Site TRESC
  • FB
 

Íntegra

Adoção da atuação restrita da Justiça Eleitoral aos períodos de eleições - consequências

Por: Alcides dos Santos Aguiar

O tema que os ilustres organizadores deste significativo evento propuseram-me, permitindo-me uma rápida participação na condição de batedor, e aqui atuando como Presidente do nosso e. Tribunal Regional Eleitoral, leva o título "Adoção da atuação restrita da Justiça Eleitoral aos períodos de eleições - conseqüências"; o que, vale dizer, suscita o debate acerca da necessidade ou não da Justiça Eleitoral, como órgão permanente e indispensável à realização e à legitimidade dos pleitos eleitorais no País, tal como hoje atua e é concebida estruturalmente.

Desnecessário seria destacar que os órgãos eleitorais no Brasil, hoje, têm como instrumental de trabalho a Constituição Federal, o Código Eleitoral, a lei de Inelegibilidade, a lei dos Partidos Políticos e a atual lei das Eleições, de n. 9.504, de 30.9.1997, que se pretende perene e não mais casuística.

Mercê desses diplomas legais e utilizando-se das fontes normais de direito, a Justiça Eleitoral, que nasceu com o Código Eleitoral de 1932, impôs-se desde logo, especialmente pelo foro de dignidade que lhe emprestaram os seus integrantes, por isso que entregue essa magna tarefa ao Judiciário.

Para os estudiosos do Direito Eleitoral, como Alberto Rollo e Enir Braga, "O Brasil é um país privilegiado por contar com uma Justiça Eleitoral autônoma".

Permitam-me trazer aqui o posicionamento de algumas notáveis personalidades do mundo jurídico brasileiro em torno desse tema de transcendental relevância para a vida institucional do País.

Para o Professor de Direito Eleitoral e Direito Constitucional da Universidade de Minas Gerais, Anis José Leão, existem no mundo três sistemas para controlar o processo eleitoral: o sistema clássico, político ou da verificação de poderes; o sistema misto, eclético ou do Tribunal especial; e o sistema jurisdicional ou da Justiça Eleitoral.

Ressalta textualmente o eminente professor que "o ímpeto de querer botar controle na Justiça brasileira, teoria já de si mesma deletéria e adoidada, alarga o facho e quer alcançar o Eleitoral".

Mais adiante, proclama:

"Foi uma Revolução de 1930, que, batizada pelo sangue sulino, com Assis Brasil no trombone, gritou em favor do voto secreto e da criação da Justiça Eleitoral. Copiaram, mais ou menos, a lei da antiga Tcheco-Eslováquia.

"E a matéria eleitoral, o conjunto de atos relacionados com a eleição dos governantes e representantes do povo, passou para as mãos de Magistrados."

E enfatiza:

"Valeu e vale a pena. O sistema vigente, mesmo com pecados inevitáveis, visto que praticado por homens santos e pecadores, está aprovado e carece apenas de alguns retoques.

"Só de o processo eleitoral estar entregue ao Poder Judiciário, pode a Nação ter confortável sossego [...] Seria pecado grave, pensar em tirar do Judiciário a condução do processo eleitoral" (PAULA FILHO, Afranio Faustino de. Sistema de controle do processo eleitoral, p. 82-83).

O Professor Célio Borja, embora ressalte que teoricamente seria possível separar a administração do processo eleitoral do exercício da jurisdição em matéria eleitoral, porquanto a Justiça Eleitoral, quando prepara as eleições, exerce um serviço público de natureza administrativa, e tal não seria concernente à atividade do Juiz, que é a de dizer o Direito, é peremptório: "a Justiça Eleitoral no Brasil deu certo, porque livrou o país dos males da verificação de poderes, quer dizer, do exercício dessa competência política e administrativa pelos próprios corpos representativos".

O ilustre Professor Fávila Ribeiro é textual, após assinalar a relevante contribuição histórica da Justiça Eleitoral:

"Inegável que a Justiça Eleitoral revela-se como o modelo mais afeiçoado em seus delineamentos para o controle eleitoral e garantia da autenticidade da participação popular e lisura dos resultados aritméticos emanados do sufrágio popular."

"A Justiça Eleitoral está bem organizada", destaca o conceituado Dr. Antônio Tito Costa.

