Site TRESC
  • FB
 

Íntegra

As pesquisas induzem o eleitorado

Por: Eralton Joaquim Viviani

Nos EUA, um país reconhecidamente democrático, grassam as pesquisas de opinião pública, relativas às eleições ou aos candidatos, promovidas por institutos, para serem levadas ao conhecimento de todos. O Brasil atual faz o mesmo, embora seu povo seja bem diferente, desde as origens, os costumes, a forma de encarar os acontecimentos e as informações. Ambos, em todo caso, ainda buscam aperfeiçoar a . esplêndida forma de governo pela qual optaram.

Aqui, o que se tem constatado, e lamentavelmente para o desejado aperfeiçoamento do sistema eleitoral, é que essas pesquisas induzem nitidamente o eleitorado e, no caso das eleições majoritárias, encerram induvidosa bipolarização. Conduzem a mente do eleitor brasileiro ao manifestar a sua preferência, influindo nefastamente no resultado do pleito, que deve ser livre a partir da vontade dos seus partícipes, já que de democracia se trata.

Nas proporcionais, não se pode afastar essa influência, estabelecida em nível regional, embora o grande número de candidatos e de cadeiras a preencher.

Já nas majoritárias, essa condução é inexorável. Uns nem chegam a se tornar candidatos, tamanho é o impacto causado pelas primeiras pesquisas de opinião, sem que se saiba, muitas vezes, algo sobre o que pensam, como agem, quais as plataformas propostas. Já na convenção, seus nomes nem chegam a ser cogitados, em decorrência da divulgação de uma pesquisa, apesar do reduzido número de entrevistados, enfraquecendo todo o processo, a partir da sua origem.

Basta examinar, por exemplo, as duas últimas eleições presidenciais, ambas polarizadas logo no seu início.

Desde o advento das pesquisas, a maioria dos eleitores não se divide em mais de dois candidatos, como antes, quando se estabelecia verdadeiro espetáculo nas campanhas, com a mais ampla discussão, sob os olhos e os ouvidos atentos dos interessados no processo.

Agora, com essa indução ao resultado, colocando os dois primeiros candidatos em posição bem distante dos demais, a opção fica extremamente reduzida. É sabido que ninguém gosta de torcer por time que fica lá atrás, na "lanterna" ou perto dela. A maioria não gosta de "perder o voto", como dizem. Assim, publicadas as pesquisas, será um ou outro o vencedor, daqueles dois primeiros em destaque desde cedo, desprezando-se as mensagens, idéias e planos dos outros.

De pronto, os demais ficam descartados da eleição, empalidecendo-a e impedindo tenha mais justo resultado.

Certo é que o candidato que figurar nos últimos lugares nas pesquisas poderá crescer, mas geralmente é pouco para alcançar os primeiros e, pois, salvo extraordinário acontecimento, não terá chance. Já os dois que largam na frente serão os beneficiados. O que aparecer em primeiro pode não vencer, mas ficará em segundo. E quem estiver em segundo poderá ficar nessa posição até o fim ou ser o vencedor.

Chegando as pesquisas, a massa do eleitorado opta pelos dois primeiros, em dicotomia bem conhecida: para governador e senador, nos tradicionais adversários regionais; para presidente, nos dois defensores de ideologias opostas, ainda que apenas aparentemente. O eleitor poderia querer votar em outro, mas, induzido pelas pesquisas, resolveu optar pelo "menos pior" dos dois primeiros. É o chamado "voto útil".

Onde fica a "escolha livre e consciente" do eleitor?

Foram as pesquisas, por exemplo, que distanciaram Fernando Henrique e Lula dos outros candidatos, no último pleito presidencial. Assim fora em 89, com Lula e Collor, deixando bem longe detentores de indiscutível carisma e candidatos de partidos fortes, como Brizola e Ulysses Guimarães. Este recebeu só 4% da preferência dos eleitores. Em 94, Brizola ficou atrás de Enéas, a partir das pesquisas. Todos, desde as primeiras consultas, ficaram muito distantes dos dois primeiros.

Os desencontros são relevantes, manifestados em vários pontos do território nacional, e deixariam o intérprete enlouquecido não fosse a compreensão que promana do convencimento da força indutora das pesquisas. Só assim se resignará, por exemplo, quando se defrontar com o resultado da tranqüila e previamente anunciada eleição de Jaime Lerner para o governo do Paraná, e a derrota de Leonel Brizola, do mesmo partido e idêntico princípio doutrinário, naquele mesmo estado, quando o último recebeu insignificante votação para presidente, e tudo nas mesmas eleições.

Igualmente, no Rio de Janeiro, o candidato, a governador pelo PDT quase foi eleito, enquanto que o candidato a presidente, pelo mesmo partido (Brizola), recebeu votação muito aquém dos dois primeiros. Exemplos assim são facilmente encontráveis nos resultados dos últimos pleitos, em variadas regiões.

