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A competência da Justiça Eleitoral

Por: Rômulo Pizzolatti

1 Introdução

A competência da Justiça Eleitoral é um daqueles temas que os doutrinadores julgando que se trata do óbvio ou de caso há muito resolvido lhe dedicam não mais que um ou dois parágrafos. A jurisprudência tem ido pelo mesmo caminho. Assim. no julgamento do Conflito de Competência n. 19.321-MG (DJU. de 06.10.97), o Superior Tribunal de Justiça, para afastar a competência da Justiça Eleitoral, e cuidando que tratava de obviedade exibiu fundamento de uma só linha: "a competência da Justiça eleitoral só se caracteriza após o inicio do procedimento eleitoral". Não revelou as premissas dessa conclusão menos ainda deu a conhecer o que entende por "procedimento eleitoral" e por "início do procedimento eleitoral". E quando o aprofundamento do assunto é tentado dedicando-se maior número de linhas ao assunto. a solução resulta desastrada. como no Conflito de Competência n. 4.982-8-MT (DJU. de 18.04.94). em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que causa visando a obstar a posse dos candidatos já diplomados por suposta fraude eleitoral seria da competência da Justiça Estadual!

Em verdade, o óbvio não existe, nem há matérias definitivamente resolvidas, dado o caráter dialético do Direito. Por isso, o tema da competência da Justiça Eleitoral está a exigir tratamento rigoroso, aprofundado, crítico e inovador, superados os chavões com que se pretende afirmar ou afastar, nos casos concretos, a competência da Justiça Eleitoral, especialmente o de que "com a diplomação dos eleitos encerra-se a competência da Justiça Eleitoral".

No presente trabalho, tentar-se-á apontar o critério adequado para a determinação da competência da Justiça Eleitoral, mediante análise das balizas constitucionais dessa competência. Buscar-se-á, igualmente, fazer uma revisão critica da jurisprudência sobre o tema, a qual pouco tem contribuído para fixar, de modo seguro, as bases da competência da Justiça Eleitoral.

O presente artigo conecta-se a outro publicado nesta mesma revista (A natureza das atividades da Justiça Eleitoral. Resenha Eleitoral - Nova Série. Florianópolis, v. 4, n. 1. p. 25-34, jan./jun. 1997), inserindo-se, ambos, no contexto maior de uma Teoria Geral do Processo Eleitoral, que ainda está por ser elaborada pelos poucos juristas que se dedicam à investigação teórica desse outro ainda desconhecido - o Direito Eleitoral.

2 Natureza

A competência das justiças especializadas, no Brasil (eleitoral, trabalhista e militar), se determina ratione materiae (CF, arts. 111-24 ). "Matéria eleitoral", portanto, é o campo dentro do qual se move a Justiça Eleitoral. Mas a Constituição Federal não definiu, com contornos precisos, o que seja matéria eleitoral, remetendo à lei complementar essa tarefa (CF, art. 121, caput). Agiu similarmente no tocante à Justiça Militar, deixando à lei complementar definir a sua competência, que é julgar os "crimes militares definidos em lei" (CF , art. 124). A competência da Justiça do Trabalho, diferentemente, já veio bem demarcada na Constituição, abrangendo todos os litígios trabalhistas (relação de trabalho ou celetista, pouco importando se o empregador é pessoa de direito público ou privado, mesmo porque se trata de competência firmada ratione materiae, sem prejuízo de deixar à lei definir "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho", servindo de exemplo recente a Lei n. 8.984, de 1995.

