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A potencialidade lesiva da conduta ilícita no julgamento da ação de impugnação de mandato eletivo e da ação de investigação judicial eleitoral

Por: Márcio Schiefler Fontes / Alexandre Melchior Rodrigues Filho

1 Introdução

Dentre as poucas ações exclusivas do Direito Eleitoral brasileiro, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE)1 apresentam importância marcante.

Afinal, elas são os instrumentos mais utilizados e mais eficientes para se obter a declaração de inelegibilidade de candidatos que tenham incorrido na prática de condutas ilícitas e, com isso, cassar-lhes o registro de candidatura ou o diploma.

O presente trabalho tem por escopo estudar uma das considerações que podem ser abordadas tanto em uma ação como em outra, que é a consideração da potencialidade da conduta ilícita em influenciar o resultado do pleito.

Nesse sentido, finalizada esta breve introdução, far-se-á, nos dois capítulos seguintes, uma abordagem geral sobre cada uma das ações aqui estudadas, começando-se pela AIME.

Em seguida, a análise recairá sobre a questão da potencialidade lesiva da conduta ilícita atribuída ao candidato, para se entender como ela deve ser sopesada em cada uma das ações pesquisadas.

Ao final, será apresentada a conclusão do estudo.

2 Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME): considerações gerais

A  Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) está prevista nos §§ 10 e 11 do art. 14 da Constituição da República. Trata-se, portanto, de uma ação de caráter constitucional-eleitoral (RAMAYANA, 2007, p. 420, e GOMES, 2008, p. 469).

O período em que a AIME pode ser proposta é preciso: quinze dias após a diplomação, a teor do disposto no § 10 do art. 14 do Texto Constitucional.

O objetivo da demanda será sempre a desconstituição do mandato eletivo conquistado com abuso do poder econômico, corrupção ou fraude pelo candidato (GOMES, 2008, p. 469).

Com isso, percebe-se que a Constituição da República, ao prever que a AIME deva ser instruída com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, deixou em aberto esses três conceitos. Coube à doutrina e à jurisprudência delineá-los frente aos princípios do Direito Eleitoral, para extrair deles a melhor interpretação, à vista do grande casuísmo que a técnica utilizada pelo constituinte faz aflorar (COSTA, 2008, p. 408-10; CÂNDIDO, 2008, p. 269, e DECOMAIN, 2004, p. 373).

No entanto, é cediço o entendimento de que a prova do ilícito não precisa ser pré-constituída, bastando um razoável início de provas dos fatos alegados, apto a afastar a eventual arguição de temeridade ou má-fé, prevista no já mencionado § 11 (CÂNDIDO, 2008, p. 270).

Quanto ao procedimento a ser emprestado à AIME, constatada a ausência de previsão legal expressa, a doutrina sempre sugeriu a utilização daquele aplicado à Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), previsto entre os arts. 3º e 16 da Lei Complementar (LC) n. 64/1990, o que acabou sendo admitido pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução n. 21.634/2004 (CÂNDIDO, 2008, p. 271-2).

A AIME pode ser manejada pelo Ministério Público Eleitoral – que, se não for parte, atuará como fiscal da lei – ou por coligações, partidos políticos e candidatos, prevalecendo esse entendimento na doutrina e jurisprudência (CÂNDIDO, 2008, p. 266-7). Apesar da ausência de restrições no Texto Constitucional, não se autoriza ao mero eleitor propor a demanda (VELLOSO, AGRA, 2009, p. 274-5).

De outro lado, figurará, necessariamente, como réu, o candidato eleito e diplomado. Aqui, obviamente, não há discussão.

No entanto, há posicionamentos divergentes quanto à necessidade de formação de litisconsórcio entre o diplomado e seu partido ou coligação, no caso de mandatários proporcionais; entre ele e seu suplente, no caso de senadores; ou entre ele e seu vice, no caso de AIMEs contra os Chefes do Poder Executivo (GOMES, 2008, p. 477-81). Merece prevalecer a tese da desnecessidade apenas na primeira hipótese, conforme argumentação irrepreensível de José Jairo Gomes (2008, p. 480-1).

Por fim, é importante anotarem-se os efeitos da decisão de procedência da AIME.

Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que, acatada a impugnação, os votos dados ao candidato cassado são anulados (GOMES, 2008, p. 492/7/8). Assim, englobando estes mais da metade dos votos válidos, nova eleição deve ser realizada, por força do disposto no art. 224 do Código Eleitoral. Caso contrário, alça-se o segundo colocado ao cargo.

