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Íntegra

Do interrogatório do réu no processo penal eleitoral

Por: José Eduardo lop

1 Introdução

O art. 359 do Código eleitoral dispõe que, recebida a denúncia e citado o infrator, terá este o prazo de 10 (dez) dias para contestá-la, podendo juntar documentos que ilidam a acusação e arrolar as testemunhas que tiver.

Como vemos, o dispositivo acima não contempla o interrogatório do réu no processo penal eleitoral, assegurando ao acusado o prazo de dez dias para contestar a denúncia, podendo, na referida contestação, juntar documentos e arrolar testemunhas que tiver para ilidir a acusação.

2 Dos princípios constitucionais

A Constituição Federal promulgada em 05.10.88, no seu art. 5º LIV, estabelece que ninguém será privado de liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. Já no inciso LV, diz que aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados a ampla defesa e o contraditório, com os meios e recursos a eles inerentes. O inciso LXIII estabelece a autodefesa no processo-crime, dizendo que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Consagra, assim, a Carta Magna, os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da autodefesa; logo, o art. 359 do Código eleitoral está em desacordo com tais princípios, porque o interrogatório é um meio de defesa do réu, é a oportunidade que ele tem de manter contato com o juiz, apresentar a sua versão dos fatos e defender-se da imputação descrita na denúncia.

O princípio do devido processo legal, elencado no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, busca proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado, assegurando a defesa em juízo. Qualquer questão que atinja a liberdade ou bens de alguém deve ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, através de um juízo natural, com um processo contraditório que assegure a ampla defesa, segundo a forma estabelecida em lei.

No dizer de J. CRETELLA JR. (1989, p. 530), devido processo legal é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo o tipo de prova, desde que obtida por meio lícito.

Celso Ribeiro BASTOS (1989, p. 209) diz que a enunciação do princípio no texto constitucional tem permitido o florescer de toda uma construção doutrinária e jurisprudencial que tem procurado agasalhar o réu contra toda e qualquer sorte de medida que o inferiorize ou o impeça de fazer valer as suas autênticas razões.

Pelo principio do contraditório, assegura-se, à pessoa contra quem se propõe a ação penal, direito de defesa, assegurando-se ao réu tomar conhecimento do teor da acusação que lhe é imputada, para poder se pronunciar sobre a mesma e fazer a contraprova; logo, qualquer ato praticado por uma parte deverá ser submetido ao crivo da autora. Para TOURINHO FILHO (1990, p. 49), a finalidade é evitar que o réu "possa ser condenado sem ser ouvido". Assim, de acordo com tal princípio, a defesa não pode sofrer restrições.

Já o princípio da ampla defesa se compõe com o do contraditório; por tal princípio, impõe-se à autoridade processante assegurar o acesso a todos os meios e recursos que digam respeito à defesa, sob pena de nulidade, quando for ato essencial ao respectivo processo, com o livre debate e a livre produção de provas, sendo um meio essencial à livre segurança individual para que a pessoa em litígio possa fazer valer a sua inocência, quando injustamente acusada. Pinto FERREIRA (1992, p. 180), diz que direito de ampla defesa, ou cláusula constitucional due process of law, exige a bilateralidade, permitindo o contraditório nos procedimentos penais (...). Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido, nemo inauditus damnari debet.

O princípio da autodefesa está elencado no art. 5ª, LXIII, o qual assegura ao preso, como um todo, o direito de permanecer calado, entendendo-se a palavra "preso" como acusado. "O interrogatório do réu constitui, eventualmente, um meio de prova, erigindo-se ao nível de meio de defesa, sendo lícito ao acusado valer-se do direito ao silêncio" (BASTOS; MARTINS, 1989, p. 295). Há, portanto, o máximo respeito à inviolabilidade do direito de defesa pelo ordenamento processual penal brasileiro, em face de tal dispositivo, pois há uma garantia ao réu consubstanciada na autodefesa, ao lado da defesa exercida por profissional da advocacia, as quais formam a unidade defensiva.

Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade (BASTOS; MARTINS, 1989, p. 266).

A não-designação de audiência para interrogatório do réu, com a devida vênia, enseja a nulidade do processo-crime eleitoral, após o recebimento da denúncia, conforme o art. 564, III, do Código de processo penal, já que se aplica o referido diploma subsidiariamente ao Código eleitoral, nos termos do art. 364 do Código eleitoral, que dispõe: "No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhe forem conexos, assim como nos recursos e na execução que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de processo penal".