São nulas - ou quase nulas - as possibilidades dos candidatos que, nas pesquisas, aparecem atrás dos primeiros, nas eleições majoritárias, já que relegados desde o início a uma situação de verdadeiro "abandono".

É cediço que, na propaganda partidária, é vedado o emprego de "[...] meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais." (Código eleitoral, artigo 242).

Se as pesquisas eleitorais criam estados semelhantes, devem ser permitidas?

De notar, ainda, que, levados no mesmo embalo decorrente do resultado das pesquisas, os meios de comunicação social - a TV, principalmente -, passam a divulgar com mais ênfase as notícias que dizem respeito aos candidatos em posição privilegiada nas pesquisas. Assim, é indeclinável a projeção de uns poucos, em manifesto prejuízo para os demais, embora o tratamento isonômico de que são merecedores.

Nos debates, inobstante o convite das emissoras se dirigir a todos os candidatos, indistintamente, nota-se muitas vezes que a forma de encaminhamento das perguntas é mais benéfica para aqueles que já estão em destaque nas pesquisas.

A quem elas -as pesquisas -mais interessam? Estarão mais beneficiando - se é que beneficiam - ou prejudicando o processo?

Com o advento da nova lei fundamental, poeticamente chamada de "Constituição Primavera", tem-se entendido que não mais pode haver proibição alguma em sede de pesquisa eleitoral, uma vez satisfeitos os requisitos para a sua elaboração (quem a contratou; seu valor e origem dos recursos; a metodologia e seu período de realização; o plano amostral e ponderação no que se refere a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho; o intervalo de confiança e a margem de erro; o nome de quem a pagou; o sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo; o questionário completo aplicado).

Assim foi com o julgamento do Mandado de Segurança n. 997 - Classe 11 - SP, de 27.10.88, em que o c. Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por unanimidade, que a proibição de divulgação, pela imprensa, de pesquisas eleitorais, em qualquer tempo, padece de incompatibilidade com o art. 220 e § 1° da Constituição Federal, que dispõe:

"Art.220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

"§ 1° Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV ."

E estes incisos chancelam a livre manifestação do pensamento, resguardado o direito de resposta e indenização por dano material, moral ou à imagem, assim como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Asseguram, por importante, a liberdade do exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão.

A norma segue um preceito vital da liberdade de informação, enunciado no artigo 19 da Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em 1948 pela Assembléia Geral da ONU:

"Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser perturbado pelas suas opiniões, bem como de procurar receber e distribuir, sem considerações de fronteiras, as informações e idéias por todo e qualquer meio de expressão."

O Tribunal Superior Eleitoral assentou, para o pleito de 03.10.96, relativamente às pesquisas eleitorais, no artigo 6° da Res. n. 19.513, de 18.04.96, o seguinte:

"As pesquisas eleitorais poderão ser divulgadas a qualquer tempo, inclusive, no dia das eleições (CF., art. 200, § 1°; Acórdão/TSE n. 10.305, de 27.10.88)."

Interpreta o alto pretório eleitoral do país, assim, que a liberdade conferida pela Constituição é absoluta, em se tratando de informação jornalística em meios de comunicação social, tocante às pesquisas eleitorais.

E tudo parece em sintonia com o Estado Democrático de Direito. Foi deplorável o período de exceção, quando tantas liberdades democráticas eram suprimidas pela força (e, lamentavelmente, com o aplauso de parcela do nosso mundo político e jurídico).

No entanto, em tema de pesquisas eleitorais, considerando a nossa cultura, o modo como o eleitorado recebe a divulgação dos seus resultados, atrevo-me a ponderar que o enfrentamento da questão deve ser repensado.

Se é para ter democracia, que seja a melhor possível, sem privilégios. Porém, admitida ampla liberdade de divulgação do resultado das pesquisas - e muito mais por esse motivo -, os que meses antes do pleito disparam na frente são beneficiados, gerando desigual tratamento. E isto chega a ser exercício incompatível com as regras democráticas, paradoxal que seja.

Portanto, se o fim maior é a expressão da vontade do eleitorado, sem constrangimento, isto é, com possibilidade da mais livre escolha, isenta de qualquer "condução", atingindo-se o preconizado Estado Democrático de Direito, o assunto merece reexame.

De ver, apenas para ilustrar, que nem tudo pode ser divulgado pelos meios de comunicação social, havendo restrições - não previstas na CF - quando o fim maior a proteger restaria comprometido. Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (e assim já dispunha o revogado Código de menores, também acertadamente) proíbe "a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional" (artigo 143). As penalidades estão previstas no artigo 247 daquela lei estatutária, e vão da multa à apreensão da publicação ou suspensão da programação da emissora, ou da publicação do periódico. Não estivesse na lei escrita, seria questão de absoluto bom senso. E restrição é censura, não se negue.

