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Filiação, ética e fidelidade partidária: uma visão crítica e jurídica

Por: Alessandro Balbi Abreu

1 Filiação partidária: condição para elegibilidade

A filiação partidária, antes de qualquer coisa, é um pressuposto constitucional para aqueles que pretendem candidatar-se em uma eleição.

O sistema eleitoral brasileiro não permite as candidaturas avulsas. Dependem, pois, dos partidos políticos todos aqueles que buscam, de fato, ingressar na carreira política.

Para filiar-se ao partido político, o eleitor deve estar no gozo dos seus direitos políticos. Atendidas as regras estatutárias da agremiação política, a filiação será deferida, na forma do art. 17 da Lei dos Partidos Políticos (LPP).

Já para aqueles que pretendem concorrer a cargo eletivo – proporcional ou majoritário –, a filiação partidária deverá ocorrer, pelo menos, um ano antes do pleito (art. 18 da LPP).

O eleitor que deseja desligar-se do partido ao qual está filiado, para ingressar em outro, deve comunicar não só aos representantes do diretório municipal da sua agremiação, como também ao juiz eleitoral da zona em que estiver inscrito. Passados dois dias da comunicação, o vínculo torna-se extinto (art. 21 da LPP).

Contudo, como nem todos os interessados têm o cuidado de verificar a legislação pertinente antes de mudarem de partido político, ocorre, freqüentemente, a incidência do eleitor em dupla filiação. Ou seja, o cidadão comunica ao partido a sua saída da agremiação, mas não a comunica ao juiz eleitoral.

No final, ao confrontar as relações de filiados encaminhadas pelos partidos políticos, a Justiça Eleitoral percebe a existência de duas filiações para o mesmo eleitor. Neste caso, “ambas são consideradas nulas para todos os efeitos” (art. 22, parágrafo único, da LPP).

Como conseqüência, o eleitor que pretender candidatar-se para as eleições subseqüentes poderá ter um problema, caso a dupla filiação seja detectada pela Justiça Eleitoral somente depois de decorrido o prazo estabelecido pelo art. 18 da LPP1, uma vez que, anuladas as duas filiações, fica caracterizada a falta de uma das condições de elegibilidade.

Porém, nesse caso, a Justiça Eleitoral tem admitido, em algumas situações, a regularização da situação do eleitor, desde que o interessado não tenha agido de má-fé.

Se as filiações referentes ao mesmo eleitor ocorrerem durante a vigência de leis distintas, o egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina tem decidido que prevalece aquela que foi realizada sob a égide da legislação atual, ou seja, da Lei n. 9.096/1995:

RECURSO - DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA - FILIAÇÃO ANTIGA - LEI N. 5.682/1971 - FILIAÇÃO RECENTE - LEI N. 9.096/1995 - NÃO-CONFIGURAÇÃO - PROVIMENTO.

Não configura dupla filiação adesão a partidos diversos ocorrida sob a égide de legislações distintas, devendo, nesse caso, prevalecer a mais recente. [TRESC. Ac. n. 18.966, rel. Juiz Sebastião Ogê Muniz, julg. em 3.8.2004.]

Da mesma forma, tem-se admitido válida a filiação partidária quando o eleitor comunica ao antigo partido político o cancelamento da sua filiação e não informa à Justiça Eleitoral a mudança realizada:

RECURSO - FILIAÇÃO PARTIDÁRIA - DUPLICIDADE - DESFILIAÇÃO - COMUNICAÇÃO TEMPESTIVA AO PARTIDO MAIS ANTIGO - PROVIMENTO.

A comunicação tempestiva ao partido mais antigo da intenção do eleitor de desligar-se de seus quadros afasta a incidência da dupla filiação. [TRESC. Ac. n. 18.810, rel. Juiz Sebastião Ogê Muniz, julg. em 12.4.2004]

Assim, a Justiça Eleitoral, sabiamente, tem garantido o predomínio da vontade do eleitor sobre a formalidade da norma, desde que o interessado não tenha agido de má-fé.

2 Critérios de escolha para o ingresso em um partido político: aspectos polêmicos

Deixando-se de lado os aspectos jurídicos que norteiam a filiação, e passando-se à análise crítica dessa prerrogativa que tem todo eleitor, faz-se a seguinte indagação: no momento de optar por uma legenda, em qual delas o interessado deve ingressar?

Partindo da premissa de que os partidos políticos são compostos por grupos de pessoas unidas por ideais comuns, seria coerente que os eleitores ou os próprios políticos optassem pela agremiação que defenda os seus conceitos, planos e ações.

