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Íntegra

A suspensão de direitos políticos para o condenado beneficiado pelo sursis e liberdade condicional

Por: Anselmo Cerello

1 Colocação do tema

Na conformidade do que dispõe o art. 15, III, da CF/1988, a perda ou suspensão dos direitos políticos se dará nos casos de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos."

O art. 5º do Código Eleitoral dispõe no inciso III que não podem se alistar eleitores: "os que estejam privados temporariamente ou definitivamente dos direitos políticos".

A interpretação predominante na doutrina e jurisprudência é no sentido de que enquanto estiver sendo cumprida a pena imposta, o condenado criminalmente permanece com os direitos políticos suspensos.

Nesse sentido se posiciona Damásio de Jesus:

Direitos políticos. Permanecem suspensos durante o período de prova do sursis. A suspensão ocorre, nos termos da CF, no caso de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos (art. 15, III). O sursis é uma forma de execução da pena, de modo que durante a sua vigência a sentença penal está produzindo efeitos, que perduram até a reabilitação" (in: Código Penal anotado. 10. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2000)

Tal entendimento vem ocasionando empecilhos intransponíveis que têm provocado pressões junto aos Cartórios Eleitorais, isso porque um dos requisitos para a manutenção do benefício da suspensão da execução da pena é que o condenado esteja empregado ou tenha uma ocupação profissional.

Para tanto é exigida a apresentação do CPF, já que a concessão está condicionada à apresentação do número do título eleitoral.

Estando com seus direitos políticos suspensos o condenado não poderá alistar-se eleitor - art. 5º, III, CE - e, assim sendo, não poderá obter o CPF, o que inviabilizará o cumprimento do sursis.

Além disso, os direitos políticos são os instrumentos indispensáveis da soberania popular, sendo exercidos na conformidade do art. 14 da CF, que consagra a participação do povo no governo como desdobramento do princípio consagrado no parágrafo único do art. 1º da CF: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]".

No magistério de José Afonso da Silva, sob a ótica da Constituição Federal, os direitos políticos representam o conjunto de regras que regulam os problemas eleitorais, "aqueles consistem na disciplina dos meios necessários à soberania popular", que tem como núcleo fundamental "o direito eleitoral de votar e ser votado"1.

Tal participação popular nos negócios estatais constitui o cerne da democracia e está expressa, como direito fundamental, no art. 21 da Declaração dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas - ONU de 1948: "Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos".

É que os direitos políticos ou de cidadania são adquiridos pelo alistamento eleitoral, como bem registra José Afonso da Silva: "A cidadania se adquire com a obtenção da qualidade de eleitor, que documentalmente se manifesta na posse do título de eleitor válido"2.

Portanto o disposto no art. 15, III, da CF/1988 não pode ter o alcance que lhe vem sendo dado em sacrifício a um dos mais fundamentais direitos.

Por outro lado, tal levará a condições de perplexidade, pois o dispositivo em questão não distingue quanto ao tipo de crime cometido e, consequentemente, uma pessoa condenada criminalmente tendo em vista ofensas à honra em decorrência de acidente de circulação, ou por ter infringido dispositivo contravencional, obtendo a substituição condicional da pena perderá, durante o período de prova, o exercício da cidadania!

O STF, a respeito tem se pronunciado em aresto da lavra do Ministro Marco Aurélio, cuja ementa é a seguinte:

Direitos Políticos. Suspensão. Condenação Criminal. Sursis. Afastamento da restrição. Fundamentos diversos.

Tem-se como descabida a incidência do preceito extravagante do inciso III do art. 5º da CF, quando a maioria assim é formada, embora com dispersão de fundamentos, a saber: uma corrente no sentido de somente reconhecer a suspensão quando os efeitos da sentença criminal alcançam a custódia do condenado; outra, afastando-a diante da suspensão condicional da pena; e a terceira tendo-a por imprópria por não reconhecer no preceito aplicação imediata3.

Por fim a generalidade do preceituado no art. 15, III, da CF/1988 pode levar também à perda de mandato eletivo por força da suspensão dos direitos políticos, a teor do art. 55, § 3º e item VI, da CF/1988.

