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A constitucionalidade das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e o seu controle

Por: Felícita Sousa Valverde / Felícita Sousa Valverde

1 Introdução

O Poder Judiciário brasileiro é composto, dentre outros órgãos, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja função específica é exercer o controle do processo eleitoral, a fim de possibilitar o exercício dos direitos políticos (art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

De acordo com os ensinamentos de Afrânio Filho (1998, p. 36-37), entre as competências da Justiça Eleitoral (as quais não estão delineadas num dispositivo específico da Constituição – o art. 121 do texto constitucional remete o assunto à lei complementar –, mas, sim, na legislação infraconstitucional, especialmente no Código Eleitoral) encontramos a competência normativa, que pode ser:

a) funcional, como ocorre quando o TSE e os TREs elaboram os seus regimentos internos; e

b) eleitoral, na hipótese de fixação da data das eleições, quando não tiver sido fixada por lei.

No entanto, a competência normativa desdobra-se, ainda, em duas outras significativas: a consultiva e a de expedir instruções.

[...]

Por sua vez, a competência normativa de expedir instruções é cometida, de modo específico, ao TSE, para a edição de atos normativos de caráter genérico em assunto eleitoral.

Em nosso sistema, há inquestionável superioridade da Constituição – oriunda do poder constituinte – sobre as leis ordinárias e os atos, instruções ou quaisquer regulamentos expedidos, ou seja, existe uma hierarquia jurídica que se estende da norma constitucional às normas inferiores.

Para garantir a supremacia da Carta Magna, é necessário que haja um controle sobre as normas expedidas, o qual pode ser formal ou material.

Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 268-269):

O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado.

[...]

O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. [...]

É controle criativo, substancialmente político.

Sobre o tema ainda preleciona Gilmar Mendes (1990, p. 36):

A inconstitucionalidade material envolve o próprio conteúdo do ato impugnado, abrangendo não apenas eventual contradição entre a norma constitucional e o ato legislativo ordinário, mas também o chamado desvio ou excesso de poder legislativo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição Federal, o que, aos olhos de alguns, o torna um local em que muitos ambicionam atuar. Conseqüentemente, conforme Paulo Bonavides (2000, p. 268):

[...] o controle acarreta dificuldades consideráveis, em razão de conferir ao órgão incumbido de seu desempenho um lugar que muitos têm por privilegiado, um lugar de verdadeira preeminência ou supremacia, capaz de afetar o equilíbrio e a igualdade constitucional dos poderes.

No tema proposto, esse controle pode ficar comprometido pela composição do órgão controlador e do órgão controlado, já que o STF é composto, em parte, por juízes que integram o TSE.

Daí ser importante que se observe a necessária imparcialidade nas decisões emanadas por aquele órgão, característica que poderia ser abalada pela semelhança de composição das Cortes Superiores.

Deve-se verificar se há limites ao poder de regulamentação do TSE e, caso existam, qual a maneira de controlar o cumprimento de tais limites.

2 O poder regulamentador do Tribunal Superior Eleitoral

Entre os órgãos do Poder Judiciário brasileiro, encontramos o TSE, cuja função específica é controlar o processo eleitoral.

Para Montesquieu (1990, p. 133):

Existem em cada estado três espécies de poder; o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Pela primeira, o príncipe ou o magistrado cria as leis para um tempo determinado, ou para sempre, e corrige ou revoga aquelas que já se acham feitas. Pela segunda, determina a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, evita invasões. Pela terceira, pune os crimes ou julga as questões dos particulares. Chamar-se-á esta última, o poder de julgar e a outra, simplesmente, o poder executivo do Estado. [...] Quando numa só pessoa, ou num mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo se acha reunido ao poder executivo, não poderá existir a liberdade, porque se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não existirá também liberdade quando o poder de julgar não se achar separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria o legislador. E, se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor.

Percebe-se, então, que a separação de poderes, conforme Montesquieu, é meio de controle do efetivo cumprimento da lei. Cada órgão desempenha uma função predominante – função executiva, legiferante ou jurisdicional –, mas não exclusiva.

Depreende-se dos ensinamentos de Adriano Costa (2002, p. 318) que:

À Justiça Eleitoral, portanto, foi confiada não apenas a resolução dos conflitos de interesses surgidos no prélio eleitoral, mas também a competência para organizar e administrar o processo eleitoral, além da função de editar regulamentos normativos para as eleições. Assim, a Justiça Eleitoral exerce uma atividade administrativo-fiscalizadora das eleições, compositiva de conflitos e legislativa.