Dessa forma, todos os correligionários poderiam caminhar no mesmo rumo, com entusiasmo, responsabilidade e compromisso com a “bandeira” defendida pelo grupo.

Nessa concepção – que hoje mais parece surrealista –, os partidos políticos também lutariam pelo ingresso de eleitores que pudessem participar ativamente na elaboração e implementação dos assuntos políticos e públicos defendidos pela legenda, que viessem verdadeiramente fortalecer o partido.

Contudo, o que se vê atualmente é a busca incessante dos partidos políticos para atingir o maior número possível de filiados, apenas para promover a agremiação pelo coeficiente alcançado – mil, dois mil, cinco mil, dez mil novas filiações – e vender um falso e desajustado crescimento da legenda para os eleitores, dizendo, no final, aos quatro ventos: “Sou o partido com o maior número de filiados no meu Estado!”.

Essa trágica comédia ganha maiores proporções nos anos que antecedem as eleições. É principalmente nesse período que predominam as novas filiações daqueles políticos, já detentores de mandatos eletivos, que trocam de sigla como trocam de carro, buscando o modelo mais apropriado para o momento, com o único objetivo de defender seus interesses pessoais.

Ao final da eleição, depois de eleito pela legenda, se surgir um outro modelo mais interessante, o mandatário troca novamente, sem qualquer constrangimento, e sempre com uma justificativa furada na ponta da língua.

Não se pode esquecer, também, que as mudanças partidárias ocorrem, em grande parte, logo após o resultado das eleições, e que estão relacionadas ao desejo dos parlamentares cujos partidos saíram derrotados da eleição majoritária de ingressar nas fileiras das legendas alinhadas à situação, a fim de participar da divisão de cargos do governo e ter atendidas as suas exigências, utilizando como moeda de troca o voto de apoio aos projetos encaminhados pelo Executivo às Casas Legislativas.

Dentro desse quadro, nada mais pertinente do que a opinião de José Adércio Sampaio (2003), citada pelo Procurador-Geral da República Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, no Mandado de Segurança n. 26.603-1:

A política, especialmente de cunho partidário, tornou-se um lugar vazio, um lócus sem a expressão no imaginário e na prática dos agentes políticos, deixando de ser a instância do bem-comum para transformar-se no palco de atores à procura de seus próprios interesses e roteiros.

É com esse sistema partidário falido que nos deparamos atualmente no Brasil. Diante do quadro apresentado acima, como poderá predominar a ética partidária?

3 Ética: como exigi-la dos filiados no atual sistema partidário?

Se já não bastasse a dificuldade que se tem para definir o que é ético ou não – “A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta” (VALLS, 1993, p. 7) –, na conjuntura política em que vivemos fica ainda mais difícil de se chegar a alguma conclusão.

Mas, afinal, será que os partidos políticos têm agido com ética nas situações vividas internamente, para exigir de seus filiados um comportamento ético?

É cediço que os estatutos partidários, em sua maioria, apresentam dispositivos semelhantes que tratam da ética partidária, que acabam por formar o Código de Ética da legenda.

Basta uma simples pesquisa na internet para se verificar as normas de conduta, quanto aos filiados, existentes nos estatutos partidários, tais como: defender os interesses do partido; lutar pela sua unidade; cumprir as suas recomendações; agir de forma leal para com os companheiros; exercer com dignidade o cargo ou mandato parlamentar; etc. Contudo, na prática, todas essas orientações estão num segundo plano. Se não, vejamos:

Quando ocorre o descumprimento de algum desses itens, cabe em todos os partidos, sem exceção, a denúncia para o conselho de ética partidário, a fim de que o filiado responsável seja punido.

Todavia, não raramente, prevalece a verdade do politicamente mais forte dentro da legenda e não de quem, de fato, possui a razão. Ou seja, o órgão dirigente do partido, em vez de analisar a situação fática e jurídica que envolve o processo disciplinar, opta, na verdade, entre os envolvidos, pelo filiado que considera mais “importante” para a legenda. A situação se agrava, tendo em vista que a Justiça comum, em reiteradas decisões, considera a matéria como interna corporis, de forma que o filiado que se vê injustiçado não tem a quem recorrer.

Conclui-se, portanto, que os partidos políticos, ao mesmo tempo que exigem de seus filiados a predominância da ética, não dão o devido exemplo.

4  Fidelidade partidária: partidos políticos x parlamentares infiéis

Dentro dessa celeuma, encontra-se, atualmente, o assunto mais discutido entre todos os envolvidos no processo político-partidário: a fidelidade partidária.

