Site TRESC
  • FB
 

Íntegra

Da ausência de capacidade postulatória do partido político em casos de coligação - Iletimidade ad causam

Por: Nelson Maia Peixoto

Tal qual ocorre em todos os pleitos em que as pessoas que estão em pleno gozo de seus direitos políticos decidirão, através do voto, quais serão os seus representantes junto aos Poderes Executivo e Legislativo, é necessário que sejam instaurados vários procedimentos, sempre embasados na Constituição Federal, leis complementares, ordinárias, resoluções, instruções, portarias, etc., onde se define como processo eleitoral.

Em sede de eleições municipais, como é o caso das próximas eleições, o processo eleitoral, apesar de, conforme o calendário (Resolução TSE n. 20.506), praticamente ter começado em 1º de outubro do ano passado, existe um momento em que deve ser considerado como sendo um dos mais expressivos, que são as convenções destinadas à escolha dos pretensos candidatos aos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores e ainda ser deliberado sobre eventuais coligações partidárias.

Quando ocorre coligação partidária, os partidos políticos que a integram, formam um único ser onde passa a representar uma verdadeira corporação de idéias e ideais e ao assumir a personalidade própria, deve funcionar como sendo um canal condutor das propostas de seus candidatos junto à população, como também, de acordo com art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504/97, deve, a coligação, funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral.

Assim, analisando tal dispositivo legal, deve ser analisada a questão da legitimidade de um determinado partido político que esteja coligado, atuando em juízo, isoladamente. Entendo não ser possível a sua atividade de forma individual, salvo quanto a determinada situação que será vista adiante.

Isto porque, narra o art. 6º da Lei n. 9.504 de 30 de setembro de 1997:

"É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.

"§ 1º A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários.

"(...)

"§ 3º.........................................................

"III - os partidos integrantes da coligação devem designar um representante, que terá atribuições equivalentes às de presidente de partido político, no trato dos interesses e na representação da coligação, no que se refere ao processo eleitoral."

Vemos, portanto, que a partir do momento que a coligação foi formada, no caso, na realização da convenção para a escolha dos candidatos que irão concorrer ao próximo pleito, os partidos que a integram, quando se trata de relacionamento com a Justiça Eleitoral e durante o processo eleitoral, praticamente deixam de existir, sendo certo que quem irá ter legitimidade para estar em juízo, conforme prevê a lei, é o representante da coligação. Destaco, para endossar, o art. 18, § 2º da Resolução TSE n. 20.561, a qual determina que juntamente com os pedidos de registro de candidatos, na hipótese de coligação, deverá esta indicar, expressamente o nome do representante e dos delegados para atuarem perante os órgãos da Justiça Eleitoral.

Com referência à impugnação de pedido de registro de candidatura, o art. 3º da Lei Complementar n. 64/90, diz que no prazo de 5 (cinco) dias, caberá tal providência a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público. Ora, se o legislador desse legitimidade a qualquer partido político coligado para praticar os atos perante a Justiça Eleitoral, de maneira isolado, não faria menção à coligação, bastaria mencionar partido político.

Quando na norma legal existir citação candidato - partido político - coligação, quer dizer que o partido político somente atuará em juízo, através de seu representante legal e de forma isolada, quando não estiver coligado, pois nesse caso, as prerrogativas e obrigações recairão sobre a coligação (Lei n. 9.504/97, art. 6º, I).

O Promotor de Justiça Eleitoral Dr. Pedro Roberto Decomain, em sua obra Eleições - Comentários à Lei n. 9.504/97, quanto à matéria, na pág. 25, assim se posiciona:

"Ainda de acordo com o § 1º deste artigo, a coligação terá, em cada eleição (majoritária, proporcional, ou majoritária e proporcional, conforme o caso), os mesmos direitos e deveres dos partidos políticos, no que se refere ao processo eleitoral, devendo funcionar, nesse processo, assim, como no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários, como se fosse um único partido. Noutras palavras, a coligação atua, durante o processo eleitoral, como se fosse um único partido. Os direitos da coligação são os mesmos atribuídos aos partidos que concorram isolados à eleição, o mesmo acontecendo com os seus deveres" (Obra Jurídica Editora, 1998).

