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Íntegra

Abuso do poder econômico ou de autoridade

Por: Pedro Roberto Decomain

1 Introdução

Inicialmente, desejo agradecer a todos os organizadores deste evento, pelo gentil convite para dele participar, nesta conversa com todos os senhores, acerca do tema do abuso do poder econômico ou de autoridade, e também do uso indevido de veículos ou meios de comunicação, como possíveis causas de inelegibilidade.

Particularmente desejo saudar o Eminente Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, ilustre Presidente do Colégio de Corregedores da Justiça Eleitoral, e também o Eminente Desembargador Mauro Campello, ilustre secretário do Colégio de Corregedores Eleitorais. Meu especial agradecimento também ao ilustre colega e amigo Dr. Isaías Costa Dias, companheiro nas lides do Ministério Público, em particular no tema do combate aos crimes contra a ordem tributária, durante vários anos, cada qual atuando em seu Estado.

Minhas senhoras e meus senhores.

O tema acerca do qual nos propomos a conversar nesta oportunidade é dos que de maior relevância se revestem, dentre os muitos que integram o universo de nosso Direito Eleitoral.

Tamanha é a sua importância, que chegou a merecer do legislador constituinte de 1988 uma referência em parágrafo específico, dirigido às inelegibilidades de modo geral, posteriormente ampliado pela Emenda Constitucional de Revisão n. 4, de 7 de junho de 1994.

Trata-se do § 9º, do art. 14, da Constituição Federal, o qual, com a redação que lhe foi conferida pela aludida Emenda Constitucional de Revisão, tem hoje o seguinte texto:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

O legislador constituinte pretende, portanto, evitar desequilíbrios indesejáveis na igualdade de oportunidades entre os candidatos, oriundos de abuso do poder econômico, ou abuso do poder de autoridade ou político.

Em atenção ao referido preceito constitucional, editou-se a Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, conhecida usualmente como Lei das Inelegibilidades.

Dentre as diversas hipóteses de inelegibilidade das quais se ocupa, inclui-se então aquela representada pelo abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, e também pelo uso indevido de veículos ou meios de comunicação, como forma de tentar desequilibrar o pleito de modo ilícito em favor de determinado candidato, partido ou coligação.

Em seu art. 1º, inciso I, alínea "d", aquela Lei Complementar considera inelegíveis aqueles que "tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes;".

Mais adiante, em seu art. 22, a mesma Lei Complementar volta ao tema, desta feita para disciplinar os diferentes aspectos da representação a ser intentada para que em seu curso seja apurada a ocorrência de atos de abuso do poder econômico ou de autoridade durante determinado processo eleitoral.

Aquele art. 22 da Lei, todavia, não se limita a disciplinar os aludidos aspectos processuais daquela representação. Na realidade vai além, inserindo no contexto da lei mais uma causa de inelegibilidade, não referida no art. 1º, I, "d". Trata-se do uso indevido de veículos ou meios de comunicação, como mecanismo destinado também a desequilibrar ilicitamente o pleito em favor de dado candidato, partido ou coligação.

Diz efetivamente o caput do art. 22 da Lei:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: [...].

Como se vê, além de referir-se à representação para apuração de abuso do poder econômico ou de autoridade, o que o art. 1º, I, "d", da lei já havia feito, acrescentou-lhe o art. 22 a alusão ao uso indevido de veículo ou meio de comunicação, também apurável através da mesma representação.

Como o inciso XIV do art. 22 da LC n. 64/1990 afirma que, "julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanções de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade [...]", conclui-se que, subordinado por evidente o inciso ao caput do artigo, o uso indevido de veículo ou meio de comunicação também representa causa de inelegibilidade.

2 Abuso do poder econômico - breve noção

Breves considerações mostra-se conveniente sejam feitas, em torno do que se deve compreender por abuso do poder econômico, abuso do poder político ou de autoridade, e uso indevido de veículo ou meio de comunicação social.

Em primeira plana, cumpre fique registrado que o uso do poder econômico e mesmo o uso do poder de autoridade, durante um pleito eleitoral, não significarão, por si mesmos, atividade que constitua ilícito eleitoral.

Convém, para que se evite estranheza, que essa assertiva seja melhor explicada.

Ao afirmar-se que o uso do poder econômico não se constitui, em si mesmo, em ilícito eleitoral, tem-se que ter em mira que a própria legislação eleitoral, ao disciplinar o financiamento das campanhas eleitorais, não estabelece limites de gastos para candidaturas. Diferentemente de outros sistemas eleitorais, em que há limites de gastos previamente fixados para despesas de campanha eleitoral nas eleições, os quais podem inclusive variar em função do pleito de que se cuide, a nossa legislação eleitoral não diz, por exemplo, qual o limite máximo de gastos que um partido, coligação ou candidato pode realizar, em determinada candidatura. A dimensão dos gastos de campanha será definida pelos próprios partidos ou candidatos, segundo suas conveniências.

