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Íntegra

Considerações acerca da PEC n. 338/2009

Por: Ayrton de Mendonça Teixeira

1 Introdução

Relevante voltar-se a atenção da sociedade para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 338/2009 que intenta a criação de cargos de juiz eleitoral a serem providos por concurso público. A Proposta parte da premissa de que a jurisdição eleitoral, no primeiro grau, seria acometida como mera função a juízes estaduais, cumulativamente às atribuições afetas à Justiça Estadual comum.

O presente trabalho colaciona o texto da PEC ora analisada, apresentando considerações iniciais acerca do atual regime jurídico relativo aos juízes eleitorais, passando ao tratamento dos pontos mais críticos da Proposta, especialmente em relação às garantias afetas ao Poder Judiciário e aos magistrados, para, ao final, concluir.

2 Da redação da PEC n. 338/2009 e de sua justificação

Antes de avançar no tema objeto do presente artigo, impende trazer à colação os enunciados a serem analisados, pelo que segue o teor da referida PEC e de sua justificação:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N. DE 2008

(Do Sr. Ribamar Alves e outros)

Altera os artigos 107 e 118 da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º. O artigo 107 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 107 [...]

I - [...]

II - um quinto, mediante promoção de Juízes Federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade e merecimento, alternadamente; e

III – três quintos dentre Juízes Eleitorais.

§ 1º [...]

§ 2º [...]

§ 3º [...]

Art. 2º. O artigo 118 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos §§ 1º e 2º com a seguinte redação:

Art. 118 […]

I - [...]

II - [...]

III - [...]

IV - [...]

§ 1º A investidura no cargo de Juiz Eleitoral será mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

§ 2º Em períodos não eleitorais, o Juiz Eleitoral gozará das prerrogativas dos Juizes Federais elencadas nos artigos 95 e 109 estando habilitados a exercer as funções jurisdicionais e administrativas nos órgãos da Justiça Federal.

Art. 3º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Característica marcante da Justiça Eleitoral no Brasil é não possuir um quadro próprio de juízes no que se refere às eleições. Não temos, portanto, uma Magistratura Eleitoral. Já o citado Ministro Mário Guimarães observa:

‘Verdadeiramente, pois, não se dirá que existem juízes eleitorais – há juízes de direito em funções cumulativas eleitorais.’

Ao falar sobre as características institucionais da Justiça Eleitoral, dentre as quais ressalta essa falta de quadro próprio de juízes, esclarece FÁVILA RIBEIRO: Trazendo por empréstimo de outras áreas, ingressam os magistrados na Justiça Eleitoral com o elenco de garantias constitucionais que não lhes devem faltar para que possam retribuir à coletividade com destemerosa atuação

O Código Eleitoral (Lei 4.737, de 15.01.1965) trata dos Juízes Eleitorais no Título III, da Parte Segunda, compreendendo os arts. 32 a 35. No art. 35 estão elencadas as atribuições dos Juízes Eleitorais. São dezenove incisos que delimitam toda a sua competência. Essa enumeração, entretanto, não é exaustiva, pois as Resoluções do TSE e as leis extravagantes em matéria eleitoral sempre trazem novas atribuições.

O Juiz Eleitoral é, para a maioria das pessoas, um ilustre desconhecido, assim como um juiz bissexto que só aparece de eleição em eleição, para assinar títulos e apurar votos. Para alguns políticos é um incômodo que, intitulando-se representante da Lei e da Justiça, dificulta seus objetivos e suas táticas eleitorais.

Responsável pelo êxito ou pelo desastre de uma eleição, passa seu trabalho diuturno despercebido da maioria da população. No fim, diploma os eleitos, coroando-os pela vitória eleitoral alcançada, como um estranho naquele ninho festivo. E depois, o que recebe? O início de uma estafa, as imprecações dos derrotados e a expectativa de ter seu trabalho criticado com os eventuais recursos. Esporadicamente ouve uns tímidos louvores pelo seu comportamento.

As sucessivas etapas de um calendário eleitoral, culminando com uma apuração, é um trabalho que exige muito de um Juiz Eleitoral, às vezes além de suas forças físicas. Notadamente quando ele acumula duas ou três Zonas.