Assim, uma das atribuições do TSE é a função normativa, prevista nos arts. 1º, parágrafo único, e 23, IX, da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, Código Eleitoral, e no art. 105 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, Lei das Eleições, de suma importância para o andamento do processo eleitoral.

De acordo com Edson Castro (2004, p. 48), essa função normativa foi objeto de exame pelo próprio TSE, o qual decidiu que suas resoluções têm força de lei ordinária (Recurso Eleitoral n. 1.943, do Rio Grande do Sul).

Antes de emitir as resoluções, o TSE deve realizar audiência pública para ouvir previamente os delegados dos partidos participantes do pleito, conforme preleciona Olivar Coneglian (2004, p. 370).

Suzana Gomes (1998, p. 174) ensina que as resoluções emanadas do TSE têm caráter cogente e integram a legislação eleitoral.

O tema em pauta, qual seja o poder normativo do TSE, tornou-se bastante atual com a entrada em nosso ordenamento jurídico da Lei n. 11.300, de 1º de maio de 2006, e com a edição da Resolução TSE n. 22.205, de 23 de maio de 2006.

No desenvolvimento dessa função, alguns pontos devem ser analisados.

2.1 Hierarquia das leis

Acima de todas as leis encontra-se a Constituição Federal, arcabouço dos direitos e garantias individuais. As leis infraconstitucionais trazem normas; contudo não podem estas ser interpretadas isoladamente sem que se tenha em mente os princípios trazidos na Carta Magna.

Nosso ordenamento jurídico é caracterizado por uma peculiar e constante inserção de novos dispositivos, o que muitas vezes pode implicar a ocorrência de colisões normativas reais ou aparentes.

Ao deparar-se com um suposto conflito normativo, deve-se verificar se há, ou não, uma antinomia aparente, ou seja, se o conflito pode ser sanado utilizando-se o critério hierárquico, cronológico ou da especialidade.

De acordo com Norberto Bobbio (1995, p. 203):

O princípio, sustentado pelo positivismo jurídico, da coerência do ordenamento jurídico, consiste em negar que nele possa haver antinomias, isto é, normas incompatíveis entre si. Tal princípio é garantido por uma norma, implícita em todo ordenamento, segundo a qual duas normas incompatíveis (ou antinômicas) não podem ser ambas válidas, mas somente uma delas pode (mas não necessariamente deve) fazer parte do referido ordenamento; ou, dito de outra forma, a compatibilidade de uma norma com seu ordenamento (isto é, com todas as outras normas) é condição necessária para a sua validade.

O critério hierárquico é baseado na superioridade de uma norma sobre a outra. A de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação às de nível mais baixo. Por exemplo, um conflito entre uma lei e uma resolução ou entre a Constituição Federal e uma lei implica a aplicação da norma de nível hierárquico mais alto, não havendo que se falar em antinomia, já que esta será apenas aparente.

Conforme Hans Kelsen (2001, p. 109 e 112):

A unidade do ordenamento jurídico, construído de modo escalonado, parece estar em questão, uma vez que uma norma de grau inferior não corresponde a uma norma de grau superior determinante, seja em sua produção seja em seu conteúdo, ou seja, quando é contrária à determinação que constitui a supra e a infra-relação do ordenamento. É o problema da norma contrária à norma, que se apresenta aqui: a lei inconstitucional, o regulamento, a sentença ou o ato administrativo contrários à lei ou ao decreto.

[...]

A “norma antinorma” ou é apenas anulável, ou seja, uma norma válida até sua anulação e, portanto, norma regular; ou é nula e, então, não é norma. O conhecimento normativo não tolera nenhuma contradição entre suas normas do mesmo sistema. O possível conflito entre duas normas válidas de graus diversos é solucionado pelo próprio direito. A unidade no escalonamento do ordenamento jurídico não é comprometida por nenhuma contradição lógica.

Já pelo critério cronológico, deve-se verificar qual a norma, pertencente ao mesmo escalão, editada em último lugar, pois terá supremacia sobre as anteriores.

Uma lei vige de sua publicação à sua revogação, ou até o prazo estabelecido para sua validade – leis temporárias –, subordinando a seus preceitos todos aqueles que por ela são alcançados.