3 Possibilidade de expansão. Limites à liberdade do legislador complementar.

Como a Constituição não estabeleceu contornos precisos para a competência da Justiça Eleitoral, como fez com a Justiça do Trabalho (CF, art. 114) ou com a Justiça Federal (CF, art. 109), deixando a sua concretização a cargo de lei complementar (CF, art. 121), o resultado é que essa legislação complementar poderá, sem incorrer em inconstitucionalidade, ampliar ou diminuir razoavelmente essa competência. Diz-se "razoavelmente", porque a lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade, não pode incluir na competência da Justiça Eleitoral demandas que seguramente não são eleitorais (p. ex., uma ação de cobrança de contribuição associativa movida por um partido contra um filiado), nem pode deixar de incluir na competência da Justiça Eleitoral demandas que seguramente são eleitorais (p. ex., a ação de impugnação do registro de candidatura). Se o fizesse, estaria quebrando a partilha da jurisdição, estabelecida pela Constituição Federal, ao prever várias justiças especializadas (eleitoral, trabalhista, militar) e duas justiças comuns (federal e estadual). Poderia a lei, a meu ver, incluir "razoavelmente" na competência da Justiça Eleitoral a demanda em que filiado não-candidato questiona a sua expulsão do partido político, se determinada essa expulsão em período em que já não é mais possível ao filiado migrar de partido para poder candidatar-se (Lei n. 9.504, de 1997, art. 9°, caput). Haveria, em tal hipótese, razoabilidade na lei porque, embora ainda não iniciado o "período eleitoral" propriamente dito (escolha dos candidatos em convenção), foi atingido de morte o direito de ser votado do cidadão (capacidade eleitoral passiva), vale dizer, o seu direito de participar, como candidato, das eleições. Julgando caso idêntico ao do exemplo, entendeu o TSE que, atingindo a sanção disciplinar o status de filiado, e, por isso, sua condição de elegibilidade, ao interessado estaria assegurada a competência da Justiça Eleitoral (MS n. 1.534-PR, Rel. p/o acórdão Min. Carlos VELLOSO, maioria de votos, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 5, n. 4, p. 82). De lege lata, a decisão do TSE não se sustenta, pois a matéria é partidária, não eleitoral, embora possa vir a ter reflexos eleitorais. Se não houver, como de fato não há, lei complementar que inclua expressamente a hipótese do exemplo nas atribuições da Justiça Eleitoral, a competência para conhecer da causa é induvidosamente da Justiça Comum Estadual. Não se podem confundir os planos de lege lata (descritivo) e de lege ferenda (prescritivo ).

4 Como se determina a competência da Justiça Eleitoral

A competência de qualquer órgão judiciário é sempre encontrada mediante a utilização sucessiva de critério de exclusão. Primeiro, é preciso determinar a Justiça constitucionalmente competente (a chamada "competência de jurisdição"). Essa operação exige que se parta da Constituição, começando-se pelo exame da competência das Justiças Especializadas, depois da Justiça Comum Federal e, por último, da competência da Justiça Comum Estadual. Se a competência não for de Justiça Especializada, pode ser da Justiça Comum Federal, e se desta ainda não for, será residualmente da Justiça Comum Estadual. Encontrada a Justiça constitucionalmente competente, num segundo momento são os códigos de processo e, num terceiro, as leis de organização judiciária que irão determinar o órgão judiciário a que afeto o julgamento da causa.

No caso da Justiça Eleitoral, a operação lógica de determinação de sua competência é mais simples que aquela necessária para afirmar que uma causa é da competência da Justiça Comum Estadual, caso em que se exigem sucessivas operações. A pergunta será sempre uma só: é matéria eleitoral, ou não? Se for, a competência será da Justiça Eleitoral. Contudo, tormentosa será a tarefa de determinar o que seja "matéria eleitoral", diante da possibilidade de a lei complementar expandir ou retrair a competência da Justiça Eleitoral (vide item 3 do presente trabalho). De qualquer modo, os juizes e tribunais eleitorais, quando verifiquem que o caso que lhes é submetido a julgamento não é de sua competência, terão sempre, por força do art. 113 do Código de processo civil, de fazer uma ou mais das operações lógicas de determinação de competência, para saber a que justiça e órgão judiciário remeter a causa. No Acórdão n. 14.906, de 11.03.98, o TRESC enfrentou essa questão, e assentou - depois do voto inicial do relator, que reconhecia a incompetência da Justiça Eleitoral e determinava a remessa dos autos á Justiça Estadual, por ser a matéria administrativa - que a matéria era trabalhista, pelo que cabia a remessa dos autos á Justiça do Trabalho.

5 Concretização da competência da Justiça Eleitoral pela legislação infraconstitucional

O art. 121 da Constituição Federal deixou á "lei complementar" dispor sobre "a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais". Como desde a promulgação da Constituição não foi editada lei que abarcasse toda essa matéria, continua valendo, por força do Principio da Continuidade da Ordem Jurídica, e com o status de lei complementar, o Código eleitoral, editado originalmente como lei ordinária (Lei n. 4.737, de 1965). No que trata especificamente de "organização e competência" da Justiça Eleitoral, o Código eleitoral só pode, portanto, ser revogado por lei complementar (Nery Júnior, Nelson & Nery, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 152-3). Por outro lado, e como demonstração do afirmado rio item 3 do presente estudo, a competência da Justiça Eleitoral sofreu expansão com a Lei Complementar n. 64, de 1990, que criou a Investigação Judicial Eleitoral - verdadeira "ação" que leva à declaração de inelegibilidade e à cassação do registro de candidatura -, e com a Lei Complementar n. 86, de 1996, que inovou instituindo ação rescisória, restrita embora aos casos de inelegibilidade.