Com relação ao candidato cassado, há quem diga que este não ficará marcado pela inelegibilidade como sanção pelo ilícito praticado, restringindo-se a reprimenda à perda do cargo, tendo em vista a falta de previsão expressa no Texto Constitucional (VELLOSO, AGRA, 2009, p. 279-80).

Da mesma forma, há quem defenda a tese contrária, mormente em se tratando daquela hipótese anteriormente aventada, em que mais da metade dos votos são anulados e novas eleições devam ser feitas. Argumenta-se que, nesse caso, o mandatário sacado, se não for declarado inelegível, poderá vir a disputar a nova eleição, mesmo tendo dado causa à anulação da disputa original (COSTA, 2008, p. 401-7).

3 Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE): considerações gerais

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) está prevista nos arts. 19 a 24 da LC n. 64/19902. Trata-se de instrumento de cunho estritamente eleitoral, criado com a finalidade de se levar ao crivo do Poder Judiciário fatos ilícitos não penais (CÂNDIDO, 2008, p. 143).

O objetivo desta ação, segundo José Jairo Gomes (2008, p. 376), não é outro senão o de combater o abuso de poder, entendido de modo genérico. No entanto, ainda de acordo com este autor, tal abuso – seja ele econômico, político ou de autoridade – poderá surgir sob diferentes roupagens (GOMES, 2008, p. 377).

Por isso é que o legislador escolheu o rito da AIJE para processarem-se as condutas previstas de modo genérico nos arts. 19, 20 e 21 da LC n. 64/1990, mas também para aquelas indicadas nos arts. 30-A (irregularidades relativas às contas de campanha, mormente aquelas conhecidas como “caixa dois”), 41-A (captação ilícita de sufrágio ou, popularmente, “compra de votos”), 73 (condutas vedadas ao agente público em campanha) e 74 (§ 1º do art. 37 da Constituição da República – promoção pessoal em publicidade oficial) da Lei n. 9.504/1997 (GOMES, 2008, p. 375-412)3.

Vale dizer, ainda, que qualquer conduta ilícita prevista em lei que possa caracterizar uma forma de abuso deve ser processada pela AIJE (CÂNDIDO, 2008, p. 141-2)4.

O rito a ser seguido na AIJE, diferentemente da AIME, encontra-se explicitado na lei (art. 22 da LC n. 64/1990), o que, entretanto, não afastou discussões sobre os atributos desta ação. A despeito da clareza do texto legal, houve embate na doutrina e na jurisprudência, por exemplo, acerca das partes legitimadas a figurarem tanto como autores quanto como réus da demanda.

Prevalece, porém, o entendimento de que o Ministério Público Eleitoral e os partidos políticos, coligações e candidatos envolvidos com a eleição são os possíveis autores, devendo, entre os réus, figurar necessariamente o candidato que pratica a conduta ilícita ou dela se aproveita, podendo integrar o polo passivo tantos quantos hajam concorrido para prática irregular (COSTA, 2008, p. 356-65).

Quanto ao momento em que pode ser ajuizada a AIJE, a despeito de isoladas vozes em contrário (VELLOSO, AGRA, 2009, p. 268), o melhor entendimento é aquele segundo o qual ela pode ser promovida a qualquer tempo entre o pedido de registro de candidaturas e a diplomação dos eleitos, inclusive relatando fatos ocorridos anteriormente a esse marco inicial5.

Por fim, questão interessante – similar à enfrentada quando se estuda a AIME – diz respeito às consequências da decisão de procedência da AIJE, em especial com relação à sanção a ser aplicada ao candidato-réu6. Isso porque, dependendo da conduta praticada, a lei prevê reprimendas diferentes.

Nesse sentido, julgada procedente a representação com base apenas nas previsões genéricas da LC n. 64/1990 (arts. 19, 20 e 22), autoriza-se a Justiça a decretar a cassação do registro de candidatura e, ainda, a inelegibilidade por três anos, a contar da data da eleição. Por seu turno, as condutas submetidas à AIJE, inscritas na Lei n. 9.504/1997, receberam, como preceito secundário, por vezes, a mera aplicação de multa pecuniária (art. 76), por outras, somente a supressão do registro e do diploma (arts. 30-A, 74, 75 e 77) e, em outros momentos, ainda, a cumulação de ambas as sanções (arts. 41-A e 73)7.