Da Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – (NEGRÃO, 2001, p. 27-28), extrai-se:

Art. 2º   Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º   A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

 Assim, a norma mais recente, como regra geral, revoga a anterior naquilo em que disponha de modo diverso.

Pelo critério da especialidade, deve-se verificar se a norma tem caráter geral ou especial.

Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes (DINIZ, 2002, p. 74).

As resoluções do TSE compõem o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não serem leis no sentido formal, uma vez que não estão sujeitas ao processo legislativo. Ao editá-las, o TSE está apenas exercendo sua função normativa delegada pelo próprio Poder Legislativo.

No presente estudo, o critério a que se deve dar ênfase é o hierárquico.

2.2 Atos editados pelo TSE

No Código Eleitoral e na Lei das Eleições há previsão de função regulamentar da Justiça Eleitoral, por meio do TSE, haja vista a não-auto-aplicabilidade de algumas normas.

Assim, o TSE age para aclarar o ordenamento jurídico-eleitoral, o que permite que a norma passe a ter eficácia.

Com essa finalidade, aquela Corte edita instruções, as quais necessariamente devem ser obedecidas – poder vinculante e com força de regra geral.

De acordo com Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 49):

São normas relativas ao processo eleitoral propriamente dito as Resoluções que tratam: do calendário eleitoral; de pesquisas eleitorais; da arrecadação, aplicação e prestação de contas de recursos financeiros nas campanhas eleitorais; das convenções partidárias e registro de candidatura; da propaganda eleitoral e condutas vedadas ao agentes públicos; dos atos preparatórios; da recepção e fiscalização dos votos e garantias eleitorais; da proclamação dos resultados e diplomação dos eleitos; das reclamações e representações relativas ao descumprimento da Lei Eleitoral, dentre outras.

Cabe destacar que as instruções oriundas do TSE possuem caráter abstrato, tendo por finalidade interpretar, além do Código Eleitoral, as leis esparsas que integram o ordenamento jurídico sobre a matéria.

Extrai-se da doutrina de Thales Cerqueira (2004, p. 142):

As resoluções dos Tribunais Eleitorais servirão para dirimir eventuais dúvidas em aplicação das leis citadas, estabelecer critérios para os procedimentos adotados em cada região, autorizado expressamente o Tribunal Superior Eleitoral pelo art. 105, caput, da Lei 9.504/97.

Mas há limitação a esse poder regulamentador do TSE, conforme veremos a seguir.

2.3 Limites ao poder regulamentador do TSE

Quando o TSE expede suas resoluções, apenas cumpre o que está disposto no Código Eleitoral – art. 23 – IX, e no art. 105 da Lei das Eleições, onde está previsto que compete àquele órgão expedir as instruções normativas que julgar convenientes à execução destas leis.

Esse poder regulamentar está sujeito a limites e não poderia ser de outra forma. São eles:

a) Limite temporal

O art. 105 da Lei n. 9.504/1997 determina que o TSE expeça instruções necessárias à sua execução. Contudo, isso deve se dar até o dia 5 de março do ano em que se realizar o pleito eleitoral, esse o limite temporal.

Joel Cândido (2003, p. 555) comenta que:

A data de 5 de março do ano da eleição é o termo ad quem para a providência determinada neste artigo, nada impedindo – e sendo até recomendável – que o TSE baixe as resoluções que tiver que editar o mais breve possível, sem prejuízo da boa edição dos textos e da correção do processo eleitoral.

Vê-se, assim, que o marco final para a edição de instruções para o pleito é o dia 5 de março do ano em que este se realizar, mas pode o TSE antecipar esta providência. Nesse sentido, os ensinamentos também de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 78).

b) Limite formal

No entendimento de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 81), as normas emitidas pelo TSE devem assumir a forma de instrução, conforme compreensão do art. 23, XI, do Código Eleitoral.

Desta forma, o TSE expede suas instruções por meio de resoluções.

c) Limite material

Esse limite está relacionado com o conteúdo das instruções, as quais devem esclarecer, tornar aplicável o que já está estabelecido na lei. Ou seja, não pode inovar, criar ou extrapolar a lei.

Já decidiu o STF que, dentro do limite material, deve-se observar o princípio da razoabilidade (ADI n. 1.407-2).