6 Limites temporais na determinação da competência da Justiça Eleitoral

As eleições configuram um procedimento, que se sucede no tempo, e portanto tem um marco inicial e um marco final. Pacificaram-se doutrina e jurisprudência no sentido de que o termo final das eleições coincide com a diplomação dos candidatos (COSTA, Tito. Recursos em matéria eleitoral. 4. ed. São Paulo: RT, 1992. p. 32; FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 48). O que ocorresse a partir daí escaparia à competência da Justiça Eleitoral, que só se prorrogaria, excepcionalmente, em virtude de recurso contra a diplomação (Código eleitoral, art. 262). Reportando-se de forma expressa a este entendimento, têm decidido os Tribunais Superiores: a) cabe à Justiça Estadual processar demanda em que se discute a ordem de convocação de suplente (STJ, CC n. 9.534-RS, 1º Seção, Rel. Min. Hélio MOSIMANN, DJU, de 26.09.94; REsp. n. 29.117-SP, Rel. Min. Antônio de Pádua RIBEIRO, DJU, de 26.02.96, e JSTJ - TRF's, LEX, 82/140); b) não é da competência da Justiça Eleitoral julgar ação declaratória de perda de mandato por infidelidade partidária (STJ, CC n. 3.024-SC, Rel. Min. Peçanha MARTINS, DJU, de 24.05.93), visto que a perda de mandato é tema pertinente ao Direito Constitucional, federal ou estadual, estranho à competência da Justiça Eleitoral (TSE, Resolução n. 14.139-Consulta, Rel. Min. Carlos Mário VELLOSO, DJU, de 23.05.94); c) não compete à Justiça Eleitoral conhecer de ação civil pública que impugna o uso de recursos públicos para a promoção pessoal de ex-candidato já no exercício do mandato (STJ, CC n. 3.170-CE, Rel. Min. Garcia VIEIRA, DJU, de 27.09.93; CC n. 5.286-CE, Rel. Min. Garcia VIEIRA, DJU, de 04.10.93, RST J 56/20); d) não é da competência da Justiça Eleitoral conhecer de demanda que respeita à fixação do número de vereadores (STJ, REsp. n. 23.402-GO, Rel. Min. Garcia VIEIRA, DJU, de 06.09.93; TSE, REsp. n. 12.989-RS, Rel. Min. Antônio de Pàdua RIBEIRO, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 5, n. 2, p. 185). Pessoalmente, adiro às posições "b" a "d", mas guardo sérias reservas com relação à posição "a". Com efeito, se a demanda tem de ser decidida à luz da legislação eleitoral (Código eleitoral, art. 112; Lei n. 7.454, de 1985, art. 4°, caput, in fine), como deixar de reconhecer a competência da Justiça Eleitoral? Neste sentido foi a Resolução TSE n. 19.319, que conheceu de consulta sobre convocação de suplente (JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 7, n. 4, p.366).

O entendimento de que a diplomação dos candidatos esgota a competência da Justiça Eleitoral está a exigir, por conseguinte, as devidas distinções. Diplomados os eleitos, é certo que os fatos supervenientes escapam à competência da Justiça Eleitoral, mas fatos ocorridos até a votação e até mesmo durante a apuração dos votos não podem deixar de pertencer à competência da Justiça Eleitoral. O marco temporal da diplomação dos eleitos, portanto, pouco significa como critério determinante da competência: o que interessa é se os fatos dizem respeito às eleições, tomadas em sentido amplo (critério material).

Na prática, todavia, o critério temporal da diplomação dos eleitos acabava determinando a competência, se não interposto tempestivamente recurso contra o ato (Código eleitoral, art. 262). A diplomação tornava-se definitiva, e com isso a competência da Justiça Eleitoral se exauria. A Constituição de 1988 mudou esse quadro, ao criar a "ação de impugnação de mandato" por "abuso do poder econômico, corrupção ou fraude", a ser ajuizada nos quinze dias subseqüentes à diplomação (CF, art. 14, §§ 10 e 11). Com isso, expandiu-se temporal, mas não materialmente, a competência da Justiça Eleitoral, tomado como referente o ordenamento jurídico anterior à Constituição de 1988, já que neste só se previa o recurso contra a diplomação, interponível nos três dias subseqüentes a esta.

