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Da legitimidade ativa do eleitor para a ação de impugnação de mandato eletivo

Por: Alexandre Roberto Berenhauser / Edmar Sá

1 Introdução

A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), não estabeleceu, expressamente, diversos aspectos a ela relacionados, entre os quais a legitimidade para propô-la, o rito adequado a ser seguido em sua tramitação, seus prazos e os recursos cabíveis. Também ainda não foi editada, até o momento, nenhuma norma infraconstitucional que regulamente tal instituto previsto na Constituição Federal.

Diversos problemas decorrem da falta de definição desses aspectos por parte da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, como, por exemplo, se o eleitor teria a legitimidade ativa para intentar tal ação.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em algumas oportunidades, já se pronunciou em relação a esse tema, estabelecendo que o simples eleitor não possui legitimidade ativa para a AIME. Estaria a decisão do TSE correta ao restringir a legitimidade do eleitor onde o texto constitucional não o fez?

Este artigo tem o intuito de tratar da definição da legitimidade ativa, especificamente em relação ao eleitor, para a propositura da AIME, considerando a controvérsia a respeito e com o objetivo de contribuir para a fixação de um entendimento o mais justo possível, seja aceitando-o como parte ativa, seja excluindo-o do rol dos legitimados. Partiu-se da premissa de que ninguém pode ter seus direitos restringidos, senão em virtude de lei, pois é fundamental que todos possam exercer a cidadania em sua plenitude.

A primeira parte do trabalho aborda os aspectos conceituais da AIME, bem como o seu embasamento normativo. Já a segunda parte entra especificamente na legitimidade ativa do eleitor considerando os aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários que envolvem o tema.

2 Ação de impugnação de mandato eletivo

A AIME constitui um importante instrumento colocado à disposição dos legitimados para coibir os abusos praticados durante as campanhas eleitorais, para que os governantes ou os parlamentares eleitos respeitem a vontade popular, o interesse público, enfim, para que o candidato chegue ao poder sem incorrer em nenhum tipo de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

2.1 Embasamento normativo

A AIME não foi uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988. Inicialmente, ela foi prevista nas Leis n. 7.493, de 17.6.1986, e n. 7.664, de 29.6.1988. Por fim, foi prevista constitucionalmente em 1988.

Na atual Constituição, a AIME está prevista no art. 14, §§ 10 e 11, os quais dispõem:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

Ressalta-se que o legislador federal ainda não regulamentou essa ação. Então, o TSE estabeleceu, pela Resolução n. 21.634/2004, em questão de ordem, que o rito ordinário a ser seguido é o previsto na Lei Complementar n. 64/1990 – referente à impugnação a registro de candidato –, e não aquele estabelecido no Código de Processo Civil.

2.2 Conceito

A AIME visa a impugnar o mandato eletivo conseguido por meio das condutas previstas na Constituição Federal, em seu art. 14, § 10. Deve ser proposta em até quinze dias, contados da data da diplomação. A Constituição silenciou quanto à legitimidade para a sua propositura.

Ela pode ser definida como uma ação constitucional, colocada à disposição dos legitimados, que tem por desiderato decisão de perda de mandato eletivo obtido por meio de comprovada prática de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (SOBREIRO NETO, 2000, p. 199).

O objetivo da ação é livrar o mandato eletivo de suspeitas, levantadas no meio social, de que a sua origem está eivada por práticas abusivas específicas, durante a campanha eleitoral (MOTA, 2002, p. 289).

Então, a AIME visa à garantia e à defesa dos interesses difusos do eleitor:

[...] que foram manipulados no exercício do voto, votando num processo eleitoral impregnado pela fraude, corrupção e abusos, onde o mandamento nuclear do voto como princípio fundamental da soberania popular e político constitucional, é nulo de pleno direito, conforme dispõe o art. 175, § 3º, do Código Eleitoral, porque, o responsável pelas práticas ilícitas, é considerado inelegível e, os votos atribuídos aos candidatos inelegíveis, são votos essencialmente nulos de pleno direito [RAMAYANA, 2004, p. 339-340].

