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Íntegra

Condições de elegibilidade e inelegibilidade

Por: Eduardo Antônio Dantas Nobre

01. A Constituição Federal, arts. 14 a 16, regulou o exercício da soberania popular, desdobrando, para tanto, o principio substanciado no seu art. 1°, parágrafo único: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

02. Ressai, do dispositivo transcrito, que, com o fito de assegurar a eficácia do princípio democrático, a Constituição incorporou, ao seu texto, instituto de democracia semidireta, imprimindo, assim, maior efetividade ao principio participativo.

03. Feita esta preambulação, impende remarcar que a Carta Política, para viabilizar a participação do povo no processo governamental, concebeu os direitos políticos, os quais, encerrando um conjunto sistemático de normas destinadas a disciplinar a atuação da soberania popular, vêm regulamentados, em nível subconstitucional, pelo Código eleitoral - Lei n. 4.737, de 1965 -, pela Lei de Inelegibilidades - Lei Complementar n. 64, de 1990 - e pela Lei dos Partidos Políticos - Lei n. 9.096, de 1995.

04. Frise-se: a expressão direitos políticos, que, para os fins cogitados, deve ser tomada em sua acepção estrita, alberga o conjunto de normas voltadas para a solução das questões eleitorais, incluindo-se, dentre elas, o alistamento, o voto e os critérios orientadores do oferecimento de candidatos a registro.

05. Pimenta BUENO, um dos mais lúcidos publicistas brasileiros, introduziu, nas nossas letras jurídicas, o sentido aqui evidenciado, escrevendo que os direitos políticos são "...as prerrogativas, os atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo do seu pais, intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos" (in: Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro, Ministério da Justiça, 1958. p. 458).

06. A lição colacionada, que remonta à Constituição do Império, aderem sem vacilações os constitucionalistas contemporâneos, como mostra Rosah RUSSOMANO, no excerto adiante reproduzido: "...os direitos políticos, visualizados na sua concepção estrita, encarnam o poder de que dispõe o indivíduo na estrutura governamental, através do voto" (in: Curso de direito constitucional, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1972, p. 186).

07. Os direitos políticos, como já se tornou correntio entre os constitucionalistas, encerra duas vertentes fundamentais: o direito de votar e o direito de ser votado.

08. O ponto assinalado conduz, necessariamente, ao estudo da cidadania, que, pressupondo a condição de nacional, torna possível a participação do indivíduo no processo governamental, ou na investidura dos Poderes soberanos, mediante o exercício do direito de voto.

09. Como a cidadania, que se adquire com a obtenção do título de eleitor, constitui "...um status ligado ao regime político" ( FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 99; e verbete Direitos políticos, Enciclopédia Saraiva do direito, v. 28, p. 263), desponta, como verdade indisputável, a de que os direitos associados ao regime político compreendem os direitos típicos do cidadão, em especial aqueles vinculados à democracia.

10. A propósito, assertoou Rafael BIELSA (in: Derecho constitucional) que "... a cidadania denota a capacidade política de um direito a formar o governo com o voto", ministrando, assim, lição que se compatibiliza, em tudo por tudo, com o magistério de Norberto BOBBIO (in: Dicionário de política), segundo o qual "a condição de cidadania atribui ao indivíduo uma situação específica no sistema político, com um status que corresponde a um conjunto de funções. Mas a cada um destes corresponde um complexo de expectativa de comportamento."

11. Sob outro ângulo de análise, tenha-se presente que a cidadania, enquanto direito apto a possibilitar a participação da pessoa natural na vida política do Estado, exsurge sob duas faces que não se excluem, mas que atuam em relação de complementaridade: a cidadania ativa e a cidadania passiva. 12. De referência ao primeiro aspecto - ativo -, cabe realçar que a cidadania se instala na esfera individual, e se projeta ativamente nas decisões afetas à soberania popular, quando o indivíduo, implementando a idade mínima de dezesseis anos, adquire condições de exercitar o direito de voto.

