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Eleições e democracia

Por: Cesar Luiz Pasold

1 O próximo 3 de outubro

No próximo dia 3 de outubro, através de cerca de 275.000 seções eleitorais, mais de 100 milhões de cidadãos brasileiros comparecerão às urnas para exercer o direito/dever de escolher seus representantes que ocuparão cargos nos Poderes Executivo e Legislativo, quer na esfera Federal quanto na dos Estados Membros.

Trata-se, na feliz frase do Eminente Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, de "um imenso jogo democrático", do qual se espera "autenticidade das escolhas e a conseqüente legitimidade dos futuros mandatários da Nação".

No que concerne à tarefa da Justiça Eleitoral, necessário se faz, por parte de todos, a consciência de sua magnitude e absoluta relevância, e de que o sucesso de sua missão depende do denodo com que haverão de se desempenhar Juizes, Funcionários e os Cidadãos Colaboradores nas Mesas de Votação e de Apuração.

Pelas dimensões quantitativas, e sobretudo pela função qualitativa, inerente e potencial a estas Eleições, é preciso, objetivamente, refletir e ponderar sobre um tema fundamental - a DEMOCRACIA - destacando-a em alguns dos seus aspectos que, pela transcendência ao instante eleitoral, exigem um posicionamento claro e consciente.

2 Reflexões sobre a democracia

A efetivação do Regime Democrático, como é consabido, é fruto de uma operação historicamente complexa e longa, na qual se conectam construção teórico-conceitual e vivência prática. São requeridos nas duas dimensões, as quais sejam, na do plano das idéias e na da realidade factual: muito empenho, extrema paciência e elevado sentido ético.

No cenário da Democracia não há lugar para a dicotomia atores versus platéia, uma vez que a Sociedade é o agente e não há pacientes neste processo dinâmico.

A Sociedade mobilizada para a Democracia significa, em síntese, a atuação consistente do Povo Eleitor, dos Políticos e do Estado e seus Poderes.

Apresso-me a confessar que, quanto aos Poderes do Estado, mantenho-me ardoroso defensor da sua separação, permanentemente sob a égide da independência e da harmonia, como foi percebida pela genial acuidade de ARISTÓTELES, esboçada por John LOCKE e formulada, final e magistralmente, por MONTESQUIEU.

3 O primeiro elemento estratégico

O primeiro elemento estratégico ao jogo democrático é o Eleitor com o seu Voto.

A partir da inestimável lição do teórico da Revolução Francesa, ABADE SIEYES, aprendemos que a legitimidade para o exercício do poder público somente pode ser perseguida e obtida, pelo uso constante de um instrumento estratégico: o voto, nas eleições periódicas, universais e secretas.

O Politicólogo Inglês Randolph LUCAS, ao ressaltar a importância do voto, e após ponderar sobre os seus aspectos práticos, conclui assim:

"Conceder o direito de Voto às pessoas tem um valor simbólico - o de mostrar-lhes que a sociedade reconhece a sua importância.

Exercer o direito do voto também tem um valor simbólico - o de permitir ao votante identificar-se com a Sociedade."

O Povo Eleitor, portanto, faz o seu mister, com a noção da importância do pluralismo, o qual - para o grande Jurista e Filósofo contemporâneo Norberto BOBBIO - se constitui em "característica fundamental da democracia dos modernos em comparação com a democracia dos antigos". agora existe "a liberdade - ou melhor - a liceidade - do dissenso".

Estou convencido de que o Povo Eleitor saberá desempenhar o seu papel, ao ouvir e respeitar o dissenso, considerando os valores básicos de sua nacionalidade, e escolhendo conscientemente os seus representantes.

4 O segundo elemento estratégico

O segundo elemento destacado na construção e na vivência da Democracia é constituído pelos Políticos, os quais não podem olvidar a dinamicidade da realidade e as características fundamentais do povo que pretendem representar.

Por isto, devem saber, como registra 8ernard CRICK (na sua obra intitulada Em defesa da política) que:

"O poder político é um poder em modo subjuntivo. A habilidade política deve desempenhar um papel parecido ao de uma hipótese na ciência. Seus defensores comprometem-se com a sua verdade, mas apenas de uma maneira que possa conceber e aceitar a sua possível refutação".

Agrupados em Partidos, e já superada historicamente a expressa desconfiança de George WASHINGTON quando do nascimento da Democracia norte-americana, devem, os Políticos, agora e sempre, atuar como o desejava o catarinense Crispim MIRA: o político é um "servidor", isto é, "aquele que vai perguntar ao povo".

Compete-lhe receber, respeitar e executar a resposta que obtiver, sempre sob a inspiração dos valores nacionais.

5 O terceiro elemento estratégico

O terceiro elemento do jogo democrático é constituído pelo Estado e seus Poderes.

Emile DURKHEIM, no seu clássico Lições de sociologia, entende a Democracia como:

"... a forma política pela qual a sociedade chega à mais pura consciência de si mesma. Um povo é tanto mais democrático quanto mais considerável é o papel desempenhado, na marcha dos negócios públicos, pela deliberação, pela reflexão, pelo espírito crítico.

E é tanto menos democrático quando, ao contrário, mais preponderem, nessa marcha, a inconsciência, os hábitos inconfessados, os sentimentos obscuros, os preconceitos, numa palavra, escapos ao exame."

