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Íntegra

Do direito de opinião da faculdade de filiação partidária e de disputa a cargos eletivos por membros do ministério público

Por: Fávila Ribeiro

1 Reflexão sobre as funções essenciais atribuídas ao Ministério Público e as correlatas incompatibilidades que suscitam

Instalou-se motivada preocupação diante de problema concreto que tomou encaminhamento disciplinar na esfera do Ministério Público sobre a compatibilidade de crítica pública exercitada por um de seus membros, diante dos compromissos da instituição a que pertence, com o sistema de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais difusos, na amplitude estabelecida no art. 127 da vigente Constituição Federal.

É perceptível a existência de correlações dialéticas pela implicação de seus membros no cumprimento das funções institucionais atribuídas aos membros do Ministério Público e a liberdade política inerente aos seus inalienáveis atributos de cidadão.

Temos de permanecer atentos à exortação dirigida aos integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que o tempo empregado nessa complexa e demorada faina, seja, pelo menos, compensado pelo encontro de "rumos que hão de pautar o Ministério Público Federal, nesse campo, desestimulando vocações outras em seu seio e oferecendo condições propícias ao verdadeiro desempenho das funções institucionais".

Essas reflexões merecem aproveitadas, sendo essa, sem dúvida, oportunidade que agora se oferece ao exercício crítico. Que absolutamente não deve ser descurado, para repensar-se, em conjunto, as responsabilidades nucleares da instituição e o meio de conciliação às liberdades individuais que tocam aos seus membros.

2 Posição ambígua do Ministério Público com as franquias políticas aplicadas a seus membros e às finalidades fundamentais da instituição

De saída, não pode deixar de ser colocada - e isso e matéria de fundamental importância - a posição ambígua em que ficou o Ministério Público, diante da natureza dos amplos compromissos funcionais, como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado", que lhe confere responsabilidade da mais expressiva magnitude, tendo para isso de manter-se em intrínseca e inabalável afinidade com os valores identificados aos ideais de Justiça, entranhados em sua própria concepção funcional, o que exigiria estivesse completamente imunizado dos facciosismos políticos, e assim pudesse, seguramente, responder à coletividade a que se destina a servir, mediante objetivos definidos e inabaláveis padrões de imparcialidade em seus desempenhos.

Distenderam-lhe, com justa razão e compatível propósito, o elenco de garantias constitucionais atribuídas aos membros do Poder Judiciário, e elas se afiguravam e se afiguram indispensáveis, não resta dúvida, para que possa, efetivamente, afirmar a sua independência, imune de tudo o que possa estorvar as suas altivas e íntegras responsabilidades funcionais.

De uma maneira geral, o sistema de garantias repassado ao Ministério Público, aparentemente, recapitula os enunciados aplicados ao Poder Judiciário. Todavia, ao se transpor para o plano das vedações, insinuou-se sutil estipulação diferenciadora, mantendo-se o Judiciário completamente imunizado à atividade político-partidária, enquanto, em relação ao Ministério Público, a fórmula que lhe foi aplicada ostenta uma textual proibição para exercer atividade político-partidária, deixando, de logo, dissimuladamente, um flanco aberto, com aditamento de ressalva a exceções previstas em lei, em divórcio ao espírito que anima o sistema de garantias, assim rompendo a unidade de perspectivas entre as duas instituições, não no plano das proteções, mas ao passar ao terreno das restrições.

Ficou alojada nas entranhas institucionais do Ministério Público a faculdade de livre ingresso e participação em atividades político-partidárias, o que implica em direito assegurado aos seus membros que assim o queiram fazer, de participação ostensiva em atos políticos, direcionando-se pelas clivagens apresentadas pelo sistema partidário, apesar de paradoxalmente estarem os seus membros comprometidos vitaliciamente com as linhas teleológicas da instituição, na "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais e sociais indisponíveis".

Não se está a cogitar, absolutamente, de reclusão imposta aos atributos próprios à cidadania em sua dimensão ativa, tendo-se o seu exercício como o elemento indispensável para conferir vitalidade democrática à vida coletiva e ao escorreito funcionamento das instituições que lhe são dedicadas.

Salienta Luis Recasens SICHES (1959, p. 563), ao examinar as projeções do direito à liberdade de pensamento, afirmando, então que:

"... significa que ninguém deve ou pode ser submetido a persecuções, sancionado, molestado pelo fato de pensar dessa ou daquela maneira, de que adote umas ou outras crenças, de que professe determinada opinião. Pelo fato de uma pessoa pensar uma cousa ou outra, deste ou daquele modo, não deve ser causa nem pretexto para nenhuma ingerência dos poderes públicos, nem razão de vantagem nem de desvantagem, nem de diminuição nem de aumento de seus direitos. Significa que o Direito, e conseqüentemente os poderes públicos, devem reconhecer que o pensamento de todo indivíduo é matéria por inteiro e em absoluto isenta de sua jurisdição. No que se refere ao pensamento, as normas jurídicas e as autoridades devem ter unicamente uma função negativa e garantidora da liberdade; isto é, não se devem intrometer nem ingerir-se em absoluto dentro da esfera íntima do pensamento e da consciência, nem extrair qualquer efeito jurídico do fato de como pense um indivíduo, devendo limitar-se única e exclusivamente a reconhecer e garantir para o indivíduo a liberdade plena e absoluta dentro dessa esfera".