13. Porém, à medida em que aumentam os seus níveis de maturidade, o cidadão pode ampliar a sua atuação política, assegurando-lhe as normas constitucionais de regência da matéria a faculdade de empreender o outro viés reconhecido à cidadania: o direito de ser votado.

14. Destarte, é possível visualizar, no circulo concêntrico em que se coloca a cidadania, um grau mínimo e um grau máximo. O grau mínimo aparece quando o sujeito alça à idade mínima de dezesseis anos, pois, a partir desse instante, ele se transforma em um eleitor em potencial, como se tem da disposição inscrita no art. 14, § 1°, II, "a", da Constituição Federal, que considera facultativos o alistamento e o voto para "maiores de dezesseis e menores de dezoito anos". O grau máximo, por seu turno, é atingido quando o cidadão completa trinta e cinco anos de idade, porquanto, desde esse instante, ele pode postular os elevados cargos de Presidente da República, de Vice-Presidente da República e de Senador da República (CF, art. 14, § 3°, IV, "a").

15. Entre esses dois marcos - graus mínimo e máximo -, situam-se os estágios intermediários da cidadania, eis que, podendo concorrer a um mandato de Vereador aos dezoito anos, o eleitor precisa implementar vinte e um anos para conquistar uma cadeira de Deputado Federal ou de Deputado Estadual; inteirar trinta anos para se tornar detentor de um mandato de Governador ou de Vice-Governador.

16. A cidadania, como vista nos tópicos anteriores, leva ao estudo da elegibilidade, que, enquanto capacidade eleitoral passiva, erige o cidadão em destinatário da escolha popular.

17. É dizer: considera-se elegível o cidadão que, preenchendo as condições veiculadas pelas normas constitucionais e infraconstitucionais atinentes à matéria, apresenta-se em ordem a concorrer a um mandato eletivo.

18. A doutrina formula três proposições tendentes a resolver o problema da elegibilidade: (a) a coincidência entre a elegibilidade e a alistabilidade, que se reduz à capacidade eleitoral ativa, ou ao poder devotar; (b) a desvinculação entre as qualidades de eleitor e elegível; e (c) a insuficiência da alistabilidade para gerar elegibilidade, competindo ao eleitor aliar a esse pressuposto outros predicamentos, mais ou menos amplos, de acordo com o conteúdo e a extensão democrática do regime.

19. Entre nós, restou positivado o sistema por último enunciado, como se tem da regra inserta na Lei n. 4.737, de 1965, art. 3°, assim concebida: "Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade."

20. Além do elemento idade, que deve observar os limites indicados em outro ponto deste trabalho, constituem condições de elegibilidade: (a) a nacionalidade brasileira; (b) o pleno exercício dos direitos políticos; (c) o alistamento eleitoral; (d) o domicílio eleitoral na circunscrição; e (e) a filiação partidária.

21. A elegibilidade pressupõe, antes de mais nada, a nacionalidade brasileira, que, para os fins cogitados, não distingue entre os brasileiros natos e os brasileiros naturalizados, ressalvados, quanto a estes últimos, os cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República (CF, art. 12, § 3°,1).

22. A elegibilidade, gerada pelo exercício dos direitos políticos, pode coincidir com a cidadania semiplena ou com a cidadania plena. No primeiro caso, basta que o postulante ao mandato, em razão da idade, possa candidatar-se aos cargos de Vereador, Prefeito, Vice-Prefeito, Deputado Federal, Deputado Estadual, Governador e Vice-Governador. No segundo caso, exige-se que o cidadão, preenchendo o requisito da idade, possa concorrer à Presidência ou à Vice-Presidência da República.

23. A ordem constitucional decaída não incluía, às expressas, a filiação partidária entre as chamadas condições de elegibilidade. Nada obstante, entendia-se, sem discrepância, que essa exigência guardava conformidade com a Carta Política, uma vez que dela só ficaram dispensados os militares da ativa, como observou Celso Ribeiro BASTOS, forte no magistério de José Afonso da SILVA (in: Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, v. 2, p. 583).

