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Arguição judicial da ausência de desincompatibilização de servidores públicos municipais: análise à luz das eleições municipais

Por: Carlos Valério Gerber Wietzikoski

1 Introdução

Este artigo versa sobre a argüição judicial da incompatibilidade de servidores públicos municipais para o pleito municipal.

Inicialmente, pretende-se abordar os principais aspectos da inelegibilidade, incluída aí sua caracterização e distinções para com as causas de elegibilidade. Em seguida busca-se identificar a incompatibilidade, bem como sua superação mediante o ato de desincompatibilização. Trata-se, ainda, do conceito de servidor público e dos prazos exigidos para afastamento para disputa dos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador.

Na última parte são apresentadas as duas ações cabíveis para argüição judicial da ausência de desincompatibilização, a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) e o Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED).

2 Inelegibilidade

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o processo eleitoral brasileiro adquire contornos mais democráticos, se comparado com os modelos coronelistas e ditatoriais da recente história pátria. E a inelegibilidade foi erigida como um dos ícones da probidade administrativa, pois visa excluir ab initio o ingresso de potenciais lesadores do bem público1.

Inelegibilidade ou ilegibilidade é o “impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo” (GOMES, 2008, p.137). São hipóteses previstas na Constituição Federal e em lei complementar cuja ocorrência impede o exercício da capacidade eleitoral passiva do nacional.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005, p. 116), o surgimento de hipóteses de inelegibilidade no Direito pátrio remonta à Constituição de 1934, cuja preocupação, na época, era a de prevenir e impedir o uso abusivo de cargos públicos.

Hoje, as hipóteses de inelegibilidade são acrescidas de novas incumbências que, nos termos do art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988, dizem respeito à normalidade e à legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico e político.

José Afonso da Silva (2006, p. 388) reconhece um fundamento ético para as inelegibilidades, que devem estar sempre pautadas pelos valores democráticos, sob pena de se tornarem ilegítimas. Afinal, “seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure”.

No Estado Democrático de Direito, as limitações aos direitos políticos devem ser mínimas, de modo que se permita participar do processo eleitoral o maior número possível de cidadãos. Em respeito aos princípios da segurança jurídica e da legalidade, as causas de inelegibilidade não podem incorrer em casuísmos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Pedro Roberto Decomain (2004, p. 9) desenvolve notável lição para contextualizar a inelegibilidade no Estado Democrático de Direito. Partindo da premissa de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (parágrafo único do art. 1º da CF) e que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (art. 14, caput, CF), conclui que a essência da Democracia representativa é a escolha dos governantes pelo próprio povo, por meio de eleições livres.

Prossegue o autor afirmando que a alternância no poder pelos ocupantes de determinados cargos e/ou funções é inerente à forma republicana de governo. Sendo os responsáveis pelo exercício desse poder escolhidos pela população, torna-se necessário, portanto, definir regras sobre: a) quem escolhe as pessoas que irão ocupar tais cargos e exercer tais funções; b) que condições os candidatos devem necessariamente preencher e em que circunstâncias não devem incorrer para pleitearem acesso aos mandatos eletivos.

Dessa forma, percebe-se que há dupla exigência para o exercício da capacidade eleitoral passiva: a existência de condições mínimas e a ausência de causas impeditivas. Trata-se, respectivamente, das denominadas condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade.

Para contextualizar a matéria, é imperioso ressaltar que o direito de sufrágio, núcleo dos direitos políticos, é caracterizado pela capacidade eleitoral ativa (capacidade de ser eleitor, de votar) e pela capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), esta subdividida em condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade.

A capacidade eleitoral ativa é a garantia ao nacional de votar em eleições, plebiscitos e referendos. O exercício do sufrágio ativo ocorre com o exercício do voto, que pressupõe: a) alistamento eleitoral (art. 42, Código Eleitoral – Lei n. 4.737, de 15.7.1965); b) nacionalidade brasileira (art. 14, § 2º, CF); c) não ser conscrito (art. 14, § 2º, CF); d) idade mínima de 16 anos (art. 14, § 1º, II, “c”, CF).

A capacidade eleitoral passiva – ou elegibilidade – é o direito de o cidadão-eleitor receber votos e ser eleito. Em outras palavras, é “o direito público subjetivo atribuído ao cidadão de disputar cargos público-eletivos” (GOMES, 2008, p. 125).

A elegibilidade comporta duas modalidades de regras: as de caráter positivo, que definem quais quesitos os candidatos devem necessariamente preencher, denominadas “condições de elegibilidade”; e as de caráter negativo, nas quais eles não podem incorrer, denominadas “causas de inelegibilidade”.

As condições de elegibilidade encontram-se descritas no § 3º do art. 14 da Constituição Federal:

Art. 14 [...]

§ 3º  São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o pleno exercício dos direitos políticos;

III – o alistamento eleitoral;

IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;

V – a filiação partidária;

VI – a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para vereador.

