contas de campanha eleitoral e nas prestações de contas anuais dos partidos políticos, ou seja, deixar de submeter à Justiça Eleitoral informações relativas a receitas e despesas ou, ainda, outras informações por ela exigidas referentes às contas em questão. Trata-se de crime omissivo próprio, não admitindo, portanto, tentativa.

Podem ser sujeitos ativos do delito contido no dispositivo proposto o candidato e o administrador financeiro de sua campanha, os quais respondem solidariamente pela veracidade das informações financeiras e contábeis relativas à campanha que realizaram; os membros do comitê financeiro constituído pelo partido para a arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais e, ainda, os dirigentes dos partidos políticos, que respondem pelas contas das agremiações partidárias, visto que todas essas pessoas têm o dever legal de prestar contas à Justiça Eleitoral, seja por ocasião da campanha eleitoral, seja anualmente por obrigação imposta a todos os partidos.

É de salientar-se, ainda, que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, os sujeitos devem agir conscientes da omissão para a configuração do delito; devem, deliberadamente, deixar de apresentar as informações exigidas. Não é punível a ação involuntária, o esquecimento, a imperícia na elaboração das contas, visto que não se encontra prevista a forma culposa do crime.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à consumação do delito. É consabido que candidatos e partidos deixam de apresentar, no momento indicado para a apresentação das contas, todos os dados a elas inerentes, complementando informações à medida que a Justiça Eleitoral solicita esclarecimentos e documentos para aferição de sua regularidade com vistas à sua aprovação. Assim, há que se questionar se a omissão de dados na prestação de contas inicial já seria bastante para a consumação do crime ou se esta ia se dar tão-somente após o julgamento das contas pela Justiça Eleitoral, na hipótese de comprovar-se, posteriormente, a omissão de informações.

Prevê o anteprojeto, como penas para o delito em questão, a privativa de liberdade, que consiste na reclusão de 1 a 4 anos, e a pecuniária, por meio da aplicação de multa. Não foram especificados, também, os valores mínimo e máximo dessa pena pecuniária.

Ainda em relação a esse delito, a tipificação da conduta definida apresenta-se como positiva e vem aperfeiçoar as regras concernentes às contas eleitorais e partidárias, na medida em que pretende tratar com gravidade o modo como é visto o cumprimento da obrigação de prestar contas. Obrigação essa claramente relegada a segundo plano, no contexto atual do processo eleitoral, mas que, com os acontecimentos que vieram a público recentemente na sociedade política brasileira, restou demonstrada a necessidade de alterações na legislação eleitoral capazes de modificar, também, a conduta dos seus agentes políticos.

3.4 Recursos de fontes vedadas

O delito em questão, também tratado no capítulo de crimes contra a administração da Justiça Eleitoral, cuida do recebimento de recursos de fontes consideradas vedadas, ou seja, de recursos que não devem custear o processo eleitoral. A proposta foi apresentada com os seguintes termos.

Art. 345. Receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recurso, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – entidade ou governo estrangeiro;

II – autoridade ou órgão público, ressalvadas as dotações legais;

III – autarquia, empresa pública ou concessionária de serviço público, sociedade de economia mista e fundação instituída em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais.

Parágrafo único. Consideram-se recurso as hipóteses previstas no art. 305, § 2º, deste código.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. [DOTTI, relator, 2006. p. 96.]

A tipificação da conduta descrita no caput do dispositivo objetiva pelo menos minimizar, senão impedir, a interferência, no processo eleitoral, de qualquer das possíveis fontes de recursos lá elencadas, especialmente por força do poder econômico e político que podem exercer.

