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Íntegra

A mediação no âmbito da Justiça Eleitoral

Por: Sérgio Luiz Junkes

1 Introdução

Dentre vários aspectos positivos que marcaram o pleito eleitoral de 2004 destaca-se o êxito da Justiça Eleitoral de Santa Catarina em estabelecer um pacto entre os partidos políticos e os candidatos por força do qual esses voluntariamente renunciaram ao direito conferido em lei de utilizarem propaganda em postes e outros logradouros públicos1.

Tal medida, além da ótima repercussão na sociedade e do benefício à aparência das cidades, representou um avanço substancial na relação inter-partidária, abrindo um vasto horizonte de possibilidades para as eleições subseqüentes.

Assim é que, nada obsta, no futuro os partidos, a título de exemplo, também venham a consensualmente limitar outros meios de propaganda, como o sonoro, em face das exigências e peculiaridades da comunidade local.

No entanto, o outro horizonte promissor que se pretende enfocar neste artigo refere-se a um novo papel da Justiça Eleitoral que restou acentuado no aludido fato: o da mediação. Isso porque, para que fosse possível uma autodelimitação da propaganda eleitoral, se fez necessária a mediação dos integrantes da Justiça Eleitoral, capitaneada pela sua cúpula. Ao reunir os representantes dos partidos e os candidatos e expor as vantagens da proposta de restrição voluntária da propaganda, é que se tornou possível o consenso a esse respeito.

Em face disso, há de se perguntar: seria viável o emprego da mediação também para solucionar conflitos de conotação nitidamente eleitoral? Propondo-se colacionar subsídios para tentar responder a esse instigante questionamento, é que se desenvolverá, doravante, o presente artigo, concebido pelo método indutivo.

2 A mediação

A mediação é uma técnica não adversarial de resolução de conflitos, tal como a conciliação e a arbitragem.

Na arbitragem os interessados escolhem um terceiro que irá examinar e decidir a questão.

Na conciliação as partes são dirigidas por um terceiro para que cheguem a uma composição por meio de concessões recíprocas.

Já a mediação é exercida por uma terceira pessoa, aceita pelos envolvidos no conflito, que irá ouvi-los e orientá-los. Na mediação a abordagem é no sentido de buscar as razões do conflito e de conduzir as partes a mutuamente enfrentá-las. O seu objetivo é obter um ponto de equilíbrio para que as próprias partes deliberem, de uma forma consciente e responsável, acordos duráveis, que lhes garantam condições para projetar um futuro saudável e feliz2.

O primeiro ponto a ser esclarecido é se haveria algum óbice legal à utilização da mediação no âmbito da Justiça Eleitoral.

A jurisdição, em sentido lato, é a expressão do poder estatal de se manifestar sobre o direito aplicável a um caso concreto, e fazer valer coativamente, se necessário, as suas decisões. Em seu funcionamento, para tanto, a jurisdição é orientada ao escopo fundamental da pacificação social3. Segundo Dinamarco, é conseqüência normal e inevitável da vida em sociedade a eclosão de insatisfações, as quais estão ligadas à idéia de percepção ou de ameaça de uma carência. Isso ocorre porque tanto quanto são infinitos os entrechoques de interesses entre as pessoas, são, de outro lado, finitos os bens da vida sobre os quais incidem. A vida social, todavia, seria difícil se esses estados de insatisfação se perpetuassem sob a forma de decepções permanentes e inafastáveis. Por isso o Estado, através da legislação, define as condutas favoráveis (lícitas) e desfavoráveis (ilícitas) à vida em comunidade, cominando recompensas e castigos (sanções) correspondentes. Além disso, pela jurisdição, o ente estatal fixa os critérios para que os bens da vida e situações almejados sejam acessíveis. Assim, evitam-se as condutas desagregadoras, estimulam-se as agregadoras e distribuem-se os bens entre as pessoas, criando, destarte, um clima favorável à paz entre as pessoas, sem insatisfações4.