Ressalto esses aspectos para reclamar mais reconhecimento, mais valorização e mais garantia ao trabalho do Juiz Eleitoral. Afinal, é sobre esse funcionário quase anônimo, caluniado, que vai cair a responsabilidade última de viabilizar o tão alardeado instrumento das democracias: as eleições.

Face sua importância para o bom andamento do processo eleitoral, por que não definir sua escolha mediante aprovação em concurso público? Para que não recaia a crítica da ociosidade em períodos não eleitorais, o Juiz Eleitoral concursado poderia exercer funções jurisdicionais e administrativas nos diversos órgãos da justiça, sempre carentes de magistrados em número suficiente para o melhoramento da celeridade processual.

Diante do exposto, esperamos contar com o apoio de nossos ilustres Pares no Congresso Nacional para a aprovação desta Proposta de Emenda à Constituição.

Sala das Sessões, em

Deputado Ribamar Alves, PSB/MA

3 Consideração propedêutica acerca dos juízes eleitorais

Ainda que não seja cerne do tema analisado, cabe consignar apontamentos em relação ao entendimento majoritário, segundo o qual o ordenamento atual não possuiria cargos de juiz eleitoral, mas funções.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas em face da pertinência temática, lançamos questões que se nos afiguram úteis ao tratamento acerca do tema por parte do leitor.

Por concisão, partimos do ensinamento de Costa (2008, p. 257), que expressa que os juízes eleitorais:

[...] são magistrados togados, pertencentes à carreira da Justiça Estadual. Exercem a função eleitoral quando lotados em comarcas de única vara, que sejam sede de zona eleitoral, ou quando sejam designados pelo TRE, no caso de comarca com mais de uma vara. O exercício da função eleitoral deve ser feita [sic] por magistrado de posse de todas as garantias constitucionais da investidura no cargo, sendo exercida contemporaneamente à atividade jurisdicional comum, nada obstante, em data fixada no calendário eleitoral, devam os primeiros feitos ter preferência sobre os últimos.

Já a respeito do conceito cargo, Di Pietro (2008, p. 480-481) cita a seguinte lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “[...] os órgãos ‘nada mais significam que círculos de atribuições, os feixes individuais de poderes funcionais repartidos no interior da personalidade estatal e expressados através dos agentes neles providos’” (Grifos no original.)

De forma mais analítica, Mello (1998, p. 155) diz que:

Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de

Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

É fato que, por previsão constitucional, o exercício da função eleitoral, nas zonas eleitorais, é conferido a magistrados estaduais togados, sim, mas à míngua de concurso público específico para a função eleitoral e em caráter temporário. Tal constatação, por si só, não pode levar à conclusão de que qualificá-lo como cargo incorreria em impropriedade terminológica. Isso porque, adotando-se tal lógica, por via de consequência todos os cargos de nomeação sem concurso público seriam meras funções.

De outra banda, é possível argumentar que não pode dar azo à interpretação de que não se trata de cargo o fato de atualmente a criação não se dar por lei. Nesse sentido, a questão constituiria exceção que deve ser somada àquela relativa aos serviços auxiliares do Legislativo identificada por Celso Antônio Bandeira de Mello.

Assim, não é de todo impossível a defesa de que os magistrados estaduais, no exercício da jurisdição eleitoral, não apenas exercem a função eleitoral como estão na posse de um cargo público. Isso porque o juiz eleitoral encarna a mais simples e indivisível unidade de competência expressada por um agente, prevista em número certo, com denominação própria, retribuída por pessoas jurídicas de Direito Público e criada por meio do diploma normativo hábil.

4 Dos pontos sensíveis da PEC

Restringindo-se a análise à suma da justificação da PEC em comento, afigurar-se-ía que a Proposta prestigia a jurisdição eleitoral. Tendo-se em mente, porém, a necessária distinção entre mens legislatoris e mens legis, há de se avançar a análise ao âmbito dos enunciados prescritivos propostos e, mais especificamente, à correlação destes com o sistema jurídico.

Assim é que a redação do § 2º que se pretende, incluído ao art. 118 da Constituição da República Federativa do Brasil (CF) enuncia que, durante o período não eleitoral, atribuir-se-íam aos juízes eleitorais “as prerrogativas dos Juízes Federais elencadas nos artigos 95 e 109”. Em interpretação a contrario sensu – e sem o emprego do método sistemático –, possível é a conclusão de que a inovação constitucional importaria na criação de cargos com a denominação juiz eleitoral, a serem preenchidos por concurso público, destituídos seus empossados, porém, das prerrogativas da magistratura durante o período eleitoral. E daí resulta que a Proposta possui pontos críticos, sensíveis, que serão tratados mais detidamente.

