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Íntegra

A remuneração dos agentes públicos e a reforma administrativa (emenda constitucional n. 19/1998)

Por: Ricardo Teixeira do Valle Pereira

1 Considerações preliminares

A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998 (publicada no Diário Oficial da União de 5 de junho de 1998), alterou profundamente a estrutura da Administração Pública Brasileira.

Evidentemente que tais alterações atingiram os agentes públicos, assim entendidos todos aqueles que prestam serviços à Administração Pública. Mudanças significativas ocorreram principalmente em relação àqueles agentes que remuneradamente exercem atividades estatais. São tais alterações que constituem o objeto do presente trabalho, que não tem pretensão de esgotar a matéria.

De qualquer sorte, procuraremos abordar algumas das novidades ligadas à questão remuneratória dos que recebem estipêndios dos cofres públicos (agentes políticos e servidores públicos em sentido lato), apresentando-as aos que ainda não tiveram oportunidade de com elas travar contato tendo em vista ser recente a aprovação da reforma -, e tentando esclarecer - ou pelo menos trazer à ribalta das discussões - temas polêmicos, que já estão a provocar a investigação por parte dos estudiosos e, num futuro próximo, por certo serão submetidos à apreciação dos operadores do Direito, em especial daqueles que militam no Poder Judiciário.

Vejamos, assim, alguns tópicos da reforma que merecem destaque no campo que é objeto do presente trabalho.

2 Revisão geral anual

O art. 37, em seu inciso X, da CF, pretendendo dissipar a dúvida por vezes levantada sobre a possibilidade de fixação ou alteração do padrão remuneratário dos agentes públicos mediante ato administrativo, agora determina claramente que somente por lei específica isso pode ser feito, observada a iniciativa privativa em cada caso.

Em contrapartida, estabeleci da de forma expressa a necessidade de lei forma-lo que, diga-se, de qualquer sorte já defluía da Constituição antes do advento da Emenda Constitucional n. 19/98 -, aos agentes públicos restou assegurada pelo mesmo dispositivo revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

A consagração na Constituição de uma revisão geral anual a todos os servidores põe fim à celeuma que em certa quadra se instalou sobre a matéria, e torna prejudicada decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, provocado, decidiu que os servidores públicos tinham direito apenas a simultaneidade, generalidade e igualdade da revisão da remuneração, sem garantia de periodicidade1. Agora, portanto, sob pena de incidir em inconstitucionalidade por omissão, o Poder Público é obrigado, mediante lei, a promover revisão geral todos os anos, sempre na mesma data.

Ressalte-se que da regra constitucional não emerge comando assegurador de automática extensão de reajustes a todos os servidores, uma vez feita reestruturação de uma ou algumas carreiras. Pelo contrário, a Constituição, se antes já permitia, agora de forma mais clara, tendo em vista a nova redação dos arts. 37 e 39, admite reestruturações setoriais, atingindo apenas algumas categorias em razão de suas especificidades. O que continua a ser vedado - e isso o Supremo Tribunal Federal já afirmou em diversas ocasiões2, ao enfrentar a questão referente ao reajuste geral de 28,86% concedido somente aos servidores militares da União -, é o tratamento privilegiado a uma ou algumas categorias por ocasião da revisão geral.

Por outro lado, deve ser frisado que a obrigatoriedade da revisão em princípio não significa garantia de manutenção do valor real dos estipêndios, ou de automática reposição da inflação verificada no período. Garante a Constituição revisão anual. Somente isso. Os índices, respeitada a iniciativa privativa em cada caso, serão os estabelecidos em lei, e aqui o critério político evidentemente preponderará.

De concluir-se, pois, que, apesar de representar para os servidores públicos e agentes políticos a obtenção de uma garantia há muito perseguida, a conquista foi parcial, uma vez que o índice da revisão poderá ser fixado em patamar aquém da inflação verificada no período.