As causas de inelegibilidade estão previstas na Constituição Federal e em lei complementar. A distinção entre ambas é essencial em razão dos efeitos que delas decorrem, em especial quanto ao tempo e modo de argüição judicial. Como se verá adiante (itens 7 e 8), será salutar para o correto manejo de Ação de Impugnação de Registro de Candidatura e de Recurso Contra Expedição de Diploma.

As inelegibilidades constitucionais estão previstas no art. 14, §§ 4º a 7º, da Constituição Federal, a seguir transcrito:

§ 4º   São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

§ 5º  O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 16, de 1997.)

§ 6º   Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

§ 7º  São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

As inelegibilidades infraconstitucionais ou legais são aquelas previstas em lei complementar. Têm por fundamento o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:

§ 9º   Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n. 4, de 1994.)

Optou o constituinte em permitir a ampliação do rol mediante a edição de lei complementar. Dessa forma, novos casos de inelegibilidade podem adentrar o universo jurídico, desde que pautados pelos princípios constitucionais insculpidos no citado artigo, a saber: a) proteção da probidade administrativa; b) proteção da moralidade para exercício do mandato, considerada vida pregressa do candidato; c) preservação da normalidade e legitimidade das eleições em face do poder econômico ou abuso de função, cargo ou emprego na Administração Direta ou Indireta.

As inelegibilidades legais se encontram previstas na Lei Complementar n. 64, de 18.5.1990. Editada em regulamentação ao art. 14, § 9º, da CF, prevê extenso elenco de casos de inelegibilidade e respectivos prazos para cessação.

Não sendo objeto desse estudo discorrer sobre cada hipótese de inelegibilidade, importa mencionar a classificação existente quanto ao grau de abrangência, que distingue as inelegibilidades em absolutas, quando geram impedimento para qualquer cargo político; e relativas, quando se voltam para determinados cargos.

Assim, são tidas por absolutas as causas previstas na Lei das Inelegibilidades, no art. 1º, inciso I, alíneas “a” até “i”, e relativas às do mesmo artigo, incisos II a VII.

3 Incompatibilidade e desincompatibilização

No processo eleitoral brasileiro, as inelegibilidades tutelam, entre outros aspectos, a probidade administrativa e a lisura do pleito.

Na esteira de se evitar que candidatos ocupantes de cargos públicos utilizem a máquina pública em favor de suas campanhas, o que prejudica não só o desempenho da atividade administrativa, mas também o equilíbrio eleitoral, é vedada a sua permanência no serviço público, sendo-lhes exigido o afastamento para a disputa eleitoral.

Nesse contexto, é considerado inelegível aquele que, detendo cargo, emprego ou função públicos, concorre a um dos cargos eletivos sem o devido afastamento. Este impedimento é causa da inelegibilidade denominada “incompatibilidade”.

Marcos Ramayana  (2007, p. 153/154) define incompatibilização como a “restrição à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), porque o interessado deixou de providenciar seu afastamento temporário ou definitivo dentro do prazo legal”. O autor ressalta ainda que incide sobre o incompatível uma presunção jure et de jure de que utilizará a máquina da administração pública em seu favor.

A inelegibilidade decorrente da incompatibilidade só é superada por  meio de ato de desincompatibilização, que consiste na “faculdade dada ao cidadão para que se desvincule do cargo de que é titular, no prazo previsto em lei, tornando assim possível sua candidatura” (FERREIRA apud GOMES, 2008, p. 138).

Na lição de Joel José Cândido (2008, p. 219), desincompatibilização é a saída voluntária de uma pessoa, “em caráter provisório ou precário de direito ou de fato, de um cargo, emprego ou função, pública ou privada, pelo prazo exigido em lei, a fim de elidir inelegibilidade que, se removida, impede essa pessoa de concorrer a um ou mais mandatos eletivos”.

O afastamento do servidor pode se dar com vistas a elidir sua própria inelegibilidade, situação denominada pela doutrina de autodesincompatibilização, ou para favorecer terceira pessoa, cônjuge ou parente, situação em que ocorre a heterodesincompatibilização.

A desincompatibilização pode afastar o candidato de suas atribuições de modo definitivo ou temporário. O afastamento definitivo pode se dar mediante renúncia ao mandato eletivo, pedido de exoneração dos ocupantes de funções de confiança ou aposentadoria. Já o afastamento temporário se manifesta por meio de licença especial.

Em regra, a prova da desincompatibilização é exigida no momento do registro de candidatura. Assim como em eleições anteriores, como as de 2004 e 2006, o Tribunal Superior Eleitoral exigiu para as eleições municipais de 2008 a comprovação do afastamento no momento de protocolização do requerimento de registro de candidatura (RRC).

Consta no art. 29, inciso V, da Resolução TSE n. 22.717/2008, que dispôs sobre a escolha e registro de candidaturas para aquele pleito, o seguinte:

Art. 29. A via impressa do formulário Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) será apresentada com os seguintes documentos:

[...]

V – prova de desincompatibilização, quando for o caso.

4 Caracterização e desincompatibilização de servidores públicos

As normas que tratam da incompatibilização tem por destinatários aqueles que estão ligados à Administração Direta ou Indireta, ou que exercem atividade de algum modo agraciada pelo orçamento público.