Em face dos princípios constitucionais já referidos, o interrogatório do réu se faz necessário, sob pena de cometer-se uma violação ao seu direito constitucional do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

3 O interrogatório - Meio de defesa/Prova e demais atos processuais

Segundo MIRABETE (1991, p. 264) deve se considerar que, perante a nossa legislação, o interrogatório do acusado é meio de prova. Mas, como se observa agudamente na doutrina, não se pode ignorar que é ele, também, ato de defesa, pois não há dúvida de que o réu pode dele valer-se para se defender da acusação, apresentando álibi, dando a sua versão dos fatos, etc. No mesmo sentido Hélio TORNAGHI, (1990, p. 509); E. Magalhães NORONHA (1995, p. 107) e José Frederico MARQUES (1980, p. 321), podendo o réu valer-se do direito de permanecer calado, e o seu silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo. O interrogatório judicial é hoje conceituado não só como uma peça de defesa, mas também como um meio de prova (RT, 1976, n. 491, p. 362).

Ada Pellegrini GRINOVER diz que "o réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de provas que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face de faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da faculdade de não responder. Por isso é que CORDERO afirma, categoricamente, que a única arma do interrogante é a persuasão (...). Como bem aponta GREVI, do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-se presunções que superem a presunção de inocência". (1976, p. 15-31).

A mesma jurista, em outra obra, diz o seguinte. "0 retorno ao direito ao silêncio, em todo o seu vigor, sem atribuir-lIhe nenhuma conseqüência desfavorável, é uma exigência não só da justiça, mas sobretudo de liberdade. 0 único prejuízo que do silêncio pode advir ao réu é o de não utilizar a faculdade de autodefesa que se lhe abre através do interrogatório. Mas quanto ao uso desta faculdade, o único árbitro deve ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para tutela de sua dignidade". (1978, p. 111 ).

Suprimido o interrogatório do réu, configura-se o prejuízo presumido à defesa, ocorrendo nulidade absoluta (JTACRSP n.90, 1987, p. 221 ), salvo hipótese de inimputabilidade; o exercício, por parte do réu, do direito de calar, recusando-se a prestar declarações; ou quando o réu é revel. Ensina ESPÍNOLA FILHO que o interrogatório tem a tríplice finalidade de permitir ao Juiz o conhecimento da personalidade do indiciado, transmitir-Ihe a versão que este, sincera ou tendenciosamente, dá ao fato, e verificar suas reações, diante da minuciosa notícia sobre a acusação.

O STF, em acórdão da lavra do Ministro Djaci FALCÃO, reproduzido na RTJ n. 71 (1975, p. 31), manifesta-se pela nulidade absoluta do feito, em face da ausência de interrogatório: "Em primeiro lugar, não vejo como se possa ter por culpa uma defesa em que o acusado não foi ouvido. Em segundo lugar, o interrogatório não é somente uma peça de defesa, mas uma franca oportunidade de obtenção de prova", como adverte o Sr. Ministro Francisco CAMPOS, na Exposição de motivos do código de processo (...). Ora, o interrogatório poderá fornecer ao Juiz elementos de convicção relativos à personalidade do delinqüente, as circunstâncias do crime, etc., refletindo-se tais elementos na razão de decidir no mesmo sentido, RT n. 196 (1962, p. 64).

O acórdão transcrito na RT 667 (1991, p.289) menciona que, no processo penal, a autodefesa, somada à defesa técnica, formam a unidade defensiva. Como se vem asseverando, a autodefesa prevalece no ato do interrogatório (art. 188 do CPP). Falhou, pois, um pressuposto de validade do processo (artigo 5º, LIV e LV, da CF) (...) A falta de interrogatório, de outra sorte, não provoca tão só a presunção de prejuízo, mas séria vacilação quanto à justeza da decisão judicial condenatória.

Aplica-se o CPP quanto ao ato do interrogatório ser um ato personalíssimo do Juiz, não intervindo o Ministério Público e a defesa, havendo a oralidade do interrogatório e a formação de perguntas conforme o artigo 188 do CPP, devendo o réu menor de 21 anos ser acompanhado de curador.

A conduta do réu no interrogatório é a enumerada pelos processualistas penais: poderá calar-se, confessar os fatos narrados na denúncia, reconhecendo e admitindo a imputação que lhe é feita, sendo a confissão divisível e retratável, bem como negá-los, indicando, se for o caso, a quem imputa a prática do crime e todos os demais fatos pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração.

Após o interrogatório, é aberto o prazo de 10 (dez) dias para o réu contestar a denúncia, podendo juntar documentos que ilidam a acusação e arrolar testemunhas: esta a melhor interpretação do artigo 359 do Código eleitoral, tendo em vista o artigo 5º da CF, incisos LIV, LV e LXIII.