Todavia não especificou o dispositivo quem poderia ser o sujeito ativo do crime, visto que, tanto para candidatos quanto para partidos políticos, obter recursos de tais entidades/autoridades já configura conduta proibida na legislação em vigor, embora sem o estabelecimento de qualquer sanção. Pelas remissões constantes do texto do anteprojeto, as quais fazem referência ao art. 31 da Lei n. 9.096/1995, pode-se concluir que o autor do delito em questão seria o partido político que recebesse recursos de qualquer das fontes citadas. Acerca desse particular, há que se registrar que o anteprojeto pecou ao não incluir os candidatos entre os possíveis sujeitos ativos do delito, uma vez que referida conduta, quando praticada por candidatos, em plena campanha eleitoral, também deveria configurar crime e ser punida exemplarmente, considerada sua gravidade em relação ao bem jurídico protegido, in casu, a lisura das campanhas eleitorais.

Examinando-se as hipóteses tipificadas pela norma proposta, à luz das regras atualmente vigentes, verifica-se ter havido a exclusão daquela referente ao recebimento de recursos provenientes de entidades de classe ou sindicais (Lei n. 9.096/1995, art. 31, “d”), sem que tenha sido, de outra parte, apresentada qualquer justificativa para tanto na exposição de motivos concernente ao anteprojeto analisado. Sem entrar no mérito da exclusão propriamente dita, convém destacar que, permanecendo o dispositivo como proposto, mais uma conduta vedada pela Lei dos Partidos Políticos persistirá sem o estabelecimento de sanção que iniba a sua prática, ou seja, mesmo a grei partidária tendo recebido recursos de uma entidade sindical, não haverá qualquer penalidade a ser aplicada pela Justiça Eleitoral, muito embora tal entidade continue a ser considerada uma fonte de recursos vedada pela referida lei.

Apenas para salientar a importância da definição das fontes lícitas de recursos para o custeio do processo eleitoral, convém mencionar que a Lei n. 11.300/2006 ampliou o leque de entidades e instituições que estão proibidas de contribuir para as campanhas eleitorais. Ao deixar de incluir os candidatos e comitês financeiros partidários como possíveis sujeitos ativos do delito previsto no art. 345, o anteprojeto deixou, também, uma brecha para que um candidato pudesse receber, por meio do partido político ao qual está filiado, recursos provenientes de uma entidade religiosa, por exemplo, conduta esta vedada pelo novel diploma legal. Sob esta ótica, caberia discutir, ainda, a razão pela qual o legislador não estabeleceu idênticas fontes vedadas de recursos, tanto pela Lei dos Partidos Políticos quanto pela Lei de Eleições, posto que os valores recebidos pelos partidos políticos podem livremente ingressar nas campanhas eleitorais de seus candidatos. Todavia, carece a matéria de exame mais profundo, não comportado pela singeleza do presente estudo.

3.5 Julgamento das contas dos candidatos eleitos

A Lei Eleitoral disciplina a competência da Justiça Eleitoral para o exame das prestações de contas com vistas à verificação de sua regularidade, conforme se examina abaixo.

As atribuições da Justiça Eleitoral, em 1994, referiam-se à verificação da regularidade das contas prestadas e da sua correta apresentação. A partir de 1996, a legislação é enfática ao afirmar que cumpre à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das contas.

Propôs o colendo Tribunal Superior Eleitoral, a respeito do prazo fixado para o exame de regularidade das contas:

Art. 30 [...]

§ 1º A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em sessão até oito dias antes da diplomação. [grifou-se.]

O prazo fixado pela legislação eleitoral para o julgamento das contas prestadas sempre foi exíguo. Em 1994, devia a Justiça Eleitoral apreciar as contas prestadas até oito dias antes da diplomação dos eleitos. Em 1996, a regra determinava a publicação da decisão que julgasse as contas, em sessão, até três dias antes da diplomação. Dada a impossibilidade material de dar cumprimento à norma, uma vez que o prazo final para a diplomação dos candidatos eleitos ocorre ainda em meados do mês de dezembro de cada ano eleitoral, não raras vezes interpretou a Justiça Eleitoral que, como o prazo se referia à diplomação dos eleitos, dizia respeito, exclusivamente, às contas dos candidatos eleitos, não observando o prazo legal para exame das contas daqueles candidatos não-eleitos.