Ora, quando se fala que a coligação tem atuação própria em nome e no resguardo dos interesses dos partidos que a compõem, tem a mesma personalidade individual, sendo certo que somente a coligação, através de seu representante, possui capacidade postulatória junto a Justiça Eleitoral.

Deve a coligação preservar os interesses interpartidários, e em sede de impugnação, pretendeu a lei, que é a coligação, através de seu representante, possuidora de legitimidade, pois em caso de atuação isolada de um único partido político, a ação deste poderia contrariar a vontade dos demais. Cito, por exemplo, que os fundamentos de fato e de direito que possam embasar a impugnação apresentada por determinado partido coligado, pode não merecer os aplausos do outro ou dos outros. Ora, se a legislação determinou que a coligação possui vida própria, capacidade para estar em juízo, direitos e deveres, como se fosse um único partido, aquele que aceitou a coligação, teve pleno conhecimento de que a sua atuação estaria pendente da concordância dos demais e representado por aquele que os presidentes dos partidos indicaram para ter relacionamento com a Justiça Eleitoral.

A ação do partido político coligado está condicionada à vontade dos demais integrantes do grupo, posto que seu interesse, ou seja do partido, não pode preponderar sobre o do grupo. Daí a necessidade de agir sempre em conjunto e representado pela coligação respectiva.

A jurisprudência especializada não destoa de tal entendimento, tal qual se comprova a exatidão através das seguintes decisões:

"Partido político coligado. Ilegitimidade para propor representação isoladamente. As coligações adquirem personalidade jurídica a partir do acordo de vontades dos partidos que a integram. O partido político coligado não tem legitimidade para propor representação isoladamente. Recurso não conhecido" (Tribunal Superior Eleitoral - Recurso Especial Eleitoral n. 15.520 - Classe 22 - Roraima (Boa Vista) - Rel. Min. Nelson Jobim - de 25.5.1999).

O eminente Relator citado anteriormente ao proferir seu voto, informou ao Presidente que já existiam precedente, citando:

"Representação proposta por partido político em coligação. Ilegitimidade ativa ad causam. 1. A coligação é unidade partidária e representante legítima das agremiações que a compõem. 2. Representação proposta por partido político em coligação. Ilegitimidade ativa ad causam. Precedente (AC 15.524, DJ 30.10.1998).

"Representação - Partido político coligado que atua isoladamente - Ilegitimidade ad causam - Art. 6º da Lei n. 9.504/97. As coligações partidárias passam a ter personalidade jurídica a partir do acordo de vontades dos partidos que a integram (AC 15.529, P.S. de 29.9.1998).

"Registro de candidatura - Impugnação por partido coligado atuando isoladamente - Ilegitimidade reconhecida pela instância a quo - A partir do pedido de registro das candidaturas, à coligação são atribuídas as prerrogativas de obrigações de partido político, no que se refere ao processo eleitoral, devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral (Lei n. 9.504/97, art. 6º, § 1º) - Recurso interposto pela coligação integrada pela agremiação impugnante - Incidência da Súmula 11 do TSE, segundo o qual somente pode recorrer quem impugnou o pedido, ressalva a hipótese de cláusula constitucional de inelegibilidade - Recurso não conhecido" ( Tribunal Superior Eleitoral - Recurso Ordinário n. 345 - Classe 27 - Amazonas (Manaus) - Rel. Min. Costa Porto - de 29.9.1998).

Do corpo de tal decisão, extraio do voto do Ministro Eduardo Alckmin (Redator designado), as seguintes assertivas:

"(...)