Disso resulta, mais ou menos claro, que partido ou candidato ele próprio mais abastado, ou que disponha de fontes de financiamento mais amplas e generosas, poderá vir a dispor de muito maiores recursos do que aqueles que venham a estar ao dispor de seus adversários.

Os inconvenientes que nisso se possa vislumbrar, caso se entenda que existam, refogem todavia ao âmbito desta exposição. Discute-se inclusive no âmbito do Poder Legislativo, o financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos. Mesmo assim, de certa forma não se poderia olvidar a conclusão algo melancólica, de que o constituinte pretendeu nivelar os candidatos, evitando benefício a algum ou alguns, por abuso do poder econômico, objetivo que, todavia, fica algo mais distante na realidade dos fatos, quando a legislação infraconstitucional permite que os partidos, coligações e candidatos gastem quando desejem, em suas campanhas eleitorais. O potencial desnivelamento que disso resulta é evidente e mereceria alguma reflexão em momento oportuno. Procura-se evitar o desequilíbrio resultante do abuso, mas não se disciplinou ainda convenientemente aquele que pode resultar do uso do poder econômico. Sem limitar também o uso, não se consegue obter efetiva igualdade entre os candidatos.

Todavia, observadas as regras da legislação eleitoral, esse maior fôlego econômico de algum candidato, partido ou coligação não importa em situação de ilicitude eleitoral e nem pode ser havido como forma de abuso do poder econômico, a justificar eventual declaração de inelegibilidade.

Todavia, embora não exista limite máximo de gastos fixado pela legislação eleitoral genericamente para candidaturas a determinados cargos, essa mesma legislação, mais particularmente a Lei n. 9.504/1997, que disciplina hoje grande parcela do processo eleitoral, afirma que, ao pleitearem o registro de suas candidaturas, os partidos devem informar à Justiça Eleitoral qual o limite máximo dos gastos que pretenderão realizar nas candidaturas a determinados cargos. Os valores podem ser diferentes para cargos diferentes, mas penso que devam ser idênticos para os diversos candidatos do partido a um mesmo cargo.

Já agora, ultrapassar, na campanha eleitoral, esse limite de gastos declarado pelo próprio partido à Justiça Eleitoral, pode caracterizar situação de abuso do poder econômico, agora sim capaz de acarretar inelegibilidade.

A legislação eleitoral também disciplina quais as possíveis fontes de financiamento das quais os candidatos se podem beneficiar, especificando, também, quais as pessoas ou entidades às quais é interdito fornecer recursos para campanhas eleitorais. Para as fontes de financiamento lícitas, inclusive para doações de campanha efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas, existem limites estabelecidos na legislação eleitoral. Fornecer e aceitar recursos de campanha para além desses limites poderá importar também em abuso do poder econômico, a ensejar reconhecimento da conseqüente inelegibilidade do beneficiário e dos que lhe hajam fornecido esse indevido aporte de recursos de campanha.

Não se deve estranhar, portanto, a afirmativa precedente, de que o uso do poder econômico em si mesmo, ainda que dito poder seja significativo, não deve ser considerado como situação ensejadora de inelegibilidade. O que se espera tenha ficado claro também, todavia, é o de que referido uso deverá obedecer às regras estabelecidas na legislação eleitoral para o financiamento de campanhas eleitorais. A desobediência a essas regras é uma das possíveis situações que podem caracterizar abuso do poder econômico.

Não é a única, todavia.

Pelo menos mais um exemplo genérico é útil que seja lembrado.

O fornecimento de dádivas a eleitores, por partidos ou candidatos, em período de campanha eleitoral, é fenômeno nosso conhecido há muito tempo e que o legislador e a Justiça Eleitoral forcejam por diminuir, quando não se entenda possível suprimi-lo por inteiro. Em país onde grande parte da população padece de crônica e acentuada pobreza, vivendo muita vez à míngua até de recursos mínimos para a sobrevivência biológica, e em país onde grande parcela da população também não tem ainda atingido os limites mínimos de escolaridade desejáveis, com analfabetismo acometendo ainda alguns milhões, partidos e candidatos podem pretender aproveitar-se dessa situação, para pura e simplesmente "comprar" os votos de diversos eleitores.

Essa conduta, do fornecimento de qualquer vantagem, particularmente de cunho econômico, ao eleitor, em troca de promessa de voto, além de constituir crime de corrupção eleitoral, previsto pelo art. 299 do Código Eleitoral, que pune também a conduta do eleitor que recebe essa vantagem, pode importar em nítida situação de abuso do poder econômico, ensejadora de inelegibilidade.

Também na senda dos possíveis exemplos, seria possível afirmar a existência, em tese, de situação de abuso do poder econômico, sempre que candidato, partido ou coligação, ou alguém em benefício de qualquer deles, impusesse a subordinados seus a exigência do voto em determinado candidato ou partido, sob ameaça de sanções de cunho indiretamente econômico. De lembrar-se a possibilidade de que o proprietário de estabelecimento fabril, candidato a mandato eletivo, impusesse aos seus empregados e, indiretamente, aos respectivos familiares, o voto nele próprio, com veladas (ou nem tanto) ameaças, por exemplo, de perda de emprego.