Após a Lei n. 9.504/1997 (pleitos posteriores a 1996), referiu-se expressamente a norma à publicação da decisão que julgasse as contas de todos os candidatos, eleitos ou não, em sessão, até oito dias antes da diplomação, impossibilitando a exegese conferida às normas anteriores. Isso porque claramente exige a lei o julgamento das contas de todos os candidatos – não obstante a sua eleição ou não – até oito dias antes da diplomação.

Observe-se que o prazo final para o julgamento das contas varia em função da fixação da diplomação dos eleitos em cada circunscrição eleitoral, visto que o calendário eleitoral prevê, apenas, o prazo máximo para a diplomação.

Para as eleições de 2006, com o advento da Lei n. 11.300/2006, vê-se acolhida a proposição do Tribunal Superior Eleitoral.

A recente lei deu nova redação ao art. 30, § 1º, da Lei das Eleições, que disciplinava o tema, passando este a vigorar conforme segue:

Art. 30 [...]

§ 1º  A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em sessão até 8 (oito) dias antes da diplomação.

Esse é um significativo avanço legislativo, visto que o prazo anteriormente fixado conferia à Justiça Eleitoral tarefa verdadeiramente hercúlea, sem condições materiais e operacionais de efetivo cumprimento. Assim, já privilegiava a Justiça Eleitoral o exame das contas dos eleitos, por absoluta impossibilidade de dar cumprimento ao dispositivo legal. Uma vez que o prazo antes fixado dizia respeito a período anterior à diplomação, passa a Lei das Eleições a disciplinar de forma mais consentânea a regra, impondo a obrigatoriedade de julgamento das contas daqueles que de fato serão diplomados, permitindo que a Justiça Eleitoral dedique-se com maior profundidade ao exame de suas contas.

Poder-se-ia argumentar que, sendo os suplentes também diplomados, também as suas contas deveriam ser examinadas. Na verdade, se possível, as contas de todos os candidatos deveriam ser examinadas no menor prazo possível. Mas, conforme anteriormente exposto, não dispõe a Justiça Eleitoral de condições para assim proceder. Daí por que a nova redação do dispositivo é a que melhor se adequa à prestação jurisdicional.

Consentânea com a nova regulamentação do tema, mantém-se a norma de que nenhum candidato poderá ser diplomado até que suas contas tenham sido julgadas (Lei n. 9.504/1997, art. 41).

3.6  Possibilidade de reabertura dos processos de prestação de contas e conseqüências de eventual retificação das contas prestadas

Propôs o Tribunal Superior Eleitoral a inserção de parágrafo ao art. 30 da Lei Eleitoral, nos seguintes termos:

Art. 30 [...]

§ 5º O processo de prestação de contas poderá ser reaberto a qualquer tempo, por provocação do Ministério Público, de partido político ou, para fins de retificação, por solicitação do próprio candidato.

Não há na legislação de regência nenhum dispositivo legal que contemple a proposição do Tribunal Superior Eleitoral.

Avalia-se como positiva a proposição, visto que, deparando-se com denúncias posteriores à apreciação das contas ou, ainda, com o encaminhamento de informações que modifiquem o conteúdo das contas já prestadas, possam estas ser submetidas a novo crivo, como é a hipótese de compartilhamento de informações da base de dados da Secretaria da Receita Federal ou, ainda, do eventual monitoramento das operações financeiras pelo Banco Central do Brasil. A esse respeito, é imprescindível observar que a eficácia dos procedimentos de aferição de regularidade das contas pressupõe a atuação conjunta e integrada de órgãos públicos de controle bem estruturados e fortalecidos politicamente, sobretudo no que se refere às unidades técnicas incumbidas do exame das contas na Justiça Eleitoral, à Secretaria da Receita Federal e ao Banco Central do Brasil, que detêm as condições para dar efetiva operacionalidade aos procedimentos de fiscalização do financiamento das campanhas eleitorais.

