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Íntegra

Efeito suspensivo no recurso eleitoral

Por: Alex dos Santos Neto

1 Introdução

Os recursos eleitorais, por disposição expressa no Código Eleitoral (art. 257), não possuem efeito suspensivo. Trata-se, portanto, de exceção dentro do Direito Processual, onde vigora a regra segundo a qual os recursos possuem efeito devolutivo e suspensivo. O objetivo do presente artigo foi a verificação da possibilidade de concessão de efeito suspensivo aos recursos eleitorais.

Inicialmente foram brevemente expostos, à luz de abalizada doutrina processual, os efeitos gerais dos recursos, dos quais os recursos eleitorais só não possuem, em princípio, o efeito suspensivo.

Analisou-se a posição da jurisprudência eleitoral, nesse breve estudo representada por julgados do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de que fosse verificada a possibilidade de concessão do efeito suspensivo, bem como a forma e os motivos utilizados pelos tribunais eleitorais para a referida atribuição.

 Foi visto que nos recursos eleitorais, como de resto nos demais recursos que não possuem efeito suspensivo, o meio processual usado para sua obtenção é o pedido formulado em ação cautelar incidental ajuizada junto ao tribunal responsável pelo julgamento do recurso.

Em sendo assim, a presença ou a ausência dos requisitos para a medida de urgência requerida na ação cautelar determinará se deve ou não, no caso concreto, ser afastada a regra legal impeditiva do efeito suspensivo.

Todavia, constatou-se que esses requisitos são, pela jurisprudência eleitoral, aplicados genericamente, sem a diferenciação necessária dos casos e do objeto do recurso e, ainda, sem fundamentação adequada e suficiente à sua configuração.

Concluiu-se que não há apenas a possibilidade, mas, às vezes, até a necessidade de concessão do efeito suspensivo aos recursos eleitorais. Isso, estando presentes os requisitos que justifiquem o afastamento da regra, não viola o ordenamento jurídico, mas antes privilegia o devido processo legal substantivo. Porém, sob pena do indevido descumprimento da norma, para tanto não devem ser usadas fórmulas genéricas e preestabelecidas na análise dos requisitos concessivos da medida de urgência.

2 Breves considerações a respeito dos efeitos dos recursos

Da interposição dos recursos extrai-se o primeiro de seus efeitos, comum a todos eles, desde que admissíveis: o impedimento ao trânsito em julgado da decisão recorrida (MOREIRA, 2002, p. 122).

Dois outros efeitos são comumente tratados pela doutrina: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo.

O primeiro é inerente à natureza dos recursos. Consiste na entrega a outro órgão judicial, normalmente de hierarquia superior, da matéria decidida para fins de novo julgamento. Tem por fundamento a falibilidade humana e o natural inconformismo com decisão contrária aos interesses do postulante.

Esse efeito assenta-se, ainda, nos pressupostos de que os juízes que compõem os tribunais estariam em melhores condições de decidir de acordo com os ditames de sua maior experiência.

Se é assim, os embargos declaratórios não possuem esse efeito, visto que são julgados pelos mesmo órgão prolator da decisão embargada, não havendo, propriamente, devolução da matéria, o que lhes retiraria, inclusive, a natureza de recurso. Todavia, segundo a melhor doutrina (SANTOS, 2010, p. 154):

[...] como recursos são havidos e disciplinados pelo Código de Processo Civil [...] Da decisão recorre o prejudicado com o gravame que lhe causa a obscuridade, a contradição ou a omissão de que a mesma se ressente. Essa circunstância, o fato de visarem os embargos de declaração a reparação do prejuízo que os defeitos do julgado trazem ao embargante, os caracteriza como recurso.

Ademais, o efeito suspensivo é próprio dos embargos declaratórios, posto que impedem a execução, ainda que provisória, da decisão embargada, além de interromper o prazo para a interposição de qualquer outro recurso por qualquer das partes (CPC, art. 538).

O segundo efeito dos recursos, comumente tratado pela doutrina, visa suspender a execução do julgado, ou melhor, “impede a eficácia do ato decisório desde o momento da interposição do recurso e até que seja decidido” (SANTOS, 2010, p. 101).

