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Íntegra

Da conveniência e oportunidade do ensino do Direito Eleitoral

Por: Joel José Cândido

1 Introdução

Esta Exposição de Motivos foi elaborada com a finalidade de despertar a discussão da necessidade ou conveniência da inclusão do Direito Eleitoral como disciplina do currículo dos cursos de graduação em Direito, já insistentemente reclamada por muitos.

O Direito Eleitoral, como disciplina jurídica, não consta, até agora, dos currículos mínimos dos cursos jurídicos do país e, conseqüentemente, a matéria não é ensinada aos futuros profissionais do Direito. Salvo em algumas poucas entidades privadas de ensino e em raríssimas instituições governamentais, não existe a preocupação de se lecionar a disciplina ao aluno de Direito, tanto de graduação como de pós-graduação. Quando isso eventualmente ocorre, a matéria aparece como facultativa, ou a título de seminário, ora é tratada de modo esporádico, ora com caráter de meras palestras ou conferências, sem nenhuma seqüência a programa didático-pedagógico sistematizado, com embasamento científico, permanente e pré-elaborado.

A ordem jurídica se ressente, há muito, com a ausência do ensino-aprendizado do Direito Eleitoral como disciplina jurídica. Nem a nossa longa trajetória histórica em matéria eleitoral conseguiu despertar a idéia de se introduzir e praticar o Direito Eleitoral como disciplina dos currículos dos cursos jurídicos do país.

Vale recordar que no Brasil colonial não tivemos ordenamento jurídico eleitoral próprio, aplicando-se aqui os textos legais que vigoravam em Portugal. Nas diversas fases do Império, inobstante a edição de leis eleitorais já brasileiras, tampouco se pôde falar em um sistema eleitoral próprio. Foram textos diversos, tratando de assuntos variados, editados ao sabor das necessidades políticas daquela época e nos quais a característica constante era a mutabilidade, a improvisação e a diversificação dos assuntos. Nada permanente. Tudo era muito pouco ordenado como um sistema sólido de regras jurídicas estáveis. A doutrina nos ensina que assuntos como voto por procuração, qualificação de eleitores, incompatibilidades eleitorais, representação das minorias, voto do analfabeto, alistamento e eleições em distritos ou círculos, entre outros, foram assuntos tratados em leis esparsas, fora, portanto, de um sistema eleitoral único. Na primeira República, e ainda sob a influência do período imperial, não foi muito diferente: continuaram as leis esparsas sobre matéria eleitoral, como o fim do voto censitário, fiscalização eleitoral, apuração pelas mesas receptoras, criação de figuras penais eleitorais, previsão de inelegibilidades, alistamento permanente e controle do Poder Judiciário sobre assuntos eleitorais.

Foi a partir da década de 30 que passamos a ter, com o advento da codificação eleitoral, sob a ótica legislativa, um Direito Eleitoral sistematizado, permanente e próprio. O primeiro Código eleitoral foi editado em 1932. Em seguida, com o advento da Constituição de 1934, criou-se a Justiça Eleitoral, outro passo decisivo para o que seria uma "nova ordem eleitoral permanente". O segundo Código eleitoral entrou em vigor em 1935, adaptando os assuntos pertinentes à segunda Carta Magna republicana. Com o Estado Novo e seu sustentáculo jurídico, que foi a Carta de 1937, extinguiu-se a Justiça Eleitoral, e o período que se seguiria até a Constituição democrática de 1946 foi de quase absoluto arrefecimento dos institutos próprios do Direito eleitoral. Com a Constituição de 1946 e a volta da Justiça Eleitoral dentro do Poder Judiciário, veio o Código eleitoral de 1950 como a principal lei eleitoral do país. Em 1965, foi ele substituído pelo atual Código eleitoral (Lei n. 4.737, de 15/07/65) - o quarto editado - que, embora sensivelmente derrogado, permanece em vigor até hoje, paralelamente a leis eleitorais importantes (vide item 5). Esse diploma legal foi editado pela necessidade de se adaptar o Direito Eleitoral aos princípios e objetivos da Revolução de 1964, assim como aos inúmeros atos institucionais e complementares que a nação passou, então, a vivenciar.

