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Aspectos processuais do registro de candidatos

Por: Monique Von Hertwig Bittencourt

1 Introdução

A Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, ao contrário das anteriores, tem natureza permanente, pois sem prazo determinado de vigência, fixa normas para todas as eleições a se realizarem após a sua publicação, e, não sofrendo alterações, no decorrer dos próximos meses, é a que regerá as eleições municipais de 2000. Quanto ao procedimento de registro de candidatos, revogou expressamente os arts. 92 e 106, parágrafo único da Lei n. 4.737/65 (Código Eleitoral); art. 50, § 2º e art. 64, § 1º, da Lei que estabeleceu as normas para as eleições municipais de 1996, Lei n. 9.100/95 e o art. 7, § 2º do Decreto-Lei n. 201/67.

Com o objetivo de nos atermos aos aspectos processuais, excluímos quaisquer comentários aos materiais da legislação eleitoral.

Para analisar a efetividade das normas processuais adotadas para o registro de candidatos às eleições, observando o atendimento ao sistema constitucional vigente e aos princípios estabelecidos, não é imprescindível distinguir a jurisdição a qual se encontram subordinadas, embora o façamos nesta pesquisa para melhor compreensão de nossa posição. Cremos fundamental a observância aos princípios estabelecidos doutrinaria e constitucionalmente por terem a finalidade de delineamento do desenvolvimento da relação jurídica através das funções informadoras, normativas e interpretadoras, sob pena de, a falta de atenção àqueles princípios, comprometer os atos processuais em relação a sua validade, constitucionalidade e mesmo, economia e celeridade processuais. A teoria jurídica moderna apresenta soluções condizentes com a expectativa de adequação do direito processual eleitoral ao estado democrático de direito.

2 O procedimento do registro de candidatos, a legislação vigente e as instruções do Tribunal Superior Eleitoral

Os artigos 10 a 16 da Lei das Eleições, que disciplinam o registro de candidatos às eleições pelos sistemas majoritário e proporcional, apresentam uma mescla de normas de essencia material (ou substancial) e processual com a finalidade de determinar os requisitos legais para homologação da candidatura e programar o seu o rito. A Lei Complementar n. 64/90 determina os casos de inelegibilidades e prazos de cessação, prevendo ocasião para impugnação ao registro de candidaturas e os atos processuais a serem adotados nessa ocasião. A Resolução n. 20.100 do Tribunal Superior Eleitoral, em seus artigos 10 a 39, instruiu as eleições gerais de 1998 no que se referia ao registro de candidatos quanto ao sistema normativo material, aos procedimentos e prazos que seriam cumpridos na apreciação de pedidos de registro, impugnações e recursos de pré candidatos e interessados, junto aos Juizes Eleitorais e Tribunais. Para que possam registrar-se junto à Justiça Eleitoral e concorrer às eleições, os pré-candidatos são obrigatoriamente filiados a partidos políticos, e estes, por sua vez, constituem-se hoje pessoas jurídicas de Direito Privado. Acerca do tipo de jurisdição do registro de candidatos, na prática, não existe consenso, até mesmo pela própria forma "de colcha de retalhos" em que apresentada pela legislação pertinente, considerando-o alguns, de jurisdição voluntária de natureza administrativista. Com o que não concordamos uma vez que o Estado não estará administrando interesses privados, no caso, interesses dos partidos políticos, mas interesse público, realizando a prevenção à improbidade administrativa através do exame da capacitação dos pré-candidatos ao estado de candidatos.

Outros acreditam tratar-se de procedimento de jurisdição voluntária tomando o rumo contencioso quando da impugnação. Discordamos, pelos motivos adiante apresentados. O processo de registro de candidatos é orientado pela legislação eleitoral pertinente, Instruções dos Tribunais Eleitorais, através de Resoluções, arts. 87 a 102 do Código Eleitoral e, não estando regulamentado neste, será suplementado pelo Código de Processo Civil, o qual determina que:

"Art. 1º - A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juizes em todo o território nacional, conforme as disposições que este código estabelece."