3 Remuneração de agentes públicos mediante subsídios

Novidade substancial introduzida pela reforma é aquela contida no § 4º do art. 39 da Carta Magna. Os membros de poder, detentores de mandado eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão agora remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido o disposto no art. 37, incisos X e XI, da CF. A medida, como visto, só pela redação do § 4º do art. 39 da CF, afeta diretamente todos os Magistrados, Parlamentares e Chefes do Executivo de qualquer dos níveis da federação (v. art. 27, § 2º.,art. 28, § 2º., art. 29, incisos V e VI, art. 48, inciso XV, art. 49, incisos VII e VIII e art. 93, inciso V).

Como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a volta do vocábulo;subsídio significa:

"um retrocesso sob o ponto de vista terminológico. Em dicionário latim-português, a palavra subsidium designa tropa auxiliar, gente que vem em socorro. Não é com essa conotação que o servidor público quer ver a importância que recebe como forma de retribuição do serviço que presta. No entanto, apesar do sentido original do vocábulo, é evidente que ele vem, mais uma vez, substituir, para algumas categorias de agentes públicos, a palavra remuneração ou vencimento, para designar importância paga, em parcela única, pelo Estado, a determinadas categorias de agentes públicos, como retribuição pelo serviço prestado. Em conseqüência, não tem a natureza de ajuda, socorro, auxílio, mas possui caráter retribuitório e alimentar. Como a Emenda atinge obrigatoriamente apenas uma parte dos agentes públicos, haverá a concomitância de dois regimes remuneratórios: o de subsídio, instituído pela Reforma, e o de remuneração ou vencimento, já aplicado antes da reforma"3.

De qualquer sorte, a despeito da denominação utilizada, a novidade em boa hora foi introduzida, conquanto, penso, devesse ser ressalvada a possibilidade de recebimento de adicional de tempo de serviço (em percentual também definido previamente na Constituição para evitar os problemas que se verificaram no passado com a instituição de adicionais cumuláveis, gerando o denominado "efeito cascata"). Com efeito, a estagnação salarial representa um desestímulo ao agente público e, ainda que o simples passar dos anos não represente muito, a possibilidade de recebimento apenas deste adicional seria um reconhecimento àqueles que dedicaram anos de sua vida à Administração Pública.

Na essência, como já dito, a novidade é positiva. Não há justificativa para a decomposição da remuneração dos agentes públicos em inúmeras rubricas, muitas delas por vezes decorrentes de leis diversas, tornando complicada e pouco transparente a situação e dando margem, por pecados do legislador, ao recebimento de importâncias que muitas vezes atentam contra a moral idade pública. Agora a situação ficará clara: os agentes públicos já mencionados receberão subsídio, e o respectivo valor será facilmente identificado. Mais do que isso, por força do art. 39, § 6º, da Carta Política, em sua nova redação, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os valores dos subsídios, assim como da remuneração dos cargos e empregos públicos. À população, em respeito ao princípio da publicidade, será dado conhecer os estipêndios pagos aos agentes públicos.

A remuneração mediante subsídio afasta a possibilidade de recebimento da gratificação natalina e da gratificação de um terço no mês de férias? A resposta negativa se impõe a ambas as indagações. Os membros de poder, ainda que ligados à Administração Pública de forma especial, pois não têm com ela mero vínculo profissional; exercendo parcela do poder estatal, não deixam de ser trabalhadores para os fins na Constituição estabelecidos. Dessarte, evidentemente devem ter direito a férias e, neste caso, continuam a fazer jus a pelos menos um terço a mais do subsídio normal, como ocorre com todos os demais trabalhadores (art. 7º, inciso XVII, e art. 39, § 3º, da CF). Assim também ocorre com o décimo terceiro, direito assegurado a todos os trabalhadores (art. 7º, inciso VIII, e art. 39, § 3º, da CF). Nada impede que os membros de poder recebam tal vantagem, mesmo porque, antes de significar gratificação, tratado que é pela Constituição, no que toca aos trabalhadores em geral, como um salário extra, para aqueles representará um décimo terceiro subsídio a ser recebido licitamente.