Alguns recursos não possuem, em regra, esse efeito. É o caso, por exemplo, do recurso ordinário constitucional, do recurso especial, do recurso extraordinário, do agravo, das apelações interpostas contra as sentenças previstas no artigo 520 do Código de Processo Civil e dos recursos eleitorais de forma geral.

A regra no sistema recursal brasileiro é a atribuição dos efeitos devolutivo e suspensivo aos recursos. Por isso, em situações especiais, mesmo aos recursos que não possuem é atribuído o efeito suspensivo, desde que no caso concreto sejam demonstrados, normalmente via ação cautelar, o perigo decorrente de eventual demora no julgamento e a plausibilidade das razões recursais.

Outros efeitos dos recursos são ainda apontados modernamente pela doutrina. São os efeitos expansivo, substitutivo e translativo.

Há quem veja esses efeitos como circunstâncias decorrentes dos recursos, e não como efeitos propriamente ditos (JORGE, 2010, p. 225). No entanto, essa posição não é majoritária.

Segundo Nelson Nery Junior (2004, p. 477-481), o efeito expansivo pode ter natureza objetiva ou subjetiva, interna ou externa. Em suma, segundo o referido autor, haverá efeito expansivo objetivo interno quando o tribunal acolher preliminar e der provimento ao recurso. Nesse caso, o mérito da sentença impugnada é também invalidado, embora não tenha sido analisado especificamente. Haverá efeito expansivo objetivo externo quando os atos praticados após a interposição do agravo de instrumento – que não suspende a tramitação do processo – são invalidados com o provimento desse recurso. E haverá efeito expansivo subjetivo no caso de interposição de recurso por um dos litisconsortes sob o regime unitário.

O efeito substitutivo decorre do art. 512 do Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

A substituição, ou o efeito substitutivo, ocorrerá quando, positivo o juízo de admissibilidade, for negado provimento ao recurso, o que se costuma chamar de “confirmação da sentença”, ou quando for dado provimento por error in judicando, ou erro sobre a análise da pretensão deduzida em juízo, quando, então, outra decisão é proferida em substituição àquela recorrida. Caso o provimento for por erro processual, de forma que se determine a prolação de outra sentença com o refazimento, ou não, de algum ato ou parte do processo, não haverá substituição, mas anulação da decisão recorrida.

O efeito translativo, de sua vez, permite ao órgão julgador do recurso conhecer de questões não suscitadas pelo recorrente. À primeira vista, parece que esse efeito, de certa forma, relativiza o princípio dispositivo, norte processual insculpido nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil1, segundo o qual ao juiz é vedado decidir além dos limites objetivos da lide. E isso é perfeitamente aplicável às instâncias recursais.

Todavia, não é assim. As questões passíveis de conhecimento sem provocação são aquelas sobre as quais pode e deve o juiz se manifestar de ofício, conhecidas como de ordem pública, por exemplo: pressupostos processuais e condições da ação.

Ainda sobre o efeito translativo, discorre de forma percuciente Nelson Nery Junior (2004, p. 487-488):

Opera-se o efeito translativo nos recursos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional), mas não nos recursos excepcionais (recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência) […] Não há efeito translativo nos recursos excepcionais (recurso extraordinário, especial e embargos de divergência) porque seus regimes jurídicos estão no texto constitucional que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (CF, 102, III, e 105, III). Caso o tribunal não tenha se manifestado sobre a questão de ordem pública, o acórdão somente poderá ser impugnado por ação autônoma (ação rescisória), já que incidem na hipótese os [enunciados da súmula da jurisprudência] STF 282 e 356, que exigem prequestionamento da questão constitucional ou federal suscitada, para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional. (destaques do original)

3 Efeitos dos recursos eleitorais

Os recursos eleitorais possuem todos os efeitos dos recursos em geral, salvo, por exceção expressa no Código Eleitoral2, o efeito suspensivo. Essa regra é estabelecida por razões específicas, fundadas em princípios processuais aplicáveis a todos os ramos do Direito Processual, mas que no processo eleitoral possuem conotação ainda mais especial.