24. Entre nós, o regime democrático tem nítida sustentação partidária, cabendo aos partidos fazer a indispensável intermediação entre o povo e os governantes. Via de conseqüência, em obséquio ao princípio democrático, a filiação partidária incorporou-se ao elenco das condições de elegibilidade, não sendo admitidas as candidaturas avulsas.

25. O requisito do domicílio eleitoral, que provém da Emenda n. 14, à Constituição de 1946, inspirou-se no intento de imprimir maior autenticidade à representação por quem esteja, há algum tempo, vinculado à comunidade. Alega-se em beneficio dessa tese, outrossim, que tal exigência visa a impedir que alguém, inelegível em um lugar, busque o mandato em outro.

26. Todavia, alguns cultores do Direito Constitucional, destacando-se, dentre eles, o Professor Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO (in: Comentários à constituição brasileira de 1988, Saraiva, 1990, v. 2, p. 127), sustentam que essa condição traduz um cerceamento injustificado à vontade do eleitorado, ao argumento de que cabe ao povo, em derradeira análise, decidir se lhe convém um estranho em lugar dos homens da terra.

27. Ao lado da elegibilidade, coloca-se a inelegibilidade, que, incidindo em caráter temporário ou definitivo, impede que se submeta à escolha popular, para a disputa de determinados cargos ou de todo e qualquer cargo, quem esteja no gozo dos seus direitos políticos.

28. As inelegibilidades, encontrando-se vocacionadas para proteger a normalidade e a legitimidade das eleições do exercício abusivo de cargo, emprego ou função, nas administrações direta ou indireta, ou da influência nociva do poder econômico, possui um indisfarçável fundamento ético. Por isso, elas se despem da indispensável legitimidade quando inspiradas em motivos políticos, ou na pretensão de preservar o exercício do poder pelo grupo conceituável como situacionista.

29. Assim, com o intuito de defender a democracia, a Constituição, ademais de estabelecer diversos casos de inelegibilidade, editando, para tanto, um plexo de normas dotadas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, deferiu à lei complementar a previsão de outras situações, como evidencia o preceito insculpido no seu art. 14, § 9°.

30. Referida lei complementar, em virtude de ressalva constitucional expressa, tem a incumbência de resguardar a normalidade e a legitimidade das eleições, defendendo-as contra o exercício de cargo, emprego ou função, sem o devido comedimento, mediante a criação de outros casos de inelegibilidade e do estabelecimento dos respectivos prazos de cessação.

31. Não se imagine, porém, que apenas esses outros casos de inelegibilidade tenham por objeto a normalidade e a legitimidade das eleições, pois esse binômio encerra, desenganadamente, o desiderato, do constituinte e do legislador no trato da matéria. Dito por outras palavras: a normalidade e a legitimidade das eleições substanciam o fundamento de todas as inelegibilidades, tenham elas ou não status constitucional. A explicitação do objeto, no tocante às inelegibilidades enunciadas pela lei complementar, mostrou-se necessária porque, como restrições a direitos políticos, é de todo imprescindível que os seus fins e fundamentos sejam expressa e claramente indicados.

32. Diversa não é a conclusão que ressuma da lição ministrada pelo Professor José Afonso da SILVA:

"O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos, de votar e de ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo, como vimos, é que o erige em cidadão. Sua privação ou restrição ao seu exercício configuram exceções àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve tender à maior compreensão do principio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e ser votado, enquanto as regras de privação e restrição há de entender-se nos limites estritos de sua expressão verbal, segundo as boas regras de hermenêutica". (in: Curso de direito constitucional positivo, 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 335).

33. No esquema traçado pelo constituinte, as inelegibilidades distinguem-se, em um primeiro momento, em razão da força com que incidem sobre as situações emergentes.

34. No que tange a esse aspecto, é possível identificar, ao lado das inelegibilidades absolutas, as inelegibilidades relativas.