Uma das hipóteses que demandam desincompatibilização para disputa de cargos eletivos é a dos servidores públicos, estatutários ou não, prevista no art. 1º, II, “l”, da LC n. 64/1990, a seguir transcrito:

Art. 1º São inelegíveis:

II [...]

l) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração Direta ou Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo poder público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais.

A Constituição Federal de 1988 emprega a expressão “servidores públicos”, no capítulo atinente à Administração Pública, ora em sentido amplo, para designar as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e à Administração Indireta, ora em sentido restritivo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado.

Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 487), o conceito de servidores públicos abrange “as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado e às entidades de Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”. Compreende os servidores estatutários, empregados públicos e os servidores temporários.

Servidores estatutários são ocupantes de cargos públicos submetidos ao regime estatutário, que não permite a alteração do regime jurídico disciplinador pela vontade das partes (Administração e servidor). As normas disciplinadoras são estabelecidas por cada entidade da Federação.

Empregados públicos são pessoas contratadas que ocupam emprego público e são regidos pelas leis trabalhistas, e servidores temporários são aqueles que não se encontram vinculados a cargo ou a emprego público, exercem apenas função, sendo contratados por tempo determinado para atenderem a “necessidade temporária de excepcional interesse público” (art. 37, IX, CF).

Para fins de desincompatibilização da Lei Complementar n. 64/1990, o sentido a ser atribuído ao termo “servidores” deve ser amplo, de modo que servidores da Administração Direta e Indireta, sendo estatutários, empregados públicos ou temporários necessitam se afastar para disputa dos cargos eletivos.

Sobre o tema, Pedro Roberto Decomain  (2004, p. 277) ensina com propriedade, nos seguintes termos:

A expressão servidores públicos está sendo utilizada aqui [refere-se ao art. 1º, II, “l”, da LC 64/90] pelo dispositivo de modo amplo. Quer ela significar não apenas os servidores ou funcionários públicos propriamente ditos, isto é, os que prestam serviços ao ente estatal central (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), ou às suas autarquias, em regime estatutário, segundo o previsto na Constituição, mas também os empregados públicos, tanto do ente central, quanto das suas autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, e também das fundações mantidas pelo Poder Público, ainda que legalmente sejam consideradas pessoas jurídicas de Direito Privado (como ocorre, para citar apenas um exemplo, com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI), cujo vínculo com seus empregadores (e aqui o termo é o mais adequado) seja regido não pelo estatuto dos funcionários públicos civis, mas sim pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e mais diplomas relativos ao contrato de trabalho e à relação de emprego.

Assim, ocupando o pré-candidato um dos cargos ou exercendo determinada função previstos entre as hipóteses da LC n. 64/1990 e/ou da Constituição Federal, deverá dele se afastar mediante renúncia ou simples licenciamento temporário.

Convém distinguir as formas e os efeitos pelos quais a desincompatibilização de servidores se opera. Isso porque pode ser exigida a renúncia, a exoneração ou o licenciamento temporário, conforme a natureza do cargo ocupado ou função desempenhada na administração pública.

Na lição de José Afonso da Silva (2006, p. 392/393), renúncia e exoneração cabem a quem ocupe função ou cargo de chefe do Executivo ou cargo de confiança. Para os servidores efetivos, é previsto o afastamento temporário mediante licença. Assim, passado o pleito e não tendo sido eleito, retorna o servidor às suas atividades ordinárias, mantendo sua remuneração durante o período eleitoral.

Aos servidores efetivos a jurisprudência pacificou entendimento de que, por se tratar de afastamento temporário, é suficiente para a caracterização da desincompatibilização o mero afastamento de fato.

Portanto, mesmo que o pré-candidato não formule pedido formal de desincompatibilização, não incorrerá em inelegibilidade se, na prática, não desenvolver suas atividades ordinárias. Basta se afastar materialmente do desempenho de seu cargo ou função.

Assim, segundo entendimento do TSE, a exigência do art. 29, de comunicação formal e tempestiva de afastamento, gera reflexos apenas para fins de percepção de vencimentos do servidor, “pois o que importa não é o rigoroso formalismo documental da prova da desincompatibilização” (RAMAYANA, 2007, p. 157).

Nesse sentido, decisão do Tribunal Superior Eleitoral (REC 12.890):

DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. AFASTAMENTO DE FATO, DENTRO DO PRAZO. COMUNICAÇÃO FEITA À REPARTIÇÃO, JÁ APÓS A DATA-LIMITE. IRRELEVÂNCIA.

O AFASTAMENTO DO SERVIDOR DE SUAS FUNÇÕES, PARA EFEITO DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, DEVE SE OPERAR NO PLANO FÁTICO, SENDO A COMUNICAÇÃO RELEVANTE TÃO SOMENTE PARA GARANTIR A PERCEPÇÃO DE SEUS VENCIMENTOS.

ASSENTANDO AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE O AFASTAMENTO SE VERIFICOU COM OBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL, DESCABE O REEXAME DE MATÉRIA EM RECURSO ESPECIAL (SÚMULA 279 - STF).