4.1 Do período eleitoral como marco temporal

Impende salientar que o termo período eleitoral não é unívoco, sendo, mais do que ambíguo, vago, visto que possuidor de um rol de acepções superior a duas.

Encerrado o período eleitoral, ações judiciais concernentes às eleições próximas passadas podem ainda ser propostas; valendo denotar (I) as ações de investigação por captação e gastos ilícitos para fins eleitorais (Lei 9.504/1997, art. 30-A) e (II) as ações de investigação judicial eleitoral (Lei Complementar n. 64/1990, art. 22). Em relação às ações de investigação judicial eleitoral, embora o art. 22, inciso XV, da Lei Complementar n. 64/1990 preveja as eleições como o marco final, o Tribunal Superior Eleitoral tem, na expressão do Desembargador Cerello (2002), “alongado esse termo final até a sessão de diplomação”.

Quer seja intencional ou não, a ausência de delimitação semântica do conceito período eleitoral, por parte do constituinte derivado, não pode ser reputada como defeito, embora configure questão relevante a ser enfrentada. Efeito da constatação exposta é que, caso aprovada a PEC com a redação original, a expressão eleita como descrimen carecerá de definição até que o Legislativo e/ou Judiciário o delimitem, afastando a vagueza.

Lançadas tais considerações inaugurais, cabe tratar das implicações da Proposta em face das garantias dos magistrados.

4.2 Das garantias do Poder Judiciário e dos magistrados

Como ponto de partida, cabe salientar a distinção entre as garantias do Poder Judiciário e as dos magistrados. Para Silva (2001, p. 578):

Essas garantias assim se discriminam: (1) garantias institucionais, as que protegem o Poder Judiciário como um todo, e que se desdobram em garantias de autonomia orgânico-administrativa e financeira; (2) garantias funcionais ou de órgãos, que asseguram a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário, previstas, aliás, tanto em razão do próprio titular mas em favor ainda da própria instituição. [Grifos no original.]

4.2.1 Das garantias institucionais do Poder Judiciário

As garantias institucionais, de acordo com Moraes (2009, p. 504-505):

Dizem respeito à Instituição como um todo, ou seja, garantem a independência do Poder Judiciário no relacionamento com os demais Poderes.

Tão importantes são as garantias do Poder Judiciário que a própria Constituição considera crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra seu livre exercício, conforme o art. 85, pois, como afirma Carlos S. Fayt, as imunidades da magistratura não constituem privilégios pessoais, mas relacionam-se com a própria função exercida e o seu objeto de proteção contra os avanços, excessos e abusos dos outros poderes em benefício da Justiça e de toda a Nação. A magistratura se desempenha no interesse geral e suas garantias têm fundamento no princípio da soberania do povo e na forma republicana de governo, de modo que todo avanço sobre a independência do Poder Judiciário importa em um avanço contra a própria Constituição [Grifos no original.]

4.2.2 Garantias funcionais

As garantias funcionais atribuídas constitucionalmente aos juízes visando a propiciar a independência e a imparcialidade que esse munus público exige, segundo Silva (2001, p. 580): “[...] podem ser agrupadas em duas categorias: a) garantias de independência dos órgãos judiciários; b) garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários”.

No mesmo sentido, Moraes (2009, p. 504), ao asseverar:

As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm assim como condão conferir à instituição a necessária independência para o exercício da Jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois, os predicamentos da magistratura como privilégio dos magistrados, mas sim como meio de assegurar o seu livre desempenho, de molde a revelar a independência e autonomia do Judiciário. Hamilton, no Federalista, comparava as garantias dos Juízes às do Presidente da República norte-americana. Dizia que os juízes, por serem vitalícios, necessitam de garantias mais fortes e duradouras que o Presidente.

4.2.2.1 Garantias funcionais de independência

As garantias de independência, de acordo com José Afonso da Silva, são a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, e estão presentes no texto constitucional no art. 95 da CF.

Importa frisar que as garantias da magistratura, entretanto, não devem ser confundidas com as prerrogativas legais do juiz, previstas no art. 33 da Lei de Organização da Magistratura Nacional. Isso porque as prerrogativas legais do juiz se destinam à proteção da sua figura como agente público e pessoa natural.