"Partilho, também, do entendimento externado por S. Exa. no que se refere à ilegitimidade do PRTB, partido coligado, para isoladamente apresentar impugnação de candidatura. Com efeito, decorre do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504, que à coligação são atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, devendo ela funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários. Ora, se se cuida de um só partido não se pode admitir que também os partidos que a originaram tenham de igual forma legitimidade para ajuizar medidas judiciais concernentes ao processo eleitoral. Note-se que a lei estabelece 'como um só partido' e não 'como um partido', o que vem a significar que a locução 'só' está a excluir a possibilidade de as agremiações partidárias coligadas agirem isoladamente. Essa a pacífica jurisprudência deste Tribunal, reafirmada, inclusive, em julgamento de ação rescisória: 'Recurso Especial. Acórdão que reformou a decisão da junta apuradora que anulou a votação. Falta de interesse e legitimidade do recorrente para sua interposição. I - Se o partido recorrente não produziu prova de que os candidatos, disputaram o pleito pela sua legenda, nem demonstrou qualquer prejuízo com a convalidação dos votos pela Corte Regional, falta-lhe interesse para recorrer. II - Falta legitimidade para recorrer o partido que não participou das eleições isoladamente, mas em coligação, porquanto esta é tratada em cada pleito como unidade partidária. III - Recurso Especial não conhecido' (Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro - Data da decisão: 24.5.1994). 'Registro de candidato. 2. Indeferimento do registro por falta de apresentação de documentos exigidos. 3. Pedido de reconsideração indeferido. 4. Recurso formulado por partido que integra coligação e não por esta. Ilegitimidade ativa do recorrente. 5. Recurso intempestivo. 6. Recurso examinado como especial e não conhecido (Rel. Min. José Neri da Silveira - Data da decisão: 10.9.1998). 'Agravo de Instrumento. Recurso Especial. Pedido de recontagem de votos. Impossibilidade de partido político substituir coligação a que pertença na defesa de seus interesses. Provimento dos recursos. (Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto - Data da decisão: 7.10.1997). Trata, ainda, a recorrente sobre o tema relativo ao termo inicial da legitimidade das coligações, sustentando que somente após o registro das candidaturas estas poderiam ser consideradas existentes. Não tenho como correta a assertiva. Na realidade, as coligações devem ser tidas como existentes desde que efetuado acordo de vontades dos partidos que as integram, consubstanciado em decisão das respectivas convenções ou do órgão de direção partidária que tiver recebido poderes para deliberar sobre coligações."

Ainda:

"Propaganda eleitoral irregular. Representação proposta por partido político em coligação. Ilegitimidade ativa. (Tribunal Superior Eleitoral - Recurso Especial Eleitoral n. 16.097 - Classe 22 - São Paulo (São Paulo) - Rel. Min. Eduardo Ribeiro - de 29.2.2000).

"Representação. Partido Político. Não se conhece, em primeiro lugar, porque firmada por quem não estava credenciado para representar o partido perante o Tribunal Superior Eleitoral, e, em segundo lugar, por ser parte legítima a coligação e não a agremiação política que a integra" (Lei n. 9.504/97, art. 6º, § 1º) - (Resolução TSE n. 20.535 - Rel. Min. Eduardo Ribeiro).

Várias são as situações em que a legislação e outras normas concernentes à eleições que determinam a aplicação do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504/97, quais sejam: a fiscalização perante as mesas receptoras; a fiscalização perante à Junta Apuradora; conhecimento prévio das pesquisas eleitorais; normas gerais relativas à propaganda; direito de resposta; advogados cadastrados; investigação judicial; calendário eleitoral; prestação de contas, etc. A legislação eleitoral quase que por unanimidade faz referência a partido político ou coligação, sendo esta última ao ser citada, vem a corroborar de que o partido político que se uniu a outros, sob forma de coligação, não pode agir sozinho, deve, sempre e necessariamente, ser representado em juízo pela coligação que pertence, sob pena de ser rotulado como parte ilegítima.

O entendimento pretoriano quanto à matéria, por exemplo: Acórdão n. 14 - Processo n. 14 - de 29.9.1999, do TRE-Acre, disciplina que a única exceção relativa a atuação em juízo de partido político coligado de maneira isolada é referente ao direito de resposta previsto no art. 58 da Lei n. 9.504/97, posto o atentado contra a imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social, são situações que se revestem de caráter eminentemente pessoal, sendo possível a provocação da tutela da Justiça Eleitoral pelo partido coligado, de forma individual, pois somente a este cabe o direito subjetivo e aquilatar a sua honra ou a sua moral abalada.