A respeito da mencionada retificação de contas, de igual sorte o Tribunal Superior Eleitoral propôs a inserção de parágrafo ao art. 30 da Lei Eleitoral, consoante segue:

Art. 30 [...]

§ 6º A retificação na forma do § 5º:

I – não necessariamente exime o candidato das sanções aplicáveis, inclusive, se for o caso, a de perda do mandato;

II – não é cabível em relação a contas de campanha rejeitadas pela Justiça Eleitoral.

Importante a proposição ora em exame, visto que, se viabilizada a reabertura das contas por retificação, responderá o candidato pelo resultado das alterações que processar em suas contas. Vale dizer: identificando-se no exame nova irregularidade passível de punição, esta seria coercitivamente imposta.

Note-se que a proposição impede a utilização do instituto da retificação para contas já examinadas pela Justiça Eleitoral em que esta tenha concluído pela sua rejeição. Verifica-se que partiu o Tribunal Superior Eleitoral do pressuposto de que o conjunto das irregularidades que tenha levado à rejeição das contas foi cabalmente provado nos autos, daí porque incabível a sua eventual retificação com vistas a modificar o julgamento realizado. Este procedimento viabilizaria a efetiva e imediata aplicação das sanções eventualmente resultantes da rejeição das contas (em procedimento específico, por exemplo, tendente a apurar a ocorrência de abuso do poder econômico). Se assim não fosse, todas as conseqüências advindas da rejeição poderiam submeter-se à suspensão, uma vez que sobre as contas estaria novamente se debruçando a Justiça Eleitoral, podendo resultar do exame a sua aprovação.

Contudo, cabe registrar que a aplicação imediata das sanções – que resultaria da imutabilidade da decisão que rejeita as contas – culmina por conflitar, no mérito, com o dispositivo examinado no item 2.8, visto que o Tribunal Superior Eleitoral propôs, igualmente, que a decisão que aprecie as contas faça coisa julgada apenas após o término do mandato do candidato eleito.

3.7 Conseqüências da rejeição das contas

Propôs o Tribunal Superior Eleitoral, ainda, a inserção de novo parágrafo ao mesmo art. 30 da Lei Eleitoral:

Art. 30 [...]

§ 7º A rejeição de contas de campanha por conduta dolosa, em segunda ou única instância, impede a diplomação ou implica a perda de mandato do candidato eleito, sem prejuízo, se for o caso, de representação à autoridade fiscal.

Sem dúvida alguma, a previsão de penalidades específicas, concretas e resultantes diretamente da infração às normas de campanha eleitoral, é providência que urge para afastar a pecha de impunidade que legitima o cometimento de novas infrações. Nesse sentido, louvável a iniciativa.

Contudo, é de se perquirir se apenas a conduta dolosa deveria impor as penalidades propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

É que, de há muito, se identifica o contra-senso: a severidade da punição de alguns delitos eleitorais e a precariedade – ou a absoluta ausência – de punição em infrações tão graves como as decorrentes do financiamento das campanhas eleitorais.

Ora, se, sujeito à observância de uma série de regras legal e normativamente impostas, todas emanadas no intuito de preservar a legitimidade dos pleitos e coibir o abuso do poder econômico, o candidato as infrigir ao ponto de ter suas contas rejeitadas pela própria Justiça Eleitoral, é de se esperar que a conseqüência natural da rejeição seja a da impossibilidade de exercer o mandato, e não apenas nas hipóteses em que se logre comprovar o dolo.

3.8  Trânsito em julgado da decisão de julgamento das contas e conservação de documentos comprobatórios

A esse respeito, propôs o Tribunal Superior Eleitoral:

Art. 30 [...]

§ 8º A decisão judicial que apreciar a prestação de contas de campanha somente fará coisa julgada ao término do mandato do candidato eleito.

[...]

Art. 32. Os candidatos e os partidos conservarão a documentação concernente às contas de campanha nos quatro anos seguintes à eleição.

[...]