Os arts. 10 a 16 da Lei Eleitoral e arts. 10 a 17, da Resolução anteriormente referida, não oferecem dúvidas quanto à aplicação do procedimento padrão de jurisdição voluntária previsto pelo Código de Processo Civil:

"Art. 1.104 - O procedimento terá início por provocação do interessado ou do Ministério Público, cabendo-lhes formular o requerimento dirigido ao juiz, devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial."

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 11, § 3º, prevê que, "caso entenda necessário, o Juiz abrirá prazo de setenta e duas horas para diligências", referindo-se, naturalmente, a conduta do juiz em caso de omissões no pedido de registro. O que é corroborado pelas instruções do Tribunal Superior Eleitoral para as últimas eleições gerais:

"Omitido o nome de qualquer candidato, Relator sobrestará o pedido de registro e determinará a notificação do signatário para que seja suprida a omissão, no prazo de vinte e quatro horas, sem prejuízo das sanções cabíveis" (Resolução n. 20.100/TSE, art. 15, parágrafo único).

"...o Relator converterá o julgamento em diligência para que a falha seja sanada..." (Resolução n. 20.100/TSE, art. 18).

O que implica em abertura de prazo, pelo magistrado, para que as omissões sejam supridas pelo próprio interessado ou por serventuário da justiça designado para tal fim, dependendo da ordem judicial, ou seja, o julgador tem a prerrogativa, inerente ao procedimento de jurisdição voluntária de converter o julgamento em diligência como determina o próprio Código de Processo Civil.

Em procedimento de jurisdição contenciosa e de natureza privada, é de iniciativa da parte a produção da prova e ao magistrado não cabe a faculdade de exigi-la, nem tanta liberdade para investigar os fatos. O sobrestamento do pedido de registro para complementação da omissão, previsto na resolução expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, seria impossível sem o emprego do princípio inquisitivo previsto processualmente:

"Os interessados podem produzir as provas destinadas a demonstrar as suas alegações; mas ao juiz é lícito investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas" (Código de Processo Civil, art. 1.107).

Sem dúvida, a interpretação dada à Lei n. 9.504/97 pelo Tribunal Superior, através do art. 15, em seu parágrafo único e do art. 18 da Resolução TSE n. 20.100 que prevêem a conduta do magistrado em caso de omissão no pedido de registro e seu sobrestamento estabelecem a aplicação do princípio inquisitivo ou princípio da investigação de ofício, indo ao encontro do estabelecido pelo art. 1.107 e seguintes do Código de Processo Civil, no Título que trata dos Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária. Através do tempo, os processualistas apresentam critérios diversificados para explicar a diferença entre as jurisdições contenciosa e voluntária. Em Comentários ao Código de Processo Civil, edição de 1976, José Olimpio de Castro Filho, para explicitar tal diferença, demonstra que às teorias, construídas por processualistas de peso, são opostas outras, que praticamente as derrubam. Aponta Echandia, como aquele que desenvolveu critérios de diferenciação mais próximos do ideal apesar de admitir em suas afirmações generalizadas,

"aqui ou ali alguma inexatidão, ou exceções, sobretudo face a este ou aquele direito positivo. Para exemplos: a) na jurisdição voluntária, por vezes os interessados que iniciam o procedimento também buscam efeitos perante terceiros, e não para eles mesmos; b) a posição do juiz, pelo menos nos procedimentos em que surge controvérsia, é a mesma em ambas as jurisdições. Todavia, esse traço característico, para que muitos não atentaram, é realmente da maior importância, pois na jurisdição voluntária domina o princípio inquisitório, que não há na contenciosa, e maiores ainda são os poderes do juiz."1

D'Ambrósio diz que:

"A jurisdição contenciosa pressupõe uma lide, que é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão entendendo-se por pretensão, a exigência de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio. Quando duas ou mais pessoas têm interesse pelo mesmo bem, que a um só possa satisfazer, excluindo-se a outra, configura-se o conflito de interesses. Pede-se, aqui, o amparo jurisdicional para a subordinação das partes às determinações do sistema jurídico. A atribuição ao órgão jurisdicional da possibilidade de dirimir a lide através da aplicação das normas jurídicas aos conflitos de interesses - recebe o nome de jurisdição contenciosa.