2 Características do Direito Eleitoral

O Direito Eleitoral Brasileiro, como disciplina jurídica, pertence ao ramo do Direito Público. Verificar-se-á, oportunamente, que ele se relaciona diretamente, tanto com outros ramos jurídicos do Direito Público, como, inclusive, do Direito Privado. Sobre seu conceito, para Fávila RIBEIRO o "Direito Eleitoral precisamente dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental."1 E para Elcias Ferreira da COSTA "consiste o Direito Eleitoral num sistema de normas de direito público que regula o dever do cidadão de participar na formação do governo constitucional, o exercício tanto dos direitos pré-eleitorais como daqueles que nasçam com o processo eleitoral e, ainda, as penas correlatas às infrações criminais e administrativas' concernentes à matéria eleitoral".2

As normas de direito público citadas pelo eminente professor de Pernambuco, constantes da legislação eleitoral própria, dispõem sobre a organização judiciária eleitoral, sobre o alistamento e seus incidentes e sobre a perda ou suspensão dos direitos políticos do cidadão, como instituições típicas do macroprocesso eleitoral ou do Direito Eleitoral de vigência e eficácia permanentes. Sem embargo da existência de legislação eleitoral própria, o Ministério Público Eleitoral é outro instituto objeto dessa mesma legislação e com presença e atuação permanentes em Direito Eleitoral.3 Já no microprocesso eleitoral, caracterizam o Direito Eleitoral disposições legais sobre o sistema eleitoral, o registro dos candidatos, o voto secreto, a cédula oficial, a representação proporcional, a votação, o escrutínio e a diplomação, passando pelas garantias eleitorais, a propaganda e os recursos. Já os crimes e o respectivo processo penal são institutos comuns a ambas as épocas eleitorais.

A legislação eleitoral é sempre federal, específica, cogente, indisponível e de vinculação erga omnes. Estabelece ela, ainda, um direito civil (normas materiais) e um direito processual civil eleitoral (normas adjetivas); um direito penal (normas de tipificação criminal) e um direito processual penal eleitoral (normas adjetivas). Fora da lei eleitoral estrita, mas com essa natureza, existem, ainda, no próprio texto constitucional, regras de direito civil e processual civil eleitoral, auto-aplicáveis, outra característica bem marcante do perfil eminentemente público da disciplina.4

3 A importância e oportunidade do tema

A Constituição Federal de 1988, além de manter - como já o fizeram as anteriores de 1946, 1967 e de 1969 - a Justiça Eleitoral5, solidificou o Direito Eleitoral como permanente em nosso ordenamento jurídico. Essa Carta Magna guindou o Código eleitoral à condição de lei complementar (antes lei ordinária) e determinou que a lei complementar devesse dispor sobre a organização e competência dos tribunais, dos juizes de direito e das juntas eleitorais. Estabeleceu, como principio fundamental, o Estado Democrático de Direito. Dispôs que o poder, emanado do povo, será exercido também através de representantes eleitos. Criou capítulo próprio para os direitos políticos e para os Partidos Políticos, remetendo à lei complementar a missão de estabelecer outros casos de inelegibilidades, além dos que especificamente indicara. Mais, ainda; a Constituição Federal de 1988 reservou à União o direito de legislar privativamente sobre Direito Eleitoral, sendo, portanto, todos esses indicativos seguros da existência e importância da matéria na ordem jurídica do país.

Estamos, destarte, sem dúvida, sob a égide de um Direito Eleitoral previamente legislado, permanente, indisponível, sistematizado e próprio e com sede constitucional.

Resta óbvia, também por isso, a conclusão da oportunidade e conveniência do ensino do Direito Eleitoral nos cursos jurídicos do país. Mesmo porque o plebiscito de 21 de abril de 19936 ratificou, soberanamente e de modo constitucionalmente definitivo, a forma republicana e o sistema presidencialista de governo a vigorarem no Brasil, instituições que, tendo a soberania como princípio fundamental, pressupõem e se realizam através do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, também nos termos constitucionais e legais.