Enfim, numa tentativa de generalização do que poderia, em tese, constituir situação de abuso do poder econômico, capaz de redundar em inelegibilidade, poder-se-ia afirmar estar presente referido abuso, sempre que, em contexto eleitoral, ocorra emprego de recursos materiais ou de recursos humanos, ou a ameaça da realização de determinadas atividades em contexto econômico, fora do âmbito permitido pela legislação eleitoral, com o objetivo de obter vantagem para candidato, partido ou coligação.

A realização dessa atividade, todavia, não é o único requisito necessário para que a situação configure abuso. Referida atividade deve vir marcada ainda por outra característica, para que se configure abuso do poder em matéria eleitoral. Como esse requisito é comum também ao abuso do poder político ou do poder de autoridade e ao uso indevido de veículo ou meio de comunicação, dele ainda se irá cuidar ao final, após uma exposição muito breve sobre os fatos que podem caracterizar o abuso do poder político ou de autoridade e o uso indevido de veículos ou meios de comunicação.

3 O abuso do poder político ou de autoridade - breve noção

Pode ter também causado alguma perplexidade a afirmação precedente, de que o uso do poder político ou de autoridade não caracteriza, em si mesmo, situação de ilicitude eleitoral. Essa assertiva torna ainda mais necessário que se tente estabelecer o que deve ser havido como abuso do poder de autoridade ou do poder político, para que com isso se tente definir também o limite entre o uso, que é lícito, e o abuso, que enveredará pelo terreno da ilicitude.

O assunto tem hoje relação direta com a possibilidade de reeleição de Prefeitos, Governadores de Estado e do Distrito Federal e Presidente da República, para um mandato sucessivo. Mais ainda, tem relação com o entendimento já firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, de que os ocupantes desses cargos não precisam renunciar a eles, quando desejam candidatar-se à reeleição.

Naturalmente que durante a campanha eleitoral continuam exercendo suas funções de governo como Chefes do Poder Executivo. Com isso, continuam praticando atos típicos de autoridade e inerentes ao poder político. Torna-se portanto de grande interesse definir quando tais atos se situam na esfera da normalidade das atividades inerentes a esse cargos, e quando, diversamente, ingressam no terreno do abuso, tornando seus autores e os respectivos beneficiários passíveis do reconhecimento da inelegibilidade decorrente desse abuso.

A resposta para que se possa distinguir entre atos de autoridade lícitos e atos de autoridade que representam abuso passa pela análise do respeito, quando da prática desses atos, aos princípios constitucionais que norteiam a administração pública de um modo geral, e pela análise da finalidade última com que tais atos foram praticados.

Atos de autoridade, manifestações de exercício do poder político, praticados com desrespeito a princípios constitucionais que norteiam a administração pública e, além disso, praticados com o fito de beneficiarem candidato, partido ou coligação em dado pleito eleitoral, ingressam no terreno do abuso.

Assim, o ato de administração, de autoridade ou de poder político praticado, por exemplo, com violação aos princípios da legalidade, da moralidade ou da impessoalidade na administração pública e praticado, ademais, com o propósito, declarado ou velado, de beneficiar candidato, partido ou coligação, pode configurar abuso de autoridade.

Para mencionar apenas alguns exemplos possíveis, figurem-se os atos cuja prática é vedada, em determinados períodos antecedentes ao pleito eleitoral, pelo art. 73 da Lei n. 9.504/1997. Tais atos, quando realizados nos períodos vedados, tendo, ademais, expresso ou implícito objetivo de beneficiar candidato, partido ou coligação, figuram entre os que podem caracterizar abuso de poder político ou de autoridade, podendo acarretar, para seus autores e para os beneficiários, a sanção de inelegibilidade antes referida.

Para referir apenas um exemplo, a admissão de servidores públicos em caráter temporário, por uma das entidades cujos cargos estejam em disputa na eleição, durante o período vedado pelo art. 73 da Lei n. 9.504/1997, pode configurar abuso do poder de autoridade.

Assim como ocorre, porém, com o abuso do poder econômico, também os atos de autoridade que, violando princípios constitucionais da administração pública e tendendo a beneficiar candidato, partido ou coligação, necessitam revestir um outro caracter adicional, sem cuja presença o abuso, para fins eleitorais, não se caracteriza. Como esse outro requisito necessário para que o ato seja caracterizado como abuso em matéria eleitoral, é comum ao abuso de autoridade e também ao abuso do poder econômico e ao uso indevido de veículo ou meio de comunicação, será abordado mais adiante, em tópico específico.