"Do exposto concluímos que a contrariedade não é característica da jurisdição contenciosa, mas tão-só a possibilidade de contrariedade e, não é a contenciosidade propriamente dita que distingue uma jurisdição da outra, pois existe um contraditório latente, que pode ou não se exteriorizar."2

Portanto, o art. 18 da Resolução n. 20.100/TSE não trata de saneamento do processo, uma vez que se limita a aplicação do princípio inquisitivo. Impraticável, nesta fase processual qualquer providência atinente a saneamento, previsto no § 2º do art. 331 do Código de Processo Civil. Como inclusive explicita D'Ambrósio,

"na jurisdição voluntária impõem-se as normas do princípio inquisitivo, dentro do qual o juiz está autorizado a orientar e dirigir as partes, inclusive exigindo a prova que julgar necessária."3

É evidente a aplicação do princípio inquisitivo em relação a atuação do juiz previsto tanto na Lei n. 9.504/97 quanto nas Instruções do Tribunal Superior Eleitoral e, não houvesse a possibilidade de aplicação do mesmo, restariam comprometidas a atividade do juiz, a economia e celeridade processuais nesta fase do procedimento do registro de candidatos.

Antes de quaisquer comentários sobre o procedimento de impugnação ao registro de pré-candidatos às eleições, convém apresentar o sentido processual da palavra impugnação. Segundo Alcides de Mendonça Lima,

"o termo equivale a uma objeção ou contrariedade a um ato processual, do adversário ou de terceiro, evitando-se o vocábulo contestação, reservado, apenas, para a defesa direta do réu (v. verbete respectivo). O pedido, propriamente dito, como pretensão, nunca é alvo da impugnação, que é utilizada para manifestar uma idéia contrária a uma situação, cabendo ao juiz resolver. No verbete consta que a contestação é ato típico da jurisdição contenciosa"4 (grifo nosso).

Acreditamos que a impugnação ao registro de candidatura eleitoral prevista pelo art. 3º da Lei Complementar n. 64/90 e arts. 21 a 31 da Resolução TSE n. 20.100, é procedimentalmente atada à jurisdição voluntária, fazendo parte da mesma. Tanto é que, na prática, nos autos de registro de candidato o processo termina abruptamente para ter apensado ou não, nova capa, novos autos, outro processo e "ação", consistentes na impugnação ao registro de candidato. No desenrolar do processo, todos os elementos são analisados em conjunto, tomando em conta o pedido inicial e a possível impugnação para prolação da decisão final. Assim sendo, não cremos possa ser considerada a impugnação ao registro de candidatos ação, pois quando proposta a impugnação já existe ação, a de registro de candidatura, a qual é constitutiva. Como ensina Ovídio A. Baptista da Silva,

"Por meio das ações constitutivas, busca-se a formação, a modificação ou a extinção de uma relação jurídica."5

Tanto é que o artigo 3º da Lei Complementar n. 64/90 não se reporta à impugnação como ação e sim, como realizável no decorrer do procedimento de registro, com integração em momento processual anterior à apreciação do mesmo. Também não acreditamos na necessidade de aplicação da teoria substitutiva ao registro de candidatos, até porque, segundo Dinamarco, como ensinou Galeno Lacerda em aula proferida em 22.8.1978 em curso ministrado na escola do Largo de São Francisco,

"os italianos teorizam o processo civil apenas para o direito privado; Chiovenda formulou a teoria substitutiva apenas para o direito civil; basta que se introduzam elementos de ordem pública e se vê que o juiz não substitui mas atua diretamente, pois isso é vital, nada se faz sem o juiz."6