Não custa lembrar que os servidores organizados em carreira poderão ser remunerados mediante subsídio (art. 39, § 8º, da CF). Ainda que isso ocorra, à obviedade manterão o direito ao recebimento da gratificação natalina e da gratificação de férias, haja vista o disposto no art. 39, § 2º, clc. art. 72, inciso XVI" ambos da CF. Isso só demonstra que a remuneração mediante subsídio não afasta o recebimento de tais vantagens.

Refoge à vedação do art. 39, § 4º, pelas mesmas razões já expostas, o salário-família - ainda que seja discutível a utilidade de sua manutenção nos termos em que pago hodernamente -, uma vez que também se trata de direito assegurado a todos os trabalhadores (art. 72, inciso XII, e art. 39, § 3º, da CF).

Além das parcelas antes referidas, evidentemente que aquelas ligadas ao exercício do cargo que tenham cunho indenizatório poderão ser recebidas. Assim são caracterizadas as diárias e ajudas de custo, que podem ser pagas aos membros de poder no caso de deslocamentos a serviço ou movimentações decorrentes da carreira.

Infensas ao teto igualmente as importâncias recebidas a título de serviços extraordinários e adicional de horário noturno (art. 37, incisos XI e XVI, da CF), quando cabíveis.

A forma de remuneração mediante subsídio, além de definida para os agentes mencionados no art. 39, § 4º, da Constituição Federal, a outros foi estendida pela Carta Magna. Vejamos:

a) O art. 128, § 5º, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal, foi alterado, e, agora, os membros do Ministério Público também passarão a receber subsídios.

b) Por força da nova redação do art. 135 da CF, os integrantes da Advocacia-Geral da União, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, assim como os Defensores Públicos serão, agora, igualmente remunerados mediante subsídio.

c) Serão ainda remunerados mediante subsídio os membros dos Tribunais de Contas, por força da remissão feita no art. 73, § 3º, da Constituição Federal e do disposto no art. 75 do mesmo diploma.

d) Assim ocorrerá igualmente com os policiais federais, com os policiais rodoviários federais, com os policiais ferroviários federais, com os policiais civis dos Estados e com os policiais militares e bombeiros militares, em razão da inserção do § 9º no art. 144 da Constituição.

Permite a Constituição, de outro turno, que a remuneração mediante subsídio seja também aplicada aos demais servidores públicos, desde que organizados em carreira (art. 39, § 8º). Trata-se de novidade positiva e moralizadora. Já averbamos alhures que a maior causa de distorções na remuneração dos servidores públicos é o cipoal de leis existentes, criando gratificações e adicionais (muitas vezes acumuláveis) e tornando ininteligíveis muitos contracheques. A retribuição mediante subsídio torna transparente a remuneração do servidor e, desde que fixado aquele de forma condigna, é sem dúvida a melhor solução. Espera-se que o legislador, valendo-se da prerrogativa que lhe foi deferida, tome medidas concretas a fim de estender a outros servidores a remuneração mediante subsídio.

Com relação ao subsídio, impende salientar ainda que restou suprimida, no art. 49, inciso VII, da Constituição, a regra que determinava que a retribuição mensal dos Deputados e Senadores deveria ser fixada em uma legislatura para a subseqüente. Ou seja, dentro da mesma legislatura, ressalvada a revisão geral, a retribuição dos Parlamentares não poderia ser majorada. O dispositivo antes citado ganhou nova redação e, agora, o Congresso Nacional pode, a qualquer tempo, fixar idênticos subsídios para os Deputados e Senadores. Tal possibilidade, registre-se, fica obviamente limitada pelas regras insertas no art. 37, inciso XI, e art. 48, inciso XV, uma vez que os Deputados e Senadores não poderão perceber subsídios superiores aos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e, ademais, a fixação dos subsídios destes depende de lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do próprio STF .