É o caso do princípio da celeridade processual, elevado à categoria de direito fundamental pela Emenda Constitucional n. 45/2004, ao incluir o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal3, e que no Direito Eleitoral teve regulamentação própria inserida pela Lei n. 12.034/2009 à Lei das Eleições (Lei n.  9.504/1997), que assim dispõe:

Art. 97-A Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 1º A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 2º Vencido o prazo de que trata o caput, será aplicável o disposto no art. 97, sem prejuízo de representação ao Conselho Nacional de Justiça. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

Esse especial tratamento conferido pelo legislador às ações eleitorais, máxime àquelas que podem resultar em impedimento ao exercício da representação popular democrática, justifica-se pelo objeto específico dessas demandas: o mandato eleitoral, que por sua natureza republicana é transitório. Destarte, se eventual lide instaurada sobre sua legalidade ou legitimidade não for celeremente resolvida perderá definitivamente o seu objeto e o prejuízo não será apenas das partes, mas da democracia representativa, diante da incerteza sobre a lisura da representação conferida.

Isso posto, não é difícil ver que a regra que não permite o efeito suspensivo nos recursos eleitorais em geral tem por finalidade impedir a indefinição sobre o resultado das urnas, questionado judicialmente, por tempo além do necessário e possível, tendo em mira a efetividade processual.

Porém, como toda regra, essa também comporta exceções. Ou seja, em alguns casos se admite a concessão de efeito suspensivo aos recursos eleitorais, que de maneira geral não possuem.

A decisão que declare a inelegibilidade, por exemplo, para produzir efeitos depende de trânsito em julgado ou que seja proferida por órgão colegiado, na forma do que dispõe o art. 15 da Lei Complementar n. 64/1990. O recurso interposto contra a sentença seria, portanto, um recurso eleitoral especial, no sentido de que foge à regra geral impeditiva de efeito suspensivo. Outro exemplo pode ser encontrado no art. 216 do Código Eleitoral4, que permite ao diplomado o exercício do mandato até que o Tribunal Superior Eleitoral decida o recurso interposto contra a diplomação. Segundo GOMES (2010, p. 436), por força dessa regra, recurso especial eleitoral interposto contra acórdão de Tribunal Regional Eleitoral, que julga procedente recurso contra expedição de diploma, tem efeito suspensivo.

Nas demais ações eleitorais, o efeito suspensivo normalmente é obtido por meio de ações cautelares ajuizadas nos tribunais, concomitantemente à interposição do recurso eleitoral, fundamentadas na existência de efetivo perigo de dano irreparável com a demora do julgamento e na plausibilidade do direito invocado, ou seja, na franca possibilidade de reforma da sentença recorrida (VELLOSO; AGRA, 2010, p. 303).

3.1 Ação cautelar para obtenção de efeito suspensivo

O Tribunal Superior Eleitoral já teve entendimento bastante restritivo sobre a concessão de efeito suspensivo aos recursos eleitorais, como se extrai do seguinte julgado:

[...]

3. São imediatos os efeitos da decisão proferida em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, aguardando-se apenas a publicação, não incidindo os arts. 216 do Código Eleitoral e 15 da LC n. 64/1990.

4. Empossado o segundo colocado, a prudência determina seja aguardada a apreciação do recurso especial, sob pena de se criar instabilidade no município.

Agravo Regimental conhecido, mas desprovido. (MC 1.833, DE 28.6.2006, Rel. José Gerardo Grossi).

Entretanto, atualmente é de se ressaltar mudança substancial na orientação daquele Superior Tribunal, que passou a entender que a eficácia de decisão que cassa mandato eletivo deve aguardar o pronunciamento do órgão ad quem, inclusive sobre eventuais embargos declaratórios. Nesse sentido, as seguintes decisões:

Mandado de segurança. Decisão regional. Ação cautelar. Indeferimento. Liminar. Sustação. Efeitos. Sentença. Procedência. AIME. Precedente.

1. Conforme já decidido por esta Corte Superior no Mandado de Segurança n. 3.630, relator Ministro José Delgado, recomenda-se aguardar o pronunciamento de Tribunal Regional Eleitoral em face de recurso interposto contra decisão de primeiro grau que julgou procedente ação de impugnação de mandato eletivo.

