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Do dever de prestar contas à Justiça Eleitoral: dever partidário fundamental para a democracia plena e transparente

Por: Luciano Zambrota

1 Introdução

O presente artigo tem como objeto de análise as disposições da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995, em especial os dispositivos legais que tratam das prestações de contas anuais dos partidos políticos. Assim, também será necessário verificar as normas definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, especialmente as disposições da Resolução n. 21.841, de 22 de junho de 2004, que disciplinam a prestação de contas anual dos partidos políticos e a Tomada de Contas Especial – procedimento que se inicia com a desaprovação da prestação de contas, nas hipóteses em que expressamente cabíveis.

Com isso, será possível colaborar para a fixação da matéria pelos interessados, sobretudo os membros dos partidos políticos e pessoas ou profissionais diretamente envolvidos no processo de prestação de contas anual dessas agremiações partidárias, haja vista que a legislação pertinente ainda não foi devidamente assimilada pelos partidos políticos, pois é comum verificar o descumprimento dos prazos e procedimentos definidos na Lei n. 9.096/1995 e na Resolução TSE n. 21.841/2004, que em conjunto tratam das regras para a prestação de contas anual dos partidos políticos.

2 Da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995

Na atualidade, a Lei n. 9.096/1995 é o principal texto legal aprovado pelo Poder Legislativo ordinário para regular as atividades e o funcionamento dos partidos políticos, em que constam inúmeras obrigações jurídicas a serem observadas pelos partidos políticos, dentre elas, o dever de anualmente prestar contas à Justiça Eleitoral, para que sejam analisados os atos contábeis e financeiros praticados pela agremiação partidária no exercício financeiro respectivo, isto é, analisado pela Justiça Eleitoral.

Dispõe o art. 30 da Lei n. 9.096/1995: “o partido político, através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas”. Apesar da clareza da norma jurídica, os últimos anos demonstram que em Santa Catarina nem todos os partidos políticos, sejam por seus órgãos estaduais ou municipais, têm conseguido cumprir a contento a obrigação de prestar contas anualmente à Justiça Eleitoral.

De acordo com dados da própria Justiça Eleitoral catarinense, reproduzidos pela imprensa estadual local, bem como pela assessoria de imprensa do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC), no ano de 2007, por exemplo, nove agremiações partidárias, por seus diretórios estaduais, não cumpriram com este dever dentro do prazo previsto (NOVE SIGLAS deixam de prestar contas, 2008, p. 10). No ano de 2008, segundo a assessoria de imprensa do TRE/SC, “sete partidos do quarto maior colégio eleitoral de Santa Catarina, o município de São José, localizado ao lado da Capital do Estado, não prestaram contas à Justiça Eleitoral referentes ao ano de 2008” (SETE PARTIDOS de São José deixam de prestar as contas de 2008, 2009).1

Com efeito, o descumprimento deste dever é extremamente prejudicial para os partidos políticos. Além do prejuízo para a moralidade pública, já que a não prestação de contas compromete a seriedade financeira e contábil da agremiação partidária que pretende administrar os bens e recursos públicos, o partido político e seus filiados ainda sofrem outras sanções e consequências legais previstas no ordenamento jurídico. Estas sanções, entretanto, serão examinadas em capítulo seguinte.

Por enquanto, é importante frisar que o prazo para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral é definido pelo art. 32 da Lei n. 9.096/1995, que estabelece: “o partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte” E, ainda, conforme o § 3º do mesmo artigo legal, “no ano em que ocorrem eleições, o partido deve enviar balancetes mensais à Justiça Eleitoral, durante os quatro meses anteriores e os dois meses posteriores ao pleito” (grifo nosso).

Além dos prazos fixados pela legislação para a apresentação anual da prestação de contas dos partidos políticos, existem outras exigências previstas expressamente na Lei n. 9.096/1995 que precisam ser observadas. É o caso da forma em que deve ser realizada a escrituração contábil de determinado partido político. Os aspectos formais precisam ser verificados e observados com rigor. Sobre o assunto, disciplina o art. 33, e seus incisos, da Lei n. 9.096/1995:

Art. 33. Os balanços devem conter, entre outros, os seguintes itens:

I – discriminação dos valores e destinação dos recursos oriundos do fundo partidário;

II – origem e valor das contribuições e doações;

III – despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais atividades de campanha;

IV – discriminação detalhada das receitas e despesas.

É importante a atenção dos partidos políticos para a forma como os balancetes precisam ser elaborados, pois a confusão tende a prejudicar o próprio partido político interessado. Na atualidade, a complexidade dos procedimentos contábeis exige que referida atividade seja realizada por profissional habilitado – contador, porque cada vez mais o rigor analítico da Justiça Eleitoral tem rejeitado antigas formas de contabilidade que não atendem aos padrões técnicos atuais da área contábil, em especial da contabilidade eleitoral ou partidária.

Para prevenir o abuso do poder econômico nas eleições os partidos políticos ainda são obrigados a observar, nos anos em que ocorrem eleições, as seguintes exigências definidas pelo art. 34, e seus incisos, da Lei n. 9.096/1995:

Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas:

I – obrigatoriedade de constituição de comitês e designação de dirigentes partidários específicos, para movimentar recursos financeiros nas campanhas eleitorais;

II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes do partido e comitês, inclusive do tesoureiro, que responderão, civil e criminalmente, por quaisquer irregularidades;

III – escrituração contábil, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro ou de bens recebidos e aplicados;

IV – obrigatoriedade de ser conservada pelo partido a documentação comprobatória de suas prestações de contas, por prazo não inferior a cinco anos;

V – obrigatoriedade de prestação de contas, pelo partido político, seus comitês e candidatos, no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.