Contudo, o TSE, em diversas oportunidades, extrapola os limites antes delineados, criando novas regras “que apresentam em geral nítido conteúdo legislativo, às vezes mesmo até alterando textos de leis”, de acordo com Tito Costa (2000, p. 37).

Parece, então, que a expressão “expedir instruções que julgar convenientes” não é adequada, uma vez que o TSE não pode extrapolar o que já está dito em lei, mas apenas aclarar, dar instruções que visem à fiel execução da lei eleitoral.

Sempre que ocorre excesso na edição de suas resoluções, há uma violação da Constituição Federal. Baseado nisso é que se verifica a necessidade de haver um controle sobre as normas editadas pela colenda Corte Eleitoral.

Importante observar que nem todo ato normativo advindo do TSE pode ser objeto de controle direto de constitucionalidade. O STF tem rejeitado a possibilidade do exercício desse controle mediante ação, em face de decreto regulamentador – regulamento propriamente dito –, cujo teor deve ter por finalidade a fiel execução da lei, e não a sua inovação, considerando que aí a questão é de legalidade e não de constitucionalidade.

Nesse sentido a ADI n. 2.243/DF:

O controle concentrado de constitucionalidade pressupõe descompasso de certa norma com o Texto Fundamental, mostrando-se inadequado para impugnar-se ato regulamentador [...]. [http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.]

Noutra vertente, o STF tem aceito o controle de constitucionalidade mediante ação no caso de decreto dito autônomo, qual seja, aquele que ultrapassa os limites da lei que pretende regular .

3 Controle de constitucionalidade

Ao exercer sua função normativa, o TSE, por diversas ocasiões, acaba extrapolando os limites desse poder regulamentador.

Nesse sentido os comentários de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 78):

O Tribunal Superior Eleitoral tem sido constantemente censurado. As críticas, em sua maioria, apontam para a exorbitância dos limites de sua atuação normativa e invasão de reserva legal, e até constitucional.

Para exercer um controle que verifique se ao editar uma norma o TSE observou os limites antes referidos, é necessário que exista um órgão fiscalizador. Esse órgão é o STF – no caso do controle concentrado –, conforme veremos a seguir, que é a forma de controle que nos interessa neste estudo.

Segundo Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 71) “as Resoluções dos Tribunais Eleitorais podem ser alvo do controle de constitucionalidade, pois se enquadram no conceito de ato normativo descrito no art. 102, I, ‘a’, da Constituição Federal”.

Cabe relembrar a não-aceitação pelo STF do exercício do controle de constitucionalidade mediante ação no caso de decreto regulamentador, considerando que aí a questão é de legalidade e não de constitucionalidade.

Recentemente, na ADI n. 3.685-8, que tratou da verticalização, esse entendimento ficou evidenciado na transcrição de trechos das ADIs n. 2.626 e 2.628, ambas de relatoria originária do eminente Ministro Sydney Sanches, as quais não foram conhecidas tendo em vista a natureza secundária, interpretativa e regulamentar da Instrução atacada. Extrai-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO 1º DO ARTIGO 4º DA INSTRUÇÃO N. 55, APROVADA PELA RESOLUÇÃO N. 20.993, DE 26.02.2002, DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. ART. 6º DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES DE 2002. COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º, II E LIV, 16, 17, § 1º, 22, I E 48, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE.

Tendo sido o dispositivo impugnado fruto de resposta à consulta regularmente formulada por parlamentares no objetivo de esclarecer o disciplinamento das coligações tal como previsto pela Lei 9.504/97 em seu art. 6º, o objeto da ação consiste, inegavelmente, em ato de interpretação. Saber se esta interpretação excedeu ou não os limites da norma que visava integrar, exigiria, necessariamente, o seu confronto com esta regra, e a Casa tem rechaçado as tentativas de submeter ao controle concentrado o de legalidade do poder regulamentar. Precedentes: ADI n. 2.243, Rel. Min. Marco Aurélio, ADI n. 1.900, Rel. Min. Moreira Alves, ADI n. 147, Rel. Min. Carlos Madeira. (http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.)

3.1 Atribuições do Supremo Tribunal Federal

A Constituição Federal, em seu art. 102, estabelece que, entre outras atribuições, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”, exercida sob tríplice aspecto: originária, em grau de recurso ordinário e em grau de recurso extraordinário.

Compete, então, ao STF garantir que toda norma esteja de acordo com a Constituição Federal, pois, caso contrário, deve ser banida, ainda que em parte, de nosso ordenamento jurídico.

