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A Lei n. 9.099/1995 e a Justiça Eleitoral

Por: Dionízio Jenczak

A Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, a qual disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tem como maior objetivo a aceleração dos processos (considerados de menor complexidade e de menor potencial ofensivo) no Poder Judiciário, tendo como critérios a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade.

A introdução mais debatida pelos doutrinadores foi a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da inovadora legislação especial, cível e criminal.

Segundo a norma, nos processos em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, pode propor a suspensão do processo, desde que o acusado preencha alguns requisitos legais.

Porém, não se trata de uma mera faculdade do douto membro do parquet, porque, se demonstradas as condições exigidas na lei, que tem caráter penal, revela-se como norma de direito público subjetivo do réu, que lhe deverá ser assegurado.

Este novo instituto apresenta semelhanças com os conhecidos sursis e probation system. Este, de origem anglo-saxônica, caracteriza-se pela suspensão da sentença, que não chega a ser prolatada, sendo que, se o agente cumprir as condições impostas, mantém sua primariedade. Enquanto que aquele, de origem belgo-francês, consiste, tão-somente, na suspensão da execução da pena imposta, perdendo o agente a condição de primário.

Uma suposta inconstitucionalidade do referido artigo, por ofender o princípio da presomption d'inocence, fulcrado no artigo 5º, LVII, da Lex Fundamentalis, não prospera, pois, na suspensão do processo, o acusado não é considerado culpado, sendo que o mesmo não cumpre pena, apenas condições. Na suspensão há o nolo contendere (não contesto, mas também não assumo a culpa). Finalmente, é um instituto que deriva da autonomia da vontade do agente. O acusado pode aceitar ou não a suspensão, estando presente, portanto, a ampla defesa.

A Lei n. 9.099/95 tem aplicação dos seus dispositivos penais-processuais também na Justiça Federal, nas Justiças Especiais (Militar e Eleitoral), assim como na Justiça Estadual. A esta precipuamente.

As disposições despenalizadoras da supracitada lei deverão incidir nas causas interpostas perante as referidas justiças, em face da aplicação imediata e retroativa da lei penal mais benéfica, ante o texto do artigo 89 da citada norma, que abrange os crimes, sem restrição, a não ser a da cominação mínima da pena restritiva de liberdade que não pode exceder a um ano.

Uma Comissão Nacional, presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo TEIXEIRA e composta pelos membros Luiz Carlos Fortes de ALENCAR e Ruy Rosado de AGUIAR, dos Desembargadores Weber Martins BATISTA, Fátima Nancy ANDRIGHI e Sidnei Augusto BENETTI, dos professores Ada Pellegrini GRINOVER e Rogério Lauria TUCCI e do Juiz Flávio GOMES, chegou à seguinte conclusão:

"São aplicáveis pelos Juízos comuns (estadual e federal), militar e eleitoral, imediata e retroativamente, respeitada a coisa julgada, os institutos penais da Lei 9.099/95, como composição civil extintiva da punibilidade (art. 74, parágrafo único), transação (art. 72 e 76), representação (art. 88) e suspensão condicional do processo (art. 89)."

As normas contidas nos arts. 74, parágrafo único, 76, 88 e 89, da referida Lei -conforme ensinamento de José Frederico MARQUES - são de caráter penal: "toda regra que trata de ampliação ou diminuição do jus puniendi ou do jus punitionis, como toda disposição que, de qualquer forma, reforce ou amplie os direitos subjetivos do réu ou do condenado". (Curso de direito penal, p. 100),

Ada Pelligrini GRINOVER salienta o caráter penal dos artigos indicados, quando afirma que:

"São normas de caráter prevalentemente penal, contidas na seção em exame:

"a) o art. 74, parágrafo único, que dispõe que o acordo civil homologado pelo juiz importa em renúncia ao direito de representação ou queixa, uma vez que esse acordo é extintivo da punibilidade, configurando nova hipótese penal a ser acrescida às do art. 108 do Código penal;

"b) o art. 76, que cuida da transação penal e de seus efeitos, possibilitando ao juiz, obrigado a aplicar exclusivamente pena restritiva de direitos ou multa, alterar a pena prevista em abstrato para a infração penal em tese.

"E têm também reflexos sobre a seção o dispositivo penal-processual que condiciona à representação a ação penal pública relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas (art. 88) e o atinente à suspensão condicional do processo (art. 89)" (Juizados especiais criminais. RT, 1996. p. 93-94).