A fidelidade partidária foi instituída como regra obrigatória a ser implementada pelos partidos políticos. A Constituição Federal lhes confere autonomia para estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária (17, § 1º).

Já o art. 14, § 3º, V, da Constituição Federal, como foi mencionado anteriormente, estabelece a filiação partidária como condição para elegibilidade, inexistindo, portanto, a possibilidade de candidaturas avulsas.

Os citados dispositivos constitucionais, entre outros fatores, servem como base para que os partidos políticos defendam o posicionamento de que o mandato eletivo não pertence ao candidato eleito, mas sim à agremiação que o elegeu. Outro argumento forte que pesa a favor dos partidos é a dependência que os candidatos proporcionais têm em relação aos votos da legenda para alcançarem a cadeira legislativa.

Nesse aspecto, salienta-se que em Santa Catarina, nas eleições de 2006, nenhum candidato a deputado estadual ou federal alcançou o quociente eleitoral apenas com os seus votos. Todos, sem exceção, dependeram dos votos das suas respectivas legendas para se elegerem.

O caso mais emblemático ocorreu nas eleições de 2002, quando o candidato a deputado estadual mais votado não se elegeu, pois não atingiu, nem com os votos da legenda, o quociente eleitoral.

No Brasil, nas eleições de 2006, apenas 31 dos 513 deputados alcançaram com os seus próprios votos o quociente eleitoral.

Na verdade, essa discussão – se o mandato pertence ao candidato eleito ou ao partido que o elegeu – não é nova. Porém, as reiteradas mudanças partidárias ocorridas, principalmente na atual conjuntura política, trouxeram à baila novamente a matéria.

O tema fidelidade partidária ganhou ainda mais notoriedade após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter apreciado a matéria, ao responder a Consulta n. 1.398, que deu origem à Resolução n. 22.526, de 27.3.2007.

A egrégia Corte Eleitoral, com base nas normas constitucionais supracitadas, dispositivos do Código Eleitoral (arts. 108, 175, § 4º, e 176) e pautada na interpretação dos princípios constitucionais, sedimentou o entendimento de que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políticos.

Por oportuno, colhem-se alguns trechos dos votos:

[...] Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do partido político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária [...].

Todavia, parece-me incogitável que alguém possa obter para si – e exercer como coisa sua – um mandato eletivo, que se configura essencialmente como uma função política e pública, de todo avessa a inconciliável com pretensão de cunho privado [Rel. Min. César Asfor Rocha].

Dessa caracterização de proporcionalidade brota, como princípio, a pertinência das vagas obtidas segundo a lógica do sistema, mediante uso de quocientes eleitoral e partidário, ao partido ou coligação, e não, à pessoa que sob sua bandeira tenha concorrido e sido eleita [Min. Cezar Peluso].

Com efeito, o cidadão atribui a prática de troca de partido ao predomínio de interesses particulares dos parlamentares, como já afirmado, ao governismo – ou seja, à preponderância, especialmente, do Poder Executivo quando tem a sua maioria configurada, a um comportamento, por que não dizer, espúrio – pois muitas vezes a imprensa noticia, embora não tenhamos aqui provas a apresentar, vantagens obtidas com as seguidas trocas de partido. Tais vantagens podem ser diretas e indiretas, conforme afirmado de modo público [Min. José Delgado]. [TSE. Res. n. 22.526, de 27.3.2007, rel. Min. Francisco Cesar Asfor Rocha]

Em que pese a manifesta incompetência do Tribunal Superior Eleitoral para responder à referida consulta, já que a sua competência extingue-se com a diplomação dos eleitos (TSE. Consulta n. 14.139, rel. Min. Carlos Velloso, julg. em 23.5.1994), é incontroversa a propriedade dos argumentos expostos pelos eminentes ministros, que visam, acima de tudo, a fortalecer os partidos políticos, o que é salutar para o sistema democrático brasileiro.

Contudo, mesmo diante dessa importante conclusão, resta verificar se a perda do mandato eletivo daqueles que mudaram de partido pode ser aplicada imediatamente.

5  A perda do mandato parlamentar em face da troca de partido político

Inicialmente, cumpre salientar que a resposta à consulta pelo Tribunal Superior Eleitoral resulta apenas numa orientação, não cria direito algum.