Fora da lógica argumentativa estritamente jurídica constitucional, a realidade de nossas instituições está a indicar o ensino-aprendizado do Direito Eleitoral como absolutamente oportuno em nossos dias. Disso é apenas um exemplo o recente concurso público para o Ministério Público Federal, em cujo programa se exigia matéria típica de Direito Eleitoral e até de Direito Partidário, como: 1) a aquisição da cidadania; 2) o sufrágio universal; 3) a organização do eleitorado; 4) a Justiça Eleitoral; 5) elegibilidade; 6) propaganda eleitoral; 7) abusos de poder no processo eleitoral; 8) os Partidos Políticos; 9) crimes eleitorais e o respectivo processo penal; e 10) o Ministério Público Eleitoral.7

Falando sobre a importância do Direito Eleitoral e da oportunidade e conveniência de seu estudo, é também de Elcias Ferreira da COSTA a lição: "A importância do Direito Eleitoral decorre da importância que se terá de atribuir à opção constitucional em torno do regime político" e, "sob o ponto de vista didático, a só enumeração dos instrumentos legais que, em número já considerável, se vêm sucedendo, alterando-se, modificando-se, ressalta a conveniência de uma especialização no estudo e de uma sistemática doutrinária".8 No mesmo sentido, vem a preleção do douto A. F. GOMES NETO: "Dentre os demais ramos do Direito, assume hoje proeminente importância o Direito Eleitoral. Isto não obstante quase sempre não seja nem ao menos citado pelos autores na divisão e classificação geral do Direito".9

4 A autonomia científica da matéria

Os conceitos doutrinários de Direito Eleitoral acima mencionado, por si só, já mostram a absoluta autonomia científica da disciplina. Cotejados à luz das disposições constitucionais e legais que organizam o Direito Eleitoral, essa autonomia fica exaltada e gizada.

Há mais, porém. Como a autonomia científica de uma disciplina jurídica pressupõe, entre outros requisitos, uma organização judiciária a ela relativa, é de se mencionar a existência e a especialidade, há mais de 60 anos, no Brasil, da Justiça Eleitoral como órgão autônomo do Poder Judiciário para assuntos eleitorais, sejam ou não relativos aos pleitos.

Pelo art. 118 da Constituição Federal, são órgãos da Justiça Eleitoral:

I - o Tribunal Superior Eleitoral;

II - os Tribunais Regionais Eleitorais;

III - os Juizes Eleitorais;

IV - as Juntas Eleitorais.

0 primeiro - TSE -, a mais alta Corte Eleitoral do país, tem sede em Brasília, DF. e possui jurisdição em todo o território nacional. Os Tribunais Regionais Eleitorais - TREs - são em número de 27, um em cada Estado e no Distrito Federal, nesses respectivos territórios se limitando suas jurisdições. Os Juizes e Juntas Eleitorais compõem a primeira instância eleitoral. O primeiro é o juízo monocrático e permanente, enquanto que o segundo é coletivo e sazonal, só tendo competência no microprocesso eleitoral. Ambos os juízos são, no mínimo, em número de 5.408 em todo o país. A organização e competência de todos os órgãos judiciários da Justiça Eleitoral estão definidas na própria Constituição Federal e em leis específicas.10

Sob a ótica do eleitorado, mais impressionantes são os dados existentes, reveladores da autonomia científica da matéria, à medida em que esta cuida, trata e versa sobre eles: 94.768.404 eleitores estão inscritos em 283.544 seções eleitorais, pertencentes a 2.704 zonas eleitorais, cobrindo o universo de 5.112 municípios brasileiros.11

Já -e finalmente -no que concerne às eleições, preocupação e encargo indelegáveis do Direito Eleitoral e de sua máquina judiciária, por força de disposições constitucionais, são elas continuas e alternadas, a saber: 1994: eleições para Presidente e Vice-Presidente da República; Senadores e Suplentes; Deputados Federais; Governadores e Vice-Governadores; Deputados Estaduais e Deputados Distritais. Para o ano de 1996: eleições para Prefeito Municipal, Vice-Prefeito e Vereadores. 1998: eleições para os mesmos cargos eletivos ocupados em 1994, mas, desta vez, com apenas uma vaga para o Senado. Já no ano 2000: eleições para os mesmos cargos eletivos ocupados em 1996, e, assim, sucessivamente, no decorrer dos anos.

5 A autonomia legislativa do Direito Eleitoral

Paralelamente à Constituição Federal, ao Código eleitoral (Lei n. 4.737 , de 15.7.65, alterado por diversas outras leis) e à Lei das inelegibilidades (Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990), que são os principais diplomas legais eleitorais, dezenas de outras leis eleitorais importantes vigoram no país, não raro sendo objeto de decisões dos tribunais. Muitas são tipicamente eleitorais; outras têm uma relação tão íntima com a matéria que merecem ser citadas.