5 Dos prazos para desincompatibilização de servidores públicos municipais

As hipóteses de incompatibilidade previstas tanto na Constituição Federal como na Lei Complementar n. 64/1990 determinam prazos para que pré-candidatos promovam seu afastamento – definitivo ou temporário –, que podem variar de três a seis meses antes do pleito. Uma vez identificado o cargo ou a função desempenhada, impõe-se a contagem do prazo.

A lei eleitoral não dispõe expressamente o modo pelo qual se dá a aferição do prazo, sendo regido, portanto, pelo art. 2º da Lei n. 810, de 6.9.1949, que tem a seguinte redação: “Considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte”.

O dia de referência é o da realização do primeiro turno das eleições. Tomando como exemplo o pleito de 2008, que ocorreu em 5 de outubro (primeiro domingo do mês de outubro), os prazos de três, quatro ou seis meses aplicados retroativamente recaíram em 5 de julho, 5 de junho e 5 de abril, respectivamente. No caso, exigiu-se o afastamento até o dia imediatamente anterior, qual seja, dia quatro.

A leitura desavisada do complexo art. 1º da LC n. 64/1990 pode sugerir contradição entre prazos de desincompatibilização, se não interpretados sistematicamente. Em relação aos cargos do Poder Executivo, sua estrutura e lógica reside em discorrer longo rol de situações aos cargos de presidente e vice-presidente da República (inciso II), para remeter aos demais cargos de governador e vice-governador, de Estado e do Distrito Federal, prefeito e vice-prefeito, “no que lhes for aplicável, por identidade de situações”, as hipóteses do inciso mencionado.

De igual modo ocorre com os cargos legislativos para o Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembléia e Câmara Legislativas e Câmara Municipal, todas vinculadas às situações dos cargos executivos.

Para os cargos de prefeito e vice-prefeito, a lei complementar prevê prazo de quatro meses para desincompatibilização, nos termos do art. 1º, inciso IV:

Art. 1º São inelegíveis:

[...]

IV – para Prefeito e Vice-Prefeito:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;

Remetendo o inciso IV ao inciso II, que versa sobre inelegibilidade aos cargos de presidente e vice-presidente, tem-se em sua alínea “l” o prazo menor de três meses:

II – para Presidente e Vice-Presidente da República

[...]

l) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração Direta ou Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo poder público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais.

A indagação reside, portanto, em qual o prazo aplicado para a desincompatibilização de servidores públicos municipais que pretendam concorrer ao cargo de prefeito ou de vice-prefeito. Ademais, por que a legislação exigiria prazo maior ao Executivo municipal que ao Executivo federal (quatro e três meses, respectivamente)?

A resposta se encontra na interpretação sistemática do instituto da desincompatibilização, em consonância com o sentido atribuído ao de servidores públicos apresentado.

Já se afirmou que na inelegibilidade decorrente da ausência de desincompatibilização há presunção legal de que o incompatível utilizará a máquina pública em seu benefício. Na estrutura organizacional da Administração Pública há cargos que detêm maior influência nas decisões administrativas e que, por conseguinte, podem promover ações que influenciarão mais significativamente o eleitorado.

Por essa razão, o inciso II do art. 1º prevê especificamente hipóteses de desincompatibilização de cargos e/ou funções que o legislador, com fundamento no art. 14, § 9º, da CF, julgou serem as mais relevantes ao pleito. O escopo não poderia ser outro que o de afastar candidatos cuja mantença em suas atribuições poderia potencialmente afetar o equilíbrio na disputa eleitoral.

Assim, distinguem-se duas categorias de servidores públicos (em sentido amplo): a) os que detêm cargos ou funções especificamente detalhados nos incisos e alíneas do art. 1º da LC n. 64/1990; e b) os que detêm cargos ou funções não especificados.

A distinção é relevante para fins de aplicação do prazo legal de desincompatibilização, já que a solução passa pela indagação: há ou não previsão específica para determinado cargo ou função?

Havendo previsão específica, o prazo de seis meses exigido ao cargo de presidente ou vice-presidente da República passará a quatro meses quando se pretender concorrer ao cargo de prefeito ou de vice-prefeito.

Inexistindo previsão, o prazo então será o ordinário de três meses, nos termos do art. 1º, inciso II, alínea “l” da LC n. 64/1990.

Nesse sentido, Pedro Henrique Távora Niess (1994, p. 92) ensina:

Especialmente no que concerne aos servidores públicos em geral, o prazo de afastamento do cargo ou função deve ser de três meses, como previsto na letra “l” do inciso II, se neste inciso, noutra alínea, não for previsto prazo maior, hipótese em que prevalecem os quatro meses a que se refere o inciso IV, letra “a”. É que numa interpretação sistemática verifica-se que em todos os demais casos o prazo de desincompatibilização é sempre maior para Presidente e Vice-Presidente da República do que para prefeito, ou pelo menos igual, nada justificando que, especificamente nesse caso, haja a inversão da regra.

De igual modo, o raciocínio desenvolvido aplica-se à desincompatibilização de servidores públicos municipais para a disputa dos cargos da Câmara Municipal. A distinção para os cargos do Executivo municipal, entretanto, reside no prazo que passa de quatro para seis meses.