Cabe salientar, sem embargo, que tais atos de autoridade abusivos são sancionados também em outras esferas do Direito, e mesmo com sanções do âmbito do Direito Eleitoral, diversas da inelegibilidade. Mesmo falhando esse requisito adicional, sobre o qual será dito mais adiante, tal não significa que tais atos deixem de se situar no terreno da ilicitude administrativa. Mesmo não podendo, em dado contexto, ser havidos como atos de abuso de autoridade, para o fim de acarretarem inelegibilidade, tornarão seus autores e beneficiários passíveis da incidência de eventuais outras sanções, até mesmo estranhas ao Direito Eleitoral, como sanções de índole administrativa, civil ou mesmo penal.

4 Uso indevido de veículos ou meios de comunicação - breve noção

Dentre todas as situações passíveis de acarretar inelegibilidade, figuradas pelo art. 22 da LC n. 64/1990, deve-se referir ainda o abuso ou uso indevido de veículos ou meios de comunicação.

Para que se possa alcançar uma noção mais ou menos precisa do que consista tal abuso ou uso indevido, como potencial causa de inelegibilidade, não se deve perder de vista, todavia, alguns princípios constitucionais.

Mais particularmente, os da liberdade de expressão do pensamento e os da liberdade de informação, ou liberdade de imprensa.

A todos é livre externar seu pensamento, desde que respeitadas a honra e a vida privada das pessoas.

A imprensa é livre para informar, desde que respeitados os mesmos valores, não podendo seus agentes ser sequer compelidos a revelar as fontes das informações que divulgam.

Esses dois princípios constitucionais, que podem representar pilares do regime democrático, posto que a imprensa, quando desenvolve de forma responsável e adequada os seus trabalhos, se converte em poderoso instrumento capaz de permitir o controle dos administradores sobre os administrados, entram em linha de consideração quando se pretende definir em que haverá de consistir o abuso ou uso indevido de veículos ou meios de comunicação, capaz de importar em inelegibilidade.

Conjugando o princípio da liberdade de expressão e o da liberdade de informação, tem-se num primeiro momento a conseqüência de que não se pode impedir o veículo de comunicação de externar a sua opinião, mesmo sobre assuntos de interesse da coletividade, e mesmo sobre opiniões, vida pretérita, experiência ou plataformas de trabalho de candidatos e partidos.

Não se pode interditar aos veículos de imprensa a possibilidade de externarem a sua opinião acerca desses assuntos.

De outra parte, deve ser assegurado a eles o direito de informar a população, mesmo nos assuntos e fatos que digam respeito a partidos, candidatos ou coligações.

Quando se trata de veículos da imprensa escrita, vale dizer, jornais e revistas, somente os limites do respeito à honra e à vida privada das pessoas devem ser ponderados quando se trate do reconhecimento de seus direitos a expressarem as suas opiniões e a transmitirem informação.

No Brasil, todavia, onde os serviços de radiodifusão de sons e imagens são monopólio da União, e somente podem ser prestados por particulares em regime de permissão ou concessão, havia necessidade de que fossem estabelecidos limites à liberdade de opinião e mesmo de informação, no que diz respeito a candidatos, partidos e coligações, durante o pleito eleitoral. De certo modo, as emissoras de rádio e de televisão, porque prestadoras de serviço público em regime de concessão ou permissão, funcionam como verdadeiro braço do Estado. Assim como este deva manter equanimidade em face de candidatos, partidos e coligações durante o pleito eleitoral, o mesmo haveria de ser imposto às emissoras de radiodifusão. Daí os limites a que estão sujeitas, consoante as regras especialmente do art. 45 da Lei n. 9.504/1997.

Voltando então ao tema do que possa, em princípio, caracterizar abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação, cabe ponderar inicialmente que os veículos de imprensa de modo geral, mesmo podendo externar suas próprias opiniões acerca dos temas que interessam para a coletividade, devem fazê-lo de tal forma que fique claro que são sua opiniões. Noutras palavras, devem distinguir o espaço editorial, no qual divulgam o seu próprio pensamento, do espaço informativo ou noticioso, no qual prestam informações sobre o que se passa. Claro que podem manifestar opinião sobre o fato que noticiam. Mas deve ficar claro para o leitor, ouvinte ou telespectador, o que é notícia e o que é opinião.

Numa primeira abordagem, portanto, pode configurar uso indevido de veículo ou meio de comunicação, a mescla indistinta de informação com opinião ou, por outra, a veiculação subliminar de opinião como se fosse simples informação. O leitor, ouvinte ou telespectador tem de ter condições imediatas de distinguir uma da outra.

Também pode configurar abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação, o deliberado privilegiamento informativo de determinado candidato, partido ou coligação, em detrimento de outros. Dito privilegiamento, porém, para que se constitua em possível abuso ou uso indevido, capaz de importar em inelegibilidade, deve estar contido no terreno informativo do veículo ou meio de comunicação. Assumindo que se trata da sua opinião ou do seu pensamento, pode propender inclusive declaradamente por determinado partido ou candidato. O que não seria admissível, todavia, vindo a configurar possível abuso, é que essa propensão ocorresse de forma subliminar, sendo o eleitor induzido a crer que unicamente fatos são divulgados, sem se aperceber de que na realidade exista por detrás do modo como o são, o propósito do veículo ou meio de comunicação social, de beneficiar um determinado candidato, partido ou coligação.