Na prática, toda receita ou despesa realizada pelo partido político, seja ou não de caráter eleitoral, precisa ser contabilizada, sob pena de ocorrerem sérios problemas para o partido político, sobretudo se for beneficiário de repasses do Fundo Partidário. Isso porque qualquer valor proveniente do Fundo Partidário utilizado pelo partido político precisa ser comprovado com documentos fiscais hábeis, do contrário ensejará sua devolução após a o julgamento de desaprovação da prestação de contas anual respectiva.

Antes de avançar neste ponto, contudo, é necessário examinar algumas das disposições constantes da Resolução n. 21.841, aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 22 de junho de 2004, haja vista que estabelecem outras obrigações para os partidos políticos, além das estabelecidas nos arts. 33 e 34 da Lei n. 9.096/1995, que se não forem atendidas conjuntamente ensejarão a desaprovação da prestação de contas do partido político omisso.

3 Das normas definidas na Resolução TSE n. 21.841, de 22 de junho de 2004

Em que pese à discussão de que o Tribunal Superior Eleitoral tem resolvido questões legislativas que precisariam estar sendo discutidas e aprovadas pelo Poder Legislativo, não é oportuno, neste momento, fomentar esta discussão, porque decididamente não é o objetivo deste artigo. Aqui, importa mais o exercício de fixação e entendimento das normas que estão sendo aplicadas pela Justiça Eleitoral, ao invés da investigação acerca da sua constitucionalidade, até porque não se tratam de normas legais cuja aplicabilidade esteja sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia ser acionado pelos diretórios nacionais dos partidos políticos – que detêm referida legitimidade processual ativa.

O certo é que a Resolução TSE n. 21.841/2004 estabeleceu uma série de exigências específicas, para melhor aplicabilidade das normas previstas na Lei n. 9.096/1995. Assim, é tempo de assimilar que todo partido político está obrigado à abertura de conta bancária, bem como assessoramento por contador habilitado para elaboração de sua prestação de contas. De certo modo, a legislação e a Justiça Eleitoral passaram a exigir um pouco mais de profissionalismo com as prestações de contas, porque muitas eram apresentadas à Justiça Eleitoral sem a mínima formalidade, seriedade, técnica e profissionalismo.

Ainda pode parecer estranho para o dirigente partidário, mas desde muito tempo o egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina tem exigido dos partidos políticos a abertura de conta bancária, sob pena de desaprovação da prestação de contas. O entendimento é decorrência direta da interpretação das normas definidas na Resolução n. 21.841/2004. Consoante o disposto no art. 2º daquela Resolução, todo partido político está obrigado à escrituração contábil formal, ou seja, que atenda às normas brasileiras de contabilidade. Dispõe o art. 2º da Resolução TSE n. 21.841/2004:

Art. 2º Os estatutos dos partidos políticos, que são associações civis sem fins econômicos, devem conter normas sobre finanças e contabilidade, que obedeçam aos Princípios Fundamentais de Contabilidade e às Normas Brasileiras de Contabilidade, especialmente às disposições gerais constantes da NBC T - 10.19 – (Entidades sem finalidade de lucros), e regras que (Lei n. 9.096/95, art. 15, incisos VII e VIII):

I – fixem as contribuições dos filiados;

II – especifiquem a origem de suas receitas;

III – estabeleçam os critérios de distribuição dos recursos do Fundo Partidário entre seus órgãos municipais ou zonais, estaduais e nacional;

IV – firmem os critérios para a criação e a manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, estabelecendo qual órgão de direção partidária será responsável pela aplicação do limite mínimo de vinte por cento do total do Fundo Partidário recebido (Lei n. 9.096/95, art. 44, inciso IV); e

V – vedem a contabilização de qualquer recebimento ou dispêndio referente ao instituto ou fundação, de que trata o inciso anterior, os quais prestarão suas contas ao órgão do Ministério Público responsável pela fiscalização das fundações e dos institutos.

Interessa à própria democracia o amadurecimento jurídico e institucional dos partidos políticos. Como instituições que postulam a ocupação de cargos que exigem conhecimento técnico contábil, ainda que mínimo, devem demonstrar profissionalismo e envidar esforços para que suas prestações de contas observem as exigências legais próprias. Para isso, o ordenamento jurídico autoriza expressamente que o partido político estabeleça mecanismos ou meios para arrecadação de recursos de seus filiados, como podem promover arrecadação de recursos junto a pessoas físicas ou privadas, desde que para custeio de atividades próprias à natureza dos partidos políticos. No momento atual, aliás, é praticamente impossível ao partido político sobreviver sem a arrecadação de recursos, ainda que para custeio das atividades mínimas necessárias para prestarem contas à Justiça Eleitoral.

Note-se que os arts. 3º e 13 da Resolução TSE n. 21.841/2004 exigem, além do custeio de profissional de contabilidade, que o partido ainda registre todos os bens e serviços estimáveis em dinheiro recebidos em doação, o que torna praticamente impossível a existência de uma prestação de contas anual totalmente zerada, ou seja, que não registre o recebimento de algum tipo de doação recebida pelo partido político, estimável ou em dinheiro, utilizados na sua manutenção e funcionamento. Sobre o tema, confira o que dispõem os arts. 3º e 13 da Resolução TSE n. 21.841/2004:

Art. 3º Constituem obrigações dos partidos políticos, pelos seus órgãos municipais ou zonais, estaduais e nacional (Lei n. 9.096/95, art. 30):

I – manter escrituração contábil, sob responsabilidade de profissional habilitado em contabilidade, de forma a permitir a aferição da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas, bem como a aferição de sua situação patrimonial;

II – prestar contas à Justiça Eleitoral referentes ao exercício findo, até 30 de abril do ano seguinte (Lei n. 9.096/95, art. 32, caput); e

III – remeter à Justiça Eleitoral, nos anos em que ocorrerem eleições, na forma estabelecida no art. 17 desta Resolução, balancetes de verificação referentes ao período de junho a dezembro, de acordo com o Plano de Contas das agremiações partidárias (Lei n. 9.096/95, art. 32, § 3º).