Dispõe o art. 1º, VII, da LC n. 64/1990:

VII – para a Câmara Municipal:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de seis meses para a desincompatibilização;

b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de seis meses para a desincompatibilização.

Em suma, servidores públicos municipais que pretenderem concorrer aos cargos de prefeito e vice deverão promover sua desincompatibilização no prazo de quatro meses anteriores ao pleito, caso suas funções tenham identidade com as situações arroladas no inciso II do art. 1º da LC n. 64/1990; ou no de três meses, caso não haja previsão específica. Para disputa do cargo de vereador, o prazo para desincompatibilização passa para seis meses.

6 Ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC)

A argüição judicial da ausência de desincompatibilização de servidores públicos pode se dar pelo manejo da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) ou do Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED).

A utilização de um ou outro instrumento processual depende da natureza da inelegibilidade, se constitucional ou infraconstitucional (legal). Isso, como se verá adiante, em razão do art. 259 do Código Eleitoral, que dispõe que “são preclusivos os prazos para interposição de recurso, salvo quando neste se discutir matéria constitucional”.

A Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) é um incidente no processo de registro, que visa o indeferimento do pedido formulado pelo pré-candidato.

A AIRC mantém relação acessória com o registro de candidatura (RCAN), devendo ambos tramitar nos mesmos autos ou de modo apensado, sendo resolvidos em um mesmo ato com a prolação de uma só decisão.

Sua causa de pedir funda-se na ausência de uma ou mais condições de elegibilidade, ou na existência de causa de inelegibilidade. Todavia não é cabível, em sede de AIRC, alegar inelegibilidade decorrente de abuso de poder econômico ou político que não tenha sido ainda objeto de apreciação, cabendo apenas quando já decretada a inelegibilidade do agente.

Assim, é vedado o manejo de AIRC para apurar abusos, uma vez que para tal fim há a Ação de Investigação Judicial Eleitoral de que trata o art. 22 da LC n. 64/1990.

A  AIRC encontra-se prevista no art. 3º da Lei Complementar n. 64/1990:

Art. 3º  Caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do pedido de registro de candidato, impugná-lo em petição fundamentada.

São legitimados ativos os partidos, coligações, candidatos e Ministério Público Eleitoral. Não estando presente no pólo ativo, cabe aos eleitores dar ciência ao Juiz ou ao Promotor Eleitoral de fatos que devem ser conhecidos de ofício.

O rito da AIRC é denominado de “ordinário eleitoral”, por ser o mais dilatado das ações eleitorais. Entretanto, mesmo assim contém prazos exíguos decorrentes da celeridade que o processo eleitoral demanda, previstos nos arts. 3º a 7º da LC n. 64/1990.

Dispõe a Lei Complementar que uma vez publicado edital dando ciência do pedido de registro, abre-se prazo para que os legitimados ofereçam a impugnação em cinco dias. Recebida a inicial, tem o impugnado, após a devida notificação, sete dias para apresentar contestação, promovendo, desde logo, a indicação do rol de testemunhas, juntada de documentos e o requerimento para produção de outras provas.

A notificação do impugnado pode ocorrer por meio de mandado a ser cumprido por oficial de justiça ou, como normalmente ocorre na prática, por notificação encaminhada via fac-símile, cujo número é de indicação obrigatória no momento do registro da candidatura.

Contestada a impugnação, o Juízo Eleitoral poderá prolatar sentença nas hipóteses de se tratar apenas de matéria de direito ou, sendo relevante a prova protestada, designar audiência para inquirição de testemunhas nos quatro dias seguintes. Todas as testemunhas, tanto da parte do impugnante como do impugnado, serão ouvidas numa única assentada.

Concluída a inquirição, poderão ser realizadas, nos cinco dias subseqüentes, as diligências determinadas de ofício ou requeridas pelas partes. Após dilação probatória, as partes e o Ministério Público Eleitoral, ainda quando não for parte, poderão apresentar alegações no prazo comum de cinco dias.

Encerrado o prazo para alegações, e em se tratando de eleições municipais, os autos serão conclusos ao Juiz Eleitoral, que deverá apresentar sentença em Cartório no prazo de três dias contados da conclusão, quando passará a correr prazo igualmente de três dias para interposição de recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

Na hipótese de se prolatar sentença antes do prazo de três dias, o prazo recursal não altera, contando-se como se a sentença houvesse sido apresentada no último dia. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral há muito editou a Súmula n. 10/1992 “a contagem do prazo de recurso não se altera quando a sentença é entregue antes dos três dias previstos”.

Por outro lado, quando apresentada a sentença após os três dias da conclusão, o prazo recursal passará a contar a partir da publicação da decisão em Cartório, através de edital.

Protocolizado o recurso, passará a correr prazo de três dias para o recorrido, querendo, oferecer as contra-razões, quando serão os autos remetidos às instâncias superiores para decisão.

Questão importante na ação de impugnação de registro de candidatura é o efeito atribuído ao recurso interposto em face de sentença de indeferimento do pedido de registro. Na hipótese de procedência da AIRC, o candidato que buscar a reforma da decisão nas instâncias superiores poderá continuar realizando atos de campanha como se candidato deferido fosse.