Além disso, tendo em vista o disposto no inciso XV do art. 22 da LC n. 64/1990, há uma importante discussão com relação à necessidade de se intentar uma subsequente AIME, no caso de AIJE julgada procedente após o pleito eleitoral, como única forma de se conseguir, além da decretação de inelegibilidade, a cassação do mandato.

Em que pese haja esforçadas manifestações homenageando essa tese (COSTA, 2008, p. 344-348), parece mais adequado seguir a linha traçada por José Jairo Gomes (2008, p. 406), que reconhece que tal entendimento, além de exacerbadamente formalista, frustra o sentido do § 9º do art. 14 da Constituição. Deve-se, portanto, admitir a dispensa de qualquer instrumento após o trânsito em julgado da AIJE para que se alcance a cassação do mandato conferido ao candidato condenado (VELLOSO, AGRA, 2009, p. 271).

4  A potencialidade lesiva da conduta ilícita em sede de AIME e AIJE

Discussão da mais alta relevância no âmbito da AIME e da AIJE diz respeito à necessidade de o juiz, ao constatar a ocorrência de práticas ilícitas levadas ao seu conhecimento por essas ações, sopesar a capacidade que tais condutas teriam em influenciar o resultado do pleito.

Ao se debruçar sobre esse ponto, o juiz estará analisando, portanto, a potencialidade lesiva da conduta. Nessa ordem de ideias, assim se coloca a questão: não apresentando a conduta o condão de ter influenciado no resultado extraído das urnas, deve o juiz julgar a demanda procedente? E isso tanto nos autos de uma AIME como nos de uma AIJE?

Na doutrina e na jurisprudência, ao contrário do que muito comumente se afirma, notam-se também – como é comum no emaranhado jurídico que compõe nosso Direito Eleitoral – opiniões das mais variadas sobre esse assunto e julgados nos mais diversos sentidos.

Marcos Ramayana (2007, p. 338), tratando da AIJE, diz que “para a caracterização do abuso de poder econômico ou político, é necessária a prova da potencialidade lesiva [...]. Deve-se provar o comprometimento da lisura das eleições, à luz do contexto probatório coligido”. No entanto, se a AIJE tiver por fundamento o art. 41-A da Lei n. 9.504/1997, ele admite que a potencialidade lesiva não tem relevância, sendo “suficiente que o candidato pratique o ato ilícito eleitoral definido” (RAMAYANA, 2007, p. 372)8. Com relação à AIME, sustenta o mesmo autor que sempre será necessária a análise da potencialidade lesiva, uma vez que o abuso de poder não estaria essencialmente ligado com o viciamento dos votos (RAMAYANA, 2007, p. 438).

Joel Cândido (2008, p. 268) não aborda frontalmente o tema ao estudar a AIJE. No entanto, quando se refere à AIME, é incisivo ao dispor que “além do abuso do poder econômico, corrupção e fraude, a potencialidade desses vícios de terem influído no resultado do pleito é requisito a se exigir para eventual procedência da AIME”9.

José Jairo Gomes (2008, p. 376-7), em lições sobre a AIJE, fornece um apanhado mais sistemático sobre a questão da potencialidade lesiva (2008, p. 375-467). Para ele, em resumo, a análise da questão nos casos de condutas levadas à Justiça Eleitoral por esse mecanismo apenas deve ser procedida quando das previsões genéricas de abuso de poder (que, segundo ele, constariam dos arts. 1º, I, “d”, 19 e 22, XIV e XV, da LC n. 64/1990).

Com isso, no julgamento de AIJE que tenha por fundamento qualquer outra previsão normativa (arts. 30-A, 41-A, 73 e seguintes da Lei n. 9.504/1997), José Jairo Gomes (2008, p. 376) está a sustentar a desnecessidade de se analisar a influência da conduta no resultado do pleito, devendo o juiz, reconhecendo o ilícito, aplicar as sanções previstas10.

Voltando-se à AIME, o mesmo autor não procede a essa diferenciação, lecionando que sempre, ao julgá-la, o magistrado deverá atentar para o fato de que “tanto o abuso de poder econômico quanto a corrupção e a fraude devem ter por desiderato a indevida influência nas eleições em seus resultados, de sorte a macular a soberania da vontade popular expressa nas urnas” (2008, p. 471). Ao concluir, diz: “por isso, tem-se exigido que os eventos considerados apresentem potencialidade lesiva” (GOMES, 2008, p. 471, grifo do autor).