Pode também configurar abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação o exercício da função noticiosa sem que todos os aspectos dos fatos sejam inteiramente noticiados. Já se tem notícia de reconhecimento de inelegibilidade de dirigente de jornal e de candidato beneficiário, por haver o primeiro divulgado, dentre mais de uma pesquisa já registrada pela Justiça Eleitoral e que circulava entre os eleitores, dois dias antes da eleição, apenas aquela que favorecia um dos candidatos, sem fazer qualquer referência à outra. Tal conduta importa em desrespeito à regra editorial da distinção sempre nítida entre a opinião do veículo de comunicação, e seu setor informativo. Havendo duas pesquisas com resultados discrepantes, no terreno informativo ambas deveriam ter sido divulgadas com a mesma ênfase (ou até sem ênfase nenhuma). A divulgação de apenas uma delas, sem qualquer notícia sobre a outra, importou em favorecimento velado do veículo de imprensa ao candidato que despontava como preferido naquela única pesquisa divulgada e tal situação foi reconhecida como caracterizadora de abuso de veículo de comunicação, tendo redundado em decretação de inelegibilidade. Cumpre registrar que existe, todavia, recurso pendente de apreciação junto ao TRE, na medida em que se tratou de decisão de Juiz Eleitoral.

Do mesmo modo, a divulgação de opinião favorável a candidato, partido político ou coligação por parte de veículo de imprensa escrita, embora em tese inscrita no âmbito da liberdade de opinião, converte-se em abuso, capaz de ensejar reconhecimento de inelegibilidade, quando acontece não como manifestação genuína da opinião do veículo de imprensa, mas sim simplesmente porque este foi cooptado pelo partido, coligação ou candidato, o que pode ocorrer inclusive mediante remuneração. Se o que se pretende fazer crer seja opinião do veículo de imprensa, for na realidade propaganda eleitoral sem indicação de que dela se trata, tal situação poderá configurar abuso ou uso indevido do veículo de imprensa.

Pode, por fim, para encerrar os exemplos, configurar abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação escrito - jornal ou revista - a divulgação, pelo veículo, de propaganda eleitoral paga com dimensões superiores às previstas na Lei n. 9.504/1997. Se houver propaganda eleitoral dissimulada estaremos na situação do exemplo presente. Se a propaganda, todavia, for ostensiva, mas desbordante dos limites de dimensão previstos pela Lei n. 9.504/1997, a situação de abuso também poderá estar configurada. Ainda nesse terreno da propaganda eleitora paga divulgada na imprensa escrita, pode configurar abuso do veículo de imprensa a aceitação da publicidade apenas de um dos contendores, ou dos candidatos de um determinado partido ou coligação, com recusa da divulgação, mesmo mediante paga, da publicidade dos demais concorrentes.

Tais considerações aplicam-se aos veículos ou meios de comunicação escrita, que são estritamente particulares e não representam concessões ou permissões de prestação de serviços públicos.

No que diz respeito a rádio e televisão, podem configurar atos de abuso ou uso indevido, todos os que importem em violação às vedações contidas no art. 45 da Lei n. 9.504/1997. Desse modo, rádios e televisões não podem emitir qualquer opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação e também nem podem, nos noticiosos, dar tratamento privilegiado a algum deles. Mesmo em editorial, porque concessionários ou permissionários de serviço público, não podem fazer o que os jornais e revistas podem.

Desta sorte, quando a emissora de rádio ou televisão por exemplo emite opinião favorável ou contrária a candidato ou sistematicamente noticia fatos que o colocam em situações potencialmente simpática perante o eleitorado, ignorando as atividades de outros candidatos, infringe a lei eleitoral e pode estar empreendendo atividade caracterizadora de abuso ou uso indevido, com potencial inelegibilidade.

5 Requisito comum ao abuso do poder econômico, ao abuso do poder político e ao abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação

Já foi dito que um requisito, comum às três formas de abuso em matéria eleitoral, deve estar presente para que o abuso se caracterize como causa de inelegibilidade.

Esse requisito consiste, segundo entendimento pacificado pelos Tribunais Eleitorais, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral, na potencialidade da conduta abusiva para desequilibrar o pleito.

É preciso que a conduta caracterizadora do abuso, nos termos do que restou dito antes, revista também essa potencialidade para que acarrete inelegibilidade.

Embora a conduta ilícita possa existir, se não for de molde a, ao menos em tese, ter potencialidade para desequilibrar o pleito em favor daquele a quem a conduta visa beneficiar, então não importará ela em inelegibilidade. Poderá e deverá ser punida mediante outras sanções. Não, porém, com cassação de registro de candidato e decretação de inelegibilidade para as eleições que vierem a ocorrer nos três anos imediatamente seguintes à eleição à qual o abuso esteve vinculado.