Para as eleições municipais, trata-se da aplicação do art. 43 da Resolução n. 22.717/2008, a seguir transcrito:

Art. 43. O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão por sua conta e risco e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica, ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

É a denominada “teoria da conta e risco” recepcionada pelo Tribunal Superior (AgRRE n. 33.519):

1. O art. 43 da Res.-TSE 22.717 estabelece que o candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão por sua conta e risco e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica, ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

2. Em face do que expressamente dispõe essa disposição regulamentar, torna-se desnecessária a atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pretendido por candidato em processo de registro.

Agravo regimental a que se nega provimento.

No tocante à inelegibilidade decorrente da ausência de desincompatibilização, deve-se atentar se a causa de inelegibilidade se encontra ou não prevista no texto constitucional, isso em razão do art. 259 do Código Eleitoral, que determina que “são preclusivos os prazos para interposição de recurso, salvo quando neste se discutir matéria constitucional”.

As incompatibilidades constitucionais possuem tratamento diverso das infraconstitucionais quanto à preclusão, pois a primeira pode ser alegada em dois momentos distintos do processo eleitoral, a saber: pedido de registro de candidatura e diplomação.

Marcos Ramayana (2007, p. 155) explica os efeitos decorrentes do não manuseio tempestivo da AIRC em relação às inelegibilidades previstas apenas em lei complementar:

[...] se um pré-candidato não deixa de afastar-se e este fato não é alegado no seu pedido de registro, a questão simplesmente ficará preclusa de argumentação (decairá o direito de invocar-se esta causa de inelegibilidade infraconstitucional). Assim, poderá o “inelegível” exercer o mandato eletivo, não sendo o caso de ajuizamento de ação de impugnação ao mandato eletivo ou de recurso contra a diplomação, porque a matéria não é considerada de natureza constitucional, incidindo o disposto no art. 259, parágrafo único, do Código Eleitoral.

Estando prevista, no art. 1º, inciso II, alínea “l”, da LC n. 64/1990 a necessidade de afastamento de servidores públicos, a AIRC torna-se a via processual cabível para argüição da inelegibilidade legal.

A preclusão atinge inclusive os órgãos da Justiça Eleitoral, a quem compete conhecer de ofício a inelegibilidade. Verificada a ausência de desincompatibilização de hipótese infraconstitucional, não poderá ser declarada ex officio posteriormente ao pedido de registro.

Pedro Roberto Decomain (2004, p. 256) explica a questão, nos seguintes termos:

Essa desincompatibilização deve ser verificada no momento do registro da candidatura. Pode de sua falta conhecer de ofício o órgão da Justiça Eleitoral a quem cabe promover o registro dos candidatos, mas também pode a ausência de desincompatibilização ser motivo para impugnação ao registro da candidatura, pelos legitimados, incluídos aí o Ministério Público Eleitoral. Efetivamente, verificado, em impugnação ao pedido de registro de candidatura, ou mesmo de ofício, pelo órgão da Justiça Eleitoral encarregado desse registro, que aquele que deveria ter-se desincompatibilizado em certo prazo, não o fez, deverá o pedido de registro de sua candidatura ser negado. Negado o registro da candidatura, ter-se-á candidato não registrado, com nulidade de todos os votos a ele conferidos, a teor do art. 175, § 3º, do Código Eleitoral. Se a votação recebida por esse candidato (na verdade, um não candidato) é nula, porque não foi ele registrado, tem-se que foi ele, pelo indeferimento do registro de sua candidatura, baseado em ausência de oportuna desincompatibilização, tornado inelegível para aquela eleição.

Por fim, se a inelegibilidade for decorrente de previsão constitucional expressa ou superveniente ao registro de candidatura, não incide o efeito preclusivo do art. 259, podendo a questão ser atacada, em momento oportuno, nos prazos e formas do Recurso Contra a Expedição de Diploma.

7 Recurso contra expedição de diploma (RCED)

A doutrina aponta que o Recurso Contra Expedição de Diploma não é propriamente recurso, mas uma ação eleitoral autônoma. Isso porque, o expediente processual em apreço não visa impugnar alguma decisão judicial, tampouco é manejado dentro de um processo entre partes já constituído – aspectos essenciais à caracterização de um recurso processual.

É cediço que o ato de diplomação é atividade administrativa, mediante a qual é certificado oficialmente o resultado final do processo eleitoral. Não se trata de decisão judicial, embora seja comandado pela autoridade judicial eleitoral.

Tendo em vista que o RCED busca atacar o ato de diplomação, com  o intuito de desconstituir o ato administrativo, não há, de fato, que se falar em insurgência a uma decisão judicial. Trata-se, portanto, de ação autônoma com objetivo específico de reverter a concessão do diploma.

José Jairo Gomes (2008, p. 356) aduz que a doutrina e os tribunais pátrios adotam atualmente a compreensão que o RCED é ação de natureza constitutiva negativa do ato administrativo de diplomação.