Outras, ainda, são de Direito Partidário que, como se sabe, por ser o ramo do Direito que mais tem intimidade com o Direito Eleitoral, embora dele independente, nesta área assumem relevância.

  • Lei n. 1.207, de 25/10/50 -Dispõe sobre o direito de reunião.
  • Lei n. 4.117, de 27/08/62 - Institui o Código Brasileiro de telecomunicações.
  • Lei n. 4.410, de 24/09/64 - Institui prioridade para os feitos eleitorais e dá outras providências.
  • Lei n. 5.250, de 09/02/67 - Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação.
  • Lei n. 5.782, de 06/06/72 - Fixa prazo para filiação partidária e dá outras providências.
  • Lei n. 6.091, de 15/08/74 - Dispõe sobre o fornecimento de transportes, em dias de eleição, a eleitores residentes nas zonas rurais e dá outras providências.
  • Lei n. 6.236, de 18/09/75 - Determina providências para cumprimento da obrigatoriedade do alistamento eleitoral.
  • Lei n. 6.341, de 05/07/76 - Dispõe sobre a organização e o funcionamento de movimentos trabalhista e estudantil nos partidos políticos e dá outras providências.
  • Lei n. 6.817, de 05/09/80 - Dispõe sobre a organização dos diretórios municipais dos partidos políticos em formação e dá outras providências.
  • Lei n. 6.957, de 23/11/81 - Dispõe sobre convenções municipais para escolha de diretórios municipais e dá outras providências.
  • Lei n. 6.996, de 07/06/82 - Dispõe sobre a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais e dá outras providências.
  • Lei n. 6.999, de 07/06/82 - Dispõe sobre a requisição de servidores públicos pela Justiça Eleitoral e dá outras providências.
  • Lei n. 7.021, de 06/09/82 - Estabelece o modelo de cédula oficial única a ser usada nas eleições de 15 de novembro de 1982, e dá outras providências. Cria, outrossim, figura criminal permanente.
  • Lei n. 7.332, de 1º/07/85 - Dispõe sobre o alistamento eleitoral e o voto do analfabeto, estabelece normas para as eleições em 1985, e dá outras providências.
  • Lei n. 7.444, de 20/12/85 - Dispõe sobre a implantação de processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e a revisão do eleitorado e dá outras providências.
  • Lei n. 7.454, de 30/12/85 - Altera dispositivo da Lei n. 4.737 , de 15.7.65 (Código Eleitoral) e dá outras providências.
  • Lei n. 8.350, de 28/12/91 - Dispõe sobre gratificações e representações na Justiça Eleitoral.
  • Lei n. 8.429, de 02/06/92 - Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, e dá outras providências.
  • Lei n. 8.443, de 16/07/82 - Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências.
  • Lei Complementar n. 81, de 13/04/94 - Altera a redação da alínea "b" do inciso I do art. 1° da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, para elevar de três para oito anos o prazo de inelegibilidade para os parlamentares que perderem o mandato por falta de decoro parlamentar.
  • Lei n. 8.868, de 14/04/94 - Dispõe sobre a criação, extinção e transformação de cargos efetivos e em comissão nas Secretarias do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, e dá outras providências.12

Sem embargo desse elenco normativo permanente, e que está a formar o conjunto das principais regras jurídicas relacionadas, direta e indiretamente, com o Direito Eleitoral, periodicamente são editadas leis eleitorais especiais, de vigência determinada no tempo, normalmente destinadas a regular os pleitos eleitorais e suas peculiaridades, de um modo mais casuístico e específico. Delas são exemplos:

  • Eleições de 1982 - Lei n. 6.978/82
  • Eleições de 1985 - Lei n. 7.332/85
  • Eleições de 1986 - Lei n. 7.493/86 e Lei n. 7.508/86
  • Eleições de 1988 - Lei n. 7.664/88
  • Eleições de 1989 - Lei n. 7.773/89
  • Eleições de 1992 - Lei n. 8.214/91
  • Plebiscito de 1993 - Lei n. 8.624/93
  • Eleições de 1994 - Lei n. 8.713/9313

Como se sabe, pelo art. 22, I, da Constituição Federal, compete à União, privativamente, legislar sobre Direito Eleitoral.