Tal ação busca a tutela do interesse público no que diz respeito à garantia da moralidade para o exercício de mandato, ou seja, proteger a probidade administrativa e resguardar o direito público subjetivo a um governo honesto (MENDES, 1996, p. 332)

Constitui essa ação a última oportunidade para impedir que o candidato que cometeu abuso do poder econômico, corrupção ou fraude consiga exercer o mandato alcançado de forma irregular. Anteriormente ao seu prazo de propositura, podem ser ajuizados, ainda, a ação de investigação judicial eleitoral (prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990) e o recurso contra diplomação (previsto no art. 262 do Código Eleitoral).

Joel José Cândido (2004, p. 256) exemplifica os atos que podem ser coibidos pela ação de impugnação de mandato eletivo:

[...] abuso do poder econômico em qualquer fase do processo eleitoral, pouco importando se na propaganda ou no dia da eleição; corrupção causada por influência econômica ou corrupção moral; fraude como sinônimo de engodo, ardil, abuso de confiança, logro prejudicial, etc. Não se pode admitir que o legislador maior tenha querido punir um sentido e não tenha querido o outro. [Grifo nosso.]

Assim, o autor dá a interpretação mais abrangente possível aos atos que podem ser combatidos por meio dessa ação.

A AIME tem o objetivo de atacar o mandato eletivo e não a diplomação. Esta, com efeito, constitui-se somente numa solenidade em cuja data tem início o prazo para o ajuizamento da ação. Ressalta-se que, para atacar a diplomação, existe o recurso contra a diplomação, que deve ser interposto no prazo de três dias.

Em relação à competência para o seu julgamento, o juízo eleitoral que registrar e diplomar o réu será o competente para conhecer e julgar a AIME1.

3 Da legitimidade ativa do eleitor para a ação de impugnação de mandato eletivo

É pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o entendimento de que o Ministério Público Eleitoral, os partidos políticos, as coligações e os candidatos são legitimados ativos para propor a AIME.

Contudo, faz-se necessário o esclarecimento em relação ao eleitor. Teria ele o direito ou o interesse em ajuizar essa ação para garantir a lisura do processo eleitoral?

3.1 Aspectos legais

A Constituição Federal não traz expressamente o rol dos legitimados para a propositura da AIME, mas também não faz nenhuma ressalva ou proibição de pessoas ou órgãos para nela atuar como parte ativa. E também não existe lei infraconstitucional que regulamente a ação, definindo-lhe, pelo menos, o rito a ser seguido, nem quem pode ser seu autor, entre outros aspectos.

Considerando essa falta de previsão legal tanto na Constituição Federal como na legislação infraconstitucional, pode-se concluir que o eleitor não poderia ter cerceado o seu direito de impugnar o mandato eletivo por meio da AIME.

E, ainda, mesmo que existisse legislação infraconstitucional que trouxesse restrição à legitimidade ativa do eleitor, essa poderia ser considerada inconstitucional, pois, em vez de simplesmente regulamentar, estaria restringindo onde o constituinte não o fez.

Considerada somente a legislação, pode-se concluir que não existe vedação legal para que o eleitor atue como parte ativa na AIME.

Por esses motivos, não se deve concordar com o entendimento de que, por analogia, os legitimados ativamente para a AIME seriam os mesmos da ação de impugnação a pedido de registro de candidatura (AIRC).

3.2 Aspectos jurisprudenciais

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRESC), todavia, ao enfrentarem o tema, decidiram que, por ausência de previsão legal, o simples eleitor não possui legitimidade ativa para a propositura da AIME, conforme se pode observar nestes julgados:

“[...] AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO PROPOSTA POR ELEITOR – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990 – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

Na ausência de regramento próprio, são legitimadas para a interposição de ação de impugnação de mandato eletivo as figuras relacionadas no art. 22 da Lei de Inelegibilidade [...]”. [Ac. TRESC n. 20.432, de 8.3.2006, rel. Juiz Henry Petry Junior.]