35. As inelegibilidades absolutas, que se erguem em impedimento a toda e qualquer candidatura, decorrem, direta e imediatamente, da vedação imposta à alistabilidade dos analfabetos -CF, art. 14, § 4° -, exaurindo-se nela, pois, como deflui das normas constitucionais pertinentes à essa relevante questão temática, excetuados os cargos reservados aos brasileiros natos -CF, art. 12, § 3°, I a VI -, afigura-se defeso à lei ordinária, ou mesmo à lei complementar, criar incompatibilidades definitivas à elegibilidade dos nacionais, natos ou por naturalização

36. As inelegibilidades relativas, por seu turno, decorrem dos motivos adiante alinhados: (a) o exercício de determinados cargos; (b) o parentesco com os exercentes dos cargos de Presidente da República, de Governador do Estado ou do Distrito Federal e de Prefeito do Município; (c) a ausência de domicilio eleitoral; e (d) a falta de filiação partidária, ou a sua efetivação em desacordo com a disciplina instituída pela Lei dos Partidos Políticos - Lei n. 9.096, de 1995.

37. Com atinência à inelegibilidade gerada pela exercitação das Chefias dos Executivos, nos planos federal, estadual ou municipal, urge convir que a Emenda Constitucional n. 16, do último dia 4 de junho, admitindo a reeleição do Presidente da República, dos Governadores de Estado ou do Distrito Federal, dos Prefeitos Municipais e de quem os houver sucedido no curso do mandato, "para um único período subseqüente..." - CF, art. 14, § 5° -, ao tempo em que rompeu uma tradição que tendia a se afirmar no quadro constitucional brasileiro - CF de 1891, art. 43 e § 1°; CF de 1934, art. 121, I, "a", que estendia a inelegibilidade, inclusive dos Governadores, dos Interventores, do Prefeito do Distrito Federal e dos Ministros de Estado a todo o território nacional, até um ano depois de cessadas, definitivamente, as respectivas funções; CF de 1946, art. 139, que tinha por inelegíveis o Presidente e o Vice-Presidente da República, I, "a"; os Governadores e os Interventores Federais, art. 139, II; e os Prefeitos Municipais, art. 139, III; e CF de 1967, art. 151, parágrafo único, "a" -, quebrou a harmonia sistêmica das normas constitucionais sobre inelegibilidades, que visam, em derradeira análise, a evitar o uso do cargo em favor da reeleição do titular, de sua eleição para cargo diverso, ou ainda da eleição de quem com eles mantenha vínculo de parentesco, nos graus assinalados pelo art. 14, § 7°, da Constituição Federal.

38. Sobreleve-se: a Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997, afastou-se, de modo irremediável, da motivação que redundou, originariamente, na norma inserta no art. 14, § 5°, da Carta Política: a preservação do regime democrático, cuja legitimidade pode ser quebrada pelo abuso do poder de autoridade ou econômico.

39. Mas não é só: iniciada a vigência da Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997, passaram a carecer de coerência sistêmica as demais inelegibilidades explicitadas na Lei Maior, pois não parece lógico que os mais altos dignitários dos Executivos Federal, Estadual ou Municipal, permanecendo nos cargos persigam a própria reeleição, mas necessitem renunciar, nos seis meses anteriores ao pleito, para viabilizar (a) suas candidaturas a outros cargos, ou (b) as pretensões eleitorais dos seus cônjuges ou parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.

40. As relações de parentesco com os Chefes do Executivo alcançam, para o efeito de germinar inelegibilidade, os protagonistas de relações concubinárias, por força da disposição inscrita no art. 226, § 4°, da Constituição Federal, que reconhece como unidade familiar, e, por conseguinte, como destinatária da proteção do Estado, a "... união estável entre o homem e a mulher" (REsp. n. 14.003- . MS, Rel. Min. Nilson NAVES).

41. Contudo, as normas sobre inelegibilidades, que se conformam como restrições a direitos políticos, operam de modo eminentemente tópico, não comportando, portanto, interpretação extensiva nem integração analógica.

42. Pois bem: como as relações parentais, a teor da legislação civil, requestam, para o seu nascimento, a existência de um casamento legítimo, é imperioso concluir que o impedimento à elegibilidade, se germinado da união concubinária, permanece restrito aos parceiros ou conviventes, não atuando sobre a parentela dos sujeitos assim relacionados (REsp. n. 13.369- PE, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO; REsp. n. 12.972- BA, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO).