Para tanto, prevê a Constituição formas e espécies de controle, conforme veremos a seguir.

3.2 Formas de controle de constitucionalidade

A idéia de controle de constitucionalidade está ligada à supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Controlar a constitucionalidade significa verificar a compatibilidade de uma lei ou de um ato normativo (decreto, resolução, etc.) com a Constituição, verificando seus requisitos formais, materiais e temporais.

3.3 Espécies de Controle

a) Preventivo: quando a pretensão é impedir que alguma norma maculada pela inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico; e

b) Repressivo: quando a pretensão é expurgar a norma editada em desrespeito à Constituição.

Tradicionalmente e em regra, no direito constitucional pátrio, o Judiciário realiza o controle repressivo de constitucionalidade, ou seja, retira do ordenamento jurídico uma lei ou ato normativo contrários à Constituição.

Depreende-se da doutrina de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 71) que, uma vez que as Resoluções do TSE não são editadas segundo o rito legislativo próprio das leis em sentido estrito, submetem-se apenas ao controle repressivo.

Há dois sistemas ou métodos de controle judiciário de constitucionalidade repressivo. O primeiro denomina-se concentrado (via de ação), e o segundo, difuso (via de exceção ou defesa).

O controle difuso, também conhecido como controle por via de exceção ou defesa, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal de realizar, no caso concreto, a análise sobre a compatibilidade de uma norma jurídica considerada com a Constituição. É próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E, ao fazê-lo, em caso de contradição, deve ser respeitada a Constituição, negando-se o uso de norma que a contradiga.

Caracteriza-se, o controle difuso, principalmente pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e, para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, pois, objeto principal da ação.

O efeito da declaração, portanto, vale somente entre as partes – inter partes.

Já por meio do controle concentrado, ou por via de ação direta, procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, independentemente do caso concreto. São várias as espécies de controle concentrado contemplados pela Constituição:

a)    Ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, “a”);

b)    Ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);

c)    Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º);

d)    Ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, “a”, parte final; EC n. 03/1993);

e)    Argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º; EC n. 3/1993).

Sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispõe a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Segundo seu art. 28, parágrafo único, a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

A Constituição de 1988 ampliou a legitimação para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão (art.103), que antes só pertencia ao Procurador-Geral da República. Agora, além dele, cabe também ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas dos Estados, aos Governadores de Estado e do Distrito Federal (Emenda Constitucional n. 45/2004), ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político com representação no Congresso Nacional e à confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Então, como já visto, quando o TSE edita uma resolução, ela fica sujeita ao controle de constitucionalidade, sendo que o controle que ora nos interessa é aquele efetuado pelo STF – o órgão máximo do Judiciário brasileiro.

Ainda nessa esteira, cabe lembrar que o STF, além do tradicional controle direto exercido, pode  também realizar controles difusos, quando aprecia recursos ordinários ou extraordinários.

4 Composição do STF x composição do TSE

O STF, com sua sede na capital federal e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos com mais de 35 anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Já a Justiça Eleitoral não possui quadro próprio de magistrados, compondo-se, então, de juízes advindos de diversas carreiras da magistratura, bem como de diversos graus hierárquicos.

Acerca da composição da Justiça Eleitoral, comenta Suzana Gomes (1998, p. 86) que:

Há, assim, uma composição heterogênea, apesar de centrada no próprio Judiciário, a quem compete, inclusive, indicar os que irão funcionar como Juízes e que são oriundos da advocacia, para que, então, com base nessas listas, o Presidente da República venha a proceder a nomeação.

O TSE, que é o órgão maior da Justiça Eleitoral – um dos ramos especializados da Justiça Federal –, é composto por sete ministros, sendo dois oriundos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois advogados indicados pelo STF e nomeados pelo presidente da República e mais três dentre os ministros que integram o STF, sendo esta última composição a de nosso interesse neste estudo.

Observa-se que há alguma coincidência na composição dos dois Tribunais, já que três membros integram ambas as Cortes, o que pode parecer um obstáculo ao desempenho fiel da função de guardião da Constituição quando se tratar de análise acerca da constitucionalidade das resoluções do TSE.