4 Vedação de vinculação - supressão da isonomia

A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XIII, já vedava a vinculação ou equiparação de vencimentos para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público. Não obstante, tinha regras aparentemente conflitantes. O art. 39, que tratava do regime jurídico único dos servidores públicos civis, em seu § 1º, assegurava isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados entre os servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Por outro lado, o art. 135 da Lex Fundamentalis também assegurava, à primeira vista (o Judiciário, inclusive o Supremo Tribunal Federal, em algumas situações manifestou-se em sentido contrários4, a isonomia às carreiras nele contempladas.

A situação agora modificou-se.

A redação do inciso XIII do art. 37 ficou mais incisiva:

"é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público."

Outrossim, o art. 39 foi profundamente alterado. O Regime Jurídico Único dos Servidores foi extinto, e a regra do § 1º, que assegurava isonomia para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas também foi eliminada. Os padrões vencimentais serão agora fixados por conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes (art. 39, caput e § 1º), sem qualquer garantia constitucional de tratamento igualitário aos cargos que se mostrem similares.

Note-se que suprimida restou também a regra que residia no polêmico art. 135 da Constituição. Referido dispositivo agora trata de matéria diversa (remuneração dos membros da Advocacia-Geral da União, Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e das Defensorias Públicas mediante subsídio). Assim, definida está a questão: não há agora, sem sombra de dúvida, qualquer garantia constitucional de isonomia entre Magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores, Delegados de Polícia e demais carreiras jurídicas. À lei será facultada a fixação de subsídios diferentes para referidas categorias. Todavia não há impedimento a que, não com base em isonomia, mas sim levando-se em conta a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade de um e outro cargo, os subsídios sejam fixados em valores idênticos, desde que, evidentemente, não haja regra prevendo reajuste automático a uma categoria toda vez que a outra tiver seus subsídios majorados.

5 Disponibilidade remunerada

Na antiga redação do art. 41 da Constituição Federal, seu § 3º estatuía:

"extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade o servidor estável ficará em disponibilidade remunerada, até seu adequado aproveitamento em outro cargo."

Referido dispositivo gerou discussões em nível doutrinário e jurisprudencial.

Chamado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, ao interpretar o dispositivo antes citado, assentou que a remuneração dos servidores postos em disponibilidade deveria ser integral5.

O art. 41 ganhou nova redação. Acresceu-se ao § 3º a observação de que o servidor, nas hipóteses ali consignadas, ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

Em razão da alteração havida, como visto, o tempo de serviço do servidor é que determinará o percentual da remuneração que continuará recebendo uma vez colocado em disponibilidade. Trata-se de alteração relevante, notadamente em razão da interpretação que o Excelso Pretório dava ao § 3º. do art. 41, e também porque, em razão da crise financeira por que passa o País, certamente a equipe econômica do governo promoverá medidas tendentes a diminuir o déficit público e, dentre elas, é de se supor que cogite de extinção de muitos cargos de provimento efetivo. Os servidores ocupantes destes cargos já serão atingidos pela nova disciplina da matéria.

6 Vedação de acumulação remunerada

A Constituição já vedava, antes da Emenda Constitucional n. 19/98, a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções no âmbito da Administração Pública, com ressalva de algumas situações especiais.

Foram alterados os incisos XVI e XVII do art. 37 da Carta Magna. As restrições neste campo, em razão das mudanças operadas, são agora maiores.

A acumulação remunerada, como regra, continua vedada, exceto, havendo compatibilidade de horários, no caso de dois cargos de professor, um cargo de professor e outro técnico ou científico ou dois cargos de médico. Ressalte-se que tal vedação alcança os servidores inativos. Houve muita discussão acerca da matéria, mas o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados6, consolidou o entendimento de que a acumulação de proventos com vencimentos só é possível se lícita a acumulação na atividade. Assim, vedada a acumulação na atividade, não é o fato de o servidor encontrar-se aposentado em relação a um dos cargos que conferirá liceidade à situação. Neste particular não houve alteração em razão da Emenda.