Cabe-nos verificar, por um lado, que o pretendido isolamento do Ministério Público das atividades político-partidária resultou inócuo, porquanto a regra constitucional que deveria interditar, por completo, a ação político-partidária de seus membros, fez resvalar o disciplinamento para a alçada do legislador complementar, e este extinguiu o conteúdo proibitivo, transmudando-o em preceito permissivo, assegurando direito à filiação partidária, sem limite definido de tempo e livre afastamento para concorrer a cargos eletivos, colocando-os na craveira comum do funcionalismo público em geral. Para conter essa metamorfose não foi considerado o prejuízo que acarretou ao sistema de defesa confiado ao Ministério Público, tendo-o como habilitado a fazê-la pela imparcialidade generalizada de seus membros. Mas assim não prevaleceu.

3 Distorções posteriormente implantadas que não se compadecem à imparcialidade exigida por suas atividades essenciais à função jurisdicional, com a qual deveria ser estabelecida similaridade nas garantias e nas correspondentes restrições

Se esse equipamento institucional foi desmantelado ao nascedouro, não se afigura cabível assestar os apetrechos repressivos internos exatamente contra os que se mantiveram isentos de participação político-partidária e de se integrarem a disputas eleitorais, criando-se uma clamorosa injustiça, de a tudo ficarem politicamente habilitados a essa condição de aficcionados partidários, e, não obstante tudo ser negado, reprimir aos que não se engajaram nesses tipos de alinhamentos.

Estamos a aflorar o elastério desfigurativo das responsabilidades cometidas ao Ministério Público, que se não compadecem de maneira alguma, por permissão descabida a seus membros para o envolvimento nas tramas partidárias e nas competitividades eleitorais, que lhe retiram a exigência social de sua imparcialidade que deveria ser revertida aos seus desempenhos funcionais.

Contudo, por simples estratagema normativo, foram indevidamente abertas as comportas à livre participação política dos membros do Ministério Público, não apenas quanto ao discreto, ou propriamente, secreto exercício do sufrágio, mas em forma a mais extremada, com acessibilidade ao jus honorum - para as periódicas investiduras representativas - ficando-lhes franqueado o engajamento em atividades político-partidária, nisso compreendendo, é de toda evidência, o direito a assumirem compromissos com as idéias e os programas dos partidos e a difundi-los; a discutirem as opiniões com os seus companheiros de partido e com eles acrescentar as que pessoalmente elaborem ou apenas patrocinem, difundindo-se na coletividade, desfalcando-se de identidades e de sinais de sua autoria.

Para garantia da linha de imparcialidade que deveria atingir, de modo direto, a instituição do Ministério Público Federal, foi este descomprometido da representação judicial da União Federal, por ele tradicionalmente exercida, exonerando-se os seus membros do patrocínio dessas causas, não com o fito de reduzir o volume de seu trabalho, mas pela nova vocação que emergia consorciando-o à defesa do primado da ordem jurídica em posição processual que mais se afigurasse consentânea aos seus desempenhos altivos e imparciais.

Tendo sido a idéia de isenção do Ministério Público a causa determinante desse desmembramento da atividade de representação ad judicia, nisso ficando demonstrada inequívoca preocupação com a incolumidade da própria instituição, admissível não seria que essa mesma ordem de consideração não prevalecesse à imunização político-partidária e do amplo acesso à eletividade a seus membros, ainda mais sem a exigência de prévia e definitiva desvinculação do Ministério Público, com isso revelando, não resta a menor dúvida, profunda incoerência instalada em sua moldagem constitucional.

Enquanto a instituição pública teve que amputar um dos aspectos exponenciais de suas responsabilidades públicas, uma vez apontadas como inconciliáveis com a imagem de imparcialidade a ser assumida pelo Ministério Público, tudo foi possível ser pacificamente efetivado, nada aparecendo em termos de contraposição. Quando, porém, as medidas restritivas direcionavam os seus efeitos pessoalmente sobre os seus membros, e não mais sobre a instituição, a mesma preocupação finalística de neutralidade política não teve força bastante para sustentar a textual vedação constitucional de atividades políticas por seus membros, tanto que logo a seguir, sem mais nem menos, através de ligeiro retoque no dispositivo, dele passou a constar uma ressalva que esvaziou todo o seu conteúdo restritivo, exaurindo-se, assim, ao nascedouro, todas as salutares medidas de prevenção contra infiltrações de facciosismos políticos, nada mais, de modo objetivo, podendo ser acalentado quanto à garantia de isenção a reverter ao benefício coletivo.

4 Extrapolação da liberdade política comprometendo a linha de imparcialidade exigida de seus membros

Inutilizada, na prática, a barreira proibitiva constitucional, franqueando à lei estabelecer as exceções ao envolvimento em atividades políticas, esta avançou em demasia ao admitir a filiação partidária para os membros ainda na atividade, sem ao menos a estes impor o requisito do prévio afastamento, ficando, por isso, ainda mais suscetível a críticas, com o reconhecimento que prevaleceu de inexistir incompatibilidade de permanência na plenitude de suas funções, sem condicioná-la ao seu prévio afastamento, como exigiu para disputa a cargo eletivo, consoante dispõe o artigo 237, V, da Lei Complementar n. 75/93.