Apesar dos termos utilizados nos arts. 4º e 5º, da Lei Complementar n. 64/90, "contestá-la" e "contestação", não trata de autores, réus e pedido na concepção clássica da jurisdição contenciosa, já que o requerente não se contrapõe a algum requerido específico, na posição de demandado, de sujeito passivo, disputando com este um bem ou direito determinado. Como já referido anteriormente, a contestação ao pedido propriamente dito é ato processual que consiste em defesa contra o mérito e faz parte do procedimento contencioso. Não existindo contestação e sim impugnação, a possível controvérsia produzida, prevista pela Lei Complementar n. 64/90 não descaracterizará a subordinação ao procedimento de jurisdição voluntária. A Resolução TSE n. 20.100, em seus arts. 21 e 22, interpreta no mesmo sentido, uma vez que também não faz referência a ação de impugnação nem à obrigatoriedade de seguir procedimento de jurisdição contenciosa. Assim, "contestá-la" e "contestação" deveriam ser lidas como "responder" e "resposta", por mais condizentes com o procedimento previsto e também porque o objeto da impugnação consiste na existência de interesse público, traduzida na prevenção a improbidade administrativa. D'Ambrósio apresenta a diferença do conteúdo da relação processsual entre as jurisdições com clareza.

"Na jurisdição voluntária não se requer ao juiz o julgamento de uma lide, nem a composição de conflitos de interesses, pede-se o seu amparo na constituição de uma relação jurídica evitando-se a sua formação de maneira viciosa e futuros litígios entre os interessados."7

Pode-se afirmar ainda, em relação à discussão sobre as jurisdições voluntária e contenciosa, que no procedimento de jurisdição voluntária, atualmente, já é admitida expressamente a existência de partes, porém, na posição de interessados, em razão de um pedido que dá origem a controvérsia e, por conseqüência, a necessidade de ouvida dos prováveis envolvidos, para que o juiz possa dizer o direito. É Thereza Alvim quem defende esta idéia:

"Pondere-se que os ditos interessados, em processo de jurisdição voluntária, nunca têm o mesmo interesse. Não há litígio, mas há diversidade de situações, de interesses, portanto, os interessados não se encontram em um só polo da relação processual, mas em polos distintos, pelo que incide, até mesmo na jurisdição voluntária, o princípio da bilateralidade de partes."8

Seguimos também a opinião de Danilo A. M. Costalunga o qual pontifica que,

"mister se faz que para cada relação jurídica material exista uma estrutura processual adequada. As normas processuais, como bem proclama o mestre GALENO LACERDA, têm de se adequar ao direito material, e não este àquelas. Tudo isso, para que seja possibilitada a outorga de efetiva tutela jurisdicional, que será determinada e delimitada pela natureza do direito posto em causa, lançando a instrumentalidade do direito processual à eficácia plena e efetiva de sua utilidade jurídico-social."9

Concluímos que a Justiça Eleitoral pode aperfeiçoar o procedimento de registro de candidatos, através da união nos mesmos autos do pedido e possível impugnação, do procedimento e processo, com dispensa de novos registros para o último e supressão de formalidades, como desnecessidade de nova capa e substituição do despacho de recebimento da impugnação por certidão do cartorário responsável, de forma a atender à economia temporal, processual e material.