Previsto no art. 262 do Código Eleitoral, o recurso contra diplomação possui quatro hipóteses de cabimento, cujo rol é taxativo:

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos seguintes casos:

I –  inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato;

II – errônea interpretação da lei quanto à aplicação do sistema de representação proporcional;

III – erro de direito ou de fato na apuração final quanto à determinação do quociente eleitoral ou partidário, contagem de votos e classificação de candidato, ou a sua contemplação sob determinada legenda;

IV – concessão ou denegação do diploma, em manifesta contradição com a prova dos autos, nas hipóteses do art. 222 desta Lei, e do art. 41-A da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. [Redação dada pela Lei n. 9.840, de 28.9.1999.]

Em que pese a relevância das questões aduzidas nos demais incisos, interessa ao desenvolvimento do presente estudo apenas o primeiro, que permite o ingresso da ação eleitoral para atacar a diplomação em decorrência de inelegibilidade ou incompatibilidade.

Como visto no item anterior, as inelegibilidades e as incompatibilidades devem ser aferidas no momento do registro de candidatura, seja ex officio, pelo Juízo Eleitoral, ou via AIRC. Decorrido o prazo para impugnação, tem-se, em regra, a preclusão da matéria não suscitada.

Entretanto, a teor do disposto no art. 259 do Código Eleitoral, as inelegibilidades constitucionais não sofrem efeito da preclusão quando não alegadas em AIRC. Resta, no tocante à incompatibilidade, a possibilidade de atacar a diplomação de candidato eleito, com base no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Trata-se das inelegibilidades reflexas decorrentes do não afastamento de cônjuge ou parentes.

Em sede de inelegibilidade infraconstitucional, há uma única possibilidade: a superveniente. Trata-se de “inelegibilidade surgida no perío-do compreendido entre o registro de candidatura e o pleito” (GOMES, 2008, p. 140). Ocorre em situações em que o candidato preenche as condições legais no momento de seu pedido de registro de candidatura, e, após deferimento e antes do dia do pleito, torna-se inelegível.

Para essas hipóteses, havendo causa de inelegibilidade no lapso temporal apontado, o candidato então elegível será tido por inelegível, tendo seu diploma cassado. Ocorre, por exemplo, com trânsito em julgado de condenação criminal, a rejeição de contas havida após o dia cinco de julho e antes do primeiro domingo do mês de outubro.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica:

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental. Registro de Candidato. Contas rejeitadas após o pedido de registro. Fato superveniente. Recurso Especial. Provimento.

1. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas no momento do pedido de registro.

2. Fatos supervenientes ao pedido de registro podem ser suscitados no recurso contra expedição de diploma, nas hipóteses previstas no art. 262 do Código Eleitoral.

3. Agravos regimentais desprovidos.

Em relação aos aspectos processuais, o RCED deve ser interposto no prazo decadencial de três dias, contados da sessão de diplomação. Aplica-se à espécie o art. 132 do Código Civil, sendo excluído o dia do início (da diplomação) e incluído o do vencimento, podendo começar, inclusive, em sábado, domingo ou feriado. Outrossim, caso vença em feriado, será considerado prorrogado até o primeiro dia útil.

Quanto à legitimidade ativa, podem ingressar com RCED partido político (ainda que tenha sido coligado), candidato eleito e diplomado, bem como suplente, Ministério Público Eleitoral e, segundo entendimento do TSE, coligação. Também conforme o TSE, são excluídos da legitimidade ativa: eleitor, pré-candidato cujo registro restou indeferido e diretório municipal em relação às eleições estaduais.

Podem integrar o pólo passivo o candidato apenas eleito e diplomado, além do suplente. Em 2008, o Tribunal Superior Eleitoral reviu sua posição quanto à necessidade de formação de litisconsórcio entre titular e vice. O entendimento até então pacificado afirmava que titular e vice poderiam formar litisconsórcio unitário facultativo. Atenta ao fato de que eventual deferimento do recurso atingiria a esfera jurídica do vice, a Corte decidiu que deve ser formado litisconsórcio unitário necessário, devendo o vice integrar a relação jurídica processual, sob pena de nulidade na constituição do processo.

Precedente no RCED n. 703/SC, do TSE:

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. PROCESSO - RELAÇÃO SUBJETIVA - LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - CHAPA - GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR - ELEIÇÃO - DIPLOMAS - VÍCIO ABRANGENTE - DEVIDO PROCESSO LEGAL.

A existência de litisconsórcio necessário – quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes – conduz à citação dos que possam ser alcançados pelo pronunciamento judicial. Ocorrência, na impugnação a expedição de diploma, se o vício alegado abrange a situação do titular e do vice.

O RCED, conforme reiteradas decisões do Tribunal Superior Eleitoral, não comporta desistência da parte autora. O fundamento é o caráter eminentemente público do objeto tratado, podendo o Ministério Público Eleitoral assumir o pólo ativo da relação processual.

Convém ressaltar que não se configura litispendência entre RCED e as ações de investigação judicial eleitoral, impugnação de mandato eletivo, ação por captação ilícita de sufrágio ou por conduta vedada, ainda que os fatos narrados na causa de pedir sejam idênticos, pois os pressupostos e as consequências são distintos.