A própria filiação partidária nasce de um concreto exercício da liberdade de associação política, encampando publicamente as suas idéias, com elas comprometendo a sua fidelidade, ficando em todos momentos correlacionada a sua adesão a algum tipo de concepção que tem o seu substrato no direito de opinião, não somente de enunciar um pensamento, de emitir um juízo, mas de arraigar-se publicamente às idéias, programas e opiniões de qualquer dos partidos existentes, nisso compreendendo, ainda, é evidente, o participar da fundação de nova agremiação, pois uma coisa com a outra se implica, e difundir ou exprimir as suas afinidades às idéias do partido, a este aconchegando a sua opinião, ou sendo esta o ponto de apoio para uma arrancada agremiativa, deixando, assim, formalmente revelada a sua identidade política, com os compromissos assumidos para uma continuada ação política em conjunto.

Destaca Maurice HAURIOU (s.d., p. 242-243):

"... essencial o reconhecimento de que as opiniões políticas formam-se em interesse dos partidos políticos, mas não surgem espontaneamente no contexto coletivo. Elaboram-se assim com ingredientes diversos: idéias religiosas ou filosóficas, idéias científicas, idéias políticas e econômicas, etc., especialmente adaptadas à missão de influir no público e à preparação das leis, orientadas para determinados programas de reformas. Assim elaboradas, as opiniões políticas podem estar muito distantes da verdade e ser contrárias à ordem das coisas; conhecemos algumas que são quiméricas, outras que são odiosamente radicais, outras que são absolutamente deletérias. Tudo isso suscita o problema da liberdade de imprensa e da espontaneidade com que se organiza a opinião".

No ato mesmo de filiação consuma-se o exercício do direito reconhecido, com a mais intensiva forma de liberação política ao membro do Ministério Público de expandir a sua opinião, por ela demonstrando a sua afinidade para ingresso em partido político, perante este contraindo direitos e obrigações e de participar de suas atividades e por ele disputar cargos eletivos, importando também em afirmativa posição antagônica aos demais partidos, tornando-se assim ativista nos confrontos político-partidário, assumindo formalmente compromisso com as tendências objetivas dos partidos, e por isso ficando politicamente tendencioso.

Somente pela convergência de opiniões que lhe pertencem, que se tornaram suas, afirma-se o partido como uma unidade de opinião para dar expressão pluralista na circulação de idéias ao próprio sistema partidário e, por via de conseqüência, em todo o universo político.

Com razão, pondera Herman HELLER (1974, p. 198-199) que:

"... numa sociedade democrática, singularmente, a opinião unitária não pode nunca ser mero produto racional da organização do poder estatal. Pelo contrário, deve ser aquela, no Estado democrático, a que legitima e sustenta a organização de autoridade. Por este motivo sucede, em geral, que quando a opinião pública se mostra incapaz de manter a unidade estatal, em lugar do consentimento democrático aparece a compulsão autocrática".

Foi deveras prejudicial aos interesses coletivos a concessão da liberdade política irrestrita, sem estabelecer as razoáveis limitações, em nome dos interesses relevantes públicos, cuja defesa incumbe aos membros do Ministério Público promover.

As restrições que deviam ser feitas ao ingresso em partidos políticos e à disputa de cargos eletivos constituíam exigências que enriqueceriam o próprio regime, recaindo pessoalmente sobre os membros do Ministério Público, para não aniquilar a isenção que se pretendeu assegurar ao distender as mesmas garantias inerentes aos magistrados, e em nada mais afetariam as franquias ativas da cidadania.

Reconheceu-se ao membro do Ministério Público, como protagonista da luta nos processos eletivos ou democráticos diretos (referendos e plebiscitos), inutilizando, ao fazê-lo desse modo, a sua legitimidade para promover as medidas essenciais à lisura dos pronunciamentos populares, faltando-lhe a imprescindível isenção que o torna impedido funcionalmente ou suspeito em certas circunstâncias.

A finalidade precípua do partido político é arregimentar os seus adeptos e simpatizantes para a luta pela implantação de idéias e opiniões que possam ser partilhadas em comum, credenciando-se, assim, à receptividade coletiva para enfrentar o periódico revezamento do poder, para nele se manter ou nele se alojar.

5 Da liberdade de opinião à filiação partidária e livre concorrência a cargos eletivos

Para o ingresso em um partido há uma concreta manifestação de opinião que se formaliza e articula ao aparelhamento partidário, ampliando-se numericamente, procurando sempre maior propagação na coletividade para elevar o nível de sua influência ao ensejo em que se vai exprimir a aritmética do sufrágio.

O partido deve ter capacidade de produzir e atrair opiniões que se revelem atraentes ou prestimosas, com as quais procura ampliar o quadro de seus filiados e o volume de apoio para elevar o seu nível de aceitação social, prudentemente evitando que condensem temas considerados inconvenientes e incorporando os que possam despertar melhor acolhimento, principalmente por sua compatibilidade temporal.

Concita-nos James BRYCE (1924, p. 187):

"... ao estudo comparativo da ação exercida sobre a conduta dos negócios que se chama, um tanto vagamente, o poder da opinião pública, mediante o controle feito diretamente pelos cidadãos quando chamados a eleger representantes ou a se pronunciarem sobre uma questão determinada (Referendo). A opinião pública trabalha de modo contínuo, a intervenção do povo pelo sufrágio é apenas ocasional; o mais, nos intervalos das eleições podem sobrevir incidentes que afetarão pontos de vista dos eleitores".