Não parou aí a dilatação temporal da competência da Justiça Eleitoral. A Lei Complementar n. 64, de 1990, trouxe a (ação de) Investigação Judicial Eleitoral, cujos efeitos variam conforme o momento em que for proferida a sentença de mérito: a) se prolatada antes do registro da candidatura, este não pode ser deferido; h) se prolatada depois, mas antes da diplomação, acarreta a cassação do registro; c) se proferida depois da diplomação, serve para instruir ação de impugnação de mandato; d) se proferida após decorrido o prazo da ação de impugnação de mandato, não serve mais para a desconstituição deste, mas torna o réu inelegível para as eleições que se realizarem nos três anos subseqüentes, considerada como termo inicial do prazo de inelegibilidade a eleição na qual ocorreu o ato impugnado ( Acórdão TSE n. 11.925, de 14.03.96, JURISP. DO TRIB. SUP. ELEIT., v. 8, n. 1, p. 156; Acórdão TSE n. 12.686, de 23.09.97, DJU, de 17.10.97), além de servir de prova para a ação penal por crime eleitoral. Portanto, não se pode mais dizer, como alguns julgados ainda mecanicamente repetem, que a competência da Justiça Eleitoral se esgota com a diplomação dos eleitos: após essa diplomação, a Justiça Eleitoral ainda pode declarar inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos três anos subseqüentes, como também pode deflagrar processo penal por crime eleitoral.

Diante do exposto, é preciso fazer-se a seguinte distinção: a competência da Justiça Eleitoral, relativamente às eleições, e no exercício da chamada jurisdição voluntária, termina efetivamente com a diplomação dos eleitos. Todavia, interposto recurso contra a diplomação, ou proposta ação de impugnação de mandato, deflagra-se jurisdição eleitoral-contenciosa, conforme demonstrei em outro escrito (A natureza das atividades da Justiça Eleitoral, Resenha Eleitoral - Nova Série, v. 4, n. 1, p. 33).

Portanto, esgotados os lapsos de interposição de recurso contra a diplomação (três dias), de propositura de ação de impugnação de mandato (15 dias), e de propositura de ação de investigação judicial-eleitoral (possibilidade prática de eficácia da decretação de inelegibilidade), pode-se afirmar que a competência da Justiça Eleitoral encontrou seu termo final, relativamente às eleições findas.

Mas agora outra questão se coloca: qual o termo inicial da competência da Justiça Eleitoral, relativamente às novas e Aqui é que a controvérsia sobe de ponto. Em recente Conflito de Competência, travado entre juízo eleitoral e juízo estadual, tendo como objeto demanda em que se discutia a validade de convenção p, decidiu o Superior Tribunal de Justiça pela competência da Justiça Estadual, pois "a competência da Justiça Eleitoral só se caracteriza após o inicio do procedimento eleitoral" (CC n. 19.321 Seção, Rel Min. Ari PARGENDLER, DJU, de 06.10.9 especificou o acórdão o que seria o aventado "início do procedimento eleitoral", mas é possível concluir, por exclusão, que sei registro das candidaturas, e não a convenção em que os ca foram escolhidos. A matéria seria, pois, partidária, e não ainda eleitoral, sem prejuízo de que, de lege ferenda, fosse tal incluída na competência da Justiça Eleitoral, dada a sua cone a matéria eleitoral (vide item 3, supra, do presente artigo).

De tudo quanto vem de ser exposto pode-se concluir que alguns marcos temporais sirvam como instrumentos auxiliar reforço à determinação da competência da Justiça Eleitoral, decisivo e preponderante, ainda e sempre, é o da matéria.