Art. 13. As direções nacional, estadual e municipal ou zonal dos partidos políticos devem apresentar a prestação de contas anual até o dia 30 de abril do ano subsequente ao órgão competente da Justiça Eleitoral (Lei n. 9.096/95, art. 32, caput).

Parágrafo único. O não recebimento de recursos financeiros em espécie por si só não justifica a apresentação de prestação de contas sem movimento, devendo o partido registrar todos os bens e serviços estimáveis em dinheiro recebidos em doação, utilizados em sua manutenção e funcionamento.

Em Santa Catarina, o egrégio Tribunal Regional Eleitoral tem sido extremamente rigoroso e somente em hipóteses extremamente particulares aceitou a apresentação de prestação de contas sem o registro de movimentação. A regra, todavia, tem sido a desaprovação da prestação de contas sem registro de movimentação financeira (em espécie ou estimável em dinheiro). Neste sentido, seleciona-se o seguinte julgado do TRE/SC:

RECURSO – PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL DE PARTIDO POLÍTICO – DIRETÓRIO MUNICIPAL – REJEIÇÃO – NÃO APRESENTAÇÃO DAS CONTAS – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – INÉRCIA QUE IMPEDE A FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS PELA JUSTIÇA ELEITORAL – CONTAS QUE SE CONSIDERA NÃO PRESTADAS – SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO ENQUANTO DURAR A OMISSÃO – PROVIMENTO PARCIAL.

A ausência de movimentação financeira não é obstáculo para a apresentação da documentação exigida pela Resolução TSE n. 21.841/2004 e pela Lei n. 9.096/1995, devendo ser suspenso, até sanada a omissão, o repasse de novas cotas do fundo partidário (art. 28, III, da Res. TSE n. 21.841/2004).2

Apesar das críticas contrárias, o julgamento em destaque reflete o entendimento firmado pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, no sentido de que “não é crível que a agremiação não tenha efetuado nenhuma despesa ou mesmo se utilizado de algum bem estimável em dinheiro para realizar seus objetivos durante o exercício [...]”. Daí a conclusão do acórdão destacado: “Portanto, não há justificativa para não apresentação da contabilidade referente ao ano de 2004, que requer a entrega da documentação obrigatória prevista no art. 14 da Resolução TSE n. 21.841/2004”.

Talvez as resistências dos partidos políticos quanto à necessidade de observar essas regras decorra de um entendimento antigo ou primitivo de que a política é realizada apenas com lápis e papéis para anotação de teses ideológicas. Os tempos, contudo, evoluíram e a política, se não foi responsável por toda esta evolução, acompanhou as mudanças ocorridas nos últimos tempos, sobretudo no que se refere à incorporação de novas tecnologias, como os sistemas de informática que cooperam fundamentalmente para o funcionamento dos partidos políticos e assim também para o funcionamento de qualquer instituição ou estabelecimento, seja público ou privado.

Dessa forma, se tornou obrigatório para o partido político a utilização de equipamentos de computação para a realização de sua contabilidade, como também depende da internet para acessar inúmeros formulários ou informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral diretamente na rede mundial de computadores, através do site do Tribunal: <www.tse.gov.br>.

Contudo, nenhuma obrigação gera tanta controvérsia quanto a que diz respeito à obrigatoriedade do partido político de proceder à abertura de conta bancária. Para análise deste dever é importante reproduzir o teor do art. 14, e seus incisos, da Resolução TSE n. 21.841/2004, porque somente nesta resolução é que referida obrigação consta expressamente prevista. Veja-se:

Art. 14. A prestação de contas anual a que se refere o art. 13 deve ser composta pelas seguintes peças e documentos (Lei n. 9.096/95, art. 32, § 1º):

I – demonstrações contábeis exigidas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração do resultado;

c) demonstração de lucros ou prejuízos acumulados;

d) demonstração das mutações do patrimônio líquido; e

e) demonstração das origens e aplicações dos recursos;

II – peças complementares decorrentes da Lei n. 9.096/95:

a) demonstrativo de receitas e despesas, com distinção entre a aplicação de recursos do Fundo Partidário e a realizada com outros recursos;

b) demonstrativo de obrigações a pagar;

c) demonstrativo dos recursos do Fundo Partidário distribuídos aos órgãos estaduais, no caso de prestação de contas da direção nacional do partido;

d) demonstrativo dos recursos do Fundo Partidário distribuídos aos órgãos municipais ou zonais, no caso de prestação de contas de direção estadual do partido;

e) demonstrativo dos recursos do Fundo Partidário distribuídos a candidatos, quando a prestação de contas se referir a ano em que houver eleição;

f) demonstrativo de doações recebidas;

g) demonstrativo de contribuições recebidas;

h) demonstrativo de sobras de campanha;

i) demonstrativo das transferências financeiras intrapartidárias recebidas;

j) demonstrativo das transferências financeiras intrapartidárias efetuadas;

k) parecer da Comissão Executiva/Provisória ou do Conselho Fiscal, se houver, aprovando ou não as contas;

l) relação das contas bancárias abertas, indicando número, banco e agência com o respectivo endereço, bem como identificação daquela destinada exclusivamente à movimentação dos recursos do Fundo Partidário e da(s) destinada(s) à movimentação dos demais recursos; [grifo nosso]

m) conciliação bancária, caso existam débitos ou créditos que não tenham constado do extrato bancário na data da sua emissão;

n) extratos bancários consolidados e definitivos das contas referidas no inciso anterior, do período integral do exercício ao qual se refere à prestação de contas;

o) documentos fiscais, originais ou cópias autenticadas, que comprovam as despesas de caráter eleitoral; e

p) livros Diário e Razão, conforme o disposto no parágrafo único do art. 11 desta Resolução.