Nos termos do art. 267 do Código Eleitoral, sendo o recorrido intimado do recurso, poderá apresentar defesa no prazo de três dias. Carreados aos autos novos documentos, será dada vista à parte autora no prazo de quarenta e oito horas.

Tendo como causa de pedir a existência de inelegibilidade ou incompatibilidade, o RCED deve ser instruído com prova pré-constituída ou a ser produzida pela via cautelar (produção antecipada da prova). Em contrapartida, cabe ao recorrido requerer em sua defesa a produção de contraprova.

Requerido pelo autor ou réu a produção probatória, caberá ao relator, no tribunal, apreciar o pedido em vinte e quatro horas da conclusão dos autos e, uma vez deferida, deverá ser realizada no lapso de cinco dias.

Na decisão, a manifestação será pela procedência ou improcedência do feito, não se utilizando “recurso provido” ou “não provido”, pois o RCED, como visto, é ação autônoma.

Por força do art. 216 do Código Eleitoral, em caso de procedência do recurso, o candidato cassado permanece em suas funções até ulterior julgamento e publicação da decisão pelo TSE acerca do RCED. É a regra contida no art. 216 do CE: “Art. 216. Enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude”.

Trata-se de exceção à regra geral do art. 257, que dispõe que “os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo”.

8 Conclusão

O estudo demonstrou que a inelegibilidade decorrente da incompatibilidade de servidor público municipal deve ser argüida judicialmente por meio de Ação de Impugnação de Registro de Candidatura ou via propositura do Recurso Contra a Expedição de Diploma.

Partindo do conceito apresentado de inelegibilidade, demonstrou-se que a incompatibilização é espécie de inelegibilidade relativa, superada apenas pela desincompatibilização, que se consubstancia na saída de pré-candidato de cargo ou função cuja permanência possa afetar o resultado do pleito pela influência decorrente de seu exercício, nos termos do art. 14 da CF e da LC n. 64/1990.

Focado o estudo nos aspectos da desincompatibilização de servidores públicos na esfera municipal, tem-se que o conceito de servidor público é amplo, abrangendo servidores estatutários ou não.

Em razão do regime ao qual os servidores podem estar sujeitos, há que se exigir, na desincompatibilização, a renúncia, exoneração ou licenciamento. Nas duas primeiras hipóteses o vínculo é cessado mesmo após o pleito, independentemente de se o servidor logrou ou não ser eleito. Ao servidor de cargo efetivo é permitido licenciar-se do cargo para fins de disputa eleitoral, mantida a percepção de seus vencimentos.

Os prazos exigidos pela Lei Complementar n. 64/1990 e as hipóteses de desincompatibilização devem ser interpretados de maneira sistemática. A forma de construção do art. 1º do diploma legal e as referências de prazo de um cargo ao outro podem sugerir conflito aparente entre as hipóteses, questão superada se assim entendido: a) o prazo de desincompatibilização de servidores públicos municipais para disputa aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador são, em regra, de três meses anteriores ao pleito, nos termos do art. 1º, inciso II, alínea “l”, da LC n. 64/1990; b) para disputa dos cargos de prefeito e vice-prefeito e ocupando o servidor cargo para o qual, no que lhe for aplicável por identidade de situações, há previsão expressa de inelegibilidade (presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal), o prazo para desincompatibilização será de quatro meses, nos termos do art. 1º, inciso IV, alínea “a”, da LC n. 64/1990; e, por fim: c) para disputa dos cargos de vereador e ocupando o servidor cargo para o qual, no que lhe for aplicável por identidade de situações, há inelegibilidade (Senado Federal e para a Câmara dos Deputados), observado o prazo de seis meses para a desincompatibilização, bem como, em cada município, os inelegíveis para os cargos de prefeito e vice-prefeito, observado o prazo de seis meses para a desincompatibilização, nos termos do art. 1º, inciso VII, alíneas “a” e “b”, da LC n. 64/1990.

Ao final, afirmou-se que as hipóteses de desincompatibilização previstas na Lei Complementar n. 64/1990 devem ser alegadas em juízo mediante propositura de: a) Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), ocasião em que devem ser suscitadas as incompatibilidades constitucionais e infraconstitucionais, sob pena de preclusão dessa última, nos termos do art. 259 do Código Eleitoral; b) Recurso Contra Expedição de Diploma, para alegar incompatibilidades constitucionais não levantadas em AIRC ou incompatibilidades infraconstitucionais supervenientes, ocorridas entre o registro e o pleito.

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1 Para exemplificar a atual importância atribuída à inelegibilidade basta relembrar a repercussão nacional do julgamento pelo STF da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 144, ocorrido durante o período eleitoral das eleições municipais de 2008. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com efeito vinculante, que o art. 14, § 9º, da CF não é auto-aplicável, exigindo para a produção integral de seus efeitos a edição de lei complementar.

* Analista Judiciário e Especialista em Direito Eleitoral pelo Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Eleitoral (Unisul/Rede LFG).

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, vol. 17, 2010.

 

 

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