6 Doutrina

Não são muitos os autores que se dedicam ao Direito Eleitoral, comparativamente a outros ramos do Direito Público e do Direito Privado, como o Direito Penal, o Direito Processual Penal, o Direito Processual Civil, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Comercial, o Direito Civil e o próprio Direito do Trabalho. Houve época, não muito distante, inclusive, que não havia maior interesse dos editores pelo assunto, eis que os títulos não tinham muita procura no mercado. O próprio texto do Código eleitoral nem sempre era fácil de ser encontrado nas livrarias, o mesmo acontecendo com leis eleitorais importantes.

A principal explicação para o pequeno número de títulos disponíveis sobre a matéria, ou para o vazio doutrinário até então existente, é de ordem histórico-política. É de se lembrar que a plenitude e a pujança do Direito Eleitoral, como disciplina jurídica, diz com a normalidade institucional, com o regime democrático e com o estado de Direito. "Assim, o Direito Eleitoral pressupõe a Democracia e no seu conceito moderno não se concebe sem o sistema representativo, único capaz de dar forma jurídica à liberdade que, como diz bem ORREI, representa para um sistema político o que o sol para o sistema planetário".14 Pois, se tomarmos para exame histórico o período compreendido das codificações eleitorais a esta parte (1932-1994) -62 anos, portanto -veremos que, dele, um expressivo lapso de tempo viveu o Brasil, senão numa ditadura (1937-1945), num clima de absoluta anormalidade institucional, com severas restrições a direitos constitucionais tradicionalmente assegurados (1964-1984). Esses 30 anos de ausência de democracia plena, de restrições a direitos políticos, de sensíveis alterações no quadro político-partidário, com ausência de eleições livres e diretas, contribuíram, decisivamente, para a estagnação do Direito Eleitoral como ciência jurídica, o que se refletiu diretamente na doutrina e no mercado editorial a ele relativos.

O estágio da doutrina eleitoral, porém, com a volta do país ao Estado Democrático de Direito, já desde algum tempo, é de mudança. Nos últimos anos, multiplicaram-se os títulos de obras disponíveis no mercado. Os textos se mostram bem mais acessíveis e a disputa dos editores por autores que se proponham a escrever sobre a matéria voltou ao cenário. Constata-se que novos autores e títulos interessantes têm chegado às livrarias, oferecendo aos estudiosos sobre a matéria quase que os mesmos recursos doutrinários de que dispõem as disciplinas tradicionais do Direito.15

7 A jurisprudência

É rica a jurisprudência sobre temas eleitorais, embora seus veículos de divulgação não sejam tão abundantes quanto os das outras matérias. Vale dizer que não é muito acessível a pesquisa sobre a jurisprudência eleitoral, dado o pequeno número de revistas a divulgá-la. A busca aos arestos deve ser feita, normalmente, junto à própria Corte que os editou. Mesmo assim, são vinte e sete tribunais de segunda instância a decidir feitos eleitorais, de modo exclusivo, em razão da competência, afora o Tribunal Superior Eleitoral e todo o primeiro grau de jurisdição. Este, como já se disse, composto por mais de 2.700 juízos permanentes.

Tal como a doutrina, "a jurisprudência é fonte indireta do Direito Eleitoral", constituindo-se, assim, em indispensável instrumento para o trabalho forense e para o ensino-aprendizado da disciplina. O eminente Aroldo MOT A, cuja cultura enobrece a advocacia eleitoral no Ceará, também entende que a "jurisprudência é muito relevante na aplicação desse direito".16 Embora numericamente não sejam ainda em grande número, os periódicos de jurisprudência eleitoral já editados se impõem por sua qualidade e importância no trato da disciplina e de seus problemas jurídicos. Toma relevo, entre eles, a revista JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, sucessora editorial do antigo BOLETIM ELEITORAL, que, por muitos anos, foi o veículo de divulgação das decisões daquela colenda Corte. Cresce, porém, de modo acentuado, o número de revistas e periódicos - geralmente editados pelos diversos Tribunais Eleitorais do país -que coletam e divulgam pareceres, decisões e acórdãos sobre essa temática própria.17

8 O Direito Eleitoral e o Direito Partidário

O objeto desta Exposição de Motivos é o Direito Eleitoral, não se confundindo, em nenhum momento, com o Direito Partidário -ou o Direito dos Partidos Políticos -, tema que com o primeiro muito se relaciona. Até bem pouco tempo, mais do que se relacionar com o Direito Eleitoral, o Direito Partidário dele fazia parte, no campo do Direito Público, à medida em que, pelo art. 2° da Lei n. 5.682, de 21 de julho de 1971 (Lei orgânica dos partidos políticos), os Partidos Políticos (seu principal escopo) eram pessoas jurídicas de Direito Público interno. Por esse motivo, o Direito Partidário estava integrado ao Direito Eleitoral, com o qual se confundia, a ponto de perder a sua autonomia, e era apontada de público a sua natureza jurídica. Era grandemente majoritária a corrente doutrinária que entendia o Direito Partidário, então, como ramo do Direito Público.