Parágrafo único. As peças de que trata o inciso I devem conter, além das assinaturas do presidente do partido e do tesoureiro, previstas nesta Resolução, a assinatura de profissional legalmente habilitado, com indicação de sua categoria profissional e de seu registro perante o Conselho Regional de Contabilidade.

A ressalva prevista na alínea “p” do inciso II do art. 14 da Resolução TSE n. 21.841/2004 diz respeito à necessidade de que o livro “Diário do partido político” seja devidamente autenticado no ofício civil local, consoante disposto no parágrafo único do art. 11 da mesma Resolução.

De outra parte, a legislação exige que os partidos políticos procedam à abertura de conta bancária porque é a única forma ou, então, a mais fácil para permitir que seja exercida a fiscalização das receitas e despesas, enfim, a movimentação financeira dos partidos políticos. Apesar dos descontentamentos, não só os partidos políticos como quaisquer instituições, a exemplo das associações, instituições civis e demais pessoas jurídicas estão também sujeitas a idênticas obrigações contábeis e/ou financeiras, inclusive de manterem conta bancária para movimentação de seus recursos.

Recentemente o egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina reafirmou a necessidade de abertura de conta bancária pelos partidos políticos, quando analisou que a falta de apresentação dos extratos bancários constitui irregularidade insanável e que enseja, como regra geral, a desaprovação da prestação de contas do partido político que não apresente a relação das contas bancárias abertas, acompanhado dos extratos bancários de todo o período do exercício fiscal a qual se refere à prestação de contas, consoante o art. 14, inciso II, alíneas “l” e “n”, da Resolução TSE n. 21.841/2004. Sobre o assunto, tem sido decidido pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina – TRE/SC:

O partido informou que no exercício de 2007 não teria procedido à abertura de conta bancária – “seja de recursos próprios ou do Fundo Partidário” (fl. 3) –, uma vez que se encontrava com seu CNPJ inativo junto à Receita Federal e, além disso, que não teria arrecadado recursos e recebido valores do Fundo Partidário no citado exercício, motivo pelo qual não possuiria valores movimentados.

No entanto, em consonância com as leis que regem a matéria, as contas anuais devem ser apresentadas na sua forma contábil, sendo, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 21.841, de 22.6.2004, indispensável à apresentação do comprovante de abertura de conta bancária [...].

A exigência de abertura de conta bancária, conforme o disposto no artigo supracitado, é manifesta, constituindo elemento essencial no exame da regularidade e transparência da movimentação anual dos recursos pelos partidos políticos, ou seja, a exigência tem a finalidade de documentar a movimentação financeira em determinado período.3

É difícil mensurar se na prática a manutenção de uma conta bancária pode acarretar dificuldades para o funcionamento de um partido político, sobretudo daqueles diretórios municipais localizados em municípios cuja população não ultrapassa, por exemplo, os 20 mil habitantes. No futuro, esta questão precisará ser examinada com maior especificidade pelos legisladores e magistrados da Justiça Eleitoral e Tribunais Superiores, porque a falta de recursos financeiros não poderia impedir o funcionamento de determinado partido político, cuja existência é expressamente assegurada pela Constituição Federal (arts. 17 e 18) e não pode ser condicionada ou limitada à necessidade de arrecadação de recursos para pagamento de taxas bancárias, já que referidos serviços não são gratuitos para os partidos políticos.

No momento, entretanto, essa discussão perdeu relevância e se um partido político desejar que sua prestação de contas anual seja aprovada ele precisará, inevitavelmente, ser auxiliado por contador habilitado, informar a relação das contas bancárias abertas e, ainda, apresentar toda a documentação exigida pela Lei n. 9.096/1995 e pela Resolução TSE n. 21.841/2004, sob pena de desaprovação da prestação de contas e imposição de sanções que serão examinadas nos capítulos seguintes.

4 Das regras para a utilização de recursos do fundo partidário

Antes de se examinar as sanções previstas pela legislação eleitoral para os casos de desaprovação das contas anuais do partido político, importa conhecer algumas regras previstas para a utilização de recursos do Fundo Partidário, exigíveis dos diretórios estaduais ou municipais que recebam recursos financeiros desta natureza ou origem.

Por se tratar de recursos de natureza pública, a Lei n. 9.096/1995 exige o atendimento de inúmeras obrigações contábeis, de modo a garantir que os recursos oriundos do Fundo Partidário sejam utilizados rigorosamente conforme previsto na legislação específica. Neste sentido, define o art. 44 da Lei n. 9.096/1995:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

I – na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado neste último caso o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do total recebido;

II – na propaganda doutrinária e política;

III – no alistamento e campanhas eleitorais;

IV – na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido.

V – na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.

§ 1º Na prestação de contas dos órgãos de direção partidária de qualquer nível devem ser discriminadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, de modo a permitir o controle da Justiça Eleitoral sobre o cumprimento do disposto nos incisos I e IV deste artigo.

§ 2º A Justiça Eleitoral pode, a qualquer tempo, investigar sobre a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário.

§ 3º Os recursos de que trata este artigo não estão sujeitos ao regime da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993.

§ 4º Não se incluem no cômputo do percentual previsto no inciso I deste artigo encargos e tributos de qualquer natureza.

§ 5º O partido que não cumprir o disposto no inciso V do caput deste artigo deverá, no ano subsequente, acrescer o percentual de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) do Fundo Partidário para essa destinação, ficando impedido de utilizá-lo para finalidade diversa.