E se nos dispusermos à compreensão mais intensiva para sintonização dos governos democráticos com os cidadãos, verificar-se-á que o exercício do sufrágio. em qualquer de suas variantes, é fulminante e fugidio, tendo os representantes, de um modo geral, de renovarem os seus estoques de idéias, procurando se coadunarem às aspirações do povo, através de supervenientes opiniões que possam ser canalizadas por essa inesgotável fonte de realimentação das diferentes artérias de comunicação social.

Dessa maneira, o processo em que a opinião se corporifica nesses períodos não se institucionaliza politicamente. propagando-se pelas malhas sociais de transmissão, e nem sempre traz conteúdo político, embora não o exclua, ocupando-se por vezes de problemas que despertam interesse geral, formulando indicações ou apresentando críticas sobre distorções por dentro ou fora das instituições públicas.

6 Elementos instrumentais da sociedade democrática: o sufrágio universal e a opinião pública

Por isso, continua a ser pertinente afirmar-se que a democracia é dinamizada pelo processo de sufrágio que legitima as investiduras representativas e pela captação das opiniões hauridas das vertentes coletivas em geral, para que os representantes tenham referenciais para a legitimidade em seus desempenhos, ou seja, quanto ao modo de cumprimento de seus mandatos representativos.

Diz Rafael Garza LIVAS (1971, p. 286) que:

"... a opinião é uma apreciação intelectual acerca de algo, é só isso, uma apreciação e não um pronunciamento objetivo. Isto é o reflexo da realidade na mente do homem, quem o admite como tal, isto é, como conhecimento objetivo na medida em que a prática social, resulta coincidente com esta. As leis materiais ou sociológicas são matéria de estudos de instrumentos intelectuais para compreensão correta da natureza ou da sociedade, porém, não são temas de opinião pessoal ou pública. Portanto, a opinião pública, ainda que de índole intelectual, se forma só em torno de assuntos sobre os quais não é possível ou não foi ainda possível estabelecer um entendimento definitivo".

O partido é um receptáculo e propagador de opiniões que são utilizadas para as mobilizações coletivas e nas lutas políticas que são periodicamente desencadeadas na conquista da preferência do eleitorado. Cuidam os partidos de se manterem adestrados na utilização estratégica da opinião, como força primordial nos processos deliberativos políticos, para aquisição do poder para seus adeptos e para oferecer base consistente de apoio em seus programas e viabilizar as suas ações nas esferas governamentais em geral.

A opinião é, portanto, ou deveria ser o fator fundamental na funcionalidade do partido político, dela não podendo prescindir, tendo sempre de procurar captar, interpretar e sentir a sua ressonância, acompanhando-a em toda sua fluidez para com ela oferecer contribuição às atividades decisórias que devam promanar dos órgãos públicos, aproximando os setores governamentais das expectativas coletivas, poupando-os de previsíveis rotas de colisão.

Mas pode haver, e, efetivamente, há, opinião que não está incorporada e não pretende incorporar-se a partido, e talvez nem se afigure pertinente, o que é reconhecido como direito essencial de qualquer pessoa, sendo direito que pertence a qualquer indivíduo, seja ele quem for, não para encerrá-la introspectivamente, mas de expressá-la, como legitima atividade de interação social, em intercomunicações, para participar das reflexões com os demais integrantes da sociedade civil.

Ao dedicar-se à análise da opinião pública, ressalta Julien FREUND (1965, p. 396) que:

"... não se pode fazer dela elemento constitutivo e exclusivo da esfera pública no sentido definido mais elevado. Em geral pode exercer influência política marcante, mas não obrigatória. Certo é, porém, que ela pertence à dialética do privado e do público, seja por pressão sobre os poderes públicos através dos grupos e associações privadas (grupos de pressão por exemplo), seja em tentar o poder orientá-la e conduzi-la para enfraquecer as instigações privadas".

Adverte, a seguir, que "a opinião atua, ao menos indiretamente, sobre a política, tanto quanto à sociedade civil, onde reina a opinião, determina a natureza do poder". (op. cit., p. 397).

Consagrou-se uma situação de ambigüidade, reconhecendo-se, pela fórmula vigorante, ao membro do Ministério Público, o direito de descomprometer-se, sempre que assim deseje, do elenco desses deveres, os quais, por sua natureza, pareciam exigir um regime de dedicação exclusiva em seu lato sentido, no mínimo, para privação do exercício de atividades políticas, enquanto não se desvinculasse por demissão ou aposentadoria.

E se tanto foi reconhecido em favor dos membros do Ministério Público em termos de participação política que somente individualmente os beneficia, conquanto possa acarretar prejuízo para a instituição, não poderiam apenas se apresentarem podadas ou mutiladas as franquias ativas no que concerne à cidadania, que não se referem a vantagens pessoais, em que a sua liberdade é essencial à concepção democrática, entre as quais adquire exponencial relevância a de opinião, ainda que as idéias possam, em alguns casos, a ela não se revelar afeiçoada.