É de ser destacado que se o partido político, agindo individualmente, não pode ser considerado como parte legítima no pólo ativo, tal deve ocorrer quando está figurando no pólo passivo. Não pode o partido político sofrer representação por irregularidades ou até mesmo pela prática de crime eleitoral e investigação judicial, pois como a coligação tem direitos e deveres, somente esta deve, através de seus representantes, ter contra si instaurados procedimentos, tendentes a averiguar as condutas contrárias às normas eleitorais.

A título de ilustração, o nosso egrégio Tribunal Regional Eleitoral, ao proferir o Acórdão n. 14.933 (Processo n. 310 - Classe VI - Recurso - Crime Eleitoral - 43ª Zona - Xanxerê), tendo como Relator o eminente Juiz Alcides dos Santos Aguiar, decidiu:

"Recurso - Crime eleitoral - Calúnia - Representante de Coligação Partidária - Responsabilidade criminal. A responsabilidade pela edição de panfletos de propaganda eleitoral é do partido político, coligação ou candidato, ex vi do disposto no art. 52 da Lei n. 9.100/95. O representante da coligação, por outro lado, tem atribuições equivalentes às de presidente de partido (Lei n. 9.100, art. 7º, III), cabendo-lhe o ônus de velar pela regularidade do processo eleitoral no tocante aos partidos que a integram. - Autoria - Materialidade - Exceção da Verdade. Comprovadas a autoria e a materialidade, não logrando êxito o réu quanto à demonstração da veracidade da imputação, impõe-se a manutenção da sentença condenatória. Decisão: unânime (6.5.1998)."

Sobre a questão da impossibilidade do partido coligado estar no pólo passivo, o Tribunal Superior Eleitoral, ao decidir o Recurso Especial Eleitoral n. 15.890, em 23.5.2000, tendo como Relator o Ministro Eduardo Alckmin, assim se manifestou:

"Propaganda Eleitoral paga na imprensa - Desobediência à dimensão estabelecida no art. 43 da Lei n. 9.504/97. Multa imposta ao partido que figurou isoladamente no pólo passivo da representação, apesar de ter efetuado coligação naquele pleito. Impossibilidade. Violação do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Multa imposta ao candidato, apesar de não comprovado seu prévio conhecimento. Possibilidade. Parágrafo único do referido art. 43 que determina a imposição de penalidade ao beneficiário, independente da comprovação de sua responsabilidade ou prévio conhecimento. Recurso conhecido e parcialmente provido."

Neste decisum, o eminente Relator, quando de seu voto, dentre outras afirmações, explanou:

"(...)

"Não obstante a argumentação do Parquet, a jurisprudência da Corte é no sentido de que, estando coligado, o partido não pode figurar isoladamente em qualquer questão relacionada ao processo eleitoral, em obediência ao disposto no § 1º do art. 6º da Lei n. 9.504/97 (...)."

Certo e pacífico que até mesmo em caso de crime eleitoral, o partido político que se juntou a outros para os fins de coligação, também não é parte legítima no pólo passivo, a qual será voltada para o representante da coligação, posto que a lei lhe confere a obrigação de assegurar a liberdade do voto, com relação aos partidos que integram a coligação.

O reconhecimento da ilegitimidade do partido político coligado, à luz do que preceitua o art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504/97, pode e deve ser analisado de ofício (art. 301, § 4º, do CPC) e em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC). Entrementes, não pode deixar de esquecer, que também deve o juiz eleitoral examinar, também de ofício, as matérias constitucionais e aquelas previstas na Lei n. 9.504/97 e Lei Complementar n. 64/90, que são consideradas de ordem pública e ainda que possam abalar a ideologia da lei, que em primeiro plano é a manutenção da liberdade do voto, a preservação do estado de direito e a democracia.

Desta forma, entendendo que o partido político não pode postular (pólo ativo e passivo) judicialmente, de maneira isolada e individual, quando coligado, tenho que a declaração de ilegitimidade de parte acarreta a extinção do procedimento, devendo, como disse anteriormente, o Juiz Eleitoral e o representante do Ministério Público Eleitoral estarem atentos às questões que possam ser examinadas ex officio.

Juiz Eleitoral - São Bento do Sul.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 7, n. 2 (jul./dez. 2000).

 

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina - Rua Esteves Júnior 68, 88015-130, Centro, Florianópolis, SC Fone [48] 3251.3700