Além destas exigências, a utilização de recursos do Fundo Partidário ainda impõe que sejam observadas outras regras, mais voltadas para a forma de movimentação destes recursos financeiros. Assim, a legislação exige que os depósitos e movimentações dos recursos provenientes do Fundo Partidário sejam realizados em estabelecimentos bancários controlados pelo Poder Público Federal, pelo Poder Público Estadual ou, inexistindo estes, no banco escolhido pelo órgão diretivo do partido, a teor do disposto no art. 43 da Lei n. 9.096/1995.

Da Lei n. 9.096/1995 ainda é importante destacar que, na forma do seu art. 39, “o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos”, doações estas que precisão, obrigatoriamente, ser lançadas na contabilidade do diretório partidário beneficiado. Reservadas as dificuldades práticas para a instituição de uma política de captação ou arrecadação de recursos financeiros, convém reafirmar que a legislação de regência autoriza expressamente que os partidos políticos promovam arrecadação de recursos para o custeio de seus funcionamentos e outras necessidades financeiras do partido político. Finalmente, registre-se que as doações em recursos financeiros recebidas pelo partido político devem ser efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político, ou por meio de depósito bancário diretamente na conta do partido político (art. 39, § 3º, da Lei n. 9.096/1995).

No que se refere a essa obrigação, devem os partidos políticos estar atentos para a imposição de depositar em conta bancária os recursos financeiros em espécie recebidos como forma de doação ou contribuição partidária, sob pena de restar caracterizada movimentação paralela de recursos, cuja consequência é a desaprovação das contas anuais do partido político, sem prejuízo de outras sanções.

Demais regras pertinentes à utilização dos recursos do Fundo Partidário estão definidas na Resolução TSE n. 21.841/2004 que, apesar de não divergirem das normas antes analisadas, exigem exame em particular porque constituem desdobramentos da Lei n. 9.096/1995 que, se não forem observadas pelo partido político, seguramente conduzirão à desaprovação das contas da agremiação partidária, com sérios prejuízos para os agentes partidários e para o partido político, pois podem ser forçados ao ressarcimento dos valores provenientes do Fundo Partidário utilizados de modo irregular.

É assim, por exemplo, que a Resolução TSE n. 21.841/2004, por seu art. 4º, exige que o partido político mantenha “[...] contas bancárias distintas para movimentar os recursos do Fundo Partidário e os de outra natureza”. Em outras palavras, os recursos do Fundo Partidário devem ser depositados em uma conta bancária específica, ao passo que os recursos de outra natureza ou origem devem ser depositados em conta bancária diversa daquela utilizada para o depósito dos recursos originários do Fundo Partidário. Além desta separação de contas bancárias, a Resolução TSE n. 21.841/2004 disciplina categoricamente como deve ser realizada a comprovação das despesas ou gastos realizados com recursos oriundos do Fundo Partidário, previamente depositados em conta bancária específica.

Sobre a matéria, dispõem os arts. 9º e 10 da Resolução TSE n. 21.841/2004:

Art. 9º A comprovação das despesas deve ser realizada pelos documentos abaixo indicados, originais ou cópias autenticadas, emitidos em nome do partido político, sem emendas ou rasuras, referentes ao exercício em exame e discriminados por natureza do serviço prestado ou do material adquirido:

I – documentos fiscais emitidos segundo a legislação vigente, quando se tratar de bens e serviços adquiridos de pessoa física ou jurídica; e

II – recibos, contendo nome legível, endereço, CPF ou CNPJ do emitente, natureza do serviço prestado, data de emissão e valor, caso a legislação competente dispense a emissão de documento fiscal.

Art. 10. As despesas partidárias devem ser realizadas por cheques nominativos ou por crédito bancário identificado, à exceção daquelas cujos valores estejam situados abaixo do teto fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral, as quais podem ser realizadas em dinheiro, observado, em qualquer caso, o trânsito prévio desses recursos em conta bancária.

Apesar do rigor, não é difícil para os dirigentes partidários ou gestores de recursos do Fundo Partidário seguirem à risca essas disposições, porque viabilizam melhor controle pela Justiça Eleitoral e dão transparência para a utilização de recursos públicos pelo órgão partidário. Para o partido político que administra recursos do Fundo Partidário, é preferível a realização de gastos ou despesas que sejam acompanhadas da emissão de documento fiscal oficial, porque simples recibos de pagamentos não têm sido considerados como documentos hábeis para a comprovação de despesas com fornecedores, pessoas jurídicas, entre outras despesas que precisam estar comprovadas por meio de documentos fiscais oficiais.

Desse modo, se determinado serviço ou produto puder ser prestado por pessoa física ou jurídica que emita nota fiscal, ainda que o concorrente ofereça preço mais barato, por experiência se recomenda a contratação daquele fornecedor de serviço ou produto que emita nota fiscal, porque a sanção para a não comprovação regular de gastos com recursos do Fundo Partidário é bastante severa para o dirigente partidário faltoso.

A respeito do tema, o TRE/SC já teve oportunidade de decidir:

PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2005 - DESPESAS PAGAS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO SEM COMPROVAÇÃO POR DOCUMENTOS HÁBEIS - IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR A ORIGEM E DESTINAÇÃO DE RECURSOS - DESAPROVAÇÃO - DETERMINAÇÃO DE RECOMPOSIÇÃO DO ERÁRIO - SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO.

A legislação exige que a comprovação de despesas pagas com recursos do Fundo Partidário se dê: a) por documentos fiscais quando se tratar de bens e serviços; ou b) por recibos, contendo nome legível, endereço, CPF ou CNPJ do emitente, natureza do serviço prestado, data de emissão e valor, caso a legislação dispense a emissão de documento fiscal. Além disso, todos os documentos deverão ser ‘originais, ou cópias autenticadas, emitidos sem emendas ou rasuras, referentes ao exercício em exame e discriminados por natureza do serviço prestado ou do material adquirido’ (Res. TSE n. 21.841/2004, art. 9º).