Deste modo, se a finalidade precípua da jurisdição, aí incluindo-se a eleitoral, é a pacificação social através da eliminação dos conflitos, nada obsta que tal se dê a partir da atividade da mediação. Portanto, não há nenhum óbice legal à utilização da mediação na seara jurisdicional, inclusive eleitoral. Outra questão, então, assume relevo: há necessidade do juiz diretamente dirigir a mediação ou pode ele delegar tal atividade?

A jurisdição, em sentido estrito, é a função desenvolvida pelo Estado através de juízes que se situam em relação ao interesse posto como “terceiros” e “supra-partes” e são incumbidos de conhecer uma pretensão através da qual se vise assegurar um direito subjetivo e, a partir dela, decidir imperativamente e, conforme o caso, garantir o seu cumprimento5. A mediação, portanto, não se insere na indeclinável tarefa do Juiz de dizer o direito aplicável à espécie. Isso porque o equacionamento de uma controvérsia a partir da mediação passa pela obtenção do consenso entre as partes. Portanto, a abordagem e a técnica da mediação, em sentido amplo, não prescinde que a obtenção deste resultado seja dirigida e conduzida diretamente pelo Juiz. Assim, conclui-se que é lícito que um outro profissional, que não o magistrado, possa atuar como mediador designado. Outrossim, não há nenhuma vedação de que a mediação ocorra antes de o conflito transformar-se em um processo, visto que aquela poderá ser levada a efeito, a qualquer momento e qualquer local, por vontade livre e espontânea dos interessados.

3 Aplicabilidade da mediação no âmbito da Justiça Eleitoral

No item anterior foi sublinhada a viabilidade legal de utilizar-se a mediação como recurso de resolução de controvérsias. Todavia, já no plano prático, quando seria conveniente e recomendável o emprego da mediação em matérias afetas à Jurisdição Eleitoral?

Como se assinalou no início, são vastos os quadrantes em que a mediação pode se desenvolver, visto que, em linhas gerais, onde há conflito há terreno para o consenso. Todavia, especificamente na orbe eleitoral os conflitos levados ao crivo do Judiciário são, em sua maioria, pouco suscetíveis à obtenção de uma composição. Isso não em razão de uma suposta inflexibilidade dos partidos e integrantes, mas, sim em face de que, em geral, se costuma, perante a Justiça Eleitoral questionar-se preponderantemente acerca da inobservância de certos pressupostos eleitorais pela parte oponente ou, então, examinar a prática de alguma modalidade delituosa, para, daí, impor-se as respectivas cominações. Apesar de aplicável, a eficiência da mediação aparentemente afigurar-se-ia substancialmente limitada. Todavia, tal não constitui impedimento à atividade criadora dos componentes da Justiça Eleitoral. Exemplo disso é a promissora utilização da mediação para que os partidos e candidatos consensualmente firmem certas medidas de cunho preventivo ou acolham determinadas pautas de conduta, como ocorreu em relação ao bem-sucedido pacto de limitação da propaganda em postes e logradouros públicos.

No campo da utilização e da fiscalização da propaganda eleitoral, o uso da mediação mostra-se fértil. Veja-se que, em face da atuação da Justiça Eleitoral catarinense, com o auxílio da imprensa e das próprias agremiações partidárias, há uma consciência ampla e geral entre os participantes do pleito eleitoral a respeito das restrições legais atinentes à propaganda. Porém, mesmo assim, são corriqueiras as demandas judiciais a este respeito. Em função do trabalho das militâncias partidárias, os conflitos acabam se reproduzindo e conduzindo a um clima de acirramento intenso, que, aliás, não se coaduna com o espírito democrático. Por causa dessas controvérsias, eclodem outras, de natureza penal e até civil. A situação agrava-se nos pequenos municípios. Nesses, o efetivo da Polícia Militar é invariavelmente ínfimo. A Polícia é chamada muitas vezes a coibir imediatamente certas práticas e a sua atuação, dependendo do ponto de vista de determinada sigla, pode ser tida injustamente como tendenciosa. Em face disso a Polícia acaba muitas vezes ficando em uma situação delicada. Assim, muitas vezes, a animosidade entre as militâncias culmina por desenhar um desnecessário quadro de extrema tensão e intolerância que contagia negativamente toda uma comunidade, as instituições e até, dependendo do caso, a própria tranqüilidade das eleições.