O tema mereceu de John Stuart MILL (1963, p. 20) expressivas ponderações que merecem relembradas nesta oportunidade:

"Se uma opinião fosse possessão pessoal valiosa tão-só para o possuidor, se o impedimento ao gozo dela fosse simplesmente injúria a poucas pessoas somente ou a muitas. Mas o mal peculiar inerente ao silenciamento da expressão de uma opinião consiste em que se está roubando à raça humana, tanto à posteridade quanto à geração existente - os que discordam da opinião, ainda mais de quantos a sustentam. Se a opinião for acertada, ficam privados de substituir a verdade ao erro; se for errada, perdem, o que importa em beneficio quase tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade produzida pela colisão com o erro".

A admissão pura e simples de exercício de atividades político-partidárias deu ao membro do Ministério Público a excessiva e inconveniente faculdade de compartilhar das lides políticas, sempre que assim entenda, sendo cada um o próprio juiz de conveniência e oportunidade a que o faça, apenas tendo de afastar-se de suas funções no Ministério Público quando tiver de disputar cargos eletivos, voltando depois, lepidamente, ao quotidiano funcional, como se não lhe tivessem sido agregados efeitos passionais essencialmente incompatíveis às finalidades da instituição de atuações e, apesar de tudo, tivessem permanecido incólumes a sectarismos, não sendo plausível, candidamente, assim admitir, quando pelo menos se verá desfalcado de firmeza na defesa dos postulados que compõem a sua instituição em seu retorno a ela.

7 O alinhamento a partido político coexistente à condição de membro do Ministério Público

Esse tratamento acarretou incômodo agasalho na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75. de 20 de maio de 1993). a qual ainda assim reservou a condição estimulante às atividades políticas, consagrando o direito de arregimentação em partido político, vale dizer, manter permanente compromisso de alinhamento político, o que compreende os aspectos ideológicos e sua praxis, não demonstrando a menor preocupação com a abertura de seus flancos, afastando, nessa circunstância, qualquer tipo de incompatibilidade com os seus deveres funcionais alusivos à instituição pública a que é vinculado, na ótica legal vigorante.

Verifica-se que essas contradições foram implantadas na estrutura organizacional do Ministério Público, trazendo unção constitucional, com subseqüente reforçamento em legislação complementar, precisamente em sua lei orgânica.

Compreensível que essas contradições provocadas pela descomedida abertura das comportas institucionais tenham servido de causa a um hibridismo descaracterizante, fomentando um background de onde irromperiam conflitos internos de lealdade, quando poucos ou muitos passarem a aspirar qualquer representatividade externa, debilitando o seu sistema de defesa em torno de seus princípios fundamentais, em razão das dispersões legalizadas, embora não legitimadas pelo divórcio com os seus fundamentos institucionais.

Claro está que o reconhecimento da aquisição, em caráter permanente, do status político-partidário, apoiado em textual ressalva legal à filiação a partidos políticos, sob o pálio de legalidade para as discrepâncias políticas formalmente assumidas por membros do Ministério Público, tinha efeitos não apenas no limiar de uma eleição a que fossem concorrer. A liberação não previu condições restritivas, e ela é a mais exata forma de transmutação de uma regra proibitiva em permissiva, dando completa inversão em seus objetivos, passando a ser permitido o que deveria ser obstado. Somente por se admitir a filiação partidária não se podia mais cogitar de absoluto isolamento ao espírito de facção que passou a circular em suas artérias pelas inclinações tendenciosas por membros que se utilizem das franquias políticas que apareceram dissimuladas em forma de ressalva, tendo a imunização de ser considerada como elemento remanescente a ser distinguido individualmente, e não com alcance universal aplicável aos membros do Ministério Público, funcionando como segurança apenas as regras processuais de impedimento, de incompatibilidade ou de suspeição de seus membros que tiverem assumido comprometimentos partidários, inabilitando-os a certos desempenhos de pública proteção cometidos à instituição.

Desapareceria, pelo esmaecimento de sua real finalidade o fundamento para afetação das garantias extraídas do repertório judiciário, notadamente a da vitaliciedade, uma vez que estas são atribuídas para a invulnerabilidade de seus membros, para que possam corresponder às exigências de seus ofícios, aliviados de compulsões que pudessem embargar os seus desempenhos institucionais.

8 A eletividade com a sua característica temporária contraposta à invetidura vitalícia

O direito à eletividade passou a conviver no âmago da instituição para o beneficio pessoal dos seus membros, desaparecendo razão, e assim, coerente fundamento a que escapem do processo democrático de investidura eletiva, uma vez que a ela se estão revelando afeiçoados, a ponto de, por seus interesses, terem sido liberados para ingresso em partidos políticos e livre disputa aos cargos representativos, desse modo, com o que não sendo por eles considerada essencial a proteção da vitaliciedade funcional, ao demonstrarem maior predileção pelo jogo periódico de renovações, apresentando-se ostensivamente com as suas próprias vestes partidárias em busca da consagração popular.

Teve prevalência a ressalva acoplada para participação política em toda a plenitude, abrangendo desde a postura partidarista, admitida com a livre filiação a partidos até a concorrência a cargos eletivos, mediante puro e simples afastamento com direito a retorno imediato, em caso de insucesso eleitoral, ou após desfrutar mandato representativo, dominando, nesse equacionamento liberatório, os interesses particulares dos membros, suplantando as responsabilidades que estariam estes a dever à instituição para que pudessem ser revertidos os benefícios sociais que precisam ser atingidos.