Novidade engendrada pela Emenda n. 19/98 é a redação final do inciso XVI do art. 37 da Constituição. Mesmo na hipótese de lícita acumulação, a Lei Maior agora manda observar, em qualquer caso, o disposto no inciso XI do mesmo artigo. Em outras palavras: mesmo a lícita acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções agora submete-se ao teto remuneratório.

Por outro lado, no inciso XVII do art. 37, não deixando margem a qualquer tergiversação, o constituinte derivado esclareceu que a proibição de acumular abrange, além das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista - que já estavam relacionadas na redação anterior -, as subsidiárias e as sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público. Não há mais qualquer dúvida. A vedação à acumulação remunerada atinge qualquer pessoa jurídica que seja controlada pelo poder público, pouco importando sua natureza jurídica.

7 Teto de remuneração

A nova redação ao inciso XI do art. 37 da Carta de 1988 certamente é um dos tópicos da Reforma Administrativa que causará maiores perplexidades e, via de conseqüência, exigirá mais trabalho por parte dos operadores do Direito.

Assim ficou o citado dispositivo:

"a remuneração e subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal."

As situações de perplexidade, registre-se, advirão não propriamente da redação do dispositivo, que se mostra bastante clara, mas sim em razão de sua incidência sobre os servidores que integram atualmente os quadros da Administração Pública.

O teto remuneratário, além da administração direta, agora de forma explícita (tal limitação já existia no regime anterior) abrange também as autarquias e fundações. Quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, o Supremo Tribunal Federal, antes da reforma, já havia sinalizado que a limitação imposta pelo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal era aplicável ao seu pessoal7. A questão, todavia, era polêmica. Agora, o § 9º do art. 37 estabeleceu de forma clara: o teto remuneratário será aplicado às empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias somente quando estas receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral. Portanto, superavitárias tais pessoas jurídicas de direito privado, seus empregados forrar-se-ão ao limite remuneratário constitucional, podendo perceber remuneração acima daquela paga aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O teto remuneratário, frise-se, atinge os inativos. Muitos defenderam, sob a égide da redação anterior, que os inativos não se submeteriam ao teto remuneratário, porque não seriam mais servidores. O Supremo Tribunal Federal, todavia, não deu seu beneplácito a tal tese, decidindo pela submissão dos inativos ao teto8. Agora, com a nova redação, como há expressa menção aos proventos e pensões, a questão não comporta mais discussões.

A reforma pôs fim igualmente a outra dúvida que deu gênese a acaloradas discussões no âmbito do Poder Judiciário. Alguma vantagem justificaria o recebimento de remuneração acima do teto? O Supremo Tribunal Federal, antes da reforma, entendia que sim. Interpretando sistematicamente o inciso XI do art. 37 em face do § 1º do art. 39, ambos da Constituição Federal, entendeu a Corte Maior que as vantagens de caráter individual ou pessoal não estariam submetidas ao teto remuneratário9. Desta forma, segundo a jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal, os valores recebidos a título de adicional de tempo de serviço e incorporação de quintos ou décimos, por exemplo, não estavam sujeitos à incidência do teto. A atual redação é clara: qualquer espécie remuneratória, aí incluídas eventuais vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza que possam ser recebidas por servidor público, estão sujeitas ao teto. Ressalve-se que, evidentemente, parcelas de caráter indenizatório (diárias, ajudas de custo e parcelas atrasadas verbi gratia), bem como vantagens extraordinárias asseguradas pela própria Constituição (décimo terceiro salário e gratificação de um terço de férias), justificarão, excepcionalmente, em algumas ocasiões, o recebimento de valores acima do teto por parte de determinado servidor.