2. Esse entendimento consubstancia uma segurança mínima, reclamando-se, pelo menos, o pronunciamento do órgão revisor.

Agravo regimental provido a fim de deferir a liminar assegurando aos impetrantes o exercício dos cargos majoritários.

(TSE - MS 3.785 - DJ 1º.8.2008, p. 6).

MANDADO DE SEGURANÇA. AIME.

1. A jurisprudência do TSE é no sentido de que deve ser evitada a mudança de titular do cargo de Prefeito, sem que exista sólida base jurídica a justificar.

2. Acórdão que examinou abuso de poder político no curso da AIME e que demonstrou ser instável a prova de que o candidato tenha praticado ou consentido com ato descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997. Sentença pela improcedência do pedido. Acórdão que a reformou.

3. Recurso especial intentado contra o acórdão proferido em AIME. Efeito suspensivo que lhe foi concedido em sede de medida cautelar.

4. Segurança procedente para garantir ao impetrante o direito de permanecer no cargo de Prefeito até o julgamento definitivo da AIME.

(TSE - MS 3.584 - DJ 29.2.2008, p. 16).

MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DECISÃO DE JUIZ ELEITORAL QUE DETERMINA, IMEDIATAMENTE, CUMPRIMENTO DE DECISÃO QUE JULGA PROCEDENTE AIME. NECESSIDADE DE SE AGUARDAR A PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO, INCLUSIVE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, REFERENTES AO RECURSO INTERPOSTO PELOS VENCIDOS PARA O TRE. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO.

1. Concessão de mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão de primeiro grau que julgou procedente AIME.

2. Sem amparo legal o posicionamento do Tribunal Regional Eleitoral que, em sede de medida cautelar, negou efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra a decisão de primeiro grau que considerou procedente a AIME e determinou, imediatamente, a cassação da Prefeita e do Vice-Prefeito.

3. Existência de direito líquido e certo a proteger os impetrantes.

4. Entendimento jurisprudencial de que a AIME, quando considerada procedente, deve produzir efeitos imediatos a partir da publicação do acórdão emitido pelo TRE, incluindo-se embargos de declaração, se for o caso, salvo ocorrência de trânsito em julgado no primeiro grau.

5. Mandado de Segurança concedido para assegurar a permanência dos impetrantes nos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito até que o recurso já interposto contra o julgamento de primeiro grau seja julgado e publicado o acórdão, inclusive dos embargos de declaração.

6. Agravo regimental prejudicado.

(TSE - MS 3.630 - DJ 10.3.2008, p. 12)

A cautelar inominada, utilizada para obtenção de efeito suspensivo em recurso eleitoral, deve preencher todos os requisitos das cautelares em geral: instrumentalidade – porque visa a utilidade prática do recurso; autonomia – visto constituir processo próprio específico; cognição sumária – objeto de juízo de probabilidade; e, por fim, provisoriedade – tendo em conta que prevalece até a decisão final do recurso. Além disso, há necessidade de demonstração do atendimento aos dois requisitos justificantes da medida de urgência – periculum in mora e fumus boni iuris (GOMES, 2010, p. 510).

3.2 Periculum in mora

De acordo com a jurisprudência, percebe-se que o periculum in mora decorre diretamente da própria decisão que cassa os mandatos eletivos, porque gera risco de alternância indesejável na chefia do Poder Executivo.

Nesse ponto cabe uma observação. É intuitivo que a continuidade administrativa pode efetivamente sofrer grave dano com constantes alterações nos cargos do Poder Executivo. Por esse motivo é razoável, nesses casos, estando presentes os demais requisitos da cautelar, a relativização da regra que impede o efeito suspensivo e se aguarde o julgamento do recurso a fim de que, inclusive, seja melhor preparada politicamente eventual substituição do comando administrativo.

Contudo, o mesmo entendimento não se aplica se cassado por sentença o mandato parlamentar – vereadores, deputados e senadores. Nesse caso, não há a mesma razão que autoriza o afastamento da regra insculpida no art. 257 do Código Eleitoral. Não há risco de alternância indesejada no Poder ou interrupção na continuidade da atividade parlamentar, que certamente não se vê ameaçada por eventual retorno de mandatário cassado por decisão judicial.