Por isto, quando o Governo tem com a Sociedade, e o digo inspirado pelo citado Mestre, "relações raras, irregulares..." furtando-se "aos olhares" do povo, vivendo "ensimesmado", em contatos "intermitentes e numericamente insuficientes" com a Nação, o Poder Executivo contraria a natureza da Democracia e disfunciona-se em seu objeto causal.

O Poder Executivo, portanto, participará da nobre construção democrática quando e sempre que for absolutamente transparente nos seus atos e mantiver estreita e permanente comunicação com a Sociedade.

Quanto ao Poder Legislativo, espera-se que seus integrantes tenham em mente e pratique a lição de MONTESQUIEU, o fundador do Direito Político, conforme a qual o legislador deve ter sempre o espírito de moderação, porque "o bem político, assim como o bem moral, se encontram sempre entre dois limites".

No que concerne ao Poder Judiciário, incumbe-Ihe realizar prioritariamente a Justiça, que, na lapidar sentença de John RAWLS, "é a primeira virtude das Instituições sociais, como a verdade o é para o pensamento ".

Aliás, prossegue este Filósofo do Direito:

"... uma sociedade está em ordem não somente quando se estabelecer a vontade de desenvolver o desejável para os seus membros, mas também quando estiver efetivamente regulada por um conceito público de Justiça".

Além disto, penso ser necessário que voltemos aos critérios de JUSTINIANO e de CÍCERO, aceitando a Justiça também como um estado de espírito que nos motive permanentemente ao labor em prol do indivíduo e do coletivo.

Nesta linha, e atuando consistentemente no equacionamento, difícil mas possível, da interação entre o direito e o dever, sempre sob a tutelada boa metaética da Justiça, o Judiciário participará de maneira vigorosa e eficaz na sustentação da Democracia.

6 Em síntese

O Povo Eleitor, os Políticos, o Estado e seus Poderes, são, ao rigor da classificação do cientista italiano Giovanni SARTORI, o "sistema político".

O sistema político, entendo eu, nem mesmo sob um ardiloso artifício conceitual ou metodológico, pode ser considerado "independente e auto-suficiente" com relação ao "sistema social", porque todos os seus componentes, de fato e de direito, somam-se para se .diluírem na Constituição da Sociedade.

Cada um de nós, qualquer que seja o seu trabalho e como quer que se caracterize individualmente, tem o direito e o dever de dedicar-se ao jogo democrático, sonhando e vivendo a realidade da edificação diuturna de uma Sociedade Justa, Solidária e Livre.

Este é um compromisso inerente ao animal político, e, acima de tudo, é o ideal capaz de mover a Inteligência Infinita na direção do Interesse Coletivo.

Armados desta consciência, enfrentaremos os obstáculos que surgirem, renovando-nos a cada passo, obcecados pela maravilhosa Utopia da conciliação entre a Liberdade e a Igualdade que é o cerne da Democracia.

E o façamos, com ardor e persistência, sob o amparo firme da verdade constatada por Max WEBER:

"... é absolutamente certo, e assim o prova a História, que neste mundo nunca se consegue o possível se não se tentar, constantemente, o impossível".

Referências bibliográficas

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1986.171 p.

CICERO, Marco Túlio. Da república. Trad. de Amador Cisneiros. Rio de Janeiro: Tecnoprint [s.d.]. 126 p.

CRICK, Bernard. Em defesa da política. Trad. de Juan A. Gili Sobrinho.Brasília: Universidade de Brasília, 1981. 146 p.

DURKHEIM, Emile. Lições de sociologia: a moral, o direito e o estado.Trad.de J. B. Damasco Penna. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1983. 206 p.

ELEIÇÕES 1994; Lei n. 8.713, de 30 de setembro de 1993. Brasilia, Imprensa Nacional, 1993. 78 p.

LÓPEZ, Mario Justo. Partidos políticos: teoria general y régimenlegal.3 ed. Buenos Aires: Depalma, 1982. 169 p.

LUCAS, John Randolph. Democracia e participação. Trad. De Cairo Paranhos Rocha. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. 231 p.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. de Gabriela de Andrada Dias Barbosa. São Paulo: Edições e Publicações Brasil [s.d.]. v.2. 379 p.

PASOLD,Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito. 2 ed. Florianópolis: Estudantil, 1988. 90 p.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. de Vamireh Chacon. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. 461 p.

SARTORI, Giovanni. A política: lógica e método nas ciências sociais. Trad. de Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.257 p.

SIEYES, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa: que é o terceiro estado? Trad. de Norma Azeredo. Rio de Janeiro: Liber Jufis, 1986. 155 p.

VIGINI, Edmundo, O pensamento político de Crispim Mira. Texto do Departamento de Filosofia da UFSC [s.d.].

WEBER, Max. O político e o cientista. 2 ed. Trad. de Carlos Grifo. Lisboa: Presença, 1973. 188 p.    

Doutor em Direito pela USP; Coordenador Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC; Advogado; Juiz Titular do TRESC.

* Texto adaptado do discurso proferido pelo autor na sua posse na função de Juiz Titular - Classe Jurista - no Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Santa Catarina em 25 de julho de 1994.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 1, n. 1 (jul./dez. 1994).

 

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