A questão é polêmica, não firmada ainda, razão pela qual entendo de bom alvitre deva ser apreciada pelo Colégio de Corregedores Eleitorais.

2 A auto-aplicabilidade do art. 15, III, da CF/1988

O leading case tocante à aplicação imediata do inciso III do art. 15 da CF/1988 advém do TRE/SP consistente no Acórdão n. 112.985, de 2.6.1992, em cujo julgamento restou vencido o Des. Carlos Alberto Ortiz que entendia face a generalidade do dispositivo ser imprescindível a especificação por lei ordinária.

Não obstante a sólida fundamentação doutrinária que embasa o voto minoritário, o TSE adotou a tese contrária.

Mais recentemente, a Suprema Corte, no RE n. 179.506 - 06 - São Paulo, de 31.5.1995, com base no voto do Ministro Moreira Alves, por maioria - vencidos dois Ministros -, também perfilhou a tese da auto-aplicabilidade do dispositivo, fundado sob a ótica de que se deve obter a máxima eficácia possível às normas constitucionais, não obstante o aparente conflito com o disposto no art. 55, inciso IV e VI e seus §§ 2º e 3º, da CF de 1988, segundo com propriedade realçou o Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto.

3 O alcance do comando constitucional

A questão fulcral é de se saber se o disposto no inciso III do art. 15 da Carta Política máxima em vigor tem incidência também quando as condenações criminais não importarem em cominações de penas privativas de liberdade ou quando impostas resultarem suspensas por força da concessão da suspensão condicional da pena, bem como nas hipóteses de liberdade condicional. É oportuna, ainda, a abordagem das hipóteses de suspensão condicional do processo e de transação instituídas pela Lei n. 9.099/1995 que regulamenta os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

No caso de condenação pecuniária, uma vez cumprida a decisão inexiste qualquer restrição a direitos políticos, face o calor da temática da Súmula n. 9 do TSE.

Também a suspensão condicional do processo e a transação ou conciliação, introduzidos no sistema jurídico brasileiro pela Lei n. 9.099/1995, já referida, por não importar em condenação criminal não acarretam a suspensão de direitos políticos.

Quanto às demais condenações criminais em que é imposta pena privativa de liberdade, ainda que haja a suspensão condicional da pena ou a concessão de liberdade condicional, segundo o entendimento majoritário na doutrina, acarretam a suspensão dos direitos políticos.

Assim entenderam Fávila Ribeiro (in: Comentários à Constituição, coordenação de Fernando Whitaker da Cunha. 1. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1991. v. 2, p. 265), Manoel Gonçalves Ferreira Filho (in: Comentários à Constituição Brasileira/88. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1, p. 134), José Cretella Júnior (in: Comentários à Constituição Brasileira - 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. v. 2) e Pedro Roberto Decomain (in: Elegibilidade e inelegibilidade. Letras contemporâneas. p. 17), dentre outros.

No mesmo sentido tem-se orientado a jurisprudência eleitoral. Segundo revela Teori Albino Zavascki:

A suspensão dos direitos políticos não é pena acessória, e sim conseqüência da condenação criminal: opera-se automaticamente, independentemente de qualquer referência na sentença. [...] O Constituinte não fez exceção alguma: em qualquer hipótese de condenação criminal haverá suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da sentença. Trata-se de preceito de liberdade de condenações a simples penas pecuniárias também não distingue crimes de maior ou menor potencial ofensivo ou danoso. A condenação por contravenção que também é crime, acarreta, assim o efeito constitucional [...] durante o prazo do sursis a sanção política persistirá porque ainda persistem os efeitos da condenação4.

4 A interpretação jurisprudencial dada ao art. 15, inciso III, da CF

O entendimento predominante na jurisprudência é no sentido de que qualquer condenação criminal, não importando quer a natureza do delito quer o quantum da pena cominada, tem como conseqüência a suspensão dos direitos políticos, mesmo que o condenado seja contemplado com a suspensão condicional da pena - sursis - ou venha a ser contemplado com a liberdade condicional.