Convém relembrar que, como já averbado, por força da nova redação do inciso XVI do art. 37, in fine, da Constituição, o teto remuneratório agora é aplicável também às hipóteses de lícita acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções. Teremos, pois, situações em que, por já receber pelo exercício de um cargo valor equivalente ao teto, o servidor aparentemente nada poderá receber em relação a outro vínculo que eventualmente tenha com a Administração Pública. Apesar de drástica, a norma não atenta contra princípios outros da Constituição. O trabalho sem remuneração não é vedado, desde que a tanto não seja forçado o cidadão. No caso aventado, a manutenção de ambos os vínculos depende apenas da vontade do servidor. Ademais em rigor a limitação estará incidindo sobre a soma de ambas as remunerações recebidas. De qualquer sorte, fica a observação de que a medida, conquanto moralizadora, provavelmente acabará afastando da atividade docente profissionais do mais alto gabarito já que muitos por certo não se disporão a dar aulas gratuitamente, ou percebendo valores irrisórios, por força da incidência do limite remuneratório.

Quanto à fixação dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, cumpre consignar que, de acordo com o art. 48, inciso XV. depende de lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e daquela Corte. Em Razão de tal dispositivo, entendeu o Excelso Pretório, em decisão administrativa tomada na sessão do dia 24 de junho de 1998. por maioria de votos (vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso. Marco Aurélio e Ilmar Galvão), que a emenda, no que tange ao teto remuneratório, não é auto-aplicável. Ou seja, somente com a edição da lei que fixar os subsídios dos Ministros do STF passa a incidir a nova regulamentação do teto.

Por fim, merece enfoque a situação dos agentes públicos que, seja por força de lícita acumulação remunerada, seja em razão de vantagens pessoais, já recebiam, à data do advento da Emenda Constitucional n. 19/98. remuneração superior aos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Teriam direito a continuar recebendo acima do novo teto remuneratório? A resposta negativa se impõe.

O art. 29 da Emenda n. 19/98 assim estatui:

"Os subsídios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratárias adequar-se-ão, a partir da promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título."

A redação não deixa dúvidas. Vozes já se levantam para defender a tese de que a disposição constitucional transitória seria aplicável somente para as situações futuras, sem atingir os que, à data da entrada em vigor da Emenda, recebiam acima do teto10. Sem sentido, data venia, tal entendimento. Para este fim sequer haveria necessidade deregra expressa. O simples fato de entrar em vigor a Emenda evidentemente se presta para regular as situações futuras. A disposição transitória veio ao mundo jurídico justamente para expressamente atingir as situações já existentes. Determinou peremptoriamente a adequação de qualquer espécie de remuneração à nova ordem, não admitindo a percepção de excesso a qualquer título.

Inviável, de outro tanto, para justificar o recebimento de valores superiores ao teto, a invocação de direito adquirido ou de irredutibilidade de remuneração (art. 52, XXXVI, e art. 37, XV, da CF). Temos agora, quanto ao teto, uma nova ordem constitucional, por força de ação do constituinte derivado. Não há, em princípio, direito adquirido contra a Constituição. O constituinte derivado, é verdade, encontra limites para a sua atuação, como inclusive já decidiu o Supremo Tribunal Federal11. Também é verdade, todavia, que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirido contra texto constitucional, mesmo que resulte ele da ação do Poder Constituinte derivado, uma vez que tal preceito se dirige ao legislador ordinário12. Por outro lado, o recebimento de remuneração em patamar superior a novo limite máximo preconizado por força de reforma constitucional de maneira alguma pode ser qualificado como direito individual, a inibir a ação do constituinte derivado (art. 60, § 4º, da CF). Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico13, porque é da essência do regime estatutário ou institucional a mutabilidade, para o futuro, das regras de regência. Se assim ocorre no nível infraconstitucional, não há razão para a adoção de entendimento diverso no que toca ao regime jurídico estabelecido constitucionalmente para os agentes públicos. Ademais, a incidência do novo ordenamento constitucional, no caso em apreço, ocorrerá sobre fatos futuros, uma vez que as remunerações recebidas anteriormente não serão afetadas.

8 Conclusões

As implicações da Reforma Administrativa na questão remuneratória dos agentes públicos por certo envolvem muito mais questões do que as tratadas no presente trabalho. Este, todavia, não se propôs a ser exaustivo, nem poderia fazê-lo, em razão de suas limitações.