Ao abordar o assunto, Alberto Rollo (2007, p. 41) enfatiza:

Trata-se, portanto, de atuação não-jurisdicional, cujo efeito não se aplica diretamente às relações jurídicas controvertidas ou litigiosas. A resposta à consulta não produz efeitos concretos, pois não se presta para incidir no mundo dos fatos e regulamentar as relações jurídicas. Destina-se a mera orientação opinativa, proferida em tese, a respeito de matéria eleitoral, insuscetível, por si só, de incidir no mundo dos fatos, criar direitos ou obrigações, constituir ou desconstituir relações jurídicas de modo geral.

Na presente situação, o fato se agrava ante a incompetência da Justiça Eleitoral para tratar da matéria, como foi ressaltado acima.

Porém, mesmo que ultrapassada a incompetência ora alegada, deve-se partir da premissa fundamental de que não existe no ordenamento jurídico norma que determine a punição de perda do mandato eletivo para os parlamentares infiéis.

O art. 55 da Constituição Federal prevê, expressamente, os casos em que isso pode ocorrer: entre as situações previstas no referido dispositivo constitucional, não existe nenhuma menção à perda de mandato em função da troca de partido político.

Por esse motivo, Auro Augusto Caliman (2005, p. 123), ao abordar o assunto em sua obra, salienta:

[...] não obstante estar a fidelidade partidária prevista em preceptivo constitucional que dispõe sobre partidos políticos (art. 17, § 1º), ela não foi incluída expressamente pelo constituinte originário, nem pelo revisional ou pelo derivado, nos dispositivos constitucionais que disciplinam a perda do mandato parlamentar (arts. 55 e 56), de modo a erigi-la como hipótese punitiva conducente à extinção ou à cassação do mandato representativo. Esta, por ora, parece ser a certeza jurídica, até que seja, eventualmente, incluída a infidelidade partidária no rol de hipóteses de perda de mandato, como, aliás, foi proposto, mas sem que tivesse havido aprovação no processo constituinte de 1998 e no revisional de 1993.

Assim, por se tratar de norma constitucional expressa e exaustiva, não pode o Poder Judiciário – seja ele o Eleitoral ou não – atuar como legislador positivo, substituindo o Poder Legislativo, de forma a criar um novo texto legal (MORAES, 2002, p. 45).

Conclui-se, portanto, que o Tribunal Superior Eleitoral optou por criar uma interpretação contra legem, que incluiu hipótese de perda de mandato parlamentar que a própria Constituição não previu (ROLLO, 2007, p. 45).

Salienta-se, por oportuno, conforme foi lembrado pelo Min. Marcelo Ribeiro no voto divergente, que a previsão da perda de mandato em face da troca de partido foi introduzida na Constituição de 1967 e retirada na Constituição vigente, o que demonstra a vontade do legislador em excluir esta hipótese daquelas previstas no art. 55 da Constituição Federal.  

6  Precedentes do Supremo Tribunal Federal

O posicionamento ora defendido já serviu como base para que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria, decidisse pela inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados:

MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDARIA. SUPLENTE DE DEPUTADO FEDERAL.

Em que pese o princípio da representação proporcional e a representação parlamentar federal por intermédio dos partidos políticos, não perde a condição de suplente o candidato diplomado pela justiça eleitoral que, posteriormente, se desvincula do partido ou aliança partidária pelo qual se elegeu.

A inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados se estende, no silencio da constituição e da lei, aos respectivos suplentes. Mandado de segurança indeferido. [TSE. Mandado de segurança n. 20.927, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 15.4.1994, p. 8061]

Colhe-se do voto do relator:

Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças ao voto da legenda), quer isso dizer que, apesar da Carta Magna dar acentuado valor à representação partidária (artigos 5º, LXX, “a”; 58, § 1º; 58, § 4º; 103, VIII), não quis preservá-la com a adoção de sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução da representação de um partido no Parlamento. Se o quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55.

Ainda, no mesmo sentido, em decisão mais recente:

1. Mandado de Segurança. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda de mandato parlamentar. 3. Princípio da fidelidade partidária. Inaplicabilidade. Hipótese não colocada entre as causas de perda de mandato a que alude o art. 55 da Constituição. [TSE. Mandado de Segurança n. 23.405, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 23.4.1994, p. 8]

Extrai-se do voto:

Embora a troca de partidos por parlamentares eleitos sob o regime da proporcionalidade revele-se extremamente negativa para o desenvolvimento e continuidade do sistema eleitoral e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente [perda do mandato por mudança partidária].

Ambas as decisões também serviram como base para que a Procuradoria-Geral da República, no Mandado de Segurança n. 26.603-1, opinasse pela inaplicabilidade da perda do mandato parlamentar aos parlamentares infiéis.