O Professor José Afonso da Silva, um dos nossos maiores constitucionalistas, é categórico ao afirmar que o processo eleitoral funciona razoavelmente bem, e se falhas existem não são da instituição como tal. O que não é possível alerta permanecer com esse sistema de, a cada eleição, ter uma lei específica, com certo casuísmo. Proclama, ainda, o insigne mestre:

"[...] O sistema eleitoral é talvez a justiça que melhor funciona no país."

O Professor José Alfredo de Oliveira Baracho vai mais além:

"O Sistema Francês de contencioso eleitoral, adotado por alguns países, é muito difícil. Nós iríamos ter que criar uma estrutura de um contencioso administrativo que funcionasse apenas para apreciar as questões das eleições, a correção das eleições, e também nós teríamos, talvez, que montar quase uma nova estrutura para desenvolver um órgão próprio, cuja finalidade principal seria participar do processo eleitoral. Já que nós temos a Justiça Eleitoral, convém aperfeiçoar também a legislação partidária, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, o Código Eleitoral. O que nós devemos aperfeiçoar é a legislação e não há necessidade da modificação, para adotar um outro sistema ou um sistema misto."

O controle do processo eleitoral adotado nos países da Europa - Alemanha e França - por exemplo, é realizado por um Tribunal Especial, um contencioso confiado a um órgão misto, meio político, meio jurisdicional. São verdadeiras Cortes Constitucionais, não integrantes do Poder Judiciário.

No Brasil, sugere-se, por exemplo, a criação de Comissões Eleitorais, federal e estaduais, organizadas nos moldes dos Tribunais de Contas, integradas por brasileiros com notório conhecimento da administração pública, legislação eleitoral ou de informática; idade mínima, idoneidade moral, tempo mínimo de atividade profissional e tempo de investidura no serviço público, que administrariam o processo eleitoral desde o alistamento, preparação do pleito, registro de candidatos, apuração dos votos e diplomação, entre outras.

Esses membros, como órgãos auxiliares da Justiça Eleitoral, seriam nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, após indicação do TSE e dos TRE's. (PAULA FILHO, Afranio Faustino de. Sistema de controle do processo eleitoral).

No auge da discussão sobre ser necessária a manutenção da Justiça Eleitoral, como hoje estruturada no Brasil, exercendo atribuições de ordem administrativa, normativa e jurisdicional, ou que venha a ser entregue essa tarefa (terceirização), na órbita primeira mencionada, a outros órgãos, apropriada e oportuna é a seguinte observação do Professor Célio Borja:

"Não acho impossível separar a jurisdição e a administração do processo eleitoral. A meu ver, a pergunta crucial é esta: será que nós conseguiríamos constituir corpos administrativos tão independentes, tão isentos, tão distantes da paixão política, que é a tônica do processo eleitoral e da campanha, sobretudo? Corpos administrativos tão isentos que pudessem administrar uma e outra sem comprometer a lisura do pleito?

"Respondendo à pergunta, exclusivamente com dados históricos, eu diria que é melhor que fique como está a administração do processo. Quanto à competência jurisdicional, essa nem há o que falar."

Há quem apregoe que, na era do voto eletrônico, a Justiça Eleitoral se revela desnecessária e obsoleta e poderia ser tarefa bissexta da Justiça Comum. Ledo engano. A par desta já se encontrar à beira do colapso, o voto eletrônico não é alta e ômega do processo eleitoral.

Bastante é destacar que a depuração do cadastro eleitoral, tarefa cotidiana entregue aos Cartórios e Juízes Eleitorais, sob pena de não se conseguir a tão almejada realidade nos pleitos, em todos os níveis, este ano - preparatório para as eleições do ano que vem - envolverá um trabalho gigantesco, a partir do batimento nacional. Temos aproximadamente cento e seis milhões de eleitores no País, e milhares de inscrições estão sendo canceladas, por motivos legais vários, o que provocará reações e reclamações em grande escala, considerando-se que ocorrerão naturalmente falhas e até injustiças nessa depuração eletrônica pura e simplesmente, mas que se faz indispensável. Para as correções, a Justiça Eleitoral dispõe de um prazo exíguo, pois, já a partir de outubro deste ano, inicia-se o interstício de um ano de domicílio eleitoral - requisito necessário para as candidaturas no pleito que se avizinha. Imagine-se se não contasse o Brasil, hoje, com uma Justiça Eleitoral autônoma e confiável, à altura de tão grande desafio.