Sobre o tema, os ensinamentos de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 72):

A declaração de inconstitucionalidade das instruções normativas do Tribunal Superior Eleitoral encontra um óbice de ordem fática. Isso porque, no momento em que são elaboradas, passam pelo crivo de três ministros do Supremo Tribunal Federal, que, por força de dispositivo constitucional, também compõem o Tribunal Superior Eleitoral.

Entretanto, é notório que o magistrado deve assumir determinadas condutas pessoais, profissionais e éticas, dando-se por impedido ou suspeito, se for o caso, conforme veremos a seguir.

4.1 Conduta do juiz

Como bem escreveu Sidnei Beneti (1997, p. 23), “o juiz deve zelar pela dignidade do Judiciário”. Também nos ensina o mesmo autor (1997, p. 44) que “o bom serviço eleitoral se arrima na serenidade e na eqüidistância do juiz”.

Os deveres do juiz decorrem da lei. As prescrições estão contidas na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura, nas normas processuais federais, nas constituições dos Estados, nas leis de organização judiciária e nas normas administrativas dos Tribunais.

Conforme Sidnei Beneti (1997, p. 168), são deveres jurisdicionais gerais:

1º Motivação das decisões (CF, art. 93, IX). 2º Publicidade da atuação (CF, art. 93, IX). 3º Vedação de recebimento por processo (CF, art. 95, parágrafo único), II; LOMAN, art. 26, II, b). 4º Correcionalidade de subordinados (LOMAN, art. 35, VII).

Dos deveres jurisdicionais gerais tem-se que o magistrado não deve submissão a nenhuma hierarquia, ainda que seja diretriz de tribunal, ou à jurisprudência, sendo inadmissível que dê satisfações acerca de suas decisões, a não ser a motivação da sentença.

O juiz possui deveres éticos, os quais são inerentes a um profissional bem formado. Daí surgem alguns deveres que primam pela imparcialidade, quais sejam: sentimento de justiça, firmeza no decidir, independência, prudência, senso crítico, obediência à lei, reta intenção, desvinculação, imagem pública de ser comprometido com a justiça, distância político-partidária, motivação das decisões e necessidade de ver cumprida a justiça.

O juiz jamais pode se permitir influenciar por meio de comprometimentos e envolvimentos com partes interessadas na decisão, devendo desvincular-se completamente do poder dos ocupantes de cargos políticos, imprensa, grupos econômicos, religiosos ou sociais. Ou seja, o juiz deve ser independente.

4.2 Impedimento e suspeição do magistrado

Como já dito, a imparcialidade do juiz é pressuposto da atividade jurisdicional.

Segundo Vicente Greco (2006, p. 234-235), a imparcialidade pode ser de dois aspectos:

A imparcialidade pode ser examinada sob um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo. No aspecto objetivo, a imparcialidade se traduz na eqüidistância prática do juiz no desenvolvimento do processo, dando às partes igualdade de tratamento.

[...]

O juiz, que de qualquer modo esteja vinculado à causa, por razões de ordem subjetiva, tem comprometida a sua imparcialidade e, portanto, não deve atuar no processo. As razões que comprometem, ou, pelo menos, colocam em risco a imparcialidade do juiz são as razões de impedimento e de suspeição, conforme relacionadas no Código.

As hipóteses de impedimento do magistrado estão relacionadas no art. 134 do Código de Processo Civil e, as de suspeição, no art. 135 do mesmo diploma legal.

O juiz que se achar impedido ou suspeito deve assim declarar-se, sob pena de ser recusado por qualquer das partes.

Dessa forma, questiona-se se o magistrado que compõe o STF e que perante o TSE tenha atuado quando da aprovação em plenário de resolução acerca de matéria eleitoral deveria declarar-se impedido ou suspeito quando esta for objeto de controle de constitucionalidade em abstrato pela mais alta Corte do Judiciário brasileiro, sob pena de ferir o princípio da imparcialidade, já que esta pode ser colocada sob suspeita em virtude da atuação do ministro do STF na elaboração do ato impugnado – resolução do TSE.

4.3 Entendimento do STF

A edição da Lei n. 11.300/2006 provocou a interposição de ações diretas de inconstitucionalidade – ADIs n. 3.741, n. 3.742 e n. 3.743 –, ao argumento de ter sido desrespeitado o art. 16 da Constituição Federal. Segundo esse dispositivo, “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Os ministros do STF entenderam que as alterações realizadas pela minirreforma eleitoral não modificam o processo eleitoral, mas têm apenas caráter procedimental, a fim de tornar mais igualitária a disputa eleitoral, nos termos do voto do relator, Ricardo Lewandowski, o qual também integra o TSE. (ADI n. 3.741, de 6 de setembro de 2006.)