“[...] Ação de impugnação de mandato. Legitimidade ativa. [...] – Na ausência de regramento próprio, esta Corte assentou que, tratando-se de ação de impugnação de mandato eletivo, são “legitimadas para a causa as figuras elencadas no art. 22 da Lei de Inelegibilidade” (Ag n. 1.863-SE, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 7.4.2000). [Ac. TSE n. 21.218, de 26.8.2003, Rel. Min. Peçanha Martins.]

[...] Ação de impugnação de mandado eletivo por simples eleitor. Impossibilidade. Precedentes do TSE. Recurso improvido.” [Ac. TSE n. 498, de 25.10.2001, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.]

[...] 1. Ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, § 11). Legitimidade ad causam (LC n. 64/1990, art. 22). Não têm legitimidade ad causam os apenas eleitores. Recurso conhecido e provido nesta parte. [...] [Ac. TSE n. 11.835, de 9.6.1994, Rel. Min. Torquato Jardim.]

Demonstra-se claramente, pelas decisões colacionadas, que tanto o TRESC como o TSE estão preenchendo a lacuna existente na Constituição de forma mais prejudicial ao eleitor, ou seja, retirando-lhe o direito de propor a ação.

Ademais, acredita-se que nenhum Tribunal – TSE ou tribunais regionais eleitorais –, a exemplo do legislador federal, detém competência para restringir o rol de legitimados para a propositura da ação por ausência de previsão constitucional.

Contudo, ao eleitor ainda existe a possibilidade de comunicar ou representar a qualquer dos legitimados, preferencialmente ao Ministério Público, notícia fundamentada de irregularidade para a Justiça Eleitoral, da mesma maneira que ocorre com a notícia de inelegibilidade. Para esse caso, o TSE estabeleceu, no art. 35 da Resolução n. 22.156/2006, que dispõe sobre a escolha e o registro dos candidatos para aquelas eleições, que “qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos poderá [...] dar notícia de inelegibilidade “.

Dessa forma, no mesmo prazo para a impugnação, qual seja, cinco dias a partir da publicação do edital de registro dos candidatos, poderá qualquer eleitor apresentar notícia fundamentada, que, embora possa ser dirigida diretamente ao órgão da Justiça Eleitoral, deve por ele ser encaminhada ao Ministério Público para que este decida se é ou não caso de impugnação.

Assim, ao se fazer a interpretação analógica, defendida por alguns autores, com a legitimidade para impugnação do registro de candidatura por meio da notícia de inelegibilidade, ver-se-ia a extensão também da legitimidade dos simples eleitores para propor a ação de impugnação de mandato eletivo.

3.3 Aspectos doutrinários

Na doutrina também existe divergência quanto à possibilidade de o eleitor ajuizar a AIME. Há diversos posicionamentos, dentre eles, com fundamento no interesse de agir, o de Tito Costa (2004, p. 178-179):

Partindo-se da regra geral do processo segundo a qual para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade, forçoso será concluir que, no caso da ação de impugnação de mandato eletivo, serão partes legítimas para propô-la, em princípio, o Ministério Público, os candidatos (eleitos ou não), os partidos políticos, ou qualquer eleitor, sem prejuízo de outras pessoas físicas, ou entidades como associações de classe, sindicatos, cujo interesse seja devidamente manifestado e comprovado e, assim, aceito pelo juiz da ação. [Grifos nossos.]

Em sentido oposto, em relação à legitimidade, Joel José Cândido (2004, p. 258), ao afirmar que o entendimento de Tito Costa é muito amplo, preleciona:

Para a propositura da ação ora em exame, não se deve dar a elasticidade sugerida pelo eminente Tito Costa que aceita o eleitor, associação de classe e sindicatos como partes legítimas para aforá-la. Essa amplitude não condiz com a dinâmica célere e específica do Direito Eleitoral; enfraquece os partidos políticos; dificulta a manutenção do segredo de justiça do processado, exigido pela Lei Maior, e propicia o ajuizamento de ações temerárias, políticas, e sem fundamento mais consistente, também não tolerado. [Grifos nossos.]