Vale a pena registrar que, quando se diz ser necessário que a conduta abusiva tenha pelo menos potencialidade para desequilibrar o pleito, não se está a afirmar, absolutamente, que haja necessidade de demonstração, em cada caso concreto, de que esse desequilíbrio efetivamente existiu. Em primeiro lugar, a inelegibilidade não deixa de existir se o candidato que se pretendeu beneficiar com a conduta abusiva não for eleito. Dependendo das circunstâncias de sua derrota, poderá ela servir como indício de que a conduta abusiva não tinha efetivamente potencial lesivo no contexto em que se verificou, com o que restará afastada a imposição da inelegibilidade para o futuro. Mesmo assim, todavia, o tão-só insucesso eleitoral do candidato a quem se pretendeu trazer benefício com a conduta abusiva, não serve a afastar a potencialidade lesiva da conduta.

Também não existe a necessidade da demonstração, no caso concreto, de que a conduta efetivamente serviu como fator a beneficiar decisivamente o candidato, em caso de haver ele sido eleito. O que se necessita demonstrar, para que o abuso configure causa de inelegibilidade, é que tinha potencial para desequilibrar o pleito em favor do candidato, partido ou coligação a quem visava beneficiar.

Assim, a distribuição de dinheiro para 50 eleitores, num universo de cinqüenta mil, em eleição para a prefeitura municipal, pode não revestir essa capacidade para desequilibrar o pleito, de sorte a configurar causa de inelegibilidade. Certamente haverá de ser sancionada com aplicação das outras penalidades previstas pelo Direito Positivo para tal situação. Não, porém, com decretação de inelegibilidade.

Todavia, a distribuição de dinheiro para 50 eleitores, em município com dois mil eleitores, destinada a "convencê-los" a votar em determinado candidato a vereador, já tem essa potencialidade para desequilibrar o pleito, configurando, por isso mesmo, abuso do poder econômico, permitindo a imposição da pena de inelegibilidade e também cassação do registro do candidato beneficiado.

Em suma, deve-se registrar que a potencialidade para desequilibrar o pleito necessita ser avaliada em cada caso concreto, eis que um fato que em dado contexto eleitoral não possui dita potencialidade, em outro pode dela revestir-se e até de forma acentuada.

Utilizou-se aqui um exemplo caracterizador de abuso do poder econômico. A exigência, todavia, da potencialidade em tese para influir no resultado do pleito é aplicável tanto ao abuso do poder econômico, quanto ao abuso do poder político e ao abuso ou uso indevido de veículos ou meios de comunicação.

6 A representação para instauração de investigação judicial por abuso do poder econômico ou político ou por abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação

Os partidos políticos ou coligações devem requerer à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos, dentro do prazo para tanto previsto pela Lei n. 9.504/1997. Os requerimentos de registro de candidaturas podem ser impugnados por outros candidatos, partidos políticos ou coligações adversárias, e também pelo Ministério Público Eleitoral. A impugnação ao pedido de registro de candidatura é o meio de que se podem servir os legitimados, para demonstrarem a presença de causa de inelegibilidade (ou a ausência de condição de elegibilidade) em face do candidato cujo registro de candidatura se impugna.

É pacífico, todavia, na jurisprudência, que os órgãos da Justiça Eleitoral podem conhecer de ofício da presença de causas de inelegibilidade ou da ausência de condições de elegibilidade, quando encontrem provada tal circunstância. Desta sorte, se o órgão da Justiça Eleitoral responsável pelos registros de candidatura verifica desde logo a existência de causa de inelegibilidade a atingir algum candidato, pode, de ofício, indeferir o registro de sua candidatura, com base na causa de inelegibilidade verificada, independentemente da oferta de impugnação por algum dos legitimados.

O abuso do poder econômico ou de autoridade, ou ainda o abuso ou uso indevido de veículo ou meio de comunicação durante campanha eleitoral, também configuram causa de inelegibilidade, como previsto pela LC n. 64/1990. Em relação a tais modalidades de abuso, todavia, a sistemática para a sua apuração, prevista pela LC n. 64/1990, é distinta.

Não será em impugnação a pedido de registro de candidatura, que a eventual ocorrência de alguma dessas formas de abuso haverá de ser apurada, impondo-se a sanção de inelegibilidade ao candidato beneficiário, sendo caso.

A apuração dessa peculiar causa de inelegibilidade acontece em procedimento próprio, também da competência da Justiça Eleitoral, designado pelo art. 22 da LC n. 64/1990 como representação para instauração de investigação judicial por abuso de poder.

A legitimidade para ofertar a aludida representação também é conferida pelo art. 22 da LC n. 64/1990 aos demais candidatos, partidos políticos e coligações, e ao Ministério Público Eleitoral.