A Resolução TSE n. 22.205/2006, que conferiu aplicação imediata a algumas das regras contidas na Lei n. 11.300/2006, foi implicitamente atacada pela ADI n. 3.741. Na oportunidade, pronunciou-se o TSE acerca da hipótese de impedimento ou suspeição de alguns de seus ministros. Do voto extrai-se:

Assim, convém assentar, desde logo, que inexiste qualquer óbice a que os Ministros desta Corte, que subscreveram a Resolução em tela no Superior Tribunal Eleitoral, participem deste julgamento. Isso porque, segundo a jurisprudência do Supremo, não se aplicam ao controle normativo abstrato os institutos do impedimento e da suspeição contemplados no Código de Processo Civil, pois estes, em nosso ordenamento jurídico, restringem-se exclusivamente aos processos subjetivos, ou seja, àqueles que envolvam interesses individuais e situações concretas. Tal entendimento encontra-se consolidado na Súmula 72 do STF. [http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.]

O voto do relator baseou-se na decisão proferida na ADI n. 3.345, onde o tema já havia sido abordado. Vejamos:

Cabe verificar, desse modo, se os eminentes Ministros desta Suprema Corte que, na condição de membros integrantes do TSE, subscreveram a Resolução ora impugnada dispõem, ou não, de condições jurídico-legais para participar do julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Tenho para mim que inexiste, em relação aos eminentes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, ELLEN GRACIE e CARLOS VELOSO qualquer situação de incompatibilidade que os impeça de exercer as suas funções jurisdicionais no exame da presente ação direta, eis que é prevalecente, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento jurisprudencial quanto à inaplicabilidade, ao processo de controle normativo abstrato, dos institutos do impedimento e da suspeição.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, embora prestando informações no processo, e os membros desta Corte, integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, que subscrevem o ato impugnado não estão impedidos de participar de julgamento de ações diretas nas quais seja questionada a constitucionalidade, “in abstracto”, de resoluções emanadas daquela Egrégia Corte Eleitoral. [http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.]

Registra, ainda, o relator, em seu voto, que o mesmo entendimento já havia sido adotado nas ADIs n. 2.243/DF, n. 2.626/DF, n. 2.628/DF e n. 2.321/DF.

Parece, então, consolidado no STF o entendimento de que a similitude em parte da composição do STF e do TSE não acarreta impedimento ou suspeição na participação dos Ministros deste último, integrantes também do STF, no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade propostas em razão da edição de resoluções por parte da Corte Eleitoral, uma vez que não há, nesse caso, uma relação jurídica concreta, mas apenas estará sendo julgada a validade do ato normativo em tese.

Mas essa semelhança pode trazer dúvidas quanto a um eventual prejuízo no julgamento, já que poderia ser preterido o princípio da imparcialidade do magistrado nas decisões.

4.4 Imparcialidade das decisões

O Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, julga diariamente temas polêmicos.

Um ponto importante a ser abordado é o fato de o Poder Judiciário julgar a si próprio, principalmente nas ações diretas de inconstitucionalidade contra decisões e resoluções emanadas do TSE. Ações desse tipo levadas a julgamento pelo STF poderiam ser inócuas, por se tratar de órgão do mesmo Poder diretamente interessado no resultado da demanda, ainda mais se considerarmos que três dos membros compõem ambos os Tribunais.

Cabe destacar que as decisões do STF são finais, já que não há outro órgão que as possa rever.

Não podemos esquecer, também, que os ministros do STF são nomeados pelo presidente da República, o que poderia torná-los suscetíveis a decisões parciais, influenciadas pela “gratidão” do cargo ao chefe do Poder Executivo.

No entender de Alexandre de Moraes (2005, p. 484) “alterações na forma de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal seriam importantes para a preservação de sua legitimidade e a ampliação de sua independência e imparcialidade, tornando-o, efetivamente, um dos órgãos de direção do Estado”.

Contudo, jamais podemos esquecer a premissa de que a imparcialidade é inerente à condição da magistratura, conforme visto anteriormente.