Contudo, Adriano Soares da Costa (2002, p. 567) acredita que a tese da legitimidade ativa restrita adotada por Joel José Cândido:

[...] tem o inconveniente de mondar a legitimidade dos eleitores, sem qualquer fundamento outro que não a legitimação para agir da AIRC e da AIJE. Ora, ao assim proceder, findou por limitar onde a Constituição foi liberal, subtraindo dos eleitores o interesse difuso de impugnar os mandatos eletivos obtidos fraudulentamente. A argumentação no sentido de que essa amplitude não condiz com a dinâmica célere e específica do Direito Eleitoral, enfraquecendo os partidos políticos e possibilitando ações temerárias, políticas e sem fundamento consistente, é algo que deve ser exprobrado, pois assenta em dois pressupostos de natureza bem pouco democrática: (a) o eleitor, ao exercer sua soberania popular, participando da vida política do país, estaria enfraquecendo os partidos políticos; e (b) os partidos políticos, como principais envolvidos no processo eleitoral, não ingressariam com ações políticas ou temerárias, sendo esse um mal apenas do eleitor, que teria razões pessoais e passionais para tanto. [Grifo nosso.]

Para justificar a sua teoria da legitimidade ativa restrita, Joel José Cândido (2004, p. 258) faz uma analogia à ação de impugnação a pedido de registro de candidatura:

[...] por que essa legitimidade processual ativa mais abrangente, nesta fase de obtenção do mandato, se ela é restrita na fase de obtenção da candidatura, com o processo de registro? Como na Ação de Impugnação a Pedido de Registro de Candidatura de mesma natureza jurídica, só que uma com carga mandamental impeditiva e, a outra, com carga mandamental desconstitutiva, são partes legítimas para propô-la o Ministério Público, os partidos políticos, as coligações e os candidatos, somente, eleitos ou não. Eventual interesse legítimo de terceiros estranhos a essas partes, materializado a ponto de ensejar uma demanda, pode ser canalizado a qualquer uma delas, por simples comunicação ou representação, acompanhada dos elementos de convicção da matéria de fato.

Corrobora esse entendimento Antônio Carlos Mendes (1996, p. 337):

Razões de ordem prática implicaram, talvez, a exclusão, pelo legislador, do eleitor como legitimado para impugnar o registro de candidato e argüir a inelegibilidade. Conseqüentemente e por analogia, a exemplo da construção pretoriana, é razoável o entendimento segundo o qual os critérios contidos no art. 3º e §§ 1º e 2º da Lei Complementar 64/90, são suficientes à identificação da legitimidade ad causam para efeitos da propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, ficando restrita essa legitimidade: a) ao candidato; b) aos partidos políticos e coligações; e c) ao Ministério Público Eleitoral.

Armando Sobreiro Neto (2000), em comentário acerca da analogia efetuada por Joel José Cândido em relação à legitimidade da ação de impugnação de registro de candidato, destaca:

[...] a Justiça Eleitoral culminou por admitir o rito processual estabelecido na Lei Complementar 64/90, mais precisamente o mesmo rito da Ação de Impugnação de Registro de Candidato – AIRC, ação esta que, consoante art. 3º, admite apenas legitimação ativa a candidato, partido, coligação ou Ministério Público. Não obstante a restrição relativa à AIRC, não há falar em limitação ao exercício da AIME, uma vez que,

- em se tratando de ação constitucional, somente se a própria Carta Magna houvesse limitado a legitimação ativa, poder-se-ia cogitar de restrição ou definição, como sucede, por exemplo, nos incs. LXX e LXXIII, ambos do art. 5º, da CF/88;

- mesmo que se pretenda, por analogia, aplicar a restrição de legitimação contida no art. 3º, da Lei Complementar 64/90, não poderia a norma infraconstitucional criar óbice ao exercício do direito de AIME, o que não é o caso.