O Ministro Nery da Silveira, em seus pronunciamentos constantes como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tem sido incisivo no sentido de que a Justiça Eleitoral "é eficiente, segura e moderna e tem rotina intensa durante todo o tempo". Afirma S. Ex.a. que sua manutenção Como ramo especializado do Poder Judiciário justifica-se para que tenhamos eleições não só limpas e confiáveis, mas principalmente para que os eleitos, sem suspeitas ou dúvidas, possam ser imediatamente investidos em seus mandatos. E é enfático:

"A Justiça Eleitoral tem funcionamento permanente, não sendo uma justiça de ano de eleições, como muitos afirmam, já que temos eleições de dois em dois anos e, no ano anterior, preparam-se as eleições do ano seguinte."

Minimizar a importância da Justiça Eleitoral como entidade jurídica permanente, ou simplesmente extingui-la - afirmou em seu discurso de posse como Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul, o ilustre Des. Osvaldo Stefanello -"é desconhecer a sua relevância não só quando da realização de eleições, mas no preparo dessas eleições, como condutora e guardiã que é de todo o processo eleitoral, não apenas da realização dos pleitos, preparo esse que exige uma atividade permanente e cuidadosa".

O preclaro Ministro do Supremo Tribunal Federal, presidindo o egrégio Tribunal Superior Eleitoral em 1994, no limiar do pleito daquele ano, em discurso proferido na cidade de Curitiba, foi contundente:

"[...] a importância global do êxito destas eleições, da normalidade destas eleições, para a consolidação do Regime Democrático, tem também, e não disfarço, um ângulo preocupado com uma instituição democrática que deu certo: a Justiça Eleitoral. Estou absolutamente convencido: essa experiência sem muitos exemplos no mundo, de ganhar uma função que substancialmente é basicamente administrativa, com a condução do processo eleitoral, e só incidentalmente jurisdicional. Entregar essa tarefa à estrutura do Poder Judiciário, em nome da isenção que se pode exigir, eu creio que nos 50 anos da criação da Justiça Eleitoral, com quase 50 anos de funcionamento permanente, a partir de 1945, me permitem dizer que, uma instituição que deu certo, com os defeitos que são os defeitos da justiça brasileira, que afinal de contas, são frutos dos defeitos do Brasil."

Outra não é a conclusão a que chegou a Comissão Especial no Congresso Nacional, encarregada do exame das Justiças Especializadas, quando, após aduzir argumentos em prol da manutenção desse ramo autônomo do Judiciário, reconhece não se tratar de uma Justiça de ano eleitoral, mas de funcionamento ininterrupto, em face da complexidade dos procedimentos preparatórios dos pleitos que ocorrem de dois em dois anos e do julgamento de ações decorrentes.

Para concluir, o que se faz urgente - e o Colégio de Presidentes dos TRE's. do País para tanto encaminhou ao Congresso Nacional vinte e sete sugestões visando ao aprimoramento do atual processo eleitoral - é que se expurguem da legislação eleitoral imperfeições, contradições e até inconstitucionalidades. Se falhas ocorrem na condução desse processo eleitoral, tal se deve não à Justiça Eleitoral, mas às próprias deficiências, omissões e casuísmos da legislação de regência, que fazem com que os Juízes, acionados sobretudo pelos partidos políticos, no afã de desempenhar o seu relevante papel nesse contexto, venham a exercer, por vezes, influência até inconveniente por ocasião das campanhas eleitorais, restringindo-as em demasia, com prejuízo à naturalidade das lutas políticas.

Senhoras e Senhores, antes da Justiça Eleitoral, o que predominava, seja no Império, seja na República Velha, era a "mentira eleitoral". Mercê do trabalho indormido e permanente dos servidores, Juízes e Tribunais Eleitorais, e do voto eletrônico, que veio para ficar, podemos contar com eleições autênticas e conseqüente legitimidade dos eleitos. O Brasil, nesse campo, é modelo para o mundo.

Obrigado.

Ex-Presidente do TRESC.

* Palestra proferida no conclave ocorrido em 3.7.1999, em Florianópolis, a convite do Dr. Ricardo José da Rosa, Presidente da Casa da Cultura Jurídica.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 6, n. 2 (jul./dez. 1999).

 

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina - Rua Esteves Júnior 68, 88015-130, Centro, Florianópolis, SC Fone [48] 3251.3700