No seguinte recente acórdão, o Tribunal Superior Eleitoral destacou a necessidade de se analisar a potencialidade lesiva na esfera da AIME, ainda que seja manejada para processar fatos relacionados à captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/1997):

Agravo Regimental. Recurso Especial. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Captação Ilícita de Sufrágio. Prefeito. Vice-Prefeito. Cassação. Impossibilidade. Ausência de Aferição Quanto à Existência de Potencialidade Lesiva.

1. In casu, o acórdão regional julgou procedente a AIME com fundamento na prática de captação ilícita de sufrágio sem examinar se houve ou não potencialidade das condutas para afetar o equilíbrio da disputa.

2. Tais circunstâncias se mostram suficientes à constatação de ofensa ao art. 14, § 10, da Constituição Federal, pois, na linha da remansosa jurisprudência desta Corte, o bem jurídico tutelado pela via da AIME é a legitimidade das eleições, e não a vontade do eleitor. (RESPE n. 39.974)

Por outro lado, em se tratando de condutas ilícitas julgadas via AIJE, a questão da potencialidade lesiva é considerada, pelo TSE, de acordo justamente com o ilícito verificado. Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes:

Recurso ordinário. Investigação judicial. Eleições 2006. Abuso de poder. Evento assistencial. Realização. Momento muito anterior ao período eleitoral. Potencialidade. Não caracterização.

1. Conforme pacífica jurisprudência do Tribunal, a procedência da investigação judicial, fundada em abuso de poder, exige a demonstração da potencialidade do ato em influir no resultado do pleito. (RO n. 1.411, grifo nosso)

Eleitoral. Representação: Prática de conduta vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, acrescentado pelo art. 1º da Lei n. 9.840, de 28.9.99: Compra de votos.

V - Para a configuração do ilícito inscrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, acrescentado pela Lei n. 9.840/99, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral. (RESPE n. 21.264, grifo nosso)

Agravo Regimental. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Cassação de Registro de Vice-Prefeito. Agravo de Instrumento. Recurso Especial Eleitoral. Erros Materiais. Inocorrência. Pretensão de Rejulgamento da Causa. Embargos de Declaração. Inviabilidade. Decadência. Citação Ocorrida antes da Diplomação. Abuso de Poder Político. Desvio de Finalidade e Potencialidade Demonstrados. Cassação do Registro. Julgamento de Procedência antes da Diplomação. Possibilidade.

[...]

4 - Existe presunção de dano à regularidade das eleições relativamente às condutas previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 [...].

5 - A fim de se averiguar a potencialidade, verifica-se a capacidade de o fato apurado como irregular desequilibrar a igualdade de condições dos candidatos à disputa do pleito, ou seja, de as apontadas irregularidades impulsionarem e emprestarem força desproporcional à candidatura de determinado candidato de maneira ilegítima. (AI n. 12.028, grifo nosso)

É interessante anotar que, por vezes (em especial nos casos dos arts. 30-A e 73 da Lei n. 9.504/1997), a jurisprudência, quando abre mão de considerar potencialidade lesiva da conduta ilícita, adota o critério da proporcionalidade quanto à aplicação de sanções. Nesses termos, temos o seguinte julgado do TSE:

Recurso Especial. Eleições 2004. Representação. Propaganda irregular. Caracterização. Registro. Art. 73 da Lei n. 9.504/97. Princípio da proporcionalidade. Provimento negado.

1. Para imposição das sanções previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97, não se examina a potencialidade ofensiva, basta a simples conduta.

2. De acordo com o princípio da proporcionalidade, a pena deverá ser aplicada na razão direta do ilícito praticado”. (RESPE n. 24.883, grifo nosso)

5 Considerações finais

No caso da AIME, verifica-se o quase unânime posicionamento dos autores e dos tribunais em se considerar imprescindível a análise, pelo magistrado, da potencialidade lesiva das condutas ilícitas – independentemente de quais sejam elas.

Como se viu, a Constituição possibilita que a AIME seja fundamentada nas previsões amplas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Assim, poderá ser levantada frente a qualquer ação praticada por candidatos à qual se atribua uma das características prevista no Texto Constitucional.