Conclui-se, portanto, que, ante a impossibilidade da expansão das situações previstas pelo art. 55 da Constituição Federal para a perda de mandato eletivo, sob pena de afronta à Lei Maior, entende-se inaplicável essa medida atualmente.

Ademais, como reforça José Afonso da Silva (2006), de acordo com o art. 5º, inciso II, da Constituição, para se restringir a liberdade de qualquer cidadão, só mediante norma proveniente do Poder Legislativo, elaborada segundo procedimento estabelecido pela Constituição:

A liberdade, em qualquer de suas formas, só pode sofrer restrições por normas jurídicas preceptivas (que impõem uma conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção), provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítima.

7  Considerações finais

O sistema eleitoral e partidário brasileiro necessita, sem dúvida alguma, de uma reforma ampla.

O fortalecimento dos partidos políticos é fundamental para a democracia de nosso país. Contudo, eles próprios devem organizar-se e exercer suas funções, por intermédio de seus dirigentes, de maneira exemplar, para que, aí sim, possam regrar e exigir o comportamento adequado de seus filiados.

Ainda, deve-se ter consciência de que a fidelidade partidária, por si só, não vai trazer a solução que todos esperam. É, na verdade, apenas um dos vários componentes da política partidária que devem ser regulamentados com maior precisão.

O partido político deve ser coeso, coerente e objetivo, demonstrando ao eleitor que o grupo está verdadeiramente unido no mesmo ideal e merece um voto de confiança.

A individualidade não se amolda ao sistema eleitoral brasileiro e deve ser, de fato, repelida e condenada. Porém, para aplicar qualquer tipo de penalidade ao parlamentar infiel, somente por norma expressa, prevista no ordenamento jurídico.

Hoje se faz uma verdadeira “farra” dos princípios constitucionais no Judiciário em geral. Em várias situações esses princípios, mormente o da moralidade, estão servindo como base para a condenação de políticos eleitos, já em exercício do mandato, ou de apenas candidatos, causando, como conseqüência, uma insegurança jurídica que atormenta a todos os operadores do direito.

O que não se pode é pôr em cheque todo um ordenamento jurídico pátrio para solucionar questões pontuais, pois as conseqüências serão sempre maiores.

Por fim, independentemente do rumo legal que a regulamentação da matéria tratada tome na esfera jurídica, deve-se consolidar o entendimento de que a verdadeira manifestação democrática emana do povo, é dele e pela sua conscientização que deve partir a primeira resposta aos mandatários infiéis, o que pode ocorrer já nas próximas eleições. 

8  Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/legjurisp/cod_eleitoral>. Acesso em 24 set. 2007.

BRASIL. Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/legjurisp/normas_partidarias/lei_9096.htm>. Acesso em 24 set. 2007.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n. 18.966. Relator: Juiz Sebastião Ogê Muniz. Florianópolis, 3 de agosto de 2004. Disponível em <http://www.tre-sc.gov.br>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n. 18.810. Relator: Juiz Sebastião Ogê Muniz. Florianópolis, 12 de abril de 2004. Disponível em <http://www.tre-sc.gov.br>.

BRASIL.Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n. 20.927. Rel. Min. Moreira Alves. Diário da Justiça, Brasília, DF, 15 abr. 1994, p. 8061.

BRASIL.Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n. 23.405. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Diário da Justiça, Brasília, DF, 23 abr. 1994, p. 8.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 14.139. Relator: Ministro Carlos Velloso. Diário da Justiça, Brasília, DF, 23 maio 1994, p. 12.529.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.526. Diário da Justiça, Brasília, DF, 27 mar. 2007.

CALIMAN, Auro Augusto. Mandato parlamentar: aquisição e perda antecipada. São Paulo: Atlas, 2005. 225 p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. 836 p.

ROLLO, Alberto. Reforma política: uma visão prática. São Paulo: Iglu, 2007. 282 p.

SAMPAIO, José Adércio, 2003 apud SOUZA, 2007. Mandado de Segurança n. 26.603-1. Disponível em <www.pgr.mpf.gov.br>. Acesso em 23 set. 2007.

VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

Nota

1 “Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais.”

Advogado associado da Bornhausen, Amarante e Zimmer Advogados; pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto de Ciências Jurídicas (INCIJUR), em 2002; pós-graduado em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral do TRESC em convênio com a Univali, em 2006; pós-graduando em Direito Público pelo CESUSC, em 2007, e professor do Curso de Direito da Unisul.

Publicado na RESENHA ELEITORAL, vol. 14, 2007.

 

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