Caso o total de gastos com recursos do Fundo Partidário sem regular comprovação documental seja expressivo, impõe-se a desaprovação das contas, com a suspensão de nova cotas e a obrigação de ressarcimento ao erário (art. 25 da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 34 da Res. TSE n. 21.841/2004).4

Sem dúvida, a compreensão dessas exigências é fundamental pelos partidos políticos, em razão das sanções previstas para a comprovação irregular dos gastos efetuados com recursos do Fundo Partidário, como antecipou o texto da parte final do acórdão destacado acima. Realmente, não se tratam de exigências impertinentes ou desprovidas de sentido, mas sim de regras cuja observância é obrigatória ou indispensável para o partido político beneficiário desses recursos de natureza pública, já que seu desatendimento implicará na obrigação do partido político ou de seus dirigentes de ressarcir ao erário os valores irregularmente utilizados em determinado exercício fiscal pela agremiação partidária.

5 Sanções previstas pela legislação em vigor

Como é evidente, a apresentação da prestação de contas anual pelos partidos políticos conduz a um julgamento pela Justiça Eleitoral. Nos termos do art. 27 da Resolução TSE n. 21.841/2004, as prestações de contas anuais dos partidos políticos devem ser julgadas pela Justiça Eleitoral como:

I – aprovadas, quando regulares;

II – aprovadas com ressalvas, quando constatadas falhas que, examinadas em conjunto, não comprometam a regularidade das contas; e

III – desaprovadas, quando constatadas falhas que, examinadas em conjunto, comprometam a regularidade das contas.

A respeito da competência para julgamento e aplicação de sanções, registre-se que, consoante a legislação de regência, compete aos juízes das Zonas Eleitorais dos municípios julgarem as prestações de contas dos diretórios municipais dos partidos políticos. Aos juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais compete julgar as prestações de contas anuais dos diretórios estaduais dos partidos políticos, sendo, por fim, da competência do Tribunal Superior Eleitoral o julgamento das prestações de contas anuais dos diretórios nacionais dos partidos políticos.

É interessante perceber, nesse contexto, que mesmo nos casos em que os partidos políticos não apresentam as suas prestações de contas à Justiça Eleitoral, ainda assim ocorre espécie de julgamento com aplicação de sanção pela Justiça Eleitoral ao partido político faltoso. Neste sentido, dispõem o art. 37 da Lei n. 9.096/1995 e o art. 18 da Resolução n. 21.841/2004, respectivamente:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

Art. 18. A falta de apresentação da prestação de contas anual implica a suspensão automática do Fundo Partidário do respectivo órgão partidário, independente de provocação e de decisão, e sujeita os responsáveis às penas da lei.

Após a aprovação da Lei n. 12.034, de 26 de setembro de 2009, as sanções previstas na Lei n. 9.096/1995 sofreram alterações. Com a aprovação daquela legislação as sanções passaram a ser aplicadas com maior razoabilidade pela Justiça Eleitoral. Isto porque, as penas que antes eram aplicadas pelo prazo mínimo de 1 (um) ano, puderam ser fixadas pelo período mínimo de 1 (um) mês. Depois, restou definitivamente estabelecido que os julgamentos das prestações de contas anuais constituem típicos processos judiciais, ou seja, possuem caráter jurisdicional, ao contrário do entendimento da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral que defendia o caráter administrativo das decisões de julgamento das prestações de contas dos partidos políticos.

Sobre a matéria, prevêem os parágrafos 3º, 4º e 5º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995:

§ 3º A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação.

§ 4º Da decisão que desaprovar total ou parcialmente a prestação de contas dos órgãos partidários caberá recurso para os Tribunais Regionais Eleitorais ou para o Tribunal Superior Eleitoral, conforme o caso, o qual deverá ser recebido com efeito suspensivo.

§ 5º As prestações de contas desaprovadas pelos Tribunais Regionais e pelo Tribunal Superior poderão ser revistas para fins de aplicação proporcional da sanção aplicada, mediante requerimento ofertado nos autos da prestação de contas.

Outras sanções ainda são previstas pela legislação em questão para as hipóteses de recebimento de recursos de fontes não identificadas, proibidas ou vedadas, a exemplo das sanções previstas nos incisos I e II do art. 28 da Resolução TSE n. 21.841/2004:

I – no caso de utilização de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso, com perda, o recebimento de novas cotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II – no caso de recebimento de recursos de fontes vedadas, previstas no art. 5º desta Resolução, com a ressalva do parágrafo único, fica suspensa, com perda das cotas, a participação do partido no Fundo Partidário por um ano, sujeitando-se, ainda, ao recolhimento dos recursos recebidos indevidamente ao Fundo Partidário.

Por fim, registre-se que a pena de suspensão, com perda, de novas cotas do Fundo Partidário deve ser aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pelas irregularidades verificadas pela Justiça Eleitoral e que ensejaram a desaprovação da prestação de contas do partido político, consoante previsão do parágrafo único da Resolução TSE n. 21.841/2004, em semelhança ao que dispõe o art. 37, § 2º, da Lei n. 9.096/1995. Desse modo, os partidos políticos precisam estar mais atentos para este compromisso legal, pois não interessa ao partido político e seus filiados que sua contabilidade seja desaprovada, em razão das consequências negativas e prejudiciais à imagem e seriedade do partido político envolvido.