Sustento que, se a Constituição de um país dispuser de modo contrário aos direitos fundamentais de menores, deve ela ser desprezada em tal sentido, ou, se o texto gerar ambigüidades, que se decida, sempre, de modo a não prejudicar o interesse dos ainda incapazes. A atual CF chega a assegurar esses direitos com "absoluta prioridade", inclusive.

Na esfera eleitoral, embora a inafastável polêmica que pode gerar o assunto, não parece ser diferente: se os princípios democráticos em que se funda a República ficarem comprometidos por causa da plena liberdade de divulgação de pesquisas eleitorais, considerados vários fatores, é preferível se restrinjam estas para não conspurcar aqueles princípios, fim maior de todo o esforço.

Como está, a liberdade conferida termina por causar injustiça, pois o que se extrai muitas vezes é uma justiça conflitada com a contradição que emerge do exercício ilimitado, excessivo e abusivo daquela.

A liberdade de realizar e divulgar a toda hora pesquisas eleitorais acaba, assim, encurralando o eleitor. Impõe limites, gera atrofia a uma outra liberdade, por indutor, indigesto e injusto caminho.

À primeira vista, essa prática dá a impressão de que se está em um país maravilhoso, pleno de liberdades individuais e coletivas, nesse aspecto. Conclui-se, depois, que a concepção de direitos iguais e oportunidades iguais, pressupostos democráticos, resta desprezada. As pesquisas interferem e transgridem essa liberdade, acarretando, mesmo sem querer fazê-lo, um processo perverso e violador da ordem democrática, plasmada para ser justa.

A liberdade também deve ter limites, vale dizer, não pode ultrapassar as fronteiras do bom senso, nem afrontar a "lógica do razoável", nem prejudicar o processo de livre escolha do cidadão, sob pena de transformar em letra morta os princípios que regem a sua finalidade maior. Em tudo, na interpretação da norma jurídica, é preciso considerar o seu fim preponderante.

"A lei reina, mas a jurisprudência governa", disse-o Roscue POUND, então decano de Harvard.

Embora em outros aspectos, mas no mesmo universo do processo eleitoral, o c. Tribunal Superior Eleitoral acaba de editar a Res. n. 19.512, de 18.04.96, consolidando o entendimento de caracterização de abuso do poder de autoridade em atos públicos da campanha eleitoral deste ano. O ilustre presidente daquela Corte, Ministro Carlos VELLOSO, disse que a "sociedade brasileira está com fome de ética."

É vedado, também, entre outros, o uso da estrutura dos órgãos públicos, suas dependências e seus servidores, para as campanhas políticas.

Alguns poderão objetar, no primeiro caso, que, por exemplo, a um governador, apenas como cidadão, não se deverá impedir eventual auxílio à campanha de determinado candidato, em ato público. Poderão sustentar que não deve haver discriminação e, assim, buscar a garantia do seu direito de igualdade perante a lei.

Mas, o que se deve ter em mente, em primeiro e mais elevado plano, é o fim maior que se busca: a obtenção de um processo eleitoral mais limpo e mais justo.

Aqui, válido é o expressar de Roberto A.R. de AGUIAR (0 que é Justiça: uma abordagem dialética. p. 122-123): "Ser justo é viver a virtude de tomar partido em busca do melhor, fundado na visão mais lúcida possível da história e na análise das circunstâncias maiores e menores que isso envolve. A justiça é uma virtude agente que se explicita na prática social comprometida."

Na aplicação do Direito, não há deixar de lado as realidades circunstantes.

O prof. Silvio de MACEDO, na sua Lógica jurídica (Rio. p. 40), lembra o pensamento de DEKKERS: "O direito é uma construção do espírito; e o espírito, que trabalha dentro do abstrato, será sempre mais limitado que os fatos concretos."

As pesquisas estão inseridas no processo eleitoral de forma inconteste e sua pertinência deve ser reavaliada, porque, em determinado momento da vida de um povo, interessa sobremaneira ao seu bem comum, destituído de preconceitos e discriminações, e esse interesse deve prevalecer, por constituir um dos "objetivos fundamentais da República" (Constituição Federal, art. 3°, IV).

Obras consultadas:

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 702, v. 7.

CRETELLA JR., José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. v. 8.

MACEDO, Sílvio de. Lógica jurídica. Rio de Janeiro: Rio. p. 104.

AGUIAR, Roberto A.R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1987. p. 122-123.

Ex-Juiz Eleitoral e Magistrado aposentado.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 3, n. 1 (jan./jun.1996).                                             
                                                                                                            

 

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina - Rua Esteves Júnior 68, 88015-130, Centro, Florianópolis, SC Fone [48] 3251.3700