A competência para processar a representação será do Corregedor-Geral Eleitoral, quando o abuso se verificar em eleição presidencial, e dos Corregedores Regionais Eleitorais nos Estados ou no Distrito Federal, quando se cuidar de abusos verificados em eleições para o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) ou para os cargos de Governador e Vice-Governador de Estado ou do Distrito Federal ou ainda para os Legislativos dos Estados e do Distrito Federal. O processamento da representação caberá aos Corregedores Eleitorais, mas a decisão a seu respeito caberá respectivamente ao Tribunal Superior Eleitoral ou ao Tribunal Regional Eleitoral. Se o abuso se verificar em eleição municipal, a competência tanto para o processamento da representação, quanto para o seu julgamento, será dos Juízes Eleitorais.

Quanto ao Ministério Público Eleitoral, se não for ele próprio o autor da representação, caber-lhe-á oficiar, como fiscal da lei, em todas as etapas do processo, participando da produção da prova, podendo requerer a produção de outras, que não as requeridas pelas partes, e pronunciando-se acerca do mérito, antes da decisão do Tribunal ou Juiz Eleitoral.

A representação deverá ser ofertada em face dos autores da conduta abusiva e também dos candidatos que com ela se pretenda beneficiar. Nesse passo surge questão interessante: se o candidato não tiver ciência da conduta abusiva empreendida em seu benefício, pode ter seu registro cassado e decretada sua inelegibilidade para as eleições a serem realizadas nos três anos seguintes?

A resposta negativa atenderia ao princípio geral de direito punitivo, que veda a responsabilidade objetiva. Responsabilidade, aqui, imposta até mesmo para quem não agiu.

Todavia, neste tema, esse princípio deve ceder. Qualquer mandato eletivo conquistado em decorrência de abuso é espúrio. Qualquer conduta de abuso que tenha potencialidade para desequilibrar o pleito (e já se viu que sem essa potencialidade podem ser aplicadas outras sanções aos responsáveis pela conduta, mas não a de inelegibilidade) representa uma violação à livre manifestação do voto pelo eleitor e uma afronta ao princípio da igualdade, que deve presidir todo o pleito eleitoral.

Por essas razões, não se afigura despropositado reconhecer que mesmo o candidato que não tenha ciência da conduta abusiva empreendida em seu benefício, pode ter seu registro cassado e ter reconhecida sua inelegibilidade para o futuro.

O entendimento pacificado na jurisprudência é no sentido de que essa representação deve ser ajuizada até a data da diplomação dos eleitos no pleito em que tiver ocorrido a conduta havida por abusiva. Todavia, com o máximo respeito, não parece despropositado entender que a representação possa ser ajuizada mesmo depois dessa data. É que o abuso pode acarretar inelegibilidade para o pleito ao qual se referiu, com cassação do registro da candidatura, e para as eleições que se realizarem nos três anos seguintes.

Mesmo não sendo mais possível cassar mandato eletivo em representação para apuração do abuso de poder nas eleições, remanesceria sempre a possibilidade de ser aplicada aos autores da conduta abusiva e mesmo ao candidato beneficiário, a segunda sanção, representada pela decretação de sua inelegibilidade para as eleições a ocorrerem nos três anos seguintes. O abuso pode vir a ser descoberto apenas depois da diplomação e até mesmo depois da posse do candidato eleito. Remanescendo ainda a possibilidade da aplicação da pena de inelegibilidade para as eleições a acontecerem nos três anos subseqüentes, razoável que a representação possa ser ainda ajuizada. Somente não poderá mais importar na cassação do mandato eletivo conquistado.

A representação pode versar inclusive fatos ocorridos antes do início da campanha eleitoral e mesmo fatos destinados a beneficiar candidatos cujas candidaturas nem tenham sido ainda requeridas. Desde que, claro, os atos abusivos tenham por objetivo facilitar de algum modo a futura candidatura do beneficiário e desde que venha a ser efetivamente requerido o registro de sua candidatura. Mesmo nessa hipótese, todavia, o abuso deve ser apurado em representação própria e específica, sendo descabido discuti-lo em impugnação ao pedido de registro da candidatura. Desta sorte, em hipótese como essa, o ajuizamento da representação não chegará a impedir o registro da candidatura, mas sua procedência pode importar na respectiva cassação.

Ajuizada a representação, dela será dada ciência aos representados, para que possam defender-se. Disporão para tanto do prazo de cinco dias. Com ou sem apresentação de defesa, seguir-se-á instrução, desde que necessária a produção de provas, com produção daquelas requeridas pelo representante, pelo representado, pelo Ministério Público, quando oficie como fiscal da lei, e também daquelas que o Juiz ou o Corregedor Eleitoral entender conveniente determinar ele próprio que se produzam.

Ao fim da fase de produção de provas, seguem-se alegações finais pelo prazo de dois dias, comum a todos, inclusive o Ministério Público. Todavia, como é prerrogativa processual do Ministério Público ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, o que deve ser aplicado também quando oficia como fiscal na lei no processo eleitoral, faz-se necessária essa intimação pessoal do órgão do Ministério Público, para ofertar suas alegações. A regra vale inclusive quando seja ele o autor da representação.