Vale pontuar que parlamentares são, muitas vezes, substituídos por suplentes devido à sua nomeação para o exercício de cargos no Poder Executivo, sendo que ao fim desse exercício reassumem seus mandatos eletivos sem que isso implique em qualquer interrupção na atividade parlamentar.

Portanto, é forçoso admitir que o reconhecimento do periculum in mora, na forma como estabelecido pela jurisprudência, não se aplica a todos os casos de cassação de mandatos eletivos em ações eleitorais. É preciso ser feita a distinção acima descrita.

Pode-se, ainda, argumentar que o prejuízo ao parlamentar decorre da perda parcial de seu mandato, que ocorrerá caso fique dele afastado e depois retorne com o provimento de seu recurso. Esse é um risco concreto. Todavia, a ele se contrapõe o perigo, também certo, de se conservar por meio de intermináveis recursos, mandato espúrio, conquistado à margem da lisura, à custa do engodo público, e que, quanto mais tempo perdurar, maior será o prejuízo coletivo.

Impende considerar, na ponderação desse conflito, que a espuriedade do mandato cassado em primeira instância não é apenas mera suposição, mas o resultado de instrução processual conduzida por juiz competente e imparcial, dentro do devido processo legal e com a obrigatória participação do Ministério Público Eleitoral, órgão também imparcial, ainda quando seja parte, no sentido de ser despossuído de interesse pessoal no desfecho da lide.

3.3 Fumus boni iuris

Comprovado, efetivamente, o periculum in mora, é bom não esquecer que para a obtenção de efeito suspensivo no recurso eleitoral, por meio da cautelar, devem estar presentes ambos os seus requisitos. É necessário que se demonstre, também, o fumus boni iuris, sob pena de não ser possível a concessão da medida.

Extrai-se, ainda da jurisprudência, que é motivo bastante para a configuração da aparência do direito e consequente atribuição de efeito suspensivo ao recurso eleitoral, a necessidade de revisão da sentença por tribunal.

Com todo respeito ao egrégio Tribunal Superior Eleitoral e aos demais Tribunais Regionais Eleitorais que adotam esse entendimento, mas a necessidade de revisão da sentença de 1º grau por tribunal, apenas e tão somente pelo fato de tratar-se de “matéria complexa” ou pela necessidade de “revisão”, não configura a plausibilidade do direito invocado.

Primeiro, porque as causas sujeitas à revisão obrigatória dependem de expressa previsão legal. Depois, porque se fosse assim, somente causas simples, sem qualquer grau de dificuldade, poderiam ser efetivamente decididas pelos juízes de 1º grau, que, nas demais demandas, seriam transformados em “meros instrutores dos processos”, na melhor lição da doutrina:

Na realidade, se o juiz que preside a instrução e tem contato direto com as partes profere decisão que, para produzir efeitos, necessariamente tem que passar pelo crivo de um colegiado, o juiz singular não é propriamente um julgador, porém mais precisamente um instrutor. Sua decisão pode ser vista, no máximo, como um projeto da única e verdadeira decisão, que é a do tribunal. (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 492)

A verificação do fumus boni iuris decorre de um juízo sumário, de uma análise perfunctória sobre o direito invocado, devendo contentar-se o julgador com a aparência do direito, sem possibilidade de perquirir, naquele momento, sobre a certeza do direito substancial, sob pena de tornar-se inútil esse instrumento (CÂMARA, 2009, p. 33-35). No caso, representa a possibilidade visível de provimento do recurso, ainda que sem comprometimento com o julgamento definitivo do mérito, que depois de uma investigação exauriente pode mostrar-se insubsistente.

Forçoso é concluir, portanto, que uma perquirição, mesmo que sumária do direito, ou da pretensão recursal, impende que seja feita, a fim de que se possa atribuir ao recurso efeito que por determinação legal não possui.

Examinados perfunctoriamente os autos e constatada a presença da plausibilidade do direito, no caso, a probabilidade de provimento do recurso, que lhe seja dado efeito suspensivo por meio da cautelar. O que não é possível é se contentar e usar como fundamento da aparência do direito unicamente a necessidade de revisão da sentença por tribunal.