A ter-se que demonstrar afinidade mais extensiva pela atividade política, descaberia a absorção no contexto de um sistema de garantias que reforça a permanência de seus membros com a vitaliciedade, que deveria ficar implicada a uma contrapartida de dedicação permanente a desempenhos isentos de alinhamentos tendenciosos, tanto quanto é solicitada e cumprida pelos magistrados em geral.

Esse é o inevitável sentido que decorre da mais profunda correlação do Ministério Público como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado", a esta se contrapondo e mesmo com risco de deixá-la inviabilizada pela contradição de seus inarredáveis princípios (com a ressalva alojada no artigo 128, II, "e", da Constituição Federal), com a inversão de seu conteúdo proibitivo no preceito permissivo da atividade político-partidária pelo artigo 237, V, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75, de 20.05.93).

Em se apresentando o Ministério Público com essas desfigurações institucionais não tem como evitar fique afetada a sua capacidade de efetivar o seu quinhão essencial à atividade jurisdicional do Estado, pois enquanto foi descomprometido de encargos públicos que obstavam a sua livre desenvoltura funcional, o envolvimento de seus membros em atividades políticas, nas latitudes admitidas, tornou-se um fator germinativo de corrosões nos padrões de imparcialidade de seus membros, do mesmo modo que se considera que os membros de órgãos parlamentares distinguem-se o quanto mais forem devotados em seus alinhamentos a seus partidos, não comportando negar que isso os desfavorece à participação em julgamentos, uma vez que não se conseguem isolar das parcialidades a que se sentem amoldados, e melhor o fazem quando a isso guardam fidelidade.

9 A compreensão pluralista das responsabilidades participativas

Todavia, o problema não pode ser visto por um aspecto exclusivo, nem por enfoque restrito ao âmbito da instituição, nem deixa margem a que possa prevalecer qualquer tipo de discriminação, pois uma vez aceita a vinculação a partido político, todos possuem igual direito de fazer o mesmo, o que, entretanto, não se confina a uma dimensão isolada, tendo de abranger a cidadania como um todo, em sua universal compreensão e genérica igualdade em sua potencialidade política.

Desembocamos na compreensão pluralista das responsabilidades, o que é analisado por Michel WALZER (1977, p. 75), como "um modo de vida com esse desconforto que se chama 'pluralismo', denotando a existência de grupos e crenças ao mesmo tempo e no mesmo lugar".

Continuando, afirma o Professor WALZER que:

"... o pluralismo é geralmente representado como um modo de vida agradável e confortável. Pode, porém, ser representado de forma diferente, como uma política muito dura. Basicamente, um pluralista é uma pessoa com mais de um compromisso, que pode ter de optar entre suas diferentes obrigações. A cidadania é uma de suas obrigações, mas apenas uma".

O tema adquire outra perspectiva, na visão exposta por Karl JASPERS (1968, p. 276-277) quando assinala que "a situação espiritual obriga hoje a um combate consciente do homem, de cada indivíduo com a sua atividade. Terá que ganhar ou perder na medida em que se tornar consciente do fundamento do ser na realidade de sua vida".

Para ele, é necessário que se saiba descobrir:

"... a ocasião mais nobre e praticar a sua liberdade. Pode enfrentá-la em sua impossibilidade ou naufragar no seu nada. Se, porém, não prosseguir a via de acesso a ser-si-próprio, reduzir-se-á ao plano terreno das coisas da existência, no automatismo do aspecto envolvente, contra o qual não mais poderá guardar-se. Ao homem impõe-se, segundo a sua liberdade, tomar o freio das organizações da existência, condição cujo abandono implica se torne ele próprio máquina à mercê delas".

Não pode o homem ser constrangido a aplicar a sua vida em projeções unidimensionais, tendo de conciliar saudavelmente os aspectos privados e públicos de sua existência, com as suas peculiares características e sem possibilidade, por qualquer deles, de total e única absorção.

Cada aspecto contribui para a realização da dignidade humana, mas em cada um deles é preciso que o comportamento se revele coerente e ajustado, para não haver distúrbio da personalidade, nem para as organizações públicas em que esteja inserido.

Lembra Hanna ARENDT (1981, p. 15) que:

"... não pode o homem na sociedade .em que vive perder a condição humana de pluralidade, pelo fato de que os homens e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da vida humana têm relação com o político; mas esta pluralidade é especificamente a condição - não apenas a condictio sine qua non, mas a conditio per quam - de toda a vida política".

Por aí se verifica a grandeza e a complexidade que o tema adquire, sendo certo, assim parece, que pode e deve o homem assumir vários papéis em sua existência, e mesmo cumpri-los simultaneamente, sem fraturar a lealdade referente a cada um dos setores, porém, que sempre o faça sem desajustamento para si próprio e para os objetivos a que esteja funcionalmente relacionado.

No tempo presente, em grande parte, as falhas que lhe estejam ser imputadas podem provir das organizações de elevada magnitude nelas contendo racionalizações contraditórias e prejudiciais interesse geral ou individual.