43. No particular, deve ser visualizada, em primeiro plano, a situação que se apresenta no plano fático, que, por isso, prevalece sobre o mero preenchimento das formalidades legais, como ocorre com a convivência marital sobrevivente ao divórcio (REsp. n. 13.236 - Rel. Min. Eduardo ALCKMIN). Mas, caso os cônjuges ainda se mantenham ligados pelo casamento, opera a vedação constitucional, pouco importando uma real separação de corpos autorizada em sede de processo cautelar (REsp. n. 12.921 -TO, Rel. Min. Diniz de ANDRADA).

44. Em decisão recente (REsp. n. 14.385 - RJ, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO), o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que, dissolvendo a sociedade conjugal, o evento morte elimina a inelegibilidade da viúva do Prefeito.

45. Por fim, tenha-se presente que a jurisprudência, forrada no preceito insculpido no art. 14, § 7°, da Constituição Federal, proclamou a inelegibilidade do filho e do irmão do Prefeito falecido no exercício do cargo (REsp. n. 13.871, Rei. Min. Eduardo ALCKMIN), fazendo nascer orientação que tende a prevalecer, por identidade de situação, quanto ao Presidente da República e ao Governador de Estado.

46. No contexto das inelegibilidades de cunho constitucional, merece especial referência a que se conforma, em concreto, com o perfazimento da hipótese desenhada pelo art. 15, III, da Lex Legum, que relaciona, como causa de suspensão dos direitos políticos, "a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos."

47. A despeito da sua redação, que aponta, induvidosamente, para uma norma auto-executável (Rui BARBOSA), bastante em si (Pontes de MIRANDA), de eficácia plena (José Afonso da SILVA) ou exeqüível por si mesma (Jorge MIRANDA), a regra fincada no art. 15, III, da Carta Política, se interpretada em consonância com padrões de proporcionalidade, conduz a uma conclusão certa e inestorcível: encontra-se o legislador autorizado a definir, em lei complementar -CF , art. 14, § 9° -, os crimes cujas condenações, uma vez pronunciadas por sentenças trânsitas em julgado, revelam aptidão para gerar inelegibilidade, pois o contrário eqüivale a nivelar, em tudo por tudo, o autor de crime hediondo àquele que perpetrou infração de reduzida carga ofensiva.

48. Entendimento em causa, contudo, ressente-se de conforto na doutrina, que, desde a ordem constitucional decaída, sustenta a conformação dessa causa de suspensão de direitos políticos ante a sobrevinda de qualquer condenação, ainda que a execução da sentença fique suspensa sob condições.

49. Eis, a propósito, o magistério de Pontes de MIRANDA:

"A condenação criminal suspende, qualquer que seja ela, enquanto eficaz a sentença, os direitos políticos. Não só se a pena é restritiva da liberdade. (...) A Constituição de 1946, art. 135, parágrafo primeiro, III; falou de condenação. Idem a de 1967. Não é a mesma coisa. Nem a ratio legis é a mesma. Ali, atendia-se a restrição à liberdade: preso ou degredado, não podia votar, nem exercer direitos políticos; em conseqüência, bastariam os efeitos adiantados. Aqui não: qualquer sentença condenatória basta; o fundamento é ético; em conseqüência, é preciso o trânsito em julgado" (in: Comentários à Constituição de 1967. 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, t. IV, p. 575/576) (Grifos do original).