Ainda assim, como arremate, e sem pretensão de estabelecer conclusões definitivas sobre os tópicos tratados, pois ligados a assunto novo e polêmico, sintetizamos nossos apontamentos com as seguintes assertivas acerca dos efeitos da Emenda Constitucional n. 19/98:

a) a fixação ou alteração da remuneração dos agentes públicos, em qualquer caso, somente pode ser feita por lei específica;

b) os agentes públicos têm agora direito a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índice, sem garantia de reposição da inflação verificada no período;

c) a remuneração de agentes públicos mediante subsídio é novidade positiva, que deve ser estendida, sempre que possível, a outras categorias, até porque existe autorização constitucional para tanto;

d) a remuneração mediante subsídio não impede o recebimento de décimo terceiro e adicional de férias, bem como de parcelas indenizatórias ligadas ao exercício do cargo;

e) não existe mais isonomia remuneratória na Administração Pública;

f) os agentes públicos colocados em disponibilidade agora receberão remuneração proporcional ao tempo de serviço;

g) nos casos de lícita acumulação remunerada de cargos, empregos e funções há submissão ao teto remuneratório;

h) o teto remuneratório aplica-se às empresas estatais somente se estas receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral;

i) o teto remuneratório atinge os servidores inativos;

j) todas as espécies remuneratórias incluídas as vantagens pessoais ou individuais estão submetidas ao teto de remuneração;

k) todas as remunerações superiores ao teto remuneratório que estejam sendo recebidas por agentes públicos deverão ser adequadas ao novo limite estabelecido, não se podendo cogitar de direito adquirido a recebimento de excedentes neste particular.

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Notas

1 MS n. 22.439-8/DF. Rel. Min. Maurício Correia. Decisão liminar por maioria em 15.5.1996, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Carlos Velloso.

2 Ver, v.g. RMS n. 22307, Rel. Min. Marco Aurélio, publicado no DJU de 13.6.1997, Seção 1, p. 26.722.

3 "O que muda na remuneração dos servidores? (os subsídios)". Boletim de Direito Administrativo. São Paulo, v. 14, n. 7, p. 421/428 jul. 1998.

4 Ver, v.g., ADln n. 465-4-DF, Rel. Min. Neri da Silveira, publicado no DJU de 25.11.1994, Seção 1, p. 32.298.

5 Ver, v.g., ADln n. 313/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, publicada no DJU de 30.4.1991, Seção 1, p. 5.722.

6 Ver, v.g., AE n. 154.098-2-SP, Rel. Min. Sydney Sanches, publicado no DJU de 19.9.1997, Seção 1, p. 45.544-45.545.

7 Ver ADln n. 1.033, Rel. Min. Ilmar Galvão, publicada no DJU de 16.9.1994, Seção 1, p. 24.266.

8 Ver, v.g., AMS n. 21.989-4/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, publicado no de DJU de 4.11.1994, Seção 1, p. 29.382.

9 Ver, v.g., AE n. 161.263-1, Rel. Min. Maurício Correia, publicado no DJU de 19.5.1995, Seção 1.

10 Ver, v.g., artigo de MILESKI, Hélio Saul. Efeitos da reforma administrativa sobre a remuneração dos agentes públicos. Revista da AMA, v. 2, n. 4, p. 18-37, jan./jun. 1998.

11 Ver ADln n. 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, publicada no DJU, seção 1, de 18.3.1994, p. 5.165 (caso do IPMF).

12 Ver, v.g., AE 94.414-SP, Rel. Min. Moreira Alves, RT J 114, p. 237.

13 Ver, v.g., AE 226.473/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão tomada em 13.5.1998.

Juiz Federal da 6º Vara de Florianópolis. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Professor de Direito Administrativo da Escola Superior da Magistratura Estadual de SC, da Escola Superior da Magistratura Federal de SC e do Curso de Preparação para a Magistratura do Trabalho da AMATRA XI.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 6, n. 1 (jan./jun. 1999).

 

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