Não obstante a opinião de Joel José Cândido, o entendimento de Armando Sobreiro Neto – que conseguiu resumir, de maneira brilhante, os motivos determinantes da não-equiparação dos legitimados da AIME aos da AIRC – coaduna-se melhor ao ordenamento jurídico atual.

Têm-se ainda, nessa mesma direção, os ensinamentos de Pedro Henrique Távora Niess (2000, p. 287):

[...] pensamos que, se não há nenhuma limitação específica de origem constitucional ou legal, deve prevalecer a possibilidade genérica que emerge da lei processual civil. As normas restritivas de direito não aceitam aplicação analógica com a ampliação do seu alcance: a legitimidade particularmente prevista para outras ações eleitorais não se impõe sobre a ação de impugnação de mandato eletivo. [Grifo nosso].

Faz-se necessária, também, a análise da questão da legitimidade ativa sob o ponto de vista de quem possui o interesse de agir. Para isso, basta simplesmente questionar quem deve possuir interesse num processo eleitoral justo, livre de vícios, tais como o abuso de poder econômico, a corrupção ou a fraude, enfim, interesse em ter um governo eleito de forma honesta.

Acredita-se que, em última análise, qualquer eleitor possui interesse, e, para corroborar esse entendimento argumenta o ex-Ministro do TSE Torquato Jardim (1998, p. 176):

Nesta ação o bem jurídico tutelado é de natureza coletiva, indivisível, do interesse de todos, para o qual irrelevante a vontade ou o interesse individual, qual seja, o sufrágio universal mediante voto direto e secreto, imune às manipulações e à influência do poder econômico sem o que, na preservação da Constituição, não se protegerá a normalidade e a legitimidade das eleições, nem se preservará o interesse público de lisura eleitoral”.

Comunga-se, também, da opinião de Pedro Henrique Távora Niess (2000, p. 287), para quem há extensão da legitimidade ativa para o eleitor:

[...] parece ter a vantagem de tornar mais vigilantes os partidos políticos, estimulando-os a uma fiscalização rigorosa da moralidade do pleito, para que não propiciem, com a inércia, a atuação que se lhe impõe, por tantos outros legitimados que aguardavam e provavelmente preferiam sua iniciativa.

Desse modo, retirar dos eleitores o direito de propor uma ação que visa a fiscalizar o processo eleitoral é ir contra o texto constitucional, que assim não o fez, e esvaziar a norma do art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, segundo a qual “todo poder emana do povo”, que o exerce, entre outros meios, pela ação popular e pela ação de impugnação de mandato eletivo.2

Alguns autores, como Adriano Soares da Costa (2002, p. 566), consideram que a Constituição Federal silenciou quanto à legitimidade ativa por reputar que todos os eleitores são partes legítimas para a impetração da AIME, criando, dessa forma, uma espécie de ação popular eleitoral.

Porém, em sentido contrário, temos os ensinamentos de Pedro Roberto Decomain (2004, p. 370), que defende que a ação popular, por estar prevista no art. 5º, LXXIII, e por destinar-se a “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”, tem objeto diferente da AIME. Enquanto que a ação popular “tem o objetivo de anular o próprio ato lesivo ao patrimônio público ou ofensivo à moralidade administrativa”, a AIME, embora possa ter por fundamento ato de corrupção com base no qual o mandato foi obtido, não visa anular o ato em si, mas sim, a cassar o mandato daquele que o obteve com auxílio de tal prática abusiva.

Por esses motivos, conclui o autor, que:

[...] a AIME não é ação popular, não estando legitimado, portanto, à respectiva propositura, qualquer cidadão. Legitimados serão apenas aqueles cuja situação eleitoral possa ser alterada pela cassação do mandato impugnado, assim como o Ministério Público.