De toda forma, não parece mesmo ser caminho adequado restringir a jurisdição eleitoral a, simplesmente, reconhecer determinada conduta genérica como atentatória às normas legais e, com isso, vincular a conclusão a uma reprimenda que, frequentemente, vem a ser nada menos que a cassação do mandato do candidato eleito.

Já no tocante à AIJE, a doutrina e a jurisprudência se dividem com mais clareza, havendo maior ocorrência de argumentos que procuram distinguir os diversos ilícitos apurados por meio desta ação para, só então, concluir se deve ou não o órgão julgador levar em conta a capacidade da conduta praticada de alterar o resultado da eleição.

Assim, é comum deparar-se com textos e decisões que professem a necessidade de se analisar a potencialidade lesiva da liberação de recursos públicos quando proibidos, mas que não admitam tal consideração com relação à compra de votos.

Com efeito, para evitar confusões desnecessárias, parece mais acertada uma completa desvinculação entre a análise da potencialidade lesiva das condutas eleitorais ilícitas e as ações em que são processadas.

Assim, em vez de preocupar-se o magistrado com o tipo de ação que está julgando, ater-se-ia precipuamente ao ato ilícito supostamente praticado. Afinal, não parece razoável que determinada ação eleitoral – AIJE ou AIME – sirva para processar apenas determinadas condutas, mas não outras, dado que o espírito que norteia as normas eleitorais é outorgar à jurisdição eleitoral a busca da hígida vontade do conjunto dos eleitores.

Vale dizer que para ambas houve uma previsão genérica que, em última análise, pode abarcar qualquer eventualidade tendente a afetar os bens jurídicos protegidos pela norma e homenageados pelos juristas: legitimidade do pleito, isonomia entre os concorrentes, vontade do eleitor.

Assim, independentemente de cuidar-se de AIJE ou de AIME, o juiz deve procurar verificar se a conduta levada ao seu conhecimento está prevista expressamente na lei, seguida de uma sanção específica, ou se recai em previsões genéricas.

No segundo caso, o estudo da potencialidade lesiva far-se-á sempre necessário, tendo em vista a amplitude e o casuísmo impregnados na técnica adotada.

No primeiro, no verso considerado, deve o magistrado ater-se à previsão normativa e verificar a sanção prevista. Não havendo limites para aplicação proporcional de reprimendas à potencialidade lesiva do fato, valerá o brocardo: in clarus non fit interpretatio.

Portanto, a AIME, calcada na captação ilícita de sufrágio, prescindirá da análise da potencialidade lesiva, devendo o magistrado sacar o mandatário do cargo quando provada a alegação de compra de votos.

Por outro lado, a AIJE, fundada numa alegação genérica de abuso do poder político, por exemplo, deverá ser submetida invariavelmente ao estudo da capacidade que tal abuso teve ou teria de influir no deslinde da disputa política.

6  Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/constitui%C3%A7

ao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2011.

______. Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 25 mar. 2011.

______. Lei Ordinária n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. Acesso em: 25 mar. 2011.

______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3592/2006, Brasília, DF, Relator Gilmar Ferreira Mendes.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento (AI) n. 12.028, São Miguel do Guamá, PA, Relator Aldir Guimarães Passarinho Júnior. Acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico, em 17 de maio de 2010. p. 21.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral (RESPE) n. 21.264, Macapá, AP, Relator Carlos Mário da Silva Velloso. Acórdão publicado no Diário de Justiça, em 11 de junho de 2004. v. 1, p. 94.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral (RESPE) n. 24.883, Campina da Lagoa, PR, Relator Humberto Gomes de Barros. Acórdão publicado no Diário de Justiça, em 9 de junho de 2006. p. 134.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral (RESPE) n. 39.974, Saubara, BA, Relator Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. Acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico, em 17 de novembro de 2010. t. 220, p. 13 e 14.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário (RO) n. 1.411, Macapá, AP, Relator Carlos Eduardo Caputo Bastos. Acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico, em 17 de novembro de 2008. t. 149, p. 7 e 8.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Representação (RP) n. 295986, Brasília, DF, Relator Henrique Neves da Silva. Acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico, em 17 de novembro de 2010. t. 220, p. 15.

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidades e Inelegibilidades. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 7. ed. Niterói: Impetus, 2007.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009.