6 Da tomada de contas especial

Como visto, na hipótese do partido político não conseguir comprovar com suficiência os gastos realizados com recursos oriundos do Fundo Partidário, poderá haver a condenação do partido político ou de seus dirigentes para ressarcirem aos cofres públicos os valores utilizados do Fundo Partidário cuja comprovação não foi admitida pela Justiça Eleitoral. Assim, neste capítulo serão examinadas as hipóteses em que são cabíveis referidas sanções, bem como a forma procedimental prevista em lei para forçar o partido político ou seus dirigentes a ressarcir aos cofres públicos os valores utilizados do Fundo Partidário carentes de comprovação regular.

Destarte, são basicamente duas as hipóteses em que há necessidade de ressarcimento ao erário dos valores utilizados do Fundo Partidário sem regular comprovação. A primeira, diz respeito à omissão no dever de prestar contas, caso em que todo o valor dos recursos recebidos do Fundo Partidário precisarão ser ressarcidos ao erário, conforme preceitua o art. 34, e seus parágrafos, da Resolução TSE n. 21.841/2004:

Art. 34. Diante da omissão no dever de prestar contas ou de irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário, o juiz eleitoral ou o presidente do Tribunal Eleitoral, conforme o caso, por meio de notificação, assinará prazo improrrogável de 60 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão que considerou as contas desaprovadas ou não prestadas, para que o partido providencie o recolhimento integral ao erário dos valores referentes ao Fundo Partidário dos quais não tenha prestado contas ou do montante cuja aplicação tenha sido julgada irregular.

§ 1º À falta do recolhimento de que trata o caput, os dirigentes partidários responsáveis pelas contas em exame são notificados para, em igual prazo, proceder ao recolhimento.

§ 2º Caso se verifique a recomposição do erário dentro do prazo previsto no caput, sem culpa do agente, o juiz eleitoral ou o presidente do Tribunal Eleitoral poderá deliberar pela dispensa da instauração da tomada de contas especial ou pela sustação do seu prosseguimento.

A segunda hipótese de aplicação da sanção de ressarcimento ao erário, por sua vez, decorre do julgamento que considera que os gastos ou despesas custeadas com recursos do Fundo Partidário não foram realizadas conforme prescrito em lei, ou seja, não foram regularmente comprovadas com documentos fiscais hábeis. Nesse caso, a quantia a ser devolvida é registrada ou fixada na própria ocasião do julgamento de desaprovação das contas anuais do partido político, que terá o prazo de 60 (sessenta) dias para proceder à devolução destes valores, contado do trânsito em julgado da decisão que desaprova a prestação de contas do partido político.

De acordo com a legislação eleitoral, é importante diferenciar que referida obrigação ou dever de devolução, inicialmente, é exigida da agremiação partidária responsável que, inerte quanto ao dever de ressarcir o erário, autoriza que aqueles valores sejam exigidos dos dirigentes partidários que, à época, administravam referidos recursos de origem pública. Este procedimento de cobrança destes valores públicos utilizados de modo irregular é denominando de Tomada de Contas Especial, e se desenvolve conforme disposto no art. 35, e seus parágrafos, da Resolução TSE n. 21.841/2004:

Art. 35. Findo o prazo fixado no caput do art. 34 e não tendo o partido ou os seus dirigentes promovido a recomposição do erário, o juiz eleitoral ou o presidente do Tribunal Eleitoral, conforme o caso, deverá, desde logo, determinar a instauração de tomada de contas especial, visando à apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, dando ciência da medida tomada à direção partidária nacional, estadual ou municipal ou zonal (Resolução TSE n. 20.982/2002 e § 2º do art. 1º da IN TCU n. 35/00).

§ 1º A tomada de contas especial será instaurada contra os responsáveis pelas contas do partido quando não for comprovada a aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou por sua aplicação irregular.

§ 2º Após a notificação dos responsáveis pelas contas do partido da instauração da tomada de contas especial e da consequente fixação de prazo para defesa, o juiz eleitoral ou o presidente do Tribunal Eleitoral deverá designar servidor para atuar como tomador de contas, que ficará encarregado da instrução do processo nos termos dos incisos I a VI do art. 36 desta Resolução.

§ 3º Sob pena de nulidade da tomada de contas especial, aplicam-se ao tomador de contas, no que couber, os impedimentos e suspensões previstos nos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil.

Outros dispositivos legais também regulam a tramitação da tomada de contas especial. A respeito da tomada de contas especial, que a princípio pode causar estranheza para muitos dirigentes partidários, é possível esclarecer que se trata de procedimento jurisdicional-administrativo destinado à apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano a ser ressarcido ao erário. Na prática, constitui quase que um novo julgamento dos atos contábeis praticados pelos partidos políticos ou seus dirigentes, que apesar de condenados no âmbito da Justiça Eleitoral, podem vir a ser isentados de responsabilidade quanto aos fatos novamente submetidos a julgamento pelo Tribunal de Contas da União.

Por se tratar de recursos públicos federais, o julgamento dos atos que envolveram a utilização de recursos do Fundo Partidário é realizado no âmbito do TCU, por expressa competência constitucional e infraconstitucional. Contudo, na forma do disposto no § 2º do art. 35 da Resolução TSE n. 21.841/2004, referido julgamento se inicia no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Estado respectivo, que determina a notificação dos responsáveis para apresentar defesa no prazo fixado pelo Tribunal Eleitoral. Apresentada ou não defesa pelos interessados, e após a adoção das providências previstas no art. 36 da Resolução n. 21.841/2004, que estabelece regras de procedimento e tramitação da tomada de contas especial, os autos deste processo devem ser encaminhados ao TCU, para julgamento definitivo e aplicação das sanções previstas na legislação de regência.