3 O registro de candidatos e o Ministério Público

A Lei n. 9.504/97, na parte que trata do registro de candidatos, não se reporta à intimação do Ministério Público ou Procuradoria Regional Eleitoral, conforme o caso, para exercer atividade de custos legis prevista constitucional e processualmente para todas as ocasiões em que exista interesse público. E, no caso de registro de candidato, sem dúvida existe interesse público. As únicas previsões de participação foram as da Resolução TSE n. 20.100 em seu art. 21, parágrafo único, que consiste na intimação através de publicação do edital com a lista dos requerentes ao registro, e, em seu art. 29, a manifestação oral do Procurador Regional Eleitoral, quando da apreciação dos pedidos de registro de candidatos no Tribunal Regional Eleitoral. Imprescindível a participação do Ministério Público Eleitoral ou Procuradoria Regional Eleitoral, conforme o caso, para exercer a atividade de custos legis porque seu envolvimento processual se prende à proteção ao interesse público no procedimento de jurisdição voluntária. Assim, em decorrência do art. 82, III, do Código de Processo Civil c/c art. 1.105 do mesmo diploma legal, esta atuação é obrigatória. Nelson Nery Junior ensina sobre a intervenção do Ministério Público,

"ao parquet , em decorrência do disposto no art. 1.105 do Código de Processo Civil é proibido verificar discricionariamente a possibilidade ou não de intervenção. Quando os artigos, que tratam dos procedimentos de jurisdição voluntária per se, mencionam a ouvida do Ministério Público, estão especificando apenas o momento em que deve ser exarado o parecer do órgão do parquet. Não significa deva o Ministério Público intervir somente naqueles casos onde haja, nos artigos reguladores dos procedimentos específicos, menção a sua participação."10

Por esses motivos, acreditamos que o Ministério Público ou Procuradoria Regional Eleitoral deverão ser intimados pessoalmente, o que os tribunais vêm fazendo através de intruções, mesmo no silêncio da legislação eleitoral específica.

4 Atendimento aos princípios informativos, gerais e aos processuais na Constituição Federal

Analisamos a legislação vigente relativa ao registro de candidatos sob a ótica dos princípios informativos, gerais e processuais na Constituição Federal, por constituírem os fundamentos que servem de base ao processo civil e como parâmetro de avaliação quanto à adequação das normas ao Estado de Direito. Estado de Direito no sentido de estado democrático de direito, por ser próprio a ele, "a observância dos padrões de legalidade e banimento do arbítrio."11

4.1 Princípios informativos

Apesar de constituírem classificação mais antiga, remontando ao século passado, a sua validade se prende aos aspectos que abordam e ao fato de ter seus conceitos renovados por autores da atualidade. Possuem caráter de aprimoramento dos instrumentos processuais, são considerados pela doutrina como máximas. Cintra, Grinover e Dinamarco os enumeram e conceituam:

"A doutrina distingue os princípios gerais do direito processual daquelas normas ideais que representam uma aspiração de melhoria do aparelhamento processual; por esse ângulo, quatro regras foram apontadas, sob o nome de PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO: a) o PRINCÍPIO LÓGICO (seleção dos meios mais eficazes e rápidos de procurar e descobrir a verdade e de evitar o erro); b) o PRINCÍPIO JURÍDICO (igualdade no processo e justiça na decisão); c) o PRINCÍPIO POLÍTICO (o máximo de garantia social, com o mínimo de sacrifício individual da liberdade); d) o PRINCÍPIO ECONÔMICO (processo acessível a todos, com vistas a seu custo e à sua duração)."12

Encontram-se no art. 125 do Código Civil, guiando o procedimento do magistrado na direção do processo:

"O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

"I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

"II - velar pela rápida solução do litígio;

"III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça."

Todo o disposto na legislação pertinente ao registro de candidatos às eleições, uma vez que contenha previsão de união do pedido e da impugnação em um só processo e autos, vai ao encontro do princípio lógico porque oportuniza a direção plena do processo pelo magistrado bem como a seleção dos meios mais rápidos e eficazes para a descoberta da verdade.

A aplicação do conteúdo dos artigos 10 a 16 da lei n. 9.504/97 e Lei Complementar n. 64/90 assegura aos interessados, no processo, igualdade de tratamento e justiça na decisão, já que haverá o seguimento de regras pré-estabelecidas com observação aos arts. 125 e 131 do Código de Processo Civil, assegurando a efetivação do princípio jurídico.