1 A  Ação de Investigação Judicial Eleitoral é, por vezes, tratada com o nome de “Representação”  pela doutrina e jurisprudência pátrias (Decomain, 2004, p. 172, e Representação STF n. 295986 – Brasília/DF), tendo em vista o teor do art. 22 da LC n. 64/1990, que a previu: Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, [...] e pedir abertura de investigação judicial [...] (grifos nossos). Preferiu-se, neste trabalho, a nomenclatura “Ação de Investigação Judicial Eleitoral” justamente por servir melhor ao intento de distingui-la de outras representações previstas na legislação eleitoral, como aquela do art. 96 da Lei n. 9.504/1997, bem como para explicitar-lhe o caráter de ação jurisdicional (Gomes, 2008, p. 375-6).

2 Há quem diga não se tratar a AIJE de ação propriamente dita, mas de um instrumento investigatório administrativo (Cândido, 2008, p. 138 e 139). No entanto, principalmente pelo expressivo teor decisório decorrente dela, a melhor opção é admitir-se a AIJE como uma típica ação de Direito Eleitoral (Costa, 2008, p. 340-4).

3 José Jairo Gomes (2008, p. 375-412) advoga a tese pela qual cada uma dessas condutas seria objeto de ações diversas. No entanto, o mais correto é se concluir pela existência de apenas uma ação – a AIJE – a ser utilizada na ocorrência das variadas condutas consideradas ilícitas e caracterizadoras de abuso de poder (RAMAYANA, 2007, p. 365).

4 Como exemplo de condutas desse tipo, temos aquelas previstas nos arts. 75, 76 e 77 da Lei n. 9.504/1997.

5 Isso porque, antes desse momento, não há candidatos e, após, há a AIME, estudada anteriormente (COSTA, 2008, p. 365-70).

6 De qualquer forma, diferentemente da AIME – que sempre será julgada após a diplomação dos eleitos –, a AIJE pode chegar a termo, também, antes desse fato. Na primeira hipótese, aplica-se a regra, já comentada no tópico anterior, prevista no art. 224 do Código Eleitoral. Na segunda, caso se determine a cassação do registro de candidatura, faculta-se ao partido político ou coligação a substituição do candidato, conforme preceitua o art. 13 da Lei n. 9.504/1997

7 É necessário, aqui, apontar a volumosa discussão que há com relação à possibilidade de uma conduta prevista em Lei Ordinária ser utilizada como fundamento para a decretação de inelegibilidade em sede de AIJE, a teor do § 9o do art. 14 da CF. Prevalece a tese de que a sanção de inelegibilidade não deve ser aplicada nesses casos, restringindo-se a reprimenda à cassação do registro ou do diploma, argumento utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao declarar a constitucionalidade do art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 (Cf. Adin STF n. 3.592/2006).

8 Para chegar a essa conclusão, o autor sugere que o bem tutelado pelo art. 41-A não é a normalidade das eleições, mas sim a vontade do eleitor. Por fim, Marcos Ramayana (2007, p. 372-3) lembra que ficará a critério do juiz ou do tribunal analisar os casos concretos, levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade na aplicação da lei e que certas condutas não devem interessar ao Direito Eleitoral. Com relação ao art. 41-A, Adriano Soares da Costa (2008, p. 213), mais direto, comunga da mesma opinião: “já a cassação do registro ou do diploma não está na zona de discricionariedade judicial: ocorrida e comprovada a captação ilícita de sufrágio, além da multa, deve o juiz eleitoral também cassar o registro da candidatura ou o diploma”.

9 O assunto é abordado da mesma forma por Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra (2009, p. 276).

10 Para justificar sua opinião, o autor também faz referência à distinção quanto ao bem jurídico tutelado: tratando-se da normalidade do pleito, faz-se necessária a análise da potencialidade lesiva (abusos genéricos); tratando-se da higidez ou regularidade da campanha, dispensa-se tal análise (art. 30-A da Lei n. 9.504/1997), tal qual quando se trata de proteger a vontade do eleitor (art. 41-A da mesma Lei) ou a igualdade no certame (arts. 73 e seguintes dessa Lei) (GOMES, 2008, p. 375-467).

* Juiz Eleitoral da 42a Zona Eleitoral - Turvo.

** Chefe de Cartório da 42a Zona Eleitoral - Turvo.

 

Publicado na RESENHA ELEITORAL, vol. 19, 2011.

 

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