Sobre a matéria, prescreve o art. 38 da Resolução TSE n. 21.841/2004: “Encerrada a tomada de contas especial, qualquer que seja o valor do débito apurado, o juiz eleitoral ou o presidente do Tribunal Eleitoral deve enviar os respectivos autos ao TCU para fins de julgamento (Lei n. 8.443/1992, art. 8º, § 2º).”

No âmbito do Tribunal de Contas da União, de acordo com o art. 15 da Lei n. 8.443/1992, as contas deverão ser julgadas como regulares, regulares com ressalva, ou irregulares. Sendo julgadas como irregulares, o TCU condenará os responsáveis, havendo débito, ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, sem prejuízo de aplicação de multa pelo TCU, “[...] sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução”, conforme prescreve o art. 19 da Lei n. 8.443/1992. Por fim, registre-se que, na forma do art. 24 da Lei n. 8.443/1992, “a decisão do Tribunal, de que resulte imputação de débito ou cominação de multa, torna a dívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo [...]”, que autoriza cobrança mediante ingresso de ação judicial própria, seja pelo Ministério Público junto ao TCU, ou pelo próprio Ministério Público Federal ou outro órgão competente, conforme a regra de competência e de organização judiciária aplicável à matéria.

Em razão da gravidade do processo de tomada de contas especial, portanto, exige-se que seja dispensada especial atenção pelos partidos políticos para as disposições da Lei n. 9.096/1995 e da Resolução TSE n. 21.841/2004, que, em conjunto, estabelecem normas sobre finanças, contabilidade e prestação de contas dos partidos políticos.

7 Conclusão

Ao longo deste estudo se procurou destacar determinados aspectos legais e processuais aplicáveis aos partidos políticos, sobretudo no que respeita aos seus atos financeiros, contábeis e de prestação de contas anual para a Justiça Eleitoral. Neste propósito, foi preciso delimitar os aspectos doutrinários mais interessantes para a compreensão do dever anual de prestação de contas à Justiça Eleitoral, no caso, pelos partidos políticos. Não se teve intenção de esgotar as análises acerca desta matéria que, reconhecidamente, precisa da colaboração científica e prática de mais (todos) profissionais da área jurídica, das ciências contábeis e demais interessados em geral.

Hoje, é possível inferir uma tendência irreversível da Justiça Eleitoral no sentido de aprimorar a aplicabilidade das normas previstas na Lei n. 9.096/1995 e na Resolução TSE n. 21.841/2004, enfim, as normas previstas no ordenamento jurídico eleitoral. Não existe mais possibilidade de se apresentar uma prestação de contas sem que os rigores da legislação sejam atendidos, porque os tempos são de profissionalização da política e do funcionamento dos partidos políticos. Não estamos diante de uma “cruzada” judicial contra os partidos políticos. Ao contrário, segue-se uma caminhada para a observância correta do ordenamento jurídico aplicável à espécie, como forma de adoção de uma postura madura, democrática e que seja conforme às leis em vigor no país.

Sem a compreensão dos benefícios de se respeitar a legislação, será difícil assegurar democracia plena e respeito à res pública.

8 Referências

BRASIL. Lei Ordinária n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 13 set. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. Acesso em: 21 mar. 2011.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.841, de 22 de junho de 2004. Diário de Justiça [da] República Federativa do Brasil, Poder Judiciário, Brasília, 11 ago. 2004. Disponível em; <http://www.tre-sc.gov.br/site/legislacao/normas-eleitorais/normas-partidarias/resolucao-tse-n-218412004/index.html>. Acesso em: 21 mar. 2011.

______. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão n. 23.998, Relatora Juíza Eliana Paggiarin Marinho, Florianópolis, SC, julgado em 16 set. 2009. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/legjurisp/acordaos/2009/23998_.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2011.

______. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão n. 25.268, Relator Juiz Rafael de Assis Horn, Florianópolis, SC, julgado em 23 ago. 2010. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/legjurisp/acordaos/2010/25268_.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2011.

______. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão n. 24.534, Relator Juiz Sérgio Torres Paladino, Florianópolis, SC, julgado em 31 maio 2010. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/legjurisp/acordaos/2010/24534_.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2011.

NOVE SIGLAS deixam de prestar contas. Diário Catarinense, Florianópolis, p. 10, 3 maio 2008.

SETE PARTIDOS de São José deixam de prestar as contas de 2008. Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional Eleitoral, Florianópolis, 30 nov. 2009. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/noticias/noticias-anteriores/lista-de-noticias-anteriores/noticia-anterior/arquivo/2009/novembro/artigos/sete-partidos-de-sao-jose-deixam-de-prestar-as-contas-de-2008/index.html>. Acesso em: 21 mar. 2011.

1 Acesso em 7.3.2011, por meio do link: www.tre-sc.gov.br/site/noticias/noticias-anteriores/lista-de-noticias-anteriores/noticia-anterior/arquivo/2009/novembro/artigos/sete-partidos-de-sao-jose-deixam-de-prestar-as-contas-de-2008/index.html.

2 TRE/SC. Acórdão n. 23.998. Relatora Juíza Eliana Paggiarin Marinho. Julgado em: 16 set. 2009.

3 TRE/SC. Acórdão n. 25.268. Rel. Juiz Rafael de Assis Horn. Julgado em: 23 de ago. 2010.

4 TRE/SC. Acórdão n. 24.534. Rel. Juiz Sérgio Torres Paladino. Julgado em: 31 de maio de 2010.

* Advogado. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina. É autor de outros artigos publicados em periódicos jurídicos, bem como na imprensa escrita e digital brasileira, com atuação na Justiça Eleitoral do Estado de Santa Catarina e Tribunal Superior Eleitoral desde o ano de 2006.

 

Publicado na RESENHA ELEITORAL, vol. 19, 2011.

 

 

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