A proposição encerra importante questão, desde há muito debatida na Justiça Eleitoral: a da natureza dos processos de prestação de contas e das decisões que neles são proferidas. Dessa questão deriva outra, de caráter secundário, concernente à guarda da documentação comprobatória das prestações de contas.

Contrário senso, todo o disciplinamento do tema evoluiu da questão secundária – guarda da documentação comprobatória – para a questão principal, cujo contexto é importante resgatar para a compreensão adequada da proposição encaminhada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nessa esteira, cabe discutir a natureza – terminativa ou não – da decisão que julgar as contas prestadas à Justiça Eleitoral e a aplicabilidade, ou não, à referida decisão, das disposições dos arts. 276 e 281 da Lei n. 4.737, de 15.7.1965 (Código Eleitoral).

Foi nas eleições municipais de 2000 que a Resolução TSE n. 20.566/2000 passou a referir-se expressamente ao trânsito em julgado da decisão final que julgar as contas, conforme se observa:

Art. 24. [...]

Parágrafo único. Estando pendente de julgamento qualquer processo judicial relativo às contas, a documentação a elas concernente deverá ser conservada até o trânsito em julgado da decisão final (Lei n. 9.504/1997, art. 32, parágrafo único).

Vigorou, até o pleito de 2000, o entendimento de que não ocorreria o trânsito em julgado das contas, já que sempre poderia haver reconsideração da decisão que as julgasse, que possui caráter administrativo. Ocorre que a sucessão de pedidos de reconsideração culminava em intermináveis processos administrativos que, não raras vezes, tinham o seu custo processual onerado em valores superiores aos das contas prestadas.

O dispositivo da Lei n. 9.504/1997 possui, no aspecto em questão, redação idêntica, ou seja: há referência expressa à natureza judicial do processo em que as contas são julgadas. Vale dizer, confere a lei eleitoral natureza judicial aos julgamentos proferidos pela Justiça Eleitoral quando aprecia as prestações de contas.  

Assim, indubitável argüir-se, pela natureza do julgamento proferido, a aplicabilidade das disposições do Código Eleitoral (Lei n. 4.737 de 15.7.1965), em seus arts. 276 e 281, às decisões que julgaram as contas prestadas à Justiça Eleitoral naquele pleito, verbis:

Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior:

I – especial:

a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei;

b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;

II – ordinário:

a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições federais e estaduais;

b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança.

§ 1º É de 3 (três) dias o prazo para a interposição do recurso, contado da publicação da decisão nos casos dos números I, letras a e b e II, letra b e da sessão da diplomação no caso do número II, letra a.

§ 2º Sempre que o Tribunal Regional determinar a realização de novas eleições, o prazo para a interposição dos recursos, no caso do número II, a, contar-se-á da sessão em que, feita a apuração das sessões renovadas, for proclamado o resultado das eleições suplementares.

[...]

Art. 281. São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior, salvo as que declararem a invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Federal e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança, das quais caberá recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, interposto no prazo de 3 (três) dias.

§ 1º Juntada a petição nas 48 (quarenta e oito horas) seguintes, os autos serão conclusos ao presidente do Tribunal, que, no mesmo prazo, proferirá despacho fundamentado, admitindo ou não o recurso.

§ 2º Admitido o recurso será aberta vista dos autos ao recorrido para que, dentro de 3 (três) dias, apresente as suas razões.

§ 3º Findo esse prazo os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal.

A questão, cuja gravidade é facilmente perceptível, foi finalmente aclarada na regulamentação do pleito de 2002, com a edição da Resolução TSE n. 20.987/2002, que previu, expressamente, os recursos cabíveis das decisões que julgassem as prestações de contas:

Art. 35. Das decisões dos tribunais regionais eleitorais que versarem sobre contas somente caberá recurso para o Tribunal Superior Eleitoral quando proferidas contra disposição expressa da Constituição Federal ou de lei, ou quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais.