A título ilustrativo podemos nos reportar aos autos do RE n. 179.502/6 - SP - ainda o STF, no julgamento do recurso n. 9.891/RS, Relator o Ministro Eduardo Alckmin, de 27.9.1992, reconheceu a inaplicabilidade do art. 15, III, da CF/1988, que dispõe: "cumprida a condenação cessa a suspensão dos direitos políticos". O mesmo entendimento fora sufragado no Recurso n. 10.795/RJ, Relator o Ministro Torquato Jardim, de 1º.10.1992; da mesma forma foi decidido o Recurso n. 10.797 de n. 12.926, Relator Ministro Carlos Velloso.

Em suma, a Suprema Corte entende que o art. 15, III, da CF/1988, além de ser auto-aplicável, tem incidência em condenação resultante de qualquer delito ou contravenção, pouco importando o montante da pena imposta, mesmo que a execução da mesma tenha sido suspensa.

Já o TSE, no aresto referente ao Recurso n. 11.589, para o qual foi designado Relator o Ministro Marco Aurélio, por maioria de votos, entendeu aplicável o disposto no art. 15, III, da CF/1988 nas hipóteses em que seja concedida a suspensão condicional da pena - sursis - não resultando, portanto, a suspensão dos direitos políticos durante o cumprimento das condições impostas5.

Não obstante o entendimento majoritário adverso, vozes contrárias se levantam na Corte Suprema, tais como ocorreu com relação ao Ministro Maurício Corrêa em voto constante do RE n. 179.502 - 6/SP que assim se expressou: "[...] Na hipótese, o recorrido foi condenado a pouquíssimos meses de detenção e com direito a sursis e sobre ele recai a cassação de sua cidadania. Não, não posso entender".

Também a jurisprudência dos Tribunais dos Estados tem divergido do entendimento predominante.

Como prevaleceu na 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça da Paraíba - (RT 725/636). No mesmo sentido se posicionou o Tribunal de Justiça de São Paulo (RT 280/396 e 725/396).

Por sua vez a Corte Catarinense realçou no acórdão da 1ª Câmara Criminal relatado pelo Des. Souza Varella: "com a concessão da suspensão condicional da pena resta inaplicável o preceito constitucional determinado pelo art. 15, III, da Constituição da República" [...] e destacou:

Ao detentor de mandato eletivo municipal condenado em processo crime com pena de reclusão transitada em julgado, com deferimento de sursis não lhe alcançam os efeitos determinados pelo inciso III do art. 15 da Carta Magna Nacional. Assim, a suspensão condicional da pena imposta transforma as restrições à liberdade em prestações de simplórias obrigações, em nada impedindo ou prejudicando o livre e desembaraçado exercício dos direitos políticos. Com a decretação da suspensão condicional da pena de reclusão imposta fica restabelecido o direito de ir e vir do condenado e, por conseqüência, nada obsta o pleno exercício do mandato eletivo, sendo inaplicável, assim, o preceito constitucional determinado pelo inciso III do art. 15 da CF.

5 O posicionamento doutrinário quanto à incidência do art. 15, III, da CF/1988

Conforme já foi expresso, o entendimento majoritário da doutrina é no sentido da incidência plena, sem ressalvas, do disposto no art. 15, III, da CF/1988.

Conformes com este entendimento, manifestaram-se Pedro Henrique Távora Niess, que enfatizou: "conseqüência ética, majestável da condenação" (in: Direitos políticos: condições de elegibilidade e inelegibilidade. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 18) e mais Fávila Ribeiro (op. cit. idem idem), José Frederico Marques, Cretella Júnior, José Afonso da Silva, Joel José Cândido e Antônio Carlos Mendes, dentre outros (op. cit. idem idem).

Não obstante o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência de que a suspensão dos direitos políticos é mera conseqüência do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória, não importando o delito ou o montante da pena cominada e até mesmo a sentença nada declare quanto aos direitos políticos do condenado, criou-se a respeito correntes de pensamentos divergentes.

Orlando Soares, de posição menos ortodoxa, entende que, em consonância com o disposto no art. 5º, XLVI, letra "e", da Constituição Federal - que preceitua que lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a suspensão ou interdição de direitos -, enquanto não for editada norma regulamentadora, não poderá haver a suspensão dos direitos políticos.