10 As compressões da liberdade humana em perspectivas unidimensionais

Focaliza Herbert MARCUSE (1967, p. 30-32) a idéia de "liberdade interior" com a sua realidade, que:

"... designa o espaço privado no qual o homem pode tornar-se e permanecer ele próprio. Atualmente - comenta - esse espaço privado se apresenta invadido e desbastado pela realidade tecnológica. A produção e a distribuição de massa reivindicam o indivíduo inteiro e a psicologia industrial deixou de há muito de limitar-se à fábrica. Os múltiplos processos de introjeção parecem ossificados em reações quase mecânicas. O resultado não é o ajustamento, mas a mimese: uma identificação imediata do indivíduo com a sua sociedade e, através dela, com a sociedade em seu todo".

Afirma então que.

"... neste processo, a dimensão interior da mente, na qual a oposição ao status quo pode criar raízes, é desbastada. A perda dessa dimensão, na qual o poder do pensamento negativo - o poder crítico da Razão - está à vontade, é a contrapartida ideológica do próprio processo material no qual a sociedade industrial desenvolvida silencia e reconcilia a oposição. O impacto do progresso transforma a Razão em submissão aos fatos da vida e à capacidade dinâmica de produzir mais e maiores fatos do mesmo tipo de vida".

Esclarece adiante que:

"... surge assim um padrão de pensamento e comportamento unidimensionais no qual as idéias, as aspirações e os objetivos que por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação são repelidos ou reduzidos a termos desse universo".

A civilização industrial denota elevada expansão tecnológica, com progressiva escalada manufatureira, suprindo o mercado com artigos dos mais variados gêneros, e versatilidade criativa, trazendo, em suas entranhas, uma racionalidade manipulativa, aplicada, principalmente, no processo de trabalho e na forma de consumo, afetando a própria estrutura da sociedade e as condições existenciais do homem, tornando-se este cada vez mais exposto a uma crescente instrumentalização, com a redução dos espaços de sua liberdade.

O modelo sociológico da moderna sociedade de massas impõe ampliativos condicionamentos ao homem, declinando as condições de que lhe tornem possível estabelecer uma original forma para o seu próprio viver, tendo de compartilhar de atitudes e tipos de comportamento que se ajustem a perspectivas mais gerais, sendo o espaço político o que oferece o campo mais versátil, com a ebulição dos conflitos que nele encontram margem para confrontos e absorções.

Muito a propósito, ressalta Francisco AYALA (1995, p. 295) que:

"... a força de valer-nos das mesmas coisas, nossos hábitos mentais e automatismos psíquicos nos modelam da mesma forma; e assim, através dos instrumentos que integram nossa cultura material, nos assemelhamos em medida crescente uns aos outros. Também os homens nos convertemos deste modo em objetos produzidos em série, em massa, já que o ser humano se faz a si próprio durante o processo de sua vida e ao viver trata constantemente com coisas. Iguais condições materiais criam iguais traços psicológicos, iguais atitudes, iguais automatismos. A estes efeitos de uniformização que poderíamos dizer indiretos, posto que se cumprem mediante os equipamentos tecnológicos de que nos valemos na vida diária, se acrescenta, ademais, outro fator direto de uniformização, provindo do mesmo solo e cuja eficácia é enorme: a propaganda - o grande fenômeno de nosso tempo".

Nessa tendência de uniformização e conformismo instala-se o germe do totalitarismo, devendo ser estimulado o pluralismo como antídoto, para que o homem encontre múltiplos horizontes para suas potencialidades participativas, espantando o medo pelo uso de sua liberdade, enquanto mais tirocínio vai adquirindo, deixando de amedrontar-se por opiniões errôneas ou impróprias que eventualmente expresse, pois as convivências múltiplas promovem o arejamento das mentes e o desenvolvimento da solidariedade nos assuntos de interesses que se difundem à sociedade.

Nesse ponto, é bastante alentadora e estimulante a contribuição de Pitirin SOROKIN (1968, p. 544) quando afirma que:

"... a diversidade de nossos papéis sociais deve-se ao fato de pertencermos a uma pluralidade de grupos organizados. A associação voluntária ou involuntária ou qualquer grupo organizado, seja ele a família, a Igreja, o Estado, o partido político, o clube ou sociedade, influência de maneira perfeitamente definida as nossas idéias e crenças, os nossos valores, padrões e emoções, as nossas volições e ações exteriores. Cada grupo tem a sua própria constituição, os seus próprios valores, as suas próprias normas, a que os respectivos integrantes devem conformar-se. Cada um deles reclama uma porção de nosso tempo, uma porção de nossos atos, uma porção de nossa personalidade. Cada um nos impõe certos deveres e, por vezes, nos confere certos direitos. Cada um exige de nós a sua libra de carne".

Logo mais, salienta que:

"... cada um desses grupos tem a sua alma própria - um complexo de idéias, valores, normas e crenças; e cada grupo procura incutir sua alma em cada um de seus membros. Estas considerações bastam para mostrar que nós temos vários e diferentes egos, e apontam as razões do pluralismo dos egos empíricos".(op. cit., p. 546).

11 A atividade florescente da cidadania

No caso em exame, houve excesso de linguagem, demonstrando exacerbada emocionalidade com os fatos nacionais que estavam irrompendo em instituições sobremodo relevantes para a valia pública e para a autenticidade do regime político.