Quanto ao atendimento ao princípio econômico, entendemos que este se dará desde que unidos nos mesmos autos o pedido de registro e a impugnação ao pedido.

4.2 Princípios gerais

São as linhas mestras, os fundamentos que servem de base a toda a legislação processual civil. Segundo Moacir Amaral dos Santos, são os princípios gerais de cada sistema,

"que permitem ao legislador a criação de novos institutos, e ao intérprete dar a inteligência dos que no sistema se estruturam, o sentido e a aplicação das normas legais que os disciplinam, propiciando assim, a colaboração da ciência jurídica na obra incessante do aprimoramento do processo, visando sua adaptação às circunstâncias ocorrentes com as transformações dos fenômenos sociais, dia a dia mais apressadas e até inesperadas e bruscas."13

Os arts. 10 a 16 da Lei n. 9.504/97 e arts. 3 a 19 da Lei Complementar n. 64/90, serão vistos neste sub-ítem sob a possibilidade de adequação ou não aos princípios dispositivo, da persuasão racional do juiz e da livre investigação das provas. Os demais princípios processuais e que se encontram hoje na Constituição Federal, serão abordados no próximo sub-ítem.

O princípio dispositivo tem a característica de orientar o magistrado para que dependa, quanto à produção de provas e apreciação dos fatos e do direito, durante a instrução, da iniciativa dos interessados. Apesar de atualmente, em nosso Código de Processo Civil, encontrar-se conjugado com o da livre investigação judicial e atribuir ao magistrado maiores poderes na direção do processo, não estabelece direção no procedimento de registro de pré-candidatos pelo motivo de encontrar-se este claramente submetido ao princípio da investigação de ofício. Uma vez que a liberdade do juiz na instrução não é relativa e não depende em nada da iniciativa dos interessados, é bem mais ampla do que permite o princípio dispositivo.

O princípio da persuasão racional do juiz orienta o magistrado quanto ao exame das provas dos autos, com liberdade porém não correspondendo a convencimento arbitrário, obrigando a prolação de decisões fundamentadas, não só na lei como também nas provas produzidas nos autos. Cintra, Grinover e Dinamarco observam seu fundamento político-jurídico com precisão:

"a natureza pública do interesse repressivo exclui limites artificiais que se baseiam em atos ou omissões das partes.

"À vista disso, quando a causa não penal versa sobre relações jurídicas em que o interesse público prevalece sobre o privado, não há concessões a verdade formal. Nas causas versando direito de família ou infortunística, de longa data se faz presente o órgão do Ministério Público e o juiz não está vinculado ao impulso das partes."14

Os princípios da persuasão racional do juiz e da livre investigação das provas encontram-se em equilíbrio com as normas pertinentes ao registro dos pré-candidatos às eleições pois nele são admitidos como se depreende da legislação afim.

4.3 Princípios processuais na Constituição Federal

Com o objetivo de avaliar as normas processuais que tratam do pedido de registro de candidaturas quanto à sua constitucionalidade, e entendendo que os princípios processuais inseridos na Lei Maior também serão obrigatoriamente observados no processo eleitoral, passamos a abordá-los através dessa ótica.

O princípio do devido processo legal, inscrito no art. 5º LIV, da Constituição Federal, prescreve que:

"ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."

O significado do princípio do devido processo legal é, porém, bem mais amplo, estendendo-se além da proibição de privação da liberdade e bens sem o devido processo legal, beneficiando os usuários do Poder Judiciário no sentido de garantia de previsão de constituição da relação processual e procedimento legal livre de arbitrariedades. A doutrina moderna confere ao princípio statu de princípio dos princípios, origem dos demais princípios. Ensinando que são desdobramentos do princípio do devido processo legal, as garantias constitucionais do juiz natural, contraditório, publicidade, proibição de utilização de provas obtidas por meios ilícitos, isonomia - do qual decorre a igualdade processual e o dever de motivação das decisões judiciais. Essa visão, baseada na influência do direito anglo-americano, faz com que decorram as seguintes definições sobre o princípio do devido processo legal, muito bem definido por Rogério Lauria Tucci:

"Trata-se esta, em vernáculo, DEVIDO PROCESSO LEGAL - de difundida locução mediante a qual se determina a imperiosidade, num determinado estado de direito, de:

"a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo a concepção norte-americana);

"b) aplicação judicial da lei através de intrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo (judicial process); e

"c) asseguração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando a igualdade substancial."15

O princípio do contraditório é previsto constitucionalmente no art. 5, LV da CF/88:

"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Segundo Nelson Nery Júnior:

"O princípio do contraditório atua sempre no processo civil, sendo indiferente tratar-se de processo desenvolvido por meio de jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária.

"Relativamente aos procedimentos de jurisdição voluntária, é preciso que se tenha em conta que não se trata de observar o contraditório em seu aspecto técnico-processual, de dar aos litigantes igualdade de chances, porque não existem partes em sentido técnico nesses procedimentos, aliado ao fato de que o PRINCÍPIO INQUISITÓRIO é que preside os procedimentos de jurisdição voluntária, podendo o juiz decidir até por eqüidade (arts. 1.107 e 1.109, CPC)."16

Assim, o princípio do contraditório fica assegurado durante todo o procedimento de registro de candidaturas, já que além de todas as oportunidades de manifestação garantidas aos interessados, é prevista, não tratando-se apenas de matéria de direito, a oportunidade de produção de provas testemunhais, além das documentais, conforme previsto pelo art. 5º, caput, Lei Complementar n. 64/90 e art. 24 da Resolução n. 20.100/TSE para as eleições de 1998.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou direito de ação, que garante a todos o acesso à justiça para pleitear a tutela jurisdicional com o objetivo de ter apreciada sua pretensão, é estabelecido constitucionalmente pelo art. 5º, XXXV:

"a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito."

O procedimento de registro de candidatos está de acordo com o que determina o princípio da inafastabilidade do controle judicial ou da ação, pois este tem o sentido abrangente de direito à apreciação judicial, uma vez apresentadas as condições da ação, com a prolação de decisão, seja positiva ou negativa, posto que o princípio não trata apenas de lesão ou ameaça a direito, mas da própria faculdade de iniciativa de provocar a movimentação jurisdicional com o objetivo de satisfação de uma pretensão, a qual pode ser deferida ou negada. Não podendo o magistrado negar o exercício da função jurisdicional, sob pena de ser responsabilizado judicialmente.

A legislação pertinente ao registro de candidaturas reporta-se à publicidade dos atos processuais, sendo assim seguido o princípio da publicidade previsto constitucionalmente:

"A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" (CF, art. 5º LX).

"Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos..." (CF, art. 93, IX).

A aplicabilidade do princípio da publicidade se dá através do acesso às informações sobre o andamento do processo aos próprios candidatos e partidos, imprensa e eventuais interessados, bem como com a publicação dos pedidos de registro no órgão da imprensa oficial e publicação dos acórdãos que contém as decisões, conforme previsto nas instruções baixadas pelo Tribunal Superior para as eleições de 1998.

5 Conclusão

Apesar de certa evolução de direito material, que permitiu a admissão de pré-candidatos da chamada "oposição" ao regime anterior à Carta de 1988, inclusive dos chamados partidos de "esquerda", dos "verdes" e a possibilidade legal de múltiplas coligações sui generis, liberdades impossíveis até os meados dos anos oitenta, as normas materiais continuam de um casuísmo escandaloso. No período que antecedeu o prazo de um ano, para vigorar antes das próximas eleições municipais, no âmbito legislativo havia mais de vinte projetos de lei para alterações da Lei n. 9.504/97. No âmbito processual houve modificação significativa por ser hoje exigida a observância aos princípios processuais previstos constitucionalmente - o que manifesta, ao menos processualmente, o objetivo de atingir o Estado democrático de Direito.