4.2.2.2 Garantias funcionais de imparcialidade

Imparcialidade significa adoção de uma postura equidistante em relação às partes na relação processual.

Ainda que existente a correlação de mútua implicação entre independência e imparcialidade, explica ROCHA (1995, p. 30) que:

Independência e imparcialidade, embora conceitos conexos, eis que servem ao mesmo valor de objetividade do julgamento, no entanto têm significações diferentes. Enquanto a imparcialidade é um modelo de conduta relacionado ao momento processual, significando que o juiz deve manter uma postura de terceiro em relação às partes e seus interesses, devendo ser apreciada em cada processo, pois, só então é possível conhecer a identidade do juiz e das partes e suas relações, a independência é uma nota configuradora do estatuto dos membros do Poder Judiciário, referente ao exercício da jurisdição em geral, significando ausência de subordinação a outros órgãos.

E, apesar de escólios no sentido de que não se confundem o conceito independência do Poder Judiciário, tomado como instituição - tema afeto à separação dos Poderes –, e o de independência dos juízes, a PEC em comento possui pontos críticos. Com efeito, pode-se asseverar que o conceito de jurisdição é indissociável, em nosso ordenamento, das garantias afetas à magistratura, que vêm em defesa da concretização da Justiça, e não dos juízes.

A partir da premissa insculpida, vale consignar que: (I) as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios são atinentes à magistratura como um todo – ao contrário do que enuncia a justificação da comentada PEC –, e não específicos da magistratura federal; e (II) sem desmerecer competências dos demais ramos do Poder Judiciário, as garantias da magistratura – que, como é cediço, não são retiradas dos juízes estaduais quando atualmente exercem a jurisdição eleitoral – são tanto mais, e não menos, necessárias exatamente quando do exercício da função jurisdicional eleitoral: isso porque garantem a independência do magistrado, ao não temer abusos – especialmente do poder político, mas também do econômico – em retaliação a suas convicções jurídicas externadas; e, mais, garantindo-se a independência, potencializada resta a concretização da imparcialidade.

Em reforço ao exposto, as seguintes considerações de Ramayana (2007, p. 16-20) acerca do Direito Eleitoral e do papel do Poder Judiciário em face das ameaças à Democracia:

O Direito Eleitoral deve ser considerado uma pedra angular na edificação dos regimes democráticos e o único capaz de defender, com eficácia – se amoldado corretamente e dotado de imediata incidência –, a liberdade na votação e a autonomia individual do eleitor, principalmente, através de mecanismos prévios, concomitantes e posteriores das candidaturas e do mandato eletivo, criando-se um senso eleitoral como meio eficaz de moralização das urnas, escoimando-se dos vilipêndios, ilegalidades abusivas e manipulação do eleitorado com a fabricação de representantes políticos.

[...]

A normatividade do Direito Eleitoral lastreia-se numa realidade inafastável, na medida em que as questões e os litígios eleitorais necessitam ser resolvidos de forma imparcial, e com intervenção absolutamente independente dos pronunciamentos exclusivamente partidários e políticos, em especial, quando são atingidos direitos sociais, difusos e que dizem respeito à lisura do processo democrático.

[...]

A imperiosa e inafastável conclusão de assegurar-se a maior lisura do processo democrático é a base fundamental de deixar ao Poder Judiciário o controle das fases do processo eleitoral (alistamento, votação, apuração e diplomação), bem como as lides concernentes ao exame dos abusos, desvios e vícios dos mandatos eletivos.

Não há, portanto, como subtrair da apreciação jurisdicional a matéria eleitoral ou formatar-se sistema que possua um caráter híbrido, misto, deixando que o Judiciário e o Legislativo apreciem as questões eleitorais, quando estas estiverem fora das fronteiras meramente partidárias – interna corporis; até porque se deve trazer o caso a juízo para ter-se a certeza da natureza da questão posta em apreciação.

4.3 Da relação com o § 1º do art. 121 da CF

Delineada a relevância das garantias da magistratura no desempenho da função judicante de cunho eleitoral, cabe referir que a PEC analisada não altera o teor do § 1º do art. 121 da CF, que segue:

Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.