50. Esse posicionamento doutrinário conta com os aplausos da jurisprudência, havendo o colendo Tribunal Superior Eleitoral, com espeque no Excelso Pretório, decidido, em várias oportunidades, que a sentença condenatória, mesmo suspensa condicionalmente, coloca o apenado sob a égide do art. 15, III, da Constituição Federal (Recursos Especiais ns.: 13053, Rel. Min Ilmar GALVÃO; 13.062, Rel. Min. Francisco REZEK; 12.862, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO; 13.007, Rel. Min. Nilson NAVES; 13065-SP, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO; 13.027, Rel. Min. Nilson NAVES; 13.042, Rel Min. Ilmar GALVÃO; 12.902, Rel. Min Eduardo ALCKMIN; 14.073, Rel. Min. Nilson NAVES; 14.76, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO; 14.341, Rel. Min. Diniz de ANDRADA; 13.236, Rel. Min. Diniz de ANORADA; 14.119, Rel. Min Francisco REZEK; e 14.315, Rel. Min Francisco REZEK)

51. Mas não é só: a inelegibilidade, quando conexionada com a causa de suspensão de direitos políticos insita no art. 15, III, da Constituição Federal, exsurge, também, como efeito do decreto condenatório, proveniente de processo destinado a apurar a prática de contravenção penal, como decidiu o Colendo Tribunal Superior Eleitoral.

52. Doutro lado, saliente-se que a pronúncia da inelegibilidade, em casos assim, dispensa o manejo da ação impugnativa do registro da candidatura, nos moldes estabelecidos pelo art. 3°, e parágrafos, da Lei Complementar n 64, de 1990, podendo despontar em conseqüência de denúncia, formulada por qualquer eleitor, ou mesmo do conhecimento pessoal do Juiz ou Tribunal a respeito do fato, os quais, para tanto, estão legitimados a agir de oficio (REsp. n. 13.924, Rel. Min. Eduardo RIBEIRO).

53. Remarque-se. quando está em pauta a condenação criminal, a Constituição condiciona a inelegibilidade ao trânsito em julgado da sentença, ressalvando, às expressas, que os direitos políticos permanecem suspensos enquanto subsistirem os seus efeitos.

54, A Constituição limitou esse óbice à elegibilidade, fazendo-o coincidir com a eficácia temporal do decreto condenatório.

55. Sem embargo dessa ressalva, a Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1°, I, "e", afastando-se do caráter restritivo que informa a concepção das normas sobre inelegibilidade, alargou o período de suspensão dos direitos políticos, acrescendo-lhe de mais três anos, contados do cumprimento da pena, se a condenação tiver como causa o tráfico de entorpecentes, ou delitos perpetrados em detrimento da economia popular, da fé pública, do patrimônio público, do mercado financeiro, ou do sistema eleitoral.

56. Ampliação em comento, ao que penso, não se agüenta diante da regra compendiada no art. 15, III, da Constituição Federal, pois, na precisa lição de Pontes de MIRANOA, "não mais havendo a aplicação ou aplicabilidade executiva da pena, não mais se poderia ter por suspensos os direitos políticos" (op. cit., p. 577).

57. Em que pese a procedência dessa formulação, o apontado conflito de normas restou afastado pelo Colendo Tribunal Superior Eleitoral (Recursos Especiais sob ns. 13.643, Rel. Min. limar GALVÂO; 14.639, Rei. Min. Eduardo RIBEIRO; 13.919, Rel. Min. Eduardo AlCKMIN), que ressaltou, de mais a mais, a persistência do impedimento substanciado na lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1°, I, "e", nas situações perfectibilizadas antes de iniciada a sua vigência.

58. A Constituição Federal, arts. 15, VI, e 37, § 4°, reprovou a improbidade administrativa, arrolando-a entre as causas de suspensão dos direitos políticos e tratando-a, decorrencialmente, como fator obstativo da elegibilidade.

59. No particular, o reconhecimento da inelegibilidade reclama a existência de pronunciamento judicial, substanciado em sentença trânsita em julgado, não se admitindo, para esse efeito, que o ato de improbidade ingresse no mundo jurídico por eficiência de decretação incidental, levada a efeito "... em sede de processo de registro de candidato" (REsp. n. 14.204-SP, Rel. Min. limar GALVÃO; REsp. n. 13.314-MG, Rel. Min. Nilson NAVES; e REsp. n. 13.411-SP, Rei. Min. Francisco REZEK).

60. Para dotar de maior eficácia o compromisso ético do agente público com a probidade administrativa, a lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1°, I, "g", tornou inelegíveis, para qualquer cargo, "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes, contados a partir da data da eleição."