A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, que dispôs que os Partidos Políticos adquirem a personalidade jurídica na forma da lei civil (art. 17, § 2°), mudou o entendimento sobre este tópico, passando-se a um consenso, na doutrina, sobre o caráter privado do Direito Partidário. Pinto FERREIRA esclarece: "O Brasil adotou o modelo português dos partidos políticos de associações privadas e não de órgãos dos Estados. Realmente, o fato de os partidos políticos buscarem atender interesses particulares, por vezes opostos aos interesses gerais, leva a enquadrá-los não como órgãos estatais, porém como entes auxiliares do Estado". E vai mais longe o culto professor: "Os constitucionalistas portugueses Joaquim José Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA asseguram: "os partidos políticos são expressão da liberdade de associação dos cidadãos. Não são órgãos estatais, nem sequer associações de direito público; são associações privadas, com funções constitucionais" (Constituição da República Portuguesa: anotada, p. 283).18 Antes mesmo da vigência da atual Carta Magna, já assim -que os Partidos Políticos são pessoas jurídicas de Direito Privado - entendia o eminente Tito COSTA.19

Inobstante essa mudança, ainda é comum a insistência em mesclar o Direito Eleitoral e o Direito Partidário, bem como em tratar os seus respectivos institutos de maneira englobada, desprezando-se a nova reclassificação das disciplinas: a primeira, permanecendo no campo do Direito Público, e, a segunda, mudando-se para a órbita do Direito Privado. Revestindo-se em documento jurídico de importância, o anteprojeto do novo Código eleitoral, elaborado pelo Ministério da Justiça, e que teve o grande Fávila RIBEIRO como relator, traz -como exemplo do que acima se disse -, em seu Livro V -Dos Partidos Políticos, toda a ontologia do Direito Partidário, dentro de uma lei de institutos eminentemente de Direito Público, a saber: Parte Primeira - Do Sistema Partidário Nacional; Parte Segunda -Da criação e Organização dos Partidos; Parte Terceira -Dos Filiados Partidários; Parte Quarta -Da Disciplina Partidária; Parte Quinta -Da Transformação e Extinção de Partidos.20

O exemplo trazido pelo anteprojeto do Ministério da Justiça vale para se argumentar no sentido de que, além do Direito Eleitoral, também o Direito Partidário poderá ser objeto de disciplina do currículo dos cursos de graduação em Direito, junto ou separadamente com o primeiro, respeitada, somente, eventual organização departamental da unidade educacional que se proponha a ensinar essa matéria. É tão grande e tão íntima a correlação entre esses dois ramos do Direito, surgindo ambos, freqüentemente, lado a lado, que, muitas vezes - discussões doutrinárias à parte -, fica muito difícil se estabelecer uma dicotomia entre eles.

9 Programas didáticos da disciplina

Incluído o Direito Eleitoral, eventualmente, no currículo dos cursos de graduação em Direito, diversos programas didáticos poderão ser elaborados, trazendo, cada um deles, os assuntos principais sobre a matéria, na forma como parecer melhor ao educandário, e à luz das disponibilidades de carga horária, entre outros fatores burocráticos variáveis.

Os títulos expressos na principal legislação eleitoral, por exemplo, podem servir de parâmetro para a elaboração de um programa didático com os conteúdos da disciplina. A matéria examinada pela doutrina, de outra banda, poderá ser objeto de outro modelo e, outro, ainda, poderá conter os assuntos mais polêmicos e mais freqüentemente versados pela jurisprudência. Sempre haverá, porém, seja qual for a base tomada para a elaboração do programa, de tratar do Direito Eleitoral de um modo científico e preocupar-se com os conteúdos axiológicos mais importantes de sua estrutura como ciência jurídica.