§ 1º  Os membros dos tribunais, os juízes de direito e os integrantes das juntas eleitorais, no exercício de suas funções, e no que lhes for aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis.

Do ponto de vista lógico, em face da correlação temática, a PEC sob análise deveria ter atentado para o dispositivo. Com efeito, mantendo-se o texto atual da PEC n. 338/2009, o texto da Carta Constitucional passaria a conter discrepância terminológica entre a nova carga significativa da expressão juízes eleitorais, como cargo provido por concurso público, e a expressão juízes de direito contida no § 1º do art. 121 da CF.

Mais relevante, porém, do que a discrepância terminológica identificada é a argumentação de que, ainda que eventualmente aprovada a Proposta com sua atual redação, a aplicação do método sistemático tenderá a acarretar, por incidência do § 1º do art. 121 da CF, a interpretação de que gozarão os juízes eleitorais de plenas garantias e inamovibilidade. E, mais, que tais plenas garantias e inamovibilidade são referidas às garantias constantes do art. 95 e seus dispositivos da CF.

4.4 Da alteração do art. 107 da CF

Por fim, vale assinalar que a referida PEC propõe alteração do art. 107 da CF, que trata da composição dos tribunais regionais federais, que passaria a ser a seguinte: 1/5 dentre advogados e membros do Ministério Público Eleitoral, alternadamente, mero 1/5 dentre os juízes federais e, excessivos, 3/5 de egressos da “magistratura” eleitoral. Da fórmula proposta, salta à percepção a probabilidade de que relação de proporção entre juízes federais e futuros “juízes” eleitorais conste invertida na proposta, sendo provável que tenha decorrido de equívoco, pelo que destoaria do real querer do deputado.

Especulativamente, porém, pode-se arriscar que o pretendido fosse alteração do art. 120 da Constituição, que trata da composição dos tribunais regionais eleitorais – o que, inclusive, conferiria mais coerência ao propalado intento da proposta: criação dos cargos de juiz eleitoral, sim, mas como meio de atribuir mais prestígio à jurisdição eleitoral. E, seguindo-se a mesma lógica do período frásico anterior, a forma de constituição do TSE também – embora não haja relação de decorrência lógico-jurídica necessária – tenderia a ser modificada, aí por meio de alteração da redação do art. 119 da CF.

5 Conclusão

As questões aqui abordadas, notadamente as apontadas como pontos sensíveis da PEC n. 338/2009, não nulificam a relevância e atualidade da discussão acerca de eventual criação do cargo por concurso público e da carreira de juiz eleitoral.

É exatamente a importância do tema e o interesse da superveniência de um substrato mais adequado à discussão que torna mister frisar que eventual aprovação da referida PEC, com redação que mantenha as proposições normativas aqui apontadas como críticas, ao contrário de fortalecer, pode acarretar duro golpe à Justiça Eleitoral. Isso desde que não se atente para a necessidade de aplicação do § 1º do art. 121 da CF ou que o resultado jurídico de sua aplicação resulte num espectro de garantias mais restrito do que aquele decorrente do art. 95 da Constituição. O que deve ser de todo evitado é a pior hipótese, qual seja, a de uma redação da PEC que implique a substituição no exercício da jurisdição eleitoral dos juízes estaduais – que exercem a função eleitoral como agentes políticos e no gozo das garantias da magistratura –, por meros servidores. Em tal hipótese, o emprego da expressão “funcionários” para designar os juízes eleitorais, constante da justificação da mencionada PEC, mais do que impropriedade terminológica, poderia se tornar infeliz destino jurídico imposto à (I) magistratura e à (II) jurisdição eleitorais. E, efeito reflexo, o emprego de ambos os vocábulos destacados em associação expressa ou implícita ao termo eleitoral acarretaria expressões que, em rigorosa linguagem técnico-jurídica, passariam a requerer grafia entre aspas.

6 Referências bibliográficas

CERELLO, Anselmo. Ação de investigação judicial eleitoral. RESENHA ELEITORAL - Nova Série, Florianópolis, v. 9, n. 2, jul./dez. 2002. Disponível em: www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/biblioteca/doutrinas/anselmo3.ht. Acesso em: 24 jun. 2009.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 7. ed. Niterói/RJ: Impetus, 2007.

ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 578.

* Bacharel em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Analista Judiciário do TRESC.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, vol. 17, 2010.

 

 

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