61. Com relação a esse dispositivo, que suscitou intensas discussões nos Tribunais Eleitorais, cabe fixar, antes de mais nada, que as contas do Presidente da República e, decorrencialmente, dos Governadores de Estado e dos Prefeitos Municipais, só ensejam inelegibilidade se rejeitadas pelo Poder Legislativo correspondente, afigurando-se desinfluente, para esse efeito, a manifestação emanada do órgão criado para desincumbir-se, de modo ancilar, do controle externo inerente à atividade financeira do Estado (STF, RE n. 132.747, Rei. Min. Marco AURÉLIO; e TSE, Acórdão n. 12.645. Rel. Min. Sepúlveda PERTENCE).

62. Já as contas dos demais responsáveis por bens e dinheiros públicos são apreciadas, em definitivo, pelo correspondente Tribunal de Contas, que, agindo por jurisdição própria, profere decisão em ordem a gerar inelegibilidade, como vêm decidindo, sem discrepância, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, com motivação no preceito insculpido no art. 71, II, da Constituição Federal.

63. Diz o dispositivo em comento que o impedimento á elegibilidade fica afastado com a propositura, a tempo e a modo, de ação judicial tendente a desconstituir a decisão reprovada das contas.

64. Sustentou-se, em um primeiro momento, que essa ação, afeta à competência da Justiça Comum, precisava atacar, um a um, os fundamentos do decreto de rejeição.

65. Mas essa posição, que chegou a merecer o sufrágio da jurisprudência, restou superada por pronunciamentos mais recentes, emanados do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, segundo os quais a só propositura da ação basta para afastar a inelegibilidade, falecendo à Justiça Eleitoral competência para aferir o merecimento de ação sujeita ao processo de julgamento da Justiça Comum.

66. Afora as situações declinadas, que têm sede na Constituição ou aparecem como desdobramentos das disposições nelas inseridas, existem, como motivadoras de inelegibilidades, as previsões substanciadas na Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1°, I a IV. Porém, em virtude dos limites que me impus, abstenho-me de analisar, particularizadamente, as diversas disposições inseridas nos declinados dispositivos legais.

67. Todavia, como o valor normalidade e legitimidade das eleições pode ser turbado no curso da campanha tenho como pertinentes algumas observações a respeito da investigação judicial eleitoral, que, nos precisos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 1990, visa apurar a responsabilidade pelo uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou, ainda, a utilização dos meios de comunicação social em desacordo com o modelo traçado pela ordem jurídica, em beneficio de candidato ou partido político.

68. Essa medida, cuja tramitação obedece às regras veiculadas pela lei Complementar n. 64, art. 22, I a XV, pode levar à cassação do registro da candidatura, sem prejuízo da imposição, ao candidato beneficiado e a quantos hajam contribuído para a prática do ato, da inelegibilidade por três anos, contados da eleição em que se verificou o abuso, servindo, também, para supedanear a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, §§ 10 e 11), ou à interposição de recurso contra a expedição do diploma, se o seu julgamento vier a lume depois de realizadas as eleições (lei Complementar n. 64, de 1990, art. 22, XIV e XV).

69. Para conservar sua eficácia, essa medida, para cujo julgamento, em virtude de ressalva legal expressa, podem concorrer os fatos públicos e notórios, ainda que não constantes dos autos, deve ser julgada em um prazo útil, entendendo-se como talo triênio seguinte à eleição em que se verificou o abuso, que funciona, para esse efeito, como o termo inicial do período assinalado à inelegibilidade, como se ressai de uma interpretação articulada das regras insertas nos arts. 1°, 1, "d" e 22, XIV, da lei Complementar n. 64, de 1990 (TSE, Recursos Especiais ns. 12.686, Rel Min. Costa PORTO; 12.882, Rel. Min. Ilmar GALVÃO; Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral n. 12.882, Rel. Min. Ilmar GALVÃO; e Resolução n. 19.974, Rel. Min. Costa PORTO).

Subprocurador-Geral da República.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 4, n. 2 (jul./dez. 1997).

 

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