À guisa exclusivamente de exemplo, mostra-se o programa de Direito Eleitoral ministrado na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, que não inclui o Direito Partidário, onde aquela matéria, há anos lecionada, integra a área de Direito Público, composta também pelo Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Institucional, Direito Tributário, Direito Ambiental e Direito da Infância e da Juventude, e que assim está disposto:

INTRODUÇÃO - Direito Eleitoral como disciplina jurídica. A importância da matéria. A lei, a doutrina e a jurisprudência eleitorais. Resoluções do TSE. O Direito Partidário como ramo independente do Direito Eleitoral. Direito Eleitoral e Direito Público.

PONTO 1 - História do Direito Eleitoral. Disposições eleitorais nas diversas constituições brasileiras. Leis eleitorais das diversas épocas: Colônia, Império, Primeira República e Segunda República. Leis eleitorais atuais. A codificação eleitoral: 1922, 1935, 1950 e 1965. Os anteprojetos de um novo Código eleitoral.

PONTO 2 - Fases do processo eleitoral stricto sensu: preparatória, votação, escrutínio e diplomação. Características e principais institutos eleitorais de cada fase. Leis especiais regulando eleições: Lei n. 8.713, de 30.9.93 (pleito de 1994).

PONTO 3 - Organização Judiciária Eleitoral. TSE, TREs, Juizes e Juntas Eleitorais. Instâncias eleitorais. Competência desses órgãos judiciários. Ministério Público Eleitoral. Ministério Público Federal. Ministério Público dos Estados. Princípio da Federalização. Princípio da Delegação. Lei n. 8.625, de 12.2.93 (LOMIN) e Lei Complementar n. 75, de 20.5.93 (LMPU).

PONTO 4 - Votação e Apuração. Circunscrição eleitoral. Zona Eleitoral. Seção Eleitoral. Alistamento e número de eleitores. Mesa receptora de votos. legitimidade em matéria eleitoral. Partidos Políticos, Coligações, Candidatos e Ministério Público Eleitoral. O eleitor como parte legítima.

PONTO 5 - Crimes eleitorais. Conjunto normativo próprio para os crimes eleitorais. leis penais eleitorais extravagantes: lei n. 6.091/74; Lei n. 6.996/82; Lei n. 7.021/82 e LC n. 64/90. Classificação dos crimes eleitorais. Crimes de ação exclusivamente pública. Tipicidade eleitoral. Culpabilidade eleitoral exclusivamente dolosa. Aplicação subsidiária do Código penal em matéria criminal eleitoral própria e extravagante. A aplicação da teoria da lei penal, da teoria do crime e da teoria da pena do Direito Penal comum em matéria eleitoral. As penas e os incidentes da execução penal eleitoral.

PONTO 6 - Processo Penal Eleitoral. Fase pré-processual: inquérito policial, flagrante, representação, notícia-crime e peças de investigação. Ação penal eleitoral exclusivamente pública. Rito processual penal eleitoral único e sumário. Incidentes no rito processual. O Código de processo penal em matéria eleitoral: rito ordinário, arts. 394 a 495 e 498 a 502; e rito sumário, arts. 531 a 540.

PONTO 7 - Medidas processuais eleitorais. Base legal das principais medidas. 1) Ação de Impugnação de Pedido de Registro de Candidatura. 2) Investigação Judicial Eleitoral. 3) Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. 4) Recurso contra a Diplomação.21

10 Conclusão

É sabido que os cursos de graduação em geral devem obedecer a um currículo mínimo, uniforme em todas as unidades educacionais do país, estabelecido pelo Ministério da Educação. Compõe-se de matérias essenciais e indispensáveis à formação acadêmica. "No caso do curso de graduação em Direito, o currículo mínimo, disciplinado pela Resolução 03/72-CFE, homologada pelo Sr. Ministro da Educação (DOU, 26.7.72, Sec. l, pt. 1, p. 6623), contém o entendimento, a propósito, pacificamente aceito pelos círculos jurídicos nacionais. Além disso, estabelece a Res. 03/72-CFE (art. 3°) que as instituições de ensino poderão - desde que respeitado e cumprido o currículo mínimo (no curso de Direito são 2.700 horas de atividades) - criar habilitações específicas, não mais de duas cada vez, mediante intensificação de estudos em áreas correspondentes às matérias fixadas no currículo mínimo".22

Desse modo. é possível - e, mais do que isso, conveniente, oportuna e necessária - a inclusão do Direito Eleitoral como disciplina dos cursos jurídicos, no currículo pleno de cada unidade educacional, respeitado o conteúdo do currículo mínimo legal, para o que fica a proposta a desafiar a capacidade de empreendimento dos educadores.