4 Conclusão

Os recursos inegavelmente compõem o devido processo legal, direito fundamental assegurado na Constituição (art. 5º, LIV e LV) e de onde se extrai, ainda que implicitamente, o princípio do duplo grau de jurisdição.

Trata-se de um direito posto à disposição dos litigantes que de alguma forma se sintam prejudicados com a decisão proferida na demanda. Os seus efeitos – devolutivo, suspensivo, substitutivo, translativo e expansivo – fazem parte do direito fundamental à ampla defesa.

Contudo, em alguns casos, tendo por base valores tão importantes quanto a ampla defesa – exemplo: o direito fundamental à razoável duração do processo, o efeito suspensivo é subtraído de alguns recursos, por exemplo, os recursos eleitorais. Essa subtração decorre da lei. E deve ser assim por se tratar de exceção à regra, segundo a qual os recursos possuem efeito devolutivo e suspensivo.

No entanto, mesmo havendo óbice legal ao efeito suspensivo em determinado recurso, para fins de preservação do direito material, ameaçado pela natural demora dos julgamentos e da demonstrada plausibilidade da pretensão recursal, é concedido esse efeito, via de regra em ação cautelar.

Assim, ocorre nos recursos excepcionais (recurso especial e extraordinário) e também nos recursos eleitorais. Deve mesmo ser assim. Não se justifica o prejuízo comprovado do direito substancial, demonstrado, no caso concreto, pela instrumentalidade das formas.

Todavia, por se tratar de contrariedade à lei, em princípio, a concessão do efeito suspensivo nesses casos deve ser precedida da demonstração do periculum in mora e do fumus boni iuris, requisitos indispensáveis da medida cautelar.

Contudo, ao menos nos recursos eleitorais, que são o ponto central desse estudo, nota-se pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, normalmente seguida pelos tribunais regionais eleitorais, que a concessão do efeito suspensivo tem sido feita de forma genérica, por fundamentos que não analisam as especificidades do caso concreto e que, por isso, não se prestam ao embasamento da medida de urgência postulada, qual seja: o efeito suspensivo a recurso que não o possui.

Como visto, o risco de indesejável alternância na chefia do Poder Executivo é o fundamento sempre utilizado pela jurisprudência eleitoral como periculum in mora. Porém, a mesma utilização no caso de recurso contra sentença que cassa mandato parlamentar não se justifica pelas razões expostas. É preciso, pois, essa mínima diferenciação no momento da apreciação do perigo da demora, sob pena de excepcionar a regra sem a presença da razão jurídica excepcionante.

Além disso, apenas a complexidade da causa ou a necessidade de revisão da sentença por tribunal, antes de sua efetividade, em nenhum caso configura o fumus boni iuris. Esboça, sim, uma injustificada desqualificação do ato decisório proferido pelo juiz de 1a instância, como também exposto.

O exame perfunctório do caso concreto é que dirá da presença, ou não, da aparência necessária do direito expresso na pretensão recursal.

Portanto, estando demonstrados o periculum in mora e o fumus boni iuris, a concessão do efeito suspensivo, em recurso que em regra não possui, não viola o ordenamento jurídico, antes expressa confirmação do devido processo legal substantivo. O equívoco está em promover o afastamento da regra legal por meio de apreciações genéricas e fórmulas preestabelecidas, o que leva a uma espécie de indevida e desautorizada revogação da lei no caso concreto.

5 Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

______. Lei das eleições. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm

______. Código Eleitoral. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm

______. Pesquisa simultânea de jurisprudência dos tribunais eleitorais. Disponível em: www.tse.gov.br/sadJudSjur/pesquisa/

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

JUNIOR, Nelson Nery. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Pocessual Civil, v. 3. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009.

1 Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

    Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.

2 Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

    Parágrafo único. A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão.

3 Art. 5º […] LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (incluído pela Emenda Constitucional n.  45, de 2004).

4 Art. 216. Enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude.

* Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL). Analista Processual do Ministério Público da União. Assessor da Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais (PREMG).  Especialização em andamento (Pós-Graduação lato sensu) em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGVOnline).

 

Publicado na RESENHA ELEITORAL, vol. 19, 2011.

 

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