7 A competência da Justiça Eleitoral como decorrência da tipicidade das ações eleitorais

Em voto que liderou a corrente majoritária no julgam 30.09.96, do Recurso Especial n. 13.456-PE, pelo Tribunal Eleitoral, o Min. Ilmar GALVÃO lançou tese interessante, que ser deixada fora de qualquer discussão sobre a competência (Eleitoral. Assentou ele, em resumo, que a comi jurisdicional-contenciosa da Justiça Eleitoral é provocada por meio de impugnações, representações e reclamações para solucionar incidentes contenciosos ligados à sua atividade básica, administração das eleições, compreendendo o alistar eleitores, registro das candidaturas, realização das recolhimento dos votos, apuração do resultado e proclamação e diplomação dos eleitos. Incluir-se-ia nessa competência o julgamento de recursos vários, de suspeições e impedimentos de juizes de conflitos de jurisdição, de crimes eleitorais, habeas corpus e de segurança. Afora esses casos, haveria apenas três autônomas" (na verdade, há mais um caso de ação autônoma eleitoral, a "ação rescisória" instituída pela LC n. 86, de 1996, que acrescentou a alínea "j" ao inciso I do art. 22 do Código eleitoral) postas à disposição dos interessados no âmbito da Justiça Eleitoral, chamadas embora de recurso, representação e impugnação, isto é, respectivamente: o recurso contra a expedição de diploma (Código eleitoral, art. 362), a representação para abertura de investigação judicial (LC n. 64, de 1990, art. 22) e a ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, § 10), todas porém voltadas estritamente à impugnação da eleição e, quando muito, do diploma e do mandato. Diante da tipicidade das ações, recursos e incidentes Eleitorais, conclui ele que "perante a Justiça Eleitoral não há espaço para propositura de ação de rito comum, manejável a critério de qualquer interessado, com vista à obtenção de sentença condenatória, constitutiva ou declaratória". Por via de conseqüência, afirmou que não era da competência da Justiça Eleitoral julgar "ação declaratória de nulidade de ato de agremiação partidária que deliberou no sentido da realização de intervenção em órgão municipal, da convocação de convenção e de formação de coligação".

Sem aderir de forma incondicional a essa tese - porque a experiência pode revelar situações em que matéria genuinamente eleitoral não se acomode aos recursos, incidentes ou ações eleitorais típicos -, cuido que, na prática, serve ela quando menos de indício seguro de que não é de matéria eleitoral que se trata. Um exemplo bem ilustra o que vem de ser afirmado. Determinado candidato, empregado da Administração Indireta, licenciado para concorrer às eleições, impetrou mandado de segurança contra gerente do órgão, impugnando o não-pagamento do seu salário, dado o entendimento, no âmbito da Administração, de que se tratava de licença não-remunerada. Cuidava-se, como se vê, de mandado de segurança atípico, pois não catalogado no art. 35 do Código eleitoral. Essa atipicidade é bom indicativo da incompetência da Justiça Eleitoral. Mas decisivo é o exame da matéria controvertida. Apreciando esse caso, decidiu o TRESC que a competência era da Justiça do Trabalho. Argumentou-se, na ocasião, que, embora previsto o afastamento do candidato, a chamada desincompatibilização na legislação eleitoral (LC n. 64, de 1990, art. 1°, II, "I"), a matéria é trabalhista, pois envolve controvérsia entre empregador (Administração Indireta) e empregado a respeito de licença remunerada trabalhista (Acórdão n. 14.906, de 11.03.98).

8 A competência da Justiça Eleitoral no âmbito criminal

No âmbito criminal, a competência da Justiça Eleitoral dá pouca margem a controvérsias, visto que lhe cabe julgar os crimes eleitorais, capitulados no Código eleitoral e na legislação extravagante. Muitos desses crimes eleitorais assemelham-se com os crimes catalogados no Código penal, com a diferença de que o elemento subjetivo do tipo penal-eleitoral caracteriza-se pela motivação especial do agir ("para fins eleitorais"), vale dizer, exige-se que o dolo se volte a finalidades eleitorais, como nos crimes de falsidade material e ideológica. São nesses casos, de coincidência parcial de tipos penais comuns e eleitorais, que surgem as controvérsias em matéria de competência criminal da Justiça Eleitoral. Exemplo disso é aquele conhecido como "esquema Paubrasil". Foi instaurado processo criminal na Justiça Federal de São Paulo contra o ex-tesoureiro da campanha do ex-prefeito Paulo Maluf e contra o pianista João Carlos Martins, cuja empresa, Paubrasil, teria sido usada na arrecadação irregular de recursos, estimados em US$ 30 milhões, para financiar as campanhas de Maluf a governador ( 1990) e a prefeito ( 1992). Os crimes seriam, entre outros, de falsidade ideológica (emissão de notas frias e faturas falsas) e formação de quadrilha. O ex-tesoureiro suscitou conflito de competência ao STF, com o objetivo de deslocar a competência do processo criminal para a Justiça Eleitoral, na qual tramitava investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação O STF não conheceu do conflito, mas deferiu habeas corpus de oficio em favor do suscitante, para anular, a partir da denúncia, inclusive, o processo criminal instaurado perante a Justiça Federal, visto que os crimes de falsidade ideológica tinham motivação eleitoral, qualificando-se assim como crimes eleitorais, e os demais crimes comuns eram conexos aos delitos eleitorais (CC n. 7.033-SP, Rei. Min. Sydney SANCHES, julgado em 02.10,96, Informativo do STF, n 48, p. 1)