Notas

1 RIBEIRO. Fávila. Direito eleitoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 12.

2 COSTA, Elcias Ferreira da. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 1.

3 BRASIL.Constituição,1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988. Art. 127; Lei n. 8.625, de 12.02.93 e Lei Complementar n. 75, de 20.05.93.

4 BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988. Art. 14, §§. 10 e 11 e art. 15.

5 BRASIL. Constituição, 1946. Constituição da República Federativa do Brasil. Arts. 109 a 121; Constituição, 1967, Arts. 123 a 132 e Constituição, 1969, Arts. 130 a 140.

6 BRASIL. Constituição, 1988. Emenda Constitucional n. 2, de 25 de agosto de 1992.

7 DIARIO DA JUSTIÇA [da República Federativa do Brasil] Brasília, n.241, p. 28343, 20 dez. 1993. Seção 1.

8 COSTA, Elcias Ferreira da. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. IX.

9 GOMES NETO, A. F. O direito eleitoral e a realidade democrática. Rio de Janeiro: J. Konfino, 1953. p. 11.

10 BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988. Art. 121, caput.

11 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições de 1994: I. Encontro Brasileiro da Justiça Eleitoral. Blumenau, 11 a 23.08.94. e também Secretaria de Informática. Boletim de computação, 29.08.94.

12 Parte da legislação aqui citada está elencada no Código eleitoral e legislação complementar. 6. ed. Bauru : Edipro, 1994.

13 CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 4. ed. São Paulo: Edipro, 1994. p. 145.

14 BIANCO FILHO, Francisco. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: A. C. Branco Filho, 1945. p. 28-29.

15 Vide, p. ex., entre outras interessantes contribuições:

- JARDIM, Torquato. Introdução ao direito eleitoral positivo. Brasília : Brasília Jurídica, 1994.

- NEISS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos; condições de elegibilidade e inelegibilidade. São Paulo: Saraiva, 1994.

- MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994.

- BARRETO, Lauro. Investigação judicial eleitoral e ação de impugnação de mandato eletivo. São Paulo: Edipro, 1994.

- D' ALMEIDA, Noely Manfredini et al. Crimes eleitorais e outras infringências. 2. ed. Curitiba : Juruá, 1994.

16 MOTA, Aroldo. O processo eleitoral no direito brasileiro. Revista brasileira de direito eleitoral. Fortaleza, n. 4 p. 52, 1990.

17 Vide, ainda:

- PARANÁ ELEITORAL. Curitiba : TRE/PR, 1986.

- INFORMATIVO Eleitoral. Campo Grande: TRE/MS,1994.

- RESENHA ELEITORAL. Florianópolis : TRE/SC, 1994, (Nova Série).

- CADERNOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL, São Paulo: TRE/SP; PRE/SP, 1987.

- REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO ELEITORAL. Fortaleza : IJUREH, 1985.

18 FERREIRA, Pinto. Comentários à lei orgânica dos partidos políticos. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 36-37.

MOTA, Aroldo. Reforma da legislação eleitoral. Revista brasileira de direito eleitoral. Fortaleza, n. 5 p. 23, 1992.

19 COSTA, Tito. Partidos políticos e sua lei orgânica. São Paulo : Atlas, 1971. p.14.

20 DIARIO OFICIAL [da República Federativa do Brasil]. Brasília, Sec. 1, n. 144. p. 108177-10863, 30jul. 1993.

21 FESMP. Curso de preparação ao Ministério Público; semestre 1. e 2./93. p. 6.

22 Parecer n. 330/94, CLN., relativo ao Processo n. 23001.000195/94-46, do ex-Conselho Federal de Educação, Ministério da Educação, Brasília, DF.

Advogado em Porto Alegre, RS. Professor de Direito Eleitoral da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ex-Procurador de Justiça. Colaboração: Dra. Miriam da Cunha. Advogada em Porto Alegre, RS.

* As remissões foram transcritas conforme os originais encaminhados pelo autor.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 2, n. 1 (jan./jun. 1995).

 

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