Essa conclusão acerca dos limites para a legitimação ativa à propositura da ação de impugnação de mandato parece decorrer da regra do art. 22, inciso XV, da LC n. 64/1990, que a ela faz referência, em associação com o julgamento de procedência da representação para investigação de abuso de poder nas eleições, julgamento esse ocorrido depois do pleito. Como a legitimidade para a aludida representação restou circunscrita aos candidatos, partidos, coligações e Ministério Público, a legitimidade para a ação em referência também vem sendo circunscrita a eles.

Assim, observa-se a existência de posicionamentos divergentes na doutrina em relação à legitimidade ativa do eleitor para a propositura da AIME, sendo que alguns autores a defendem e outros não.

4 Considerações finais

A ação de impugnação de mandato eletivo ainda carece de lei que a regulamente, pois o texto constitucional não o fez. Então, não existe previsão expressa no ordenamento jurídico moderno sobre de quem pode atuar no pólo ativo dessa ação.

Em relação às decisões do TSE e do TRESC, verifica-se que ao eleitor não é dada oportunidade de ingressar com essa ação, ao argumento de que não existe previsão expressa para isso, e, por analogia, os julgadores têm aplicado o processamento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990 para a definição dos legitimados ativamente para a propositura dessa ação, ou seja, os candidatos, as coligações, os partidos políticos e o Ministério Público Eleitoral.

Ressalta-se que o eleitor que tiver conhecimento de irregularidade pode comunicar ou representar aos legitimados para a propositura da AIME – essa comunicação ou representação eqüivale à notícia de inelegibilidade no pedido de registro de candidato –, para que, se entenderem cabível, ajuízem a AIME. Percebe-se que, mesmo assim, ao eleitor é negado o direito de ingressar diretamente com a ação.

Contudo, tal “permissão” muito tem beneficiado na composição das casas legislativas, haja vista que diversos representantes eleitos foram declarados inelegíveis por provocação de eleitores independentes e preocupados com a lisura do Poder Legislativo, pura e simplesmente por lhes ter a jurisprudência permitido utilizar-se dessa comunicação ou representação. Deve-se salientar ainda que, muitas vezes, a independência e o distanciamento em relação às greis partidárias dão oportunidade ao eleitor de fiscalizar com maior zelo e destemidamente aqueles que oferecem seus nomes para as disputas dos embates políticos.

Pela ótica da doutrina, a legitimação do eleitor para a AIME encontra diversas correntes de pensamento, por exemplo, Joel José Cândido defende a sua ilegitimidade ativa, argumentando que ela prejudicaria a celeridade do processo eleitoral, dificultaria o segredo de justiça do processado e ainda facilitaria o ajuizamento de ações temerárias, políticas, e sem fundamento mais consistente.

Por outro lado, outras autoridades deste campo do Direito, tais como Antônio Tito Costa e Adriano Soares da Costa, entendem que o eleitor possui legitimidade para a propositura da AIME, e argumentam que a Constituição Federal não enumerou os legitimados, não cabendo, portanto, uma interpretação restritiva infraconstitucional.

Por derradeiro, e considerando as conclusões advindas deste artigo, a legitimidade do eleitor para atuar no pólo ativo da AIME configura um importante instrumento para o controle do processo eleitoral e, em última análise, dos Poderes do Estado, tendo como função primordial a preservação da democracia, da cidadania e da soberania.

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Notas

1 Entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência.

2 No mesmo sentido, NIESS, Pedro Henrique. Ação de impugnação de mandato eletivo, Edipro, p. 54-58.

Alexandre Roberto Berenhauser. Servidor do TRESC, bacharel em Direito/UFSC, especialista em Direito Eleitoral.

Edmar Sá. Servidor do TRESC, bacharel em Direito/Univali, especialista em Direito Eleitoral.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, vol. 15, 2008.

 

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