Nesse momento, a impetuosidade irrompe das esferas pessoais reservadas ao cumprimento da cidadania, tanto para exprimir protestos, como a clamar por providências cívicas, lembrando períodos que tivemos de atravessar, com as liberdades extremamente reduzidas. empurradas ao despenhadeiro, à falta de denodados cidadãos que combatessem dentro das instituições as demasias que eram detectadas.

Não diria mesmo tratar-se de um artigo pugnando mudanças que apregoasse a desobediência civil, nem diria tratar-se de um escrito contendo "irregularidades", pois essa forma despreocupada, cômoda e muito difundida que se vê em outras paragens, das quais se ausenta a segurança nas imputações propriamente jurídicas, pois isso não se coadunaria, apesar de tão usual em pronunciamentos de órgãos públicos, como vemos com freqüência, sem molduras em que pudessem as mesmas ser absorvidas. Pode ser pouca ou muita coisa, ou pode não ser nada: essa a extensão que transmite o vocábulo "irregularidade", relacionando-o à conduta humana.

Se a vida político-partidária alojou-se na montagem da instituição do Ministério Público, não pode servir de mais grave malefício, em fomentar discriminações internas, entre os que podem ou não podem ter opinião, somente podendo tê-las os que desfrutam das regalias políticas inaclimatáveis às graves e persistentes responsabilidades desta instituição, que em torno delas esperavam contar e ainda acalentam a esperança de a vermos completamente imunizada dessas contradições que inviabilizam a plena e confortável imparcialidade de seus membros, que a ela se vincularam e nela permanecem por identidade vocacional.

Algum dia, talvez, um membro da instituição, portando algum mandato representativo que o tenha sido atribuído, pode suscitar que nem lhe cabe sujeitar-se a regras disciplinares do órgão a que está temporariamente integrado, eximindo-se também da incidência de preceitos desta própria instituição, revelando desnudada a malha da impunidade, que não seja apenas por disparidade de opinião, ou pelo uso de conteúdos equívocos, mas por acabrunhantes transgressões que desacreditam os mais fundamentais valores da ordem política e procedimentos praticados em algumas das instituições republicanas, variando os períodos e os locais.

Não divisamos, pelas circunstâncias expostas, fato disciplinarmente punível, mas reconhecemos, como se fez evidente ao curso de toda esta manifestação, como uma contribuição da mais alta valia e, sobretudo, muito oportuna, em tudo o que nos coube examinar, através de amadurecidas reflexões emanadas da digna e culta Comissão, sendo esta, exatamente a hora para intentarmos as mudanças institucionais que extirpem os desvios assinalados e tantos outros que devemos repensar em conjunto, para uma segura e sincera tomada de posição, como fomos concitados a fazer, e temos que fazer, a partir deste Conselho Superior da Instituição do Ministério Público Federal, pelo tanto que nos sentimos estimulados pelas lúcidas exortações emanadas da digna Comissão de Inquérito.

Seria incabível a punição por uma manifestação de uma opinião, quando o estatuto da instituição admite que todos possam fazê-lo impunemente, com o simples ingresso em partido político ou registro de sua candidatura.

O importante mesmo é aproveitarmos a contribuição e avaliarmos, o seu meritório conteúdo, daí partindo para essas essenciais e inadiáveis mudanças, por apropriada emenda ao texto constitucional, principalmente em matéria dessa envergadura.

E deveríamos partir com a oficialização de iniciativa de emenda constitucional, direcionada ao artigo 128 II "e", da Constituição Federal, suprimindo-se a sua parte final, passando, simplesmente, a constar: "e) exercer atividade político-partidária".

O acolhimento da cogitada emenda constitucional tornará desvaliosa a parte excrescente do artigo 237, V, da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, expungindo a permissão à filiação partidária e a livre concorrência a cargo eletivo, sem definitivo desligamento da carreira do Ministério Público.

12 Referências Bibliográficas

ARENDT, Hanna. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.

AYALA, Francisco. Introduccion a las ciencías socíales. Madrid : Aguilar, 1995.

BRYCE, James. Les democraties modernes. Trad. de M. Mayra. Paris: Payot, 1924.

FREUND, Julien. L'essence du polítíque. Paris: Sirey. 1965.

HAURIOU, Maurice. Principíos de derecho público y constitucional. Trad. de Carlos Ruyz del Castilho. 2. ed. Madrid : Instituto Editorial Reus, [s.d.].

HELLER, Herman. Teoria del estado. Trad. de Luis Tobio. México : Fondo de Cultura Económica, 1974.

JASPERS, Karl. A situação espiritual de nosso tempo. Trad. De João Modesto. Lisboa: Moraes, 1968.

LIVAS, Rafael Garza. Psicologia social. 2. ed. México: Oasis, 1971.

MARCUSE, Herbert. Ideologia da sociedade industrial. Trad. De Giasoné Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

MILL, John Stuart. Da liberdade. Trad. de E. Jacy Monteiro. São Paulo : IBRASA, 1963.

ICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. México: Porrua, 1959.

SOROKIN, Pitrin. Sociedade, cultura e personalidade. Trad. de João Baptista Coelho Aguiar e Leonal Vallandro. Porto Alegre. Globo, 1968.

WALZER. Michel. Das obrigações políticas. Trad. de Helena Maria Camacho Martins Pereira. Rio de Janeiro. Zahar, 1977.

Subprocurador-Geral da República e Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 2, n. 2 (jul./dez. 1995).

 

 

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