Em complemento a essa norma, também a Resolução TSE n. 21.118, de 6.6.2002, dispondo novamente sobre o tema, fixou a inadmissibilidade da interposição de pedidos de reconsideração, banindo o entendimento até então vigente da admissibilidade desses pedidos, de natureza administrativa, que não conferiam a necessária segurança jurídica às decisões proferidas pela Justiça Eleitoral nessa matéria.

O disciplinamento foi mantido nas eleições de 2004. Para as eleições de 2006, a Resolução TSE n. 22.250/2006 manteve a obrigatoriedade de que comitês financeiros e candidatos mantivessem à disposição da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 180 dias da decisão final que houvesse julgado as contas, todos os documentos a elas referentes e, na hipótese de estar pendente qualquer processo judicial, até sua decisão final.

No que se refere ao trânsito em julgado das contas, contudo, há que se registrar significativo retrocesso normativo sobre o tema. É que a Resolução TSE n. 22.250/2006 simplesmente deixou de regulamentar o assunto, delegando à jurisprudência da Justiça Eleitoral a tarefa de sedimentar a questão, orientando o não-conhecimento de eventuais pedidos de reconsideração interpostos e a aplicação às decisões exaradas por suas Cortes apenas do que dispõe expressamente o Código Eleitoral, admitindo apenas o recurso especial, nos termos da regulamentação corretamente expendida para o pleito de 2004.

Vê-se que o tema possui grande importância ao financiamento das campanhas eleitorais. Contudo, da proposição do Tribunal Superior Eleitoral deduz-se que esta visou, apenas e tão-somente, compatibilizar as normas às propostas de possibilidade de reabertura das contas, o que não poderia ocorrer caso estas estivessem definitivamente julgadas. Desse mesmo raciocínio decorre a guarda da documentação comprobatória pelo prazo em que a decisão que examina as contas não fizer coisa julgada.

Ocorre que, ao tempo em que viabiliza os demais procedimentos sugeridos pelo Tribunal Superior Eleitoral, a norma também impede que sejam aplicadas, em definitivo, as eventuais sanções decorrentes do julgamento, o que – caso aprovado – traria sérios problemas à Justiça Eleitoral.

Por outro lado, há que se ressaltar que a proposição tem o mérito de consagrar aquilo que a jurisprudência eleitoral já havia sedimentado ao longo de uma década de exame: as contas são objeto de julgamento do qual emana decisão que transita em julgado, sendo incabível alegar que os processos de prestação de contas à Justiça Eleitoral são de natureza administrativa e, portanto, passíveis de reconsideração a qualquer tempo. Por conseguinte, enquanto não transitada em julgado a respectiva decisão, obrigatória a guarda da documentação que lhe dá lastro.

4 Conclusão

De tudo o que foi exposto, pode-se concluir que o Tribunal Superior Eleitoral apresentou ao Congresso Nacional importantes questões a disciplinar o financiamento de campanhas eleitorais.

Contudo, a eficácia de tais proposições depende de alterações legislativas profundas, de impacto constitucional e efetivamente reformuladoras do sistema político-eleitoral.

Dentre as soluções passíveis ao equacionamento das graves questões que permeiam o processo de financiamento de campanhas eleitorais, verifica-se que  a instituição de penalidades efetivas para as infrações, inclusive no que concerne à criminalização de determinadas condutas, é essencial.

Fortalecido o ordenamento jurídico que disciplina o tema — para o qual contribuiu o Tribunal Superior Eleitoral com as proposições encaminhadas —, a eficiência das soluções propostas depende, ainda, da adoção de um conjunto de ações coordenadas e exercidas por diversas instituições, tais como a Secretaria da Receita Federal e o Sistema Financeiro Nacional, notadamente o Banco Central do Brasil (BACEN), posto que a operacionalização das regras depende não apenas da atuação do Poder Judiciário, mas da adoção de medidas concretas de controle operacional, que refogem à Justiça Eleitoral. Esta, por sua vez, precisa dispor de estrutura técnica especializada e adequada para fazer frente à importante atribuição que a sociedade lhe confere.

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Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 15, 2008.

 

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