Nesse sentido, acrescenta o constitucionalista, in litteris:

Ademais, é princípio geral de Direito, aceito pela consciência democrática, que os impedimentos e restrições de qualquer espécie devem derivar de expressa disposição legal, ao passo que as interpretações, que favorecem o direito de alguém hão de ser entendidas extensivamente.

Por conseguinte, é forçoso concluir que, em virtude dos preceitos constitucionais e legais acima invocados, nada obsta o exercício do direito de voto por aqueles que se encontram custodiados pelo Estado, em estabelecimentos prisionais, quer em caráter provisório, quer cumprindo pena [...].

Em linha diversa ainda é o posicionamento de Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, ao defender que somente no caso de encarceramento do condenado haveria a suspensão dos direitos políticos. Na defesa desse entendimento, manifesta-se o autor:

Se o condenado estiver no gozo de seus status libertatis, por ter sido beneficiado com o sursis ou por estar em liberdade condicional, por exemplo, sem limitações que impliquem horários de recolhimento ao cárcere - ao contrário do que ocorre com a prisão aberta em que há apenas autorização de saída para o trabalho -, não poderá ter seus direitos suspensos.

Outros estudiosos no assunto têm compreensão diversa: entendem que a medida extrema da suspensão dos direitos políticos deveria adstringir-se unicamente às hipóteses de cometimento de crimes dolosos, pois que só aí emergiria comportamento reprochável apto a justificar fosse o cidadão afastado dos "negócios da cidade".

Em relação a esse aspecto, traz-se à colação manifestação de Edilson Pereira Nobre Júnior:

Alvitro, portanto, que, demais da natureza de aplicabilidade plena de que é portador o art. 15, III, da Lei Fundamental deve ter o seu alcance reduzido, excluindo-se de seu âmbito os crimes praticados com culpa strictu sensu, uma vez que a postura do seu autor não se reveste de ultraje inconciliável com a condução da boa gerência da coisa pública, por ausente o expressivo escopo de delinqüir.

Já para Jane Justina Maschio persistem os direitos políticos quanto aos condenados criminalmente mesmo com relação aos encarcerados, pelo menos quanto ao direito de voto:

A par de todas as discussões acerca do alcance da norma restritiva do direito à cidadania, forçoso é concluir-se que, a exemplo dos analfabetos e dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, os direitos políticos dos condenados criminalmente com sentença transitada em julgado sofrem, sim, algumas restrições. Não podem eles, por exemplo, concorrer a cargo eletivo (ius honorum) ou filiar-se a partido político. Todavia, tendo em vista o norte exegético indicado pelo princípio da universalidade do sufrágio, alicerçado nos princípios e regras constitucionais da igualdade e da liberdade e de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, é de se ter como intocáveis os direitos políticos do condenado no que se refere ao direito de votar (ius sufragii).

Nesse aspecto, instigada a respeito de qual teria sido a razão, o motivo de a Assembléia Constituinte de 1988, ao contrário do que dispunham as Constituições anteriores, ter reduzido a restrição ao direito de alistamento, expressamente, apenas aos estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, aos conscritos, foram compulsados os Anais daquela Casa Legislativa por ocasião da votação do capítulo IV - Dos Direitos Políticos.

Ao investigar os trabalhos das subcomissões, especificamente a Subcomissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, deparou-se com o seguinte parecer acerca da emenda n. 294 ao anteprojeto do relator da Comissão, apresentada em 1º de junho de 1987, de autoria do Deputado José Genoíno do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, que pode estar apto a revelar o pensamento da Assembléia Constituinte acerca da matéria:

Dá a seguinte redação ao § 1º do art. 11 e acrescenta novo parágrafo a este artigo, que passa a ser o 2º, renumerando-se os demais.

§ 1º É obrigatório o alistamento de todo brasileiro com dezesseis anos completos, não podendo ser excluídos do alistamento eleitoral por razões de sexo, raça, grau de instrução, fortuna, convicção política, fé religiosa, profissão e condenação criminal.

§ 2º O exercício do voto é sempre facultativo.