Marino PAZZAGLINI FILHO expõe que:

"Desta forma, ambas as regras, exigência de representação para as lesões corporais dolosas de natureza leve e as culposas e oferecimento, por parte do Ministério Público, da suspensão condicional do processo, por diminuírem o jus puniendi do Estado, têm caráter penal e serão retroativas, em virtude de serem mais benéficas.

"Ademais, as normas do art. 74, parágrafo único, dispondo que a composição dos danos civis homologada pelo Juiz, nos casos de ação penal pública condicionada e privada, imposta em renúncia ao direito de representação ou queixa; e o art. 76, que trata da transação penal e seus efeitos, sendo benéficas ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo, têm, também, aplicação retroativa, alcançando todos os processos em curso na data da vigência da Lei, inclusive os que estão na fase recursal. O limite de sua incidência é a coisa julgada." (Juizado especial criminal. Atlas, 1996. p. 103) (grifamos).

Trata-se, portanto, de lei nova mista, de direito penal (desaparecimento do jus puniendi conseqüente à decadência) e processual (relativa à representação como requisito à ação penal), mais benéfica ao acusado em processo pendente, que deve ser aplicada retroativamente, até à coisa julgada (limite por ser norma mista).

O artigo 90 proíbe aplicação da lei "aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada."

O Ministro Luiz Vicente CERNICCHIARO nos diz:

"A limitação não encontra amparo, respaldo, nos princípios que regem o instituto. Lei inconstitucional (mais favorável), lógico, cumpre repelir mencionada restrição. O Juiz aplica lei constitucional e deve recusar as que afrontam aos princípios da Constituição da República." (BOLETIM DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, n. 35, p. 16).

Segundo Damásio E. de JESUS:

"A lei nova que transforma um crime de ação penal pública incondicionada em condicionada à representação, embora envolva temas de processo, é de natureza PENAL MA TERIAL, retroagindo. O não exercício do direito de representação no prazo legal gera a decadência, causa extintiva da punibilidade, MATÉRIA PENAL." (in BOLETIM DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, n. 35, p. 13).

Alberto Silva FRANCO também leciona que:

"A matéria deve ser cuidada com cautela, sem precipitações, nem preocupações personalistas. As regras penais mais favoráveis inseridas na Lei n. 9.099/95 têm aplicação imediata, por força do inciso XL do art. 5º da Constituição Federal." (BOLETIM DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, n. 35, p. 9).

Ada Pellegrini GRINOVER, novamente, sustenta que:

"Como visto, configuram de caráter preponderantemente penal as regras contidas nos arts. 74, parágrafo único, 76, 88 e 89.

"Esses dispositivos, por beneficiarem o acusado, aplicam-se retroativamente, devendo o juiz de Primeira Instância rever os processos pendentes, para que sobre eles incidam as normas supra-indicadas. Da mesma forma, os Tribunais baixarão os processos pendentes ao primeiro grau de jurisdição, para aplicação das referidas disposições às situações jurídicas em andamento." (BOLETIM DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, n. 35, p. 4-5)."

O e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina possui o mesmo entendimento quanto à retroatividade da Lei, conforme observa-se nas seguintes Apelações Criminais: Apelação Criminal n. 31.760, de Timbó, Rei. Des. Jorge MUSSI, 2ª Câmara Criminal, in DJSC n. 9.452, de 03.04.96, p. 14; Apelação Criminal n. 32.662, de Joinville e Apelação Criminal n. 33.864, de Taió, ambas do Relator Des. Aloysio de Almeida GONÇALVES, in DJSC n. 9.461, de 18.04.96. p. 9).

O supracitado artigo. portanto, é inconstitucional, pois infringe o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna, da qual dispõe que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Sendo assim, trata-se de letra morta. frente ao princípio consagrado da aplicabilidade da lex mitior, e. conforme exposto retro, seria aplicável na esfera de abrangência do Direito Eleitoral.

BIBLIOGRAFIA

GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1996.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais e alternação à pena de prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

PAZZAGLINI FILHO, Marino et. al. Juizado especial criminal. São Paulo: Atlas, 1996.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias et. al. Comentários a lei dos juizados especiais cíveis e criminais. Revistas dos Tribunais: São Paulo, 1995.

BOLETIM DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, v. 35.

Juiz de Direito e Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 3, n. 1 (jan./jun.1996).

 

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