Com a contestação, devem ser argüidas, sob pena de preclusão, a nulidade por incompetência de juízo, exceções de impedimento e suspeição, juntada de documentos, rol de testemunhas e solicitadas as diligências que a defesa julgar convenientes. Vemos, assim, que a contestação se assemelha à defesa prévia do CPP.

Depois da apresentação da contestação, os autos devem ser conclusos ao Juiz Eleitoral, que apreciará a prova pedida pelas partes e, se for o caso, designará audiência; posteriormente, as partes apresentarão as suas alegações e o Juiz prolatará a sentença (Código eleitoral, arts. 360 e 361 ).

4 A doutrina

Examinando-se a doutrina sobre o assunto, nota-se que os autores, via de regra, se posicionam no sentido de não ser cabível o interrogatório do réu no processo-crime eleitoral, mas tão-só a apresentação de contestação. Nesse sentido é a opinião de Joel J. CÂNDIDO ( 1994, p. 320). Pinto FERREIRA (1991, 3. ed.) limita-se a transcrever o artigo 359 nas páginas 395 e 397. As obras de Fávila RIBEIRO (1988) e Antônio Roque CITADINI (1986, p. 295), posicionam-se no sentido de que não há interrogatório do réu, nem a oportunidade de sua realização no processo penal eleitoral. Paulo Lúcio NOGUEIRA (1986, p. 167), diz que o acusado só será interrogado se requerer.

5 A jurisprudência

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, em vários acórdãos, manifestou que a falta de interrogatório do réu não constitui cerceamento de defesa (Processo n. 13/94, cl. 13, Rel. Dr. Aramis NASSIF).

No mesmo sentido o TRE de Santa Catarina, no Ac. 10.745, de 20.03.91, Rel. Des. Napoleão Xavier do AMARANTE.

A jurisprudência do TSE, transcrita nos Julgados do TSE n. 09 (1994, p. 13), em que foi relator o Min. Carlos VELLOSO, Acórdão n. 11.552 - 48 Classe - Agravo, DJU de 18.11.94, apresenta a seguinte ementa: "CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ELEITORAL. ACUSADO: INTERROGATÓRIO - Código eleitoral, art. 359.

"I - Não viola o principio do devido processo legal o fato de não prover o Código eleitoral, no citado art. 359, o interrogatório do acusado. É que o Código eleitoral, no citado art. 359, assegura ao acusado o prazo de 10 (dez) dias para contestar a denúncia, podendo juntar documentos que ilidam a acusação e arrolar as testemunhas que tiver.

"II - Agravo não provido".

Em tal decisão, restou vencido o Min. MARCO AURÉLIO, dizendo que a autodefesa consubstancia-se em uma garantia do acusado, ao lado da defesa executada por profissional da advocacia. O fato de o Código eleitoral prever um certo rito para a ação penal eleitoral não afasta a aplicação subsidiária do Código de processo penal no que dispõe, expressamente, sobre a obrigatoriedade de audição do acusado.

O Min. Jesus COSTA LIMA, embora acompanhasse o relator, manifestou-se no sentido de que "se o réu solicitar, nada impede que o Juiz o interrogue ao modo preconizado pela Lei de imprensa". Referiu-se ao artigo 45, III, da Lei n. 5.250/67, no qual o réu pode ser interrogado antes da oitiva da testemunha.

Se desconsiderarmos as ponderações já feitas, no sentido de que no processo-crime eleitoral o réu deve ser interrogado por força dos referidos dispositivos da Constituição Federal, mesmo assim é possível ocorrer o interrogatório do acusado, pois o Juiz é o destinatário da prova e pode determinar a oitiva de oficio do réu, ocasião em que ele pode valer-se do direito constitucional de calar.

6 Conclusão

Apesar do posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência em interpretar o artigo 359 do Código eleitoral, tal qual está escrito, há um equívoco, uma vez que essa norma não foi recepcionada pela Constituição Federal da forma como está redigida.

Concluindo, o Juiz, após o recebimento da denúncia, portanto, deve, em vez de citar o réu para oferecer contestação no processo-crime eleitoral, designar, desde logo, audiência de interrogatório e, após isso, abrir prazo para a contestação, pois o artigo 359 do Código eleitoral deve ser melhor interpretado, em face do advento da Constituição Federal de 05.10.88, considerando-se o disposto no artigo 5ª, incisos LIV, LV e LXIII.

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Ex-Delegado de Polícia, Juiz de Direito no Rio Grande do Sul e Juiz Eleitoral da 157ª ZE/RS.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v.2, n.2 (jul./dez. 1995).

 

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