Acreditamos que os atos processuais referentes ao registro e à impugnação ao registro de candidatos às eleições, por demandarem prazo exíguo e apresentarem natureza pública, dever-se-iam enquadrar em um só procedimento, processo e autos, pois, além de ter o registro propriamente dito a feição voluntária que lhe foi imprimida por lei, é o procedimento que melhor se ajusta à finalidade de registro de candidaturas junto à Justiça Eleitoral uma vez que é próprio deste procedimento que a atividade do magistrado seja orientada, com plena disponibilidade de ação, para a efetivação de um ato sob a égide da Lei e do Direito. Bem como identificar-se através das normas processuais inseridas nos artigos 10 a 16 da Lei n. 9.504/97 e arts. 10 a 17, da Resolução TSE n. 20.100 para as eleições de 1998, sobre a apresentação do pedido de registro, seu recebimento e apreciação pela justiça eleitoral, as características da jurisdição voluntária ou graciosa na concepção doutrinária moderna, ou seja, não colocação da lide e contenciosidade como fator de distinção entre as jurisdições, inexistência de revelia e de sucumbência; relação jurídica unilateral, aplicação do princípio inquisitivo ou da investigação de ofício, entre outros, além de seguirem o rito procedimental padrão, previsto nos artigos 1.103 a 1.111 do Código de Processo Civil. Assim, a impugnação ao registro poderia ser juntada evitando dispêndio de tempo, ou seja, integrando-se o procedimento sem a necessidade de feitura de nova "capa", apensamento, despachos e demais registros convencionados para nova ação, em livros diferentes e no sistema informatizado, também recebendo numeração diversa, o que fere os princípios de celeridade e economia processuais, além das perdas que representam, em tempo, energia humana e gasto material. A prática moderna se sobreporia à teoria antiga esquecendo-se as raízes civilistas do processo, unindo o procedimento em um só, de jurisdição voluntária no sentido que lhe dão os doutrinadores de hoje, o que atenderia aos princípios de celeridade, economia processual e material, além dos outros previstos constitucionalmente.   

Referências bibliográficas

1 CASTRO FILHO, José Olympio. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª. ed. São Paulo: Forense, 1976, v. 10, p. 18-19.

2 D'AMBRÓSIO, José Maria. Natureza Jurídica do Inventário e da Partilha. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, out./dez., p. 299.

3 D'AMBRÓSIO, José Maria, Op. cit., p. 300.

4 LIMA, Alcides de Mendonça. Dicionário do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 320.

5 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. V. 1, 2ª. ed. ver. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 140.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3ª. ed., ver. e at. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 49.

7 D'AMBRÓSIO, José Maria. Op. cit., p. 299.

8 ALVIM, Thereza. O Direito Processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 12 (Coleção de Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman, v. 34).

9 COSTALUNGA, Danilo Alejandro Mognoni. Nulidades e sobredireito - A teoria das nulidades e o sobredireito processual. Pub. na RJ n. 250, ago./98, p. 23. In Juris-Sintese, n. 15, jan./fev./99.

10 NERY JR. Nelson. Intervenção do Ministério Público nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 46, p. 25.

11 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Ed. ver. e at. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 32.

12 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândigo Rangel. Teoria Geral do Processo. 14ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 51.

13 SANTOS, Moacir Amaral dos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 16ª. ed.

14 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 65.

15 TUCCI, Rogério Laura. Constituição e Processo - Regramentos e Garantias Constitucionais do Processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 15. Quanto ao ítem "b", o autor explica que, "não só a lei, estritamente considerada, mas toda e qualquer forma de expressão de direito, cujas normas são aplicáveis pelos órgãos jurisdicionais."

16 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 129 (Coleção Estudos de Direito de Processo, Enrico Tullio Liebman, v. 21).

Analista Judiciária do TRESC e Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 6, n. 2 (jul./dez. 1999).

 

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