A mediação poderia contribuir para evitar a eclosão desse cenário desfavorável. Como já se sublinhou as agremiações partidárias conhecem a legislação. Na maioria das vezes o que falta para as partes interromperem este ciclo de animosidades e provocações recíprocas é a existência de um palco propício para as partes racionalmente dialogarem com o auxílio de uma terceira pessoal reconhecidamente imparcial6. Ou seja, em casos, por exemplo, como a colocação de placas ou utilização de propaganda sonora, as condutas ilegais ou não-recomendáveis poderiam ser dissipadas racionalmente e voluntariamente com os esclarecimentos mútuos e sob a orientação do mediador das vantagens e desvantagens acerca de uma composição e dos vários aspectos que permeiam a problemática. O mediador poderia ser o próprio Juiz Eleitoral ou outrem por ele designado. Com a mediação levada a efeito, muitos conflitos de conotação eleitoral poderiam ser resolvidos e prevenidos. Com isso, contribui-se para a tranqüilidade do pleito e para a paz social.

4 Considerações finais

A mediação é um método cada vez mais utilizado para dar vazão a conflitos que se verificam no meio social. Conforme assinalam Cappeletti & Garth, a mediação, tal como os outros métodos alternativos à instância judicial, sejam privados ou informais, são boas opções à solução dos litígios de forma eficiente, rápida e barata7.

As suas principais características, ou vantagens, são: a voluntariedade, a rapidez, a ausência de custo, a informalidade, a autodeterminação e a visão de futuro, vez que tende a resolver a controvérsia de forma permanente, ao enfrentar a sua raiz8.

Não há óbice legal à utilização da mediação no âmbito da Justiça Eleitoral, a qual, inclusive, pode ser delegada pelo magistrado.

A mediação, especialmente no âmbito da Justiça Eleitoral, necessita ser debatida e estudada, sobretudo nas academias, nas Escolas da Magistratura, nas Escolas do Ministério Público, nas Escolas da Advocacia, com o objetivo de se conhecer os seus contornos e a sua aplicabilidade com profundidade e, desse modo, trazer sentido prático à realidade jurídica de modo a beneficiar os integrantes das agremiações partidárias e os cidadãos, em um sentido amplo.

Notas

1 Art. 37 da Lei n. 9.504/1997 e art. 14, § 2º, da Resolução TSE n. 21.610/2004

2 BIELSA, Rafael B. Transformación del derecho em justicia, p. 99-100.

3 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 160.

4 Id. ibid.

5 Conceito formulado a partir de: BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. A.; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil, p. 73-74.

6 A propósito: WARAT, L. A. Em nome do acordo, p. 14-16.

7 CAPPELETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça, p. 71 e 92

8 SCHAEFER MARTINS, Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil, p. 184-185.

Referências bibliográficas

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A.; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 351 p.

BIELSA, Rafael B. Transformacion del derecho em justicia: ideas para uma reforma pendiente. Buenos Aires: La ley, 1993. 212 p.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen G. Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988. 168 p. Título original: Access to Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective.

SCHAEFER MARTINS, Nelson Juliano. Poderes do juiz no processo civil. São Paulo: Dialética, 2004. 223 p.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. 341 p.

WARAT, L. A. Em nome do acordo. A mediação no Direito. 2. ed. Buenos Aires, ALMED, 1999. 143 p.

Juiz da 9ª Zona Eleitoral, em Concórdia. Mestre em Ciência Jurídica pela Univali.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 11, n. 2 (jul./dez. 2004).

 

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