PARECER

O ilustre Constituinte José Genoíno sugere nova redação ao § 1º do art. 11 da Subcomissão 1-b, estabelecendo o princípio do voto facultativo, instituto que considera imprescindível numa sociedade democrática.

[...]

Quanto às condições estabelecidas para o alistamento eleitoral, não vemos conveniência, nem necessidade do acréscimo sugerido, pois, quando se estabelece que "todos os brasileiros têm direitos", o termo é abrangente, independentemente de sexo, raça, instrução ou qualquer outra qualificação.

Ao que tudo indica, nem mesmo os constituintes de 1988 pretenderam impor aos condenados a suspensão de seu direito de votar. Primeiro porque, ao contrário das Cartas Constitucionais anteriores, a atual fez-se silente quanto à impossibilidade de os indivíduos nessa situação se alistarem, e, segundo, a proposta de emenda proibindo tal discriminação em relação ao condenado pareceu desnecessária ao relator da Subcomissão de Direitos Políticos, ante o princípio constitucional de que todos os brasileiros têm direitos iguais6.

6 Conclusão

Teria, porém, o legislador constitucional pretendido impor a todos os condenados, indistintamente, com aquele conteúdo ético de reprovação, a limitação da cidadania?

Teria a Constituição da República querido englobar na expressão de seu art. 15, inciso III, todos os efeitos da condenação, sejam os primários sejam os secundários, para prever a suspensão dos direitos políticos enquanto não declarada extinta a pena ou, ainda mais gravemente, enquanto não reabilitado o agente? A esta indagação responde Dirceu Aguiar Cintra Júnior:

Não parece seja assim. Sendo o direito de votar e ser votado uma das mais caras expressões da cidadania, não se pode entender que o cidadão tenha suspenso seus direitos políticos sempre que condenado criminalmente - ainda que beneficiado com a suspensão condicional da pena ou punido com multa -, experimentando, por força do art. 15, III, da Constituição da República, outra pena. Isto significaria impor a todos, igualmente, uma sanção, que, dependendo do caso, teria efeitos mais severos que a cominada na legislação penal, que é a própria do delito.

Indisfarçável a impressão de iniqüidade, por exemplo, na aplicação da suspensão dos direitos políticos a um condenado por uma lesão corporal leve decorrente de uma briga singela ou de uma colisão de veículos.

É permitido ao aplicador da lei interpretar a expressão "enquanto durarem seus efeitos" - ou seja, os efeitos da condenação - empregada pelo legislador constitucional, sem esvaziar a aplicabilidade de tão importante preceito.

Limita-se, com a interpretação restritiva, a incidência de se ter em conta a natureza e a gravidade da infração penal, do que não cogitou o legislador constituinte, ou de esperar que venha lei a estabelecer "se determinada prática criminal é grave ou não o suficiente para acarretar também a suspensão dos direitos políticos"7.

De fato, o preceito em análise não pode ter o alcance outorgado pela doutrina e jurisprudência majoritária, ou seja, a sua incidência em qualquer hipótese de condenação.

Em primeiro lugar por conviver com outras hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, que são totalmente desvinculadas com a hipótese em análise, tais como o cancelamento da naturalização e incapacidade civil absoluta.

Em segundo lugar por ferir o princípio constitucional da individualização da pena segundo registra Alberto Silva Franco: "[...] se a Constituição Federal [...] consagrou o princípio da individualização da pena, não terá o legislador ordinário possibilidade de tangenciá-lo estruturando uma lei que não deixa ao juiz nenhum espaço para o processo individualizador da pena"8.

Contudo, entendo, por outro lado, ser incabível a liberalidade consistente na manutenção dos direitos políticos a todos os condenados inclusive aos que cumprem pena privativa de liberdade, os encarcerados, uma vez que tal status revela-se incompatível com o exercício da cidadania.

Anote-se ainda que se nega o exercício dos direitos políticos aos conscritos por estarem sujeitos a influências, induzimentos, coações etc., com muito mais razão tais restrições se aplicam aos encarcerados por estarem expostos aos seus detentores sendo suscetíveis de ver cerceado o seu livre exercício da cidadania conforme a sua vontade.