Quando o processamento da representação ocorrer perante Tribunal Regional Eleitoral ou perante o Tribunal Superior Eleitoral, às alegações finais das partes segue-se relatório do Corregedor, submetendo-se em seguida o feito à decisão do Tribunal. Nos Tribunais, o Ministério Público pronunciar-se-á sobre a representação, à vista do relatório do Corregedor, antes da decisão do Colegiado. Deve-se frisar, porém, que referida manifestação parece ser necessária apenas quando o Ministério Público esteja oficiando no feito como fiscal da lei. Se for o autor da representação, já terá tido oportunidade de dizer sobre o processado quando das alegações finais. Além disso, se puder manifestar-se depois do relatório do Corregedor Eleitoral, sendo autor da representação, ou se dá idêntica oportunidade também aos representados, o que a LC n. 64/1990 não prevê, o fica quebrado o princípio da isonomia das partes no processo, o que não pode acontecer.

Tratando-se de representação da competência do Juiz Eleitoral, seguir-se-á decisão imediatamente após a apresentação das alegações, inclusive as do Ministério Público, quando oficiar como fiscal da lei, ou imediatamente após escoado o prazo para a sua apresentação, caso não tenham sido ofertadas.

Se o julgamento da representação acontecer antes da eleição do candidato, ser-lhe-á cassado o registro, sendo decretada também a sua inelegibilidade para as eleições que ocorrerem nos três anos seguintes.

Todavia, se a representação somente puder ser julgada procedente após a eleição, então não poderá mais redundar em cassação do registro do candidato eleito. Nesse caso, a decisão deverá ser comunicada ao Ministério Público, para que este possa aforar recurso contra expedição do diploma ou a ação de impugnação do mandato eletivo. Deve-se ter em mente, todavia, que o recurso contra a expedição do diploma, exatamente em decorrência de seu caráter recursal, pressupõe prova pré-constituída do abuso e, segundo entendimento jurisprudencial pacífico, somente com o trânsito em julgado da decisão que haja julgado procedente a representação por abuso, é que se tem dita prova. Portanto, se ao término do prazo para interposição do recurso contra expedição do diploma ainda não houver trânsito em julgado da decisão de procedência da representação, remanescerá para o Ministério Público, assim como para outros legitimados, apenas o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo, que pode ter o abuso de poder como um de seus fundamentos.

Em suma, se a representação for julgada procedente após a data da eleição, já não mais será possível a cassação do registro do candidato eleito, no âmbito exclusivo da representação. Em relação a ele deverão ser manejados ou o recurso contra expedição do diploma, ou a ação de impugnação de mandato eletivo.

Da decisão que julgar a representação, quando proferida por Juiz Eleitoral, caberá recurso ordinário eleitoral para o Tribunal Regional Eleitoral, dentro do prazo de três dias, que é o prazo comum para tal recurso. Se a decisão da representação for de Tribunal Regional Eleitoral, em representação de sua competência originária, dessa decisão caberá também recurso ordinário eleitoral para o TSE, a instâncias do art. 121, § 4º, inciso III, da Constituição Federal. As decisões do Tribunal Superior Eleitoral em representações por abuso de poder de sua competência originária, são em regra irrecorríveis, salvo quando contrariarem a Constituição Federal, segundo a regra do § 3º, também do art. 121, da Constituição Federal, e do art. 281 do Código Eleitoral. Nesse caso, a competência para conhecer do recurso será do Supremo Tribunal Federal.

Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais apreciando recursos ordinários interpostos das decisões dos Juízes Eleitorais, em representações por abuso do poder, poderá caber unicamente o recurso especial eleitoral, para o Tribunal Superior Eleitoral, desde que presente alguma das situações autorizadoras dessa modalidade recursal, elencadas pelo art. 276 do Código Eleitoral.

Os recursos interpostos das decisões que julgarem procedentes representações por abuso do poder em matéria eleitoral possuem efeito suspensivo, diversamente do que ocorre com os recursos eleitorais de modo geral, que não são revestidos do aludido efeito. A existência desse efeito suspensivo em relação aos recursos interpostos das decisões de procedência das representações por abuso de poder em eleições resulta da dicção da alínea "d" do inciso I do art. 1º da LC n. 64/1990, que diz que a inelegibilidade se instala após trânsito em julgado da decisão que tenha julgado procedente a representação. Se somente com o trânsito em julgado a decisão produz os seus efeitos, disso resulta que os recursos interpostos daquela decisão são dotados de efeito suspensivo.

Dessa forma, a candidatura só perece, pelo julgamento de procedência da representação, com o trânsito em julgado da decisão. Da mesma forma a pena de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos três anos seguintes só se instala com o trânsito em julgado.

Promotor de Justiça em Santa Catarina. Professor das Cadeiras de Direitos Difusos e Coletivos e Direito Eleitoral na Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina. Professor das Cadeiras de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade do Contestado, Unidade Universitária de Mafra, SC.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 9, n. 1 (jan./jun. 2002).

 

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