A função do juiz é dizer o que é verdadeiro ou falso, o que é certo ou errado, o que deve e o que não deve ser juridicamente valorado, o que está ou não conforme a lei e o Direito, o que é justo ou injusto. E essa função somente será plena se estiver sujeita à lei, e somente a ela. Para tanto, o magistrado deve estar alheio aos sujeitos da causa e ao poder político.

O juiz tem o dever de ser isento e imparcial. Ele responde perante sua consciência por suas decisões.

5 Considerações Finais

O legislador conferiu à Justiça Eleitoral a função atípica de regulamentar a legislação eleitoral, tendo as instruções do TSE, por finalidade, dar eficácia às normas eleitorais, sejam elas constitucionais ou legais, disciplinando-lhes os detalhes.

O poder de regulamentar as leis, em regra, pertence ao presidente da República; todavia este tem interesse político nas eleições, o que poderia importar na dificuldade de isenção para o exercício de tal atribuição.

Dessa forma, parece que, em matéria eleitoral, o único a legislar deveria ser o Judiciário, que não está inserido entre os interessados, ou seja, não é titular de mandato eletivo. Por outro lado, o julgador não hauriu sua legitimidade a partir do voto popular, devendo o Judiciário simplesmente aplicar a norma.

Mas, no caso das normas em branco, ao Judiciário cabe definir a esfera de aplicação dos mandamentos ali contidos; deve estabelecer limites, sem que isso implique interferência na esfera de competência do Poder Executivo, buscando apenas a lisura do processo eleitoral.

Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 94-95) ensinam que:

[...] quando o legislador concedeu a função regulamentar à Justiça Eleitoral, criou uma forma de limitação de poder, sem que isso implicasse numa interferência indevida do Judiciário na esfera de competência de outro Poder, porquanto o fim a ser alcançado é assegurar a liberdade política dos eleitores e a lisura do processo eleitoral. Para atingir essa finalidade, a Justiça Eleitoral precisa exercer as atividades administrativa e normativa.

Há limites ao poder normativo do TSE. Limites constitucionais, legais e principiológicos – princípio da igualdade, da separação de poderes e da razoabilidade (Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva, 2004, p. 98).

Assim, há controle sobre as normas emanadas do Judiciário, a fim de que não ocorra violação à Constituição Federal.

Ocorre que, quando o STF efetua esse controle, a norma passa pelo exame de três ministros do Supremo Tribunal Federal, que também compõem o TSE, o que leva ao questionamento acerca da imparcialidade das decisões.

Entende o STF que não estão sujeitos a impedimento ou suspeição os ministros que também compõem a Corte Eleitoral. Ora, não havendo partes propriamente ditas, nem interesses subjetivos, considera-se acertado tal entendimento.

Um bom juiz, nos dizeres de Sidnei Beneti (1997, p. 226), “não será um ser perfeito, mas basta que seja perfeito modelo de ser humano, com o feixe de virtudes a largamente ultrapassar o elenco de defeitos e que, na atividade jurisdicional, dedique-se com afinco à busca da Justiça”.

O magistrado deve ter plena consciência do importante papel que desempenha na sociedade, não permitindo deixar-se influenciar ao proferir suas decisões. Jamais pode esquecer que o objetivo maior do Direito é promover a justiça. Contudo, estabelecer o que é justo depende de inúmeros fatores, não somente da norma legal. Os princípios nunca poderão ser esquecidos, uma vez que são o cerne da norma jurídica.

A norma jurídica, por comportar diversas interpretações, mostra que o juiz não pode resumir sua função a aplicar a lei ao caso concreto. Para isso, deverá valer-se de paradigmas que lhe permitam tirar do texto o verdadeiro alcance da justiça.

O juiz, ao interpretar o Direito, deve recordar-se de que não serve ao Estado, mas sim à justiça. Assim procedendo, será a salvaguarda da democracia.

O juiz deve ser: imparcial, o que não significa ser neutro ou passivo (verdade real); comprometido com o ideal de justiça, e não com o Estado; independente; sensível, pois é ser humano; acessível; pacificador de conflitos; atento, sempre, às questões éticas.

Inquestionável o fato de que o Brasil merece ter sua Lei Maior respeitada, e, acima de tudo, julgada com a imparcialidade de ministros que tenham real mérito para ocupar tal cargo e estejam acima de quaisquer interesses políticos.

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Felícita Sousa Valverde. Servidora do TRESC, especialista em Direito Público e em Direito Eleitoral.

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Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, vol. 15, 2008.

 

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