Por outro lado seria paradoxal o encarcerado figurar no rol dos candidatos a postos eletivos. Como efetuaria a propaganda política?

Como se não bastasse, como se realizariam as votações nas prisões? Seriam os condenados conduzidos a suas seções de votação? E as condições de segurança? Ou as votações se realizariam nos presídios? Inclusive nos de segurança máxima? Haveria instalações de seções especiais nos presídios? Com mesários, urnas etc.? E nas delegacias abarrotadas de presos? Como contornar as fugas e as rebeliões, atualmente corriqueiras?

Vemos portanto que apenas o item segurança inviabilizaria todo esse sistema.

Por outro lado os próprios candidatos oporiam obstáculos, pois quem se proporia em fazer campanhas políticas em prisões? Quem se vangloriaria por sair vencedor com votos obtidos em ambientes prisionais?

Diante desse contexto comungo com o entendimento de Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior quando sustenta:

Assim sendo, e afastada por completo a idéia de sanção que possa à primeira vista emergir do comando constitucional, nada mais adequado que restringir a suspensão dos direitos políticos a casos em que "por efeito da condenação", ou em outras palavras, "por causa dela", veja-se o sentenciado materialmente impossibilitado do exercício pleno de seus direitos de cidadania, de votar e ser votado. E isto se dá, exclusivamente, quanto esteja preso, cumprindo efetivamente pena privativa de liberdade, situação que torna inviável, na prática, o exercício dos direitos políticos9.

Dessa forma, o art. 15, inciso III, da Constituição Federal não se aplicaria aos beneficiados com a suspensão condicional da pena ou com a liberdade condicional, já que, nessas condições o condenado dispõe de liberdade suficiente para, pelo menos, obter o alistamento eleitoral e exercer o direito de voto, não se revelando qualquer empecilho sério para o exercício da cidadania, pelo menos parcial. Além disso, sendo condição primordial do beneficiado por sursis ou liberdade condicional a tomada de ocupação lícita (art. 78 do CP), indaga-se: como tal seria possível sem a inscrição eleitoral, o que impede a obtenção do CPF? O problema assume proporções de suma gravidade, por isso sugiro a tomada desde logo as seguintes providências alternativas:

1. Promover contatos com a Receita Federal, por meio de seu dirigente maior, a fim de permitir que, em conjunto, possam ser encontradas saídas para evitar prejuízo aos condenados;

2. Autorizar os Cartórios Eleitorais a promover a inscrição, com imediata suspensão dos direitos políticos, no cadastro do eleitor, possibilitando que eleitor tenha o número de sua inscrição eleitoral e podendo promover o seu registro no Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal, e

3. Manter o procedimento atual, com a divulgação pelo Colégio de Corregedores das suas conclusões, para orientação uniforme a todos os Cartórios do país.

Notas

1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 300-301.

2 Op. cit. p. 302.

3 Ac. n. 11.589, REC. n. 11.589 - Araçatuba - SP.

4 ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos políticos: perda, suspensão e controle jurisprudencial. Rio de Janeiro. n. 201, p. 118 e ss, jul. 1994.

5 Jurisprudência do TSE, v. 6, n. 2, p 139-161,abr./jun. 1995.

6 MASCHIO, Jane Justina. Os Direitos Políticos do Condenado Criminalmente. RESENHA ELEITORAL - Nova Série, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 60-61, jan./jun. 2000.

7 CINTRA JÚNIOR, Dirceu Aguiar. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 15, p. 93-94.

8 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. RT. p. 344.

9 CINTRA JÚNIOR, Dirceu Aguiar. Op. cit. p. 96.

Bibliografia

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ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Políticos: perda, suspensão e controle jurisprudencial. In: RESENHA ELEITORAL - Nova Série, Florianópolis, v. 2, edição especial, 2000.

Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, Professor da Escola de Magistratura Estadual.

Trabalho apresentado no IV Encontro do Colégio de Corregedores da Justiça Eleitoral, realizado em Boa Vista/RR, de 4 a 6 de fevereiro de 2002.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 9, n. 1 (jan./jun. 2002).

 

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina - Rua Esteves Júnior 68, 88015-130, Centro, Florianópolis, SC Fone [48] 3251.3700