Havendo crimes eleitorais conexos a crimes comuns (de competência da Justiça Estadual ou Federal), prorroga-se, de regra, a competência da Justiça Eleitoral, por ser jurisdição especial, para o julgamento dos crimes comuns (Código eleitoral, arts. 35, II, e 364; Código de processo penal, art. 78, IV) Tem-se, aqui, caso tipico de expansão infraconstitucional da competência da Justiça Eleitoral, da qual se tratou no item 3 do presente artigo. Destarte, o art. 35, II, do Código eleitoral vale, por força do principio da recepção, como lei complementar, porque trata de matéria que a Constituição reservou a essa Lex speciafis (CF, art. 121, caput). Por outro lado, do ponto de vista material, tal expansão da competência da Justiça Eleitoral também se mostra constitucional, por lastreada em critério razoável, a conexão dos crimes.

Também quanto à determinação da competência criminal da Justiça Eleitoral, o critério material é decisivo, preponderando sempre sobre o critério temporal, conforme aventado no item 6, supra. Assim, já assentou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao qual cabe julgar conflitos entre juízes eleitorais e juizes de direito (CF, art. 105' I, "d"), que crime contra a honra, praticado embora durante o período eleitoral, quando vise mais à honra pessoal do que à do candidato propriamente dito, vale dizer, quando não tenha conotações eleitorais, é da competência da Justiça Comum (CC n. 3.852-SP, Rel. Min. José DANTAS, DJU, de 23.08.93; CC n. 4.187-PR, Rel. Min. Ademar Maciel, DJU, de 30.08.93).

9 Conclusão

O tema da competência da Justiça Eleitoral ainda permanece na orfandade. Ou por óbvio o afastam, ou por entendê-lo superado deixam-no os autores e os julgadores sem maior trato. Com chavões cronológicos pretendem tê-Io definitivamente resolvido ("a competência da Justiça Eleitoral se exaure com a diplomação dos eleitos"), quando a Constituição Federal estabelece claramente que se trata de competência determinável ratione materiae. De mais a mais, a Justiça Eleitoral é instituição permanente, a despeito da temporariedade do mandato dos seus juízes, de modo que não faz sentido afirmar o exaurimento de sua competência pelo só fato de encerradas as eleições e diplomados os eleitos Essa percepção conservadora e retrógrada da jurisprudência revela-se, além de descompassada com o ordenamento constitucional vigente, como forte obstáculo ao pleno exercício das funções que a Constituição reservou à Justiça Eleitoral.

Com efeito, tal como redesenhada pela Constituição de 1988, a Justiça Eleitoral deve ficar sempre de vigília para garantir, repressivamente, a normalidade e a legitimidade das eleições passadas e, preventivamente, das futuras que imediatamente se lhe seguem (CF, art. 14, § 9°), pois, como dizem os políticos, "quando termina uma eleição, já a próxima começa." Além dessa determinação do jus positum, há a necessidade social de que a Justiça Eleitoral tenha ainda mais alargados os limites de sua competência, para cuja positivação, frise-se, basta a edição de lei complementar (CF , art. 121 , caput). Diante disso, o tema da competência da Justiça Eleitoral deve pôr-se na ordem do dia, para que exerça plenamente as funções que lhe foram reservadas, mas que ainda não descobriu, e que possa, num segundo momento, habilitar-se á ampliação dessas funções, segundo as exigências dos novos tempos. 

Juiz Efetivo do TRESC. Juiz Federal. Mestre e Doutorando em Direito (UFSC). Professor do Curso de Mestrado em Direito da UNIVALI.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